• 27/11/2015

    Conselho Nacional de Direitos Humanos também é contrário à PEC 215

    O Conselho Nacional de Direitos Humanos divulgou ontem (26) uma Nota Pública em que manifesta total discordância com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215. Além de avaliar que a transferência da prerrogativa de demarcar as terras indígenas e quilombolas para o Legislativo politiza atos técnico-administrativos, o Conselho considera que o estabelecimento de um marco temporal exclui parte das terras atualmente reivindicadas, na medida em que vários povos e comunidades sofreram esbulhos que os impediram de estar em posse de suas terras em outubro de 1988.

    “A PEC 215/00 insere-se em um contexto de iniciativas legislativas que tem como objetivo primordial a desconstrução dos avanços promovidos pela Constituição Federal de 1988, que reconheceu direitos sociais, territoriais, culturais e econômicos para grupos até então invisibilizados pelo Estado brasileiro”, denuncia o Conselho em sua manifestação pública.

     

    Leia abaixo a Nota na íntegra:

     

    Nota do CNDH sobre a PEC 215/00

    O Conselho Nacional de Direitos Humanos – CNDH, no seu papel de promoção e defesa dos direitos humanos, manifesta sua total discordância em relação à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00, aprovada em Comissão Especial da Câmara dos Deputados, no dia 27 de outubro de 2015.

    O texto aprovado busca restringir os direitos dos povos indígenas e das comunidades quilombolas assegurados na Constituição Federal de 1988, ao propor alterações no processo de reconhecimento dos seus territórios tradicionais. Na proposta, a prerrogativa de homologação dos territórios seria transferida do Poder Executivo para o Legislativo. Essa mudança acaba por politizar os processos de reconhecimento fundiário, na medida em que propõe que a homologação, que hoje é um ato técnico-administrativo baseado na Constituição de 1988, passe a ser feito por meio de um debate político sob a responsabilidade do Congresso Nacional.

    A proposta prevê, ainda, o estabelecimento de um marco temporal que determina que os territórios indígenas e quilombolas só poderão ser homologados caso se comprove, por critérios objetivos, a presença dessas comunidades na área reivindicada no momento da promulgação da Constituição Federal de 1988. Esse critério exclui parte das terras atualmente reivindicadas, na medida em que vários povos e comunidades sofreram esbulhos que os impediram de estar em posse de suas terras em outubro de 1988.

    Cabe destacar também que a forma como a proposta vem sendo discutida desrespeita o direito de consulta prévia assegurado aos povos indígenas e comunidades quilombolas pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil em 2004 e com força de lei no Brasil, na medida em que a Comissão Especial não promoveu espaços de diálogo e participação para que os indígenas e quilombolas pudessem discutir e se posicionar sobre a iniciativa.

    Na avaliação do CNDH, a PEC 215/00 insere-se em um contexto de iniciativas legislativas que tem como objetivo primordial a desconstrução dos avanços promovidos pela Constituição Federal de 1988, que reconheceu direitos sociais, territoriais, culturais e econômicos para grupos até então invisibilizados pelo Estado brasileiro. 

    Por defender um Brasil plural, cujos povos e comunidades tenham direito à livre determinação e ao bem viver, o Conselho Nacional de Direