• 25/11/2015

    32 anos depois, Marçal vive

    Essa história aconteceu trinta e dois anos atrás – mas poderia ter acontecido hoje.

    Era uma emboscada na porta de sua casa, no dia 25 de novembro de 1983. Um índio foi assassinado por pistoleiros com cinco tiros, um na boca.

    Seu nome de registro: Marçal de Souza. O nome Guarani Ñandeva: Tupã’i. Pequeno deus.

    Você pode conhecer o rosto franzino e desdentado deste homem no youtube, em seu discurso ao Papa em 1980, ou no documentário Terra de Índios, de Zelito Viana, de 1977.

    Marçal era um indígena do Mato Grosso do Sul. Nasceu em 1920 para ser expulso e confinado na reserva Te’ýikue, em Caarapó, em função dos trabalhos de colheita de erva-mate. As empresas de mate chamavam "reservas indígenas" de “acampamentos de trabalho”.

    Mas o Pequeno deus, órfão, toma um rumo atípico. Ao 8 anos, vai parar em Dourados, num orfanato da Missão Caiuá. Aos 12, muda-se para Campo Grande com um casal de missionários evangélicos. Lá, conhece um oficial do Exército que o leva para Recife, onde trabalha em troca de comida, roupa e estudo. Volta à Dourados e dá aulas para crianças órfãs como ele. Também se torna intérprete de Guarani.

    Em 1959, forma-se atendente de enfermagem, profissão que exerceria até a morte, através de curso na Organização Mundial de Saúde (OMS). A partir dos anos 70, com a ebulição do movimento político indígena nacional, passa a despontar como liderança dos povos Guarani, denunciando a expropriação das terras indígenas, a exploração ilegal de madeira, a escravização de índios e o tráfico de meninas indígenas.

    Perseguido, é expulso de Dourados em 1978 pela Funai e volta a morar na reserva Te’ýikue, onde havia morado dos 3 aos 8 anos. Ainda em 78, Marçal é mais uma vez transferido pela Funai, e passa a viver na aldeia de Mbarakaju, em Antonio João, fronteira do estado com o Paraguai.

    Em 1980, é escolhido representante dos povos indígenas do Brasil para discursar ao papa João Paulo II durante sua primeira visita ao Brasil, em Manaus. Marçal fez uma fala histórica, que repercurtiria em todo o mundo: "Nossas terras são invadidas, nossas terras são tomadas, os nossos territórios são invadidos. Dizem que o Brasil foi descoberto. O Brasil não foi descoberto não, o Brasil foi invadido e tomado dos indígenas do Brasil. Essa é a verdadeira história".

    No mesmo ano, Marçal se engaja junto de 30 famílias na luta pela demarcação da terra indígena de Pirakuá, no município de Bela Vista, vizinho a Antônio João. Pirakuá é lembrada como a primeira de um sem-número de retomadas que os Guarani Ñandeva e Guarani Kaiowá realizariam a partir de então.

    A demarcação da terra é contestada pelo fazendeiro Astúrio Monteiro de Lima e seu filho Líbero Monteiro. Naqueles dias, Marçal, com 63 anos, sabia que ia morrer. Teria dito, pouco antes de sua morte: "sou uma pessoa marcada para morrer, mas por uma causa justa a gente morre".

    Após diversas ameaças e agressões, em 1983, Tupã’i é assassinado a tiros no rancho de sua casa, na aldeia Campestre, em uma emboscada noturna.

    O fazendeiro Líbero Monteiro de Souza, apontado como mandante do crime, executado por Romulo Gamarra, foi inocentado no julgamento realizado dez anos depois pela Justiça Federal de Ponta Porã. Líbero faleceu no início dos anos 2000. No dia 2 de setembro de 2002, o Juiz Federal José Denílson Branco, da 2ª Subseção Judiciária da 1ª Vara Criminal de Dourados extinguiu o processo 2001.60.02.001890-6, o chamado Caso Marçal. Ninguém foi punido.

    “Não queremos emancipação, nem integração. Queremos o nosso direito de viver. Jamais o branco compreenderá o Índio. Queremos ser um povo livre como antigamente. O índio está cercado, amordaçado por uma democracia que não funciona. Por isso nós vamos a campo”, disse Marçal certa vez.

    A terra indígena Pirakuá foi homologada. O movimento indígena Guarani e Kaiowá se consolidou, surgindo o Aty Guasu, a grande assembleia Guarani e Kaiowá. Dezenas de retomadas de terras foram reailzadas. Depois de Marçal, mais de duas centenas de indígenas morreram na luta por terem de volta uma parte de seus territórios originários.

    Adaptação de texto de Ruy Sposati, originalmente publicado em 2013 no site do Cimi.

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  • 24/11/2015

    Lideranças indígenas Guarani-Kaiowá e Ñandeva discutem os direitos humanos em Salvador

    O Mato Grosso do Sul é hoje o estado mais violento em relação aos povos indígenas no Brasil. Segue-o neste sinistro ranking o estado da Bahia. Os fatos que apontam para esta constatação do indigenista Haroldo Heleno, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), estão discriminados no relatório desta instituição sobre a “Violência contra os Povos Indígenas no Brasil” para o ano de 2014. Esta triste realidade revela a pertinência dos debates realizados na última quinta-feira (19), em ocasião da “I Semana Internacional dos Direitos Humanos”, organizada pelo Ministério Público Estadual da Bahia, em Salvador. O evento que ocorreu entre dias 18 e 20 de novembro de 2015, contou naquela ocasião com a participação das lideranças de comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul, a Guarani e Kaiowá Valdelice Veron e o Guarani-Ñandeva Natanael Caceres, que vieram a Salvador expor a situação aterradora em que vivem os indígenas naquela região e, como afirmaram os próprios líderes, pedir socorro diante de um contexto cada dias mais insuportável à sobrevivência de suas comunidades. Dores e sofrimentos certamente compartilhados pelos povos indígenas na Bahia.

    A tarde daquela quinta-feira de evento, dedicada à discussão sobre a “proteção dos direitos dos povos indígenas”, contou ainda com a participação de professores universitários, representantes dos poderes públicos, jornalistas e indigenistas que participaram dos dois painéis então realizados.

    As discussões tiveram início com a exposição da professora e pesquisadora da Universidade Federal da Bahia Maria Hilda B. Paraíso sobre “Direitos indígenas na Ditadura”. Pinçando algumas das muitas situações de total desprezo aos direitos (humanos) indígenas na época, a professora ressaltou a atuação controversa do Serviço de Proteção ao Índio (SPI). O projeto militar para o Estado brasileiro – envolvendo a integração do território nacional como peça chave do desenvolvimentismo apregoado, a primazia da segurança interna e o controle dos comportamentos – implicou na ampla questionabilidade dos direitos indígenas. Desse modo, as demarcações de terras indígenas no período ditatorial foram ínfimas, com a exceção do Parque Indígena do Xingu, e muitas etnias foram massacradas e extintas com a cumplicidade do SPI, justificada pela idéia de que apenas os mais aptos sobreviveriam.

    Em seguida passou-se a palavra para as lideranças guarani. Natanael afirmou que os índios no Mato Grosso do Sul não vivem, mas apenas sobrevivem às duras custas, conseguindo manter condições mínimas para tanto. Vítimas de um contínuo genocídio e da destruição dos ambientes que tradicionalmente ocupam, estes Guarani não têm a mínima possibilidade hoje de estabelecerem o seus Tekoha, que, segundo Natanael tratam-se dos “lugares onde se é”, ou seja, que viabilizam a existência específica do povo Guarani, sua vida de fato. Natanael afirmou ainda que esta situação pode piorar se a PEC 215 for aprovada. Ele condenou veemente esta Proposta de emenda à Constituição.

    Seguindo-se à fala de Natanael, Valdelice Veron, liderança Guarani-Kaiowá apresentou o vídeo onde o corpo de um guerreiro guarani, Semião Vilhalva, é arrastado às pressas por seus companheiros, ao som de seus lamentos, após ter sido assassinado com um tiro no rosto por fazendeiros da região no dia 29 de agosto deste ano. Valdelice então denunciou a situação de total desrespeito a seu povo diante das próprias leis nacionais e das convenções internacionais promulgadas pelo Estado brasileiro. Segundo ela, de 2003 a 2013, 290 lideranças já foram mortas por conflito fundiário no Mato Grosso do Sul. Nesta lista de assassinato consta a do seu pai, Marco Veron assassinado em 2003. Valdelice também denunciou por várias vezes o governo brasileiro de omissão e conivência com esta situação de violência contra os povos indígenas do Brasil, denunciou também o Congresso Nacional, em especial os parlamentares que formam a bancada ruralista, que tentam retirar os direitos e agridem constantemente os indígenas.

    O procurador da República no município de Dourados/MS, Marco A. Almeida tratou em sua exposição da tese do marco temporal, utilizada como argumento em decisões da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) contrárias a demarcação de terras indígenas Guyra Roka dos Guarani-Kaiowá (MS); Porquinhos dos Canela Apanyekrá (MA); e Limão Verde dos Terena (MS), esta última já tendo sido homologada em 2003. Segundo a tese do marco temporal utilizada por representantes do STF em tais julgamentos, os povos indígenas só teriam direito às terras por eles tradicionalmente ocupadas se as estivessem ocupando de fato em 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal, ou se estivessem em lítigio jurídico ou conflito direto por aquelas terras. Desta forma, os juristas envolvidos ignoram o fato de que na época, por um lado, estando ainda sob regime tutelar, os indígenas não tinham o direito de se representar legalmente, e, por outro, as possibilidades de enfrentamento direto na época eram ínfimas, como demonstrado anteriormente pela professora Maria Hilda B. Paraíso. As referidas decisões da 2ª turma do STF devem ser amplamente combatidas, pois abrem um precedente criminoso contra os povos indígenas no Brasil.

    O fechamento do painel foi feito pela professora e pesquisadora da Universidade Estadual da Bahia Euzelene R. Aguiar, que tratou da questão dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas através da perspectiva da área da saúde. Para ela, de um quadro marcado por doenças infeccionais, os povos indígenas no Brasil sofrem atualmente majoritariamente com doenças crônicas, tais como obesidade, alcoolismo, depressão, consumo de drogas, entre outras. Segundo a pesquisadora, isso se deve sobretudo às situações de risco em que vivem estas populações acarrentando traumas diversos e intensos aos indivíduos.

    O próximo painel foi inciado pelo indigenista Haroldo Heleno do CIMI. Para ele, na Bahia a luta social é um crime, o que se evidencia pela perseguição, criminalização e encarceramentos autoritários de lideranças indígenas, tal como o caso do cacique Babau, Tupinambá da Serra do Padeiro, que já foi preso três vezes sem ter quaisquer acusações consistentes contra si. De todo modo, Haroldo afirma que o trabalho do CIMI visa o princípio de unidade da luta dos povos e comunidades tradicionais. Em tom otimista, ele vislumbra as possibilidades geradas pela comunicação e articulação destas populações, como a que vem ocorrendo no sul da Bahia, expressa pelo evento ocorrido no Assentamento Terra Vista em Arataca/BA, a “Jornada Agroecológica”, que reuniu cerca de 2 mil pessoas. O indigenista ainda traçou um panorama geral de uma “estratégia antiindígena” do poder legislativo que vem sendo coordenada pelas bancadas “BBB” – do Boi, da Bala e da Bíblia – e que tem como expoente máximo o Projeto de Emenda Constitucional 215/2000, que visa transferir a responsabilidade das decisões sobre a demarcação de terras indígenas, territórios quilombolas e Unidades de Conservação da esfera do poder executivo para a do legislativo Congresso Nacional. Ato obviamente anticonstitucional que visa reter os processos de demarcação destes territórios. Apesar do triste cenário que é produzido por agentes públicos e privados, Haroldo vislumbra possibilidades de reversão pela mobilização política dos povos indígenas, tal como a “Campanha Internacional de Boicote ao Agronegócio no Mato Grosso do Sul”, lançada pelos povos indígenas no estado e que pode ser acompanhada nas redes sociais virtuais na internet.

    Seguindo-se a apresentação de Haroldo, o juiz federal e professor da UNEB João B. de Castro Jr. tratou de uma “outra” estratégia antiindígena, que consiste no processo glotocida histórico no Brasil, ou seja, de extermínio das línguas indígenas que, desde o início da colonização, vem extinguindo os bancos de experiências sociocognitivas representados por estas línguas. Além disso, ele aproveitou para criticar o grande isolamento disciplinar de muitos juristas brasileiros que, dessa forma, não se defrontam com a realidade social sobre a qual tratam legalmente.

    Por fim, o jornalista Marcelo Cristóvão, do Ministério Público Federal no Mato Grosso do Sul, tratou do início da questão indígena no estado com a Guerra do Paraguai, que em grande parte foi vencida pelos indígenas que já viviam na região e que foram recrutados pelas tropas nacionais. Com o fim da guerra, títulos de terra foram expedidos para aqueles que serviram no combate às forças paraguais. As terras na região foram então ocupadas pelos detentores destes títulos através do assassinato, expulsão ou submissão dos indígenas nativos da região. Hoje, o Mato Grosso do Sul apresenta o maior índice de suicídios no mundo e, por estarem próximos à fronteira, a situação de violência e impunidade contra os povos indígenas é agravada. Por fim ele apresentou os vídeos produzidos pelo MPF/MS sobre a realidade destes povos e que estão disponíveis no blog “Tekohá” (clique aqui para acessar).

    Ao fim das palestras foi passada a palavra para o jovem Tupinambá de Olivença Rômulo, que fez uma contundente denúncia ao Estado nacional por desprezar completamente os direitos dos povos originários no País que emocionou os presentes.

    Realizado no estado da Bahia, onde vivem cerca de 23 etnias indígenas que lutam cotidianamente para r-existirem ao avanço expropriatório do capital, a I Semana Internacional de Direitos Humanos, promovendo a exposição e o debate sobre as atrocidades cometidas contra povos indígenas no Mato Grosso do Sul, contribuiu com a perspectiva de uma luta unificada no Brasil pelos direitos e territórios destas populações. A finalização dos debates daquela quinta-feira foi realizada pelas lideranças guarani através de uma roda de danças e cantos tradicionais. Valdelice Veron, líder Guarani Kaiowá, disse que aqueles cantos lhe foram ensinados por sua mãe e têm também como objetivo aliviar a mente daqueles que pensam demais. Talvez o que ela esteja indicando é que precisamos deixar um pouco de pensar e passar a sentir, a dor e o sofrimento com que hoje se constrói a nação brasileira, para então agir em prol de um mundo humano que envolva de fato a liberdade plena de todos seus sujeitos.


    Salvador, 20 de novembro de 2015

    Texto e fotos por Ricardo S. Freire, mestrando em geografia na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e é parceiro do Cimi na Bahia


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  • 23/11/2015

    Conferência dos Religiosos do Brasil se une em defesa dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul

    Religiosos e religiosas provenientes de todos os estados do Brasil se reuniram em Brasilia para a primeira reunião de coordenadores das seções regionais da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), recém eleitos em Assembleias Gerais Ordinárias em 2015.

    Na ocasião, a coordenadora da CRB de Cuiabá (MS) e religiosa pertecente à Congregação das Franciscanas de Nosssa Senhora Aparecida, Irmã Iriete Ignez Lorenzzetti, expôs a situação na qual vivem os povos indígenas Guarani-Kaiowá, junto aos quais atua o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), religiosos e religiosas que assumiram uma atitude profética de defesa destes povos.

    Lorenzzetti destacou que o Mato Grosso do Sul é o estado com o maior índice de mortalidade por assassinatos pela questão territorial. “Temos uma grande quantidade de terra concentrada nas mãos de alguns fazendeiros e esses usam as terras já demarcadas da população indígena. A vida religiosa não pode ficar calada diante desses conflitos, dessa situação de desrespeito de criminalização”, assegura.

    A religiosa também falou sobre o apoio dado ao Cimi no estado do MS, em função da CPI que foi instalada pela Assembleia Legislativa. “Hoje estamos junto com o Cimi, que vem sofrendo uma CPI. O que as autoridades alegam é que o Cimi é culpado pela organização dos povos indígenas. A própria Constituição Brasileira garante uma organização dos povos dentro das suas culturas e realidades. Temos uma população indígena articulada, organizada que caminha com as próprias pernas”.

    Solidários, solidárias e indignados com a situação da qual já tinham conhecimento e dela se aproximaram mais com a exposição de Lorenzzetti, religiosas e religiosos presente no encontro manifestaram o seu sentimento a respeito da realidade na qual vivem os Guaranis- Kaiowá e tantos outros povos indígenas no Brasil.

    Padre Rubens Pedro Cabral, coordenador da CRB de São Paulo (SP), afirmou: “Vivemos numa sociedade que exclui todas as pessoas que tem uma cultura diferente, uma postura diferente e sobretudo aqueles que não tem recursos financeiros ou políticos, recursos que venham trazer para a pessoa um poder aparente que lhe garanta o sustento e a vida. A causa indígena exige uma postura governamental séria porque eles precisam de acompanhamento e infelizmente os organismos do governo também estão corrompidos, fecham os olhos para a situação que eles vivem, têm dificuldade de se aproximarem da sua realidade garantindo a cultura e esses também são contaminados pelo nosso sistema capitalista. Manifestamos a nossa indignação, o que fizemos através do manifesto”.

    A presidente nacional da CRB, Irmã Maria Ines Vieira Ribeiro, ressaltou a importância da defesa dos povos indígenas e de todos aqueles que estão colocados à margem da nossa sociedade. “Como consagradas/os a serviço do Reino, seguindo os passos de Jesus, que assumiu a causa do mais pequeninos e marginalizados, não podemos deixar de repudiar o que continua acontecendo com nossos irmãos indígenas, originários, donos primeiros dessa terra amada, o Brasil! Somos de fato, incondicionalmente favoráveis a preservação de sua cultura e territórios devidamente demarcados e respeitados. Nos unimos e temos esperança que avancem os trabalhos realizados pelo Cimi e outros órgãos, entidades e políticos em favor das populações indígenas”.

    Para ler a íntegra das manifestações de coordenadores e coordenadoras da CRB a respeito da questão indígena, clique aqui.

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  • 23/11/2015

    MPF dá 45 dias para Funai iniciar os estudos da Terra Indígena Munduruku do Planalto Santareno

    O Ministério Público Federal enviou recomendação à presidência da Fundação Nacional do Índio dando prazo de 45 dias para que seja constituído o Grupo de Trabalho para realizar os estudos de identificação e delimitação da Terra Indígena Munduruku do Planalto Santareno. Nessa área, com pelo menos quatro aldeias (Açaizal, Ipaupixuna, São Francisco da Cavada e Amparador), os índios Munduruku estão sofrendo muita pressão de invasores, principalmente fazendeiros de soja, diante da demora da Funai em iniciar os estudos.

    De acordo com a legislação, o procedimento de demarcação de uma terra indígena se inicia com a formação do grupo de trabalho (GT) multidisciplinar de qualificação reconhecida para elaborar o estudo antropológico de identificação e delimitação. Esse estudo dá origem a um documento chamado Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID), que serve de base para todo o processo de demarcação.

    Para o MPF, quanto mais a Funai demora em iniciar os estudos, mais vulneráveis ficam os moradores da terra Munduruku do Planalto, sofrendo cada vez mais ameaças à integridade étnica, territorial e cultural a que tem direito de acordo com a Constituição brasileira. “A noção de desenvolvimento ora em voga no país tem simplesmente desconsiderado os modos de vida tradicionais de inúmeras populações indígenas e que já é passada a hora do país efetivamente respeitar a integridade territorial desses povos”, diz a recomendação do MPF.

    O presidente da Funai, João Pedro Gonçalves da Costa, tem 15 dias para se manifestar se vai ou não acatar a recomendação. Caso acate, tem no máximo 45 dias para constituir o grupo de trabalho. Se não acatar, fica sujeito às medidas judiciais cabíveis.

    Clique aqui para ler a íntegra da recomendação do MPF/PA à presidência da FUNAI.

    Foto: Haroldo Espírito Santo/acervo CIMI

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  • 23/11/2015

    Em nota, Associação Brasileira de Antropologia questiona justificativas da CPI da Funai-Incra

    Após a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), no dia 11 de novembro, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) emitiu uma nota à Câmara dos Deputados, questionando as justificativas da CPI orquestrada pela bancada ruralista.

    A ABA incluiu a recente CPI, voltada supostamente a investigar a atuação da Funai e do Incra, no conjunto de uma série de “medidas contrárias ao reconhecimento dos direitos de populações tradicionais, notadamente dos direitos territoriais dos povos indígenas e quilombolas”.

    Segundo a Associação, a CPI – que tem como presidente e relator, respectivamente, os deputados ruralistas Alceu Moreira (PMDB-RS) e Nilson Leitão (PSDB-MT) – “foi instalada, como se sabe, a contrapelo da legalidade, por não atender aos requisitos mínimos de um procedimento dessa natureza”.

    Em resposta a um suposto conluio entre profissionais da área da antropologia, ONG’s, órgãos do Executivo e o Ministério Público Federal evocado pelos parlamentares ruralistas para justificar a CPI, a Associação defende a idoneidade e a legitimidade científica e ética do campo das Ciências Sociais.

    Além disso, a nota atenta para o fato de que nos processos de regularização dos territórios indígenas e de quilombos há dispositivos legais de contestação que garantem “que no trabalho antropológico aí desenvolvido não há margem para arbitrariedades, abusos, ideologias, violação de registros públicos e/ou de direitos”.

    Leia, abaixo, a íntegra da nota divulgada no dia 17 de novembro:


    Nota à Câmara dos Deputados sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito instalada para investigar a atuação da Funai e do Incra

    A Associação Brasileira de Antropologia vem publicamente manifestar sua perplexidade e indignação diante do avanço de medidas contrárias ao reconhecimento dos direitos de populações tradicionais, notadamente dos direitos territoriais dos povos indígenas e quilombolas, inscritos desde a Constituição de 1988 e em legislação pertinente ao tema, no que vem sendo uma avalanche orquestrada de proposições legislativas, atos administrativos e omissões judiciárias.

    A Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI instalada em 11 de novembro de 2015, às 14 horas, no plenário 11 da Câmara dos Deputados do Congresso Nacional, destinada a investigar a atuação da Fundação Nacional do Índio – Funai e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra na demarcação de terras indígenas e de remanescentes dos quilombos é mais um episódio desse conjunto de ações e omissões. Tal CPI tem como uma de suas metas alegadas “avaliar” o conhecimento produzido pela investigação antropológica, que demonstra pelos termos apresentados no requerimento de instalação dos proponentes, ser-lhes desconhecido e, assim, é tornado caricaturalmente grotesco.

    Fruto de requerimento datado de 16 de abril de 2015, apresentado pelos Deputados Federais Alceu Moreira (PMDB-RS), Luis Carlos Heinze (PP-RS), Nilson Leitão (PSDB-MT), Valdir Colatto (PMDB-SC) e Marcos Montes (PSD-MG), a CPI foi instalada, como se sabe, a contrapelo da legalidade, por não atender aos requisitos mínimos de um procedimento dessa natureza, como o mandato de segurança interposto junto ao STF pela Deputada Federal do PT do DF Érika Kokay, em 9 de novembro de 2015, bem o demonstra.

    Na justificação apresentada pelos requerentes para a criação da CPI, argumenta-se que medidas administrativas e as respectivas peças técnicas e científicas que embasam os laudos periciais estariam ferindo “todas as garantias fundamentais do devido processo legal, padecendo de unilateralidade e parcialidade; afrontando a ampla defesa, o contraditório, e a igualdade; colidindo com o direito a uma decisão substancialmente justa, com o direito à vida; violando a dignidade da pessoa humana, bem como o direito de propriedade, garantido no art. 5º, caput, e incisos LIV, LV, XXII, da CF/88; se prestando a todo o tipo de manipulação, pois se baseia em um mero laudo técnico, unilateral, ideologizado e arbitrário; e sem defesa possível, revogaria registros públicos seculares; e, por fim, atacaria criminosamente a vida e a dignidade de milhares de pessoas, em nome de teses internacionais”.

    Cita ainda o requerimento de instalação da CPI que haveria um conluio entre os Departamentos de Antropologia das Universidades, os profissionais da antropologia, os órgãos do Executivo – notadamente a Funai e o Incra – as ONG’s e o Ministério Público Federal, resultando em delimitações abusivas e arbitrárias.

    Tais afirmações demonstram a ignorância de diplomas legais que, dentro dos princípios republicanos buscam restaurar a igualdade material, a partir do reconhecimento da diversidade, implicando na efetivação de direitos originários e na reparação das populações indígenas e de origem africana pelo esbulho histórico da terra, por migrações forçadas e pela escravidão.

    Fundada em 1955, e uma das primeiras associações científicas da área das humanidades a serem constituídas no Brasil, a ABA tem, de acordo com as teorias científicas, os métodos, e a ética de uma disciplina existente há dois séculos, com amplo reconhecimento no cenário científico nacional e internacional, buscado propugnar pelo avanço do conhecimento científico, pela formação de profissionais ao nível de mestrado e doutorado, abraçando a defesa de direitos das populações estudadas pelos antropólogos, com base na expertise que a pesquisa etnográfica e documental teoricamente embasada nos confere. Não podemos nos calar diante de posicionamentos que demonstram intencionalmente ignorar, menoscabar e distorcer a verdade científica de acordo com os códigos legítimos nas Ciências Sociais.

    Ao contrário desse desfiar de despropósitos, é sabido que, nos processos de regularização fundiária de territórios indígenas e de quilombos, tanto em termos administrativos quanto em termos judiciais, são tantos as instâncias de análise e decisão, e os espaços de defesa de interesses contraditórios ou de contestações – o que tem tornado o processo de regularização fundiária extremamente moroso -, que no trabalho antropológico aí desenvolvido não há margem para arbitrariedades, abusos, ideologias, violação de registros públicos e/ou de direitos.

    Sabe-se também que a atuação de antropólogos em processos de identificação e delimitação de territórios requer não apenas maturidade acadêmica, exigindo-se, especialmente pós-graduação ao nível mínimo de mestrado em antropologia, o que pressupõe formação plena e utilização de conceitos, métodos e técnicas da disciplina reconhecida e consolidada, como também maturidade em lidar com complexas situações de conflito, sendo que muitas vezes a integridade física e moral dos grupos sociais pesquisados e dos próprios antropólogos têm sido ameaçadas por interesses e forças antagônicas.

    Em reunião recente, a Associação propôs o documento intitulado “Protocolo de Brasília – Laudos Antropológicos: condições para o exercício de um trabalho científico”, que segue anexado a essa nota. Trata-se de uma condensação clara de princípios assentes no corpo teórico da disciplina, em seus métodos e princípios éticos. Urgimos essa Casa do Povo a se atualizar e conhecer o trabalho que vem sendo feito por profissionais da antropologia, sejam ou não servidores do Incra e da Funai, abandonando a ignorância interessada e as teorias conspiratórias de uns poucos parlamentares, em favor da verdade, dos princípios fundamentais da República, da luta pela igualdade na diversidade, na busca por uma sociedade mais justa e verdadeiramente democrática.

    A ABA e outras associações científicas, temos certeza, estarão prontas a cooperar no sentido do esclarecimento desse plenário na direção da verdade e da Justiça.

    Brasília, 17/11/2015.

    Associação Brasileira de Antropologia, sua Comissão de Assuntos Indígenas e seu Comitê Quilombos.

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  • 20/11/2015

    PEC 215: MPF promove audiência pública sobre demarcação de terras indígenas


    A recente aprovação na Comissão Especial da Câmara dos Deputados da PEC 215 tem preocupado organismos de defesa dos direitos indígenas, povos e o Ministério Público Federal. A possibilidade de transferência da exclusividade da demarcação de terras indígenas para o poder Legislativo e os direitos dos povos indígenas à terra serão discutidas em Audiência Pública que será realizada no dia 26 de novembro, na Procuradoria-Geral da República em Brasília.

    Com o tema PEC 215: demarcação de terras indígenas, a audiência reunirá lideranças indígenas, representantes do poder Legislativo, órgãos governamentais, entidades que atuam em defesa dos direitos dos povos e sociedade civil.

    “É preciso reunir o máximo de atores possíveis em torno dessa discussão, com a pluralidade de opiniões e ideias que compõem a nossa sociedade democrática. As decisões não podem ser tomadas à revelia dos maiores interessados e atingidos: os povos indígenas”, pontua a subprocuradora-geral da República e coordenadora da câmara de povos indígenas e comunidades tradicionais Deborah Duprat.

    A audiência terá início às 14h e é aberta a quem quiser comparecer. Não é necessária inscrição prévia. A audiência também poderá ser acompanhada pela TV MPF www.tvmpf.mpf.mp.br

    Posicionamento –  O MPF já se manifestou contrário à aprovação da PEC 215 enviada ao Congresso Nacional. O MPF é contra a PEC 215 por afrontar cláusulas pétreas da Constituição da República. Para o MPF, a PEC 215 viola o núcleo essencial de direitos fundamentais, como direito dos índios às terras tradicionalmente ocupadas (art. 231, CF); direito à cultura (arts. 215, 216 e 231, caput, CF); direito adquirido concedido diretamente pelo poder constituinte (art. 5º, XXXVI, CF); e direito ao devido processo legal administrativo (art. 5º, LIV, CF). 

    Mais informações: 61 – 3105 6050 ou 6ccr@mpf.mp.br

    Serviço:

    Audiência Pública PEC 215 – demarcação de terras indígenas

    Data: 26 de novembro de 2015

    Local: Auditório JK – Procuradoria-Geral da República –Brasília

    Horário: A partir das 14h

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  • 20/11/2015

    Povo Kreepym-Katejê manifesta-se por melhores condições e contra a PEC 215

    Entre os dias 16 e 18 de novembro, 200 indígenas do povo Kreepym-Katejê ocuparam a sede da prefeitura do município de Itaipava do Grajaú, no Maranhão, para reivindicar melhores condições de saúde, educação e a reconstrução das estradas que dão acesso à Terra Indígena Geralda/Toco Preto, onde cerca de 350 pessoas deste povo vivem em três aldeias distintas.

    Os indígenas também utilizaram a mobilização para manifestarem seu repúdio pela PEC 215. “Não teve nenhuma mídia, não apareceu na televisão, mas a gente fez a nossa manifestação aqui. Não fomos para Brasília, mas quisemos demonstrar que estamos mobilizados aqui na nossa base, apoiamos a luta dos outros povos e somos contra a PEC 215”, afirmou por telefone Fábio Timbira, liderança da Aldeia Sibirino, uma das três aldeias de Geralda/Toco Preto.

    Segundo Fábio Timbira, uma das principais motivações para as manifestações foi a desestruturação completa das estradas, tanto as que ligam as diferentes aldeias entre si, quanto as que ligam-nas à cidade de Itaipava do Grajaú, distante cerca de 30 km da Terra Indígena.

    A água do único poço artesiano da Aldeia Sibirino, perfurado pela Sesai em 2004, é salgada, o que faz com que a comunidade dependa da água das aldeias vizinhas ou da do fornecimento de água via caminhão-pipa. Por isso, o risco de que as condições da estrada se agravem no próximo mês – quando inicia na região o período de chuvas – e isolem a aldeia fez com que os indígenas resolvessem se manifestar.

    Além disso, os indígenas reclamam da discriminação sofrida nos serviços de saúde pública do município, que, segundo eles, não assume as demandas apresentadas pelos povos. Segundo Fábio, há pessoas aguardando a realização de cirurgias urgentes, mas a Prefeitura diz que não há material disponível.

    Em setembro, os Kreepym-Katejê já haviam se manifestado para que a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) disponibilizasse uma equipe multidisciplinar numa base mais próxima, à Terra Indígena de Geralda/Toco Preto, além de um carro e um posto de saúde – estes últimos, ainda aguardados pelos indígenas.

    Outra reivindicação dos Kreepym-Katejê é a construção de uma escola nova dentro da sua Terra Indígena, pois a atual construção, além de estar muito deteriorada, não possui cozinha e nem banheiros e atende apenas até o quarto ano do ensino fundamental. “Isso faz com que as crianças tenham que ir para a cidade depois do quarto ano, o que a gente não quer. A gente quer nossa escola aqui, para quem quiser estudar aqui, sem ter que ir pra cidade nem abrir mão da nossa cultura. A cidade é muito longe”, afirmou Fábio Timbira.

    No terceiro dia ocupando a sede da Prefeitura de Itaipava do Grajaú, os indígenas foram atendidos e um acordo foi fechado com os órgãos municipais e estaduais. A construção da nova escola, atribuição do governo estadual, deve iniciar até o ano que vem, e a reparação das estradas, por parte do município, deve ser concluída até o dia 26 de novembro. “Caso contrário”, diz Fábio, “Vamos ocupar novamente, e só saímos quando tivermos uma resposta na prática”.

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  • 19/11/2015

    PEC 215 Não: Xingu entrou nessa guerra!

    “Não daremos nenhum passo atrás. A PEC 215 é uma proposta de genocídio de toda humanidade, pois todos dependem da natureza para se alimentar e sobreviver. Vamos à luta!” Com essa decisão guerreira, 13 povos indígenas da bacia do rio Xingu estão essa semana realizando contatos diversos, caminhadas e conversações com lideranças de partidos e encontros com ministros do Supremo Tribunal Federal.

    Segunda-feira agradável. Sem sol, sem chuva, sem calor. Apenas o calor humano e a beleza das pinturas corporais, adornos e armas rituais. Após uma breve concentração e rituais em frente à Catedral, com a ostentação de faixas, banners e cartazes contra a PEC 215, iniciou a caminhada pelas ruas e espaços dos Três Poderes.  Num dos banners estava expressa a razão da mobilização: “Xingu contra a PEC 215. Acorda povo brasileiro. Desenvolvimento à custa de vidas não. Xingu entrou nessa guerra contra o capitalismo irracional”.

    Um grupo de Kayapó se somou às várias etnias do Parque Indígena do Xingu – o primeiro grande parque do Brasil, pelo qual lutaram os irmãos Villas Boas, e que foi assinado pelo presidente Jânio Quadros em 1961 – e realizou com elas a marcha e caminhada ritual. Gritos e cantos encheram o caminho. Os Kayapó já estão em Brasília fazendo mobilizações e conversações há três semanas. Fato inédito, pois nem na Constituinte permaneceram tanto tempo. Uma das personalidades da luta histórica e que estava na linha de frente da caminhada foi Raoni, protagonista, junto com seu povo, de inúmeras lutas pelos direitos constitucionais e o respeito ao território de seu povo.

    No “Manifesto dos Povos Originários contra a PEC 215 e pela proteção da natureza em sua totalidade”, eles explicitam a razão de sua luta em Brasília, somando com os demais parentes de todo o país. “Viemos aqui deixar um recado claro aos deputados e senadores que irão analisar esta proposta nos próximos dias. Não aprovem a PEC 215. Estamos chamando todas as pessoas preocupadas com o nosso planeta e com o futuro de nossos netos para que se juntem também à nossa luta. Toda a humanidade irá sofrer, todos já estão sentindo as mudanças climáticas”.

    No decorrer da manhã, foram sendo feitas denúncias da invasão das terras e das graves consequências dos desmatamentos de todo o entorno do Parque/Terra Indígena do Xingu. As águas estão cada vez mais poluídas, os peixes estão diminuindo, as condições de sobrevivência cada vez mais difíceis.

     O quadro daquilo que era considerado um paraíso e, nas décadas de 50 e 60, era desenhado como o modelo de sobrevivência dos povos originários deste país hoje está drasticamente ameaçado pelo modelo de desenvolvimento agropecuário da região.

    Diante da obstinada luta dos ruralistas para abrir as terras indígenas à exploração dos recursos naturais e da terra pelo agronegócio, os povos do Xingu em seu manifesto e lutas desta semana pedem aos parlamentares que não aprovem a PEC citada, “pois ela fere os direitos e garantias dos povos originários… estabelecendo o marco temporal, tirando nosso direito de usufruto de nosso território e abrindo as portas para a exploração direta e indireta de nossas riquezas”.


    Mobilizemos a esperança na luta

    Os povos originários do Brasil estão passando por um dos momentos mais ameaçadores das últimas décadas. Nunca as elites deste país investiram tanto em projetos e ações, leis e decisões judiciais contra os povos indígenas.

    Por outro lado, estamos às vésperas da realização de uma Conferência Nacional de Política Indigenista, com mais de 1.800 participantes, da qual se espera em definitivo enterrar essa ação antiindígena orquestrada pelo Estado brasileiro. É momento de mobilização. É momento de esperança. É tempo de luta.

    fotos Laila Menezes

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  • 18/11/2015

    Indígenas voltam a protestar em Brasília contra PEC 215

    Um grupo de cerca de 200 indígenas Kayapó, do Pará, e de diversos povos do Parque Indígena do Xingu (MT) protestou ontem (17/11) na Esplanada dos Ministérios e na Praça dos Três Poderes, em Brasília, contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que dá ao Congresso a última palavra sobre os limites de Terras Indígenas, Unidades de Conservação e quilombos. Se aprovado pelo Congresso, o projeto irá paralisar de vez a oficialização dessas áreas protegidas.

    A PEC foi aprovada numa Comissão Especial da Câmara, no final de outubro, e pode ser votada no plenário a qualquer momento.

    Dentro do Congresso, uma comitiva de 30 líderes indígenas foi recebida por parlamentares e realizou um pequeno ato no Salão Verde da Câmara, em frente ao plenário, onde circulam parlamentares e jornalistas.

    “Projetos como este não são bons nem para os povos indígenas nem para os brancos, pois pretendem destruir o meio ambiente”, afirmou o cacique Raoni Metukire Kayapó. “Não entendo porque não somos consultados sobre medidas que nos afetam”. Raoni afirmou que os povos indígenas vão reagir se a PEC for aprovada.

    O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e os deputados Nilto Tatto (PT-SP), Érica Kokay (PT-DF), Alessandro Molon (Rede-RJ), Wadih Damous (PT-RJ), Paulo Pimenta (PT-RS) e Valtenir Pereira (Pros-MT) participaram do ato.

    Também hoje foi divulgado um manifesto de mais de 130 organizações da sociedade civil e movimentos sociais contra a PEC. "A eventual aprovação desta PEC representaria um retrocesso sem precedentes na nossa história recente e um obstáculo adicional para a efetividade de direitos determinados pela Constituição. Levaria à virtual paralisação dos processos administrativos de materialização desses direitos. Com isso, ficariam agravados e pendentes de solução os conflitos atualmente existentes, gerando outros, tanto no campo como nos embates jurídicos que se perpetuam no Judiciário e no Executivo", afirma o documento (clique aqui para ler).

    Nas últimas semanas, as mobilizações indígenas contra o projeto aumentaram. Nas últimas duas semanas, outros grupos de Kayapó já haviam se manifestado em Brasília. Também foram registrados trancamentos de rodovias em vários pontos do país (clique aqui para saber mais).

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  • 13/11/2015

    SC: Indígenas ocupam ponte no Goio-Ên e deixam recado: “A luta não Acabou. A PEC 215 não passará”

    Mesmo com muita chuva, indígenas ocuparam seu espaço na rua. Bloquearam trecho na divisa entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul em sinal de repúdio contra a PEC 215

    O Goio-Ên ganhou mais vida. Indígenas vindos de diferentes aldeias do Oeste Catarinense ocuparam o seu espaço na rua e sobre a ponte que faz divisa entre os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, na SC-480 durante a quarta-feira, dia 11. O povo se reuniu seguindo a pauta de mobilização nacional contra a PEC 215 que fere efetivamente o direito dos povos indígenas por deixar sobre o poder do Legislativo, o processo de demarcação do território.

    Na quarta-feira, o despertar nas aldeias começou cedo. Como em qualquer dia de grande luta. Guerreiros/as se prepararam para ocupar o Goio-Ên, que já próximo das 8h da manhã, encontrava-se coberto por faixas, bandeiras, povos Kaingang, Xokleng, Guarani. O tempo, teimoso, escureceria o céu, muita chuva descia incessantemente e os indígenas se preparavam com guarda-chuvas, outros/as segurando uma grande lona que protegia parte dos militantes mobilizados, enquanto meninos e meninas, pés no chão, provocavam os céus com lindas danças em sinônimo de resistência. Crianças deitavam-se no chão, brincavam contentes com a água que Tupã enviou. Para elas, parecia festa.

    Mas ao chamado dos mais experientes, a brincadeira transformava-se. É possível perceber que tão cedo, as crianças assumem a tarefa de enfrentamento. Ao passar 40 minutos do primeiro bloqueio, o trecho fora liberado. Mulheres, homens, crianças, todos/as preparados para proteger seus parentes. Os caminhões, ônibus e carros menores passavam pela barreira. Alguns acenavam, outros apenas mantinham olhar fixo sobre as pessoas e outros ainda, proferiam xingamentos, como quem realmente não entende a luta.

    Depois da passagem dos transportes, a cada 30 ou 40 minutos, a barreira novamente era montada. O incômodo, como trata grande parte dos motoristas, fez com que a Polícia logo cedo viesse até o Goio-Ên. Um dos policiais aproximou-se do Cacique Kaingang do Toldo Chimbangue, Idalino Fernandes, para exigir a passagem dos motoristas de 15 em 15 minutos. Mas ele não estava sozinho. Não foi preciso chamar os demais. Eles já estavam ao redor protegendo Idalino de qualquer palavra, de qualquer ação. Foi um momento de tensão, mas também de sentir o compromisso que cada companheiro/a indígena possui com o outro. Alguns subiam no muro e filmavam a conversa entre o Cacique e o policial. Foi possível sentir que ninguém mais passará por cima dos direitos dos povos.

    A imprensa pouco a pouco também se aproximava do bloqueio. Os mais sanguinários corriam de um lado para o outro sem saber o que segurar primeiro, se era o guarda-chuva ou a câmera. Jornalistas explorados, mas que viam na mobilização um produto para a televisão no horário do meio dia.

    O dia seguiu. As 12h, a comida partilhada fortaleceu e animou o povo no meio da BR. Os pingos de chuva insistentes continuavam animando as crianças até todos/as se alimentarem. Ninguém ficou sozinho. O bloqueio seguiu. Logo a tarde, a liberação era feita a cada 30 minutos, quando muito 40 para os transportes. O chimarrão era passado de mão em mão, aquecendo o corpo coberto por roupas molhadas que começavam a pesar.

    “Vivemos 515 anos massacrados. Não queremos mais isso”

    Com a chegada da polícia pela manhã, atento, o Cacique Kaingang Idalino Fernandes apenas dizia: “O papel da Polícia é manter a ordem, mas nós tratamos eles com respeito e queremos que eles nos entendam. Sabemos dos direitos de cada um. Mas não podem só olhar o direito dos outros”.

    Fernandes argumentou com os policiais dizendo que a mobilização e o bloqueio estavam acontecendo conforme a lei permite. “E depois, a única saída é fechar a BR respeitando a legislação. A pessoa que está andando na BR também está sendo prejudicada. Deixa a gente viver uma vida digna, sem discriminação, sem tirar o nosso direito”.

    A presença da polícia foi marcante durante todo o dia. Estavam ‘observando’ o trânsito. Enquanto isso, indígenas do Toldo Imbú, Toldo Chimbangue, Toldo Pinhal, Condá, Terra indígena Chapecó, Araça’i, todos/as do oeste de Santa Catarina, resistiam ao tempo, aos olhares, as palavras ditas sem consciência e contexto. “A PEC 215 é coisa bonita para quem discutiu ela. Mas para os povos indígenas não. A gente vai sofrer muito mais. Por isso estamos lutando. É preciso que as pessoas pensem nisso”, disse o Cacique.

    Fernandes promete ainda: “Se caso esses parlamentares e o relator da PEC 215 não ouvir nós, vamos continuar e vai ser maior. Vivemos 515 anos massacrados. Não queremos mais isso”, afirmou ele referindo-se às reivindicações contra a PEC do genocídio.

    Nadir Verguero também é indígena Kaingang do Toldo Chimbangue, segundo ela, o governo apenas se aproxima dos povos indígenas quando possui algum interesse. “O governo que venha atender o povo indígena. Aqui é povo também. Quando precisam da gente aí nos chamam. Nós estamos completamente ‘jogados”, Criticou.

    A mobilização continua

    Os guerreiros e guerreiras não descansarão. Esse é o recado deixado por todos os indígenas de Santa Catarina, bem como do Brasil que realizaram mobilização na quarta-feira. A demarcação das terras indígenas é tida como direito dos povos e quando um direito é violado, o enfrentamento é a saída. Faça sol ou faça chuva. O povo eclode nas ruas e faz a sociedade entender que bastam 515 anos de opressão, morte, violência, preconceito, violação de direitos. “A mobilização atingiu o nosso objetivo. As ruas estão ‘livres’, mas a luta não acabou. A PEC 215 não passará”, enfatizou o indígena Rildo Mendes. Já próximo das 15hs, a barreira se findou no Goio-Ên. Já era hora de retornar às aldeias. Momento de descanso, de atender as crianças, de cuidar da terra. Nos olhares, a certeza de que a luta contra a PEC continua em todo o Brasil. Os indígenas e o os não indígenas representados pela Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP), Pastoral da Juventude Rural (PJR), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que ali estavam mobilizados, não desistirão, até o último guerreiro.

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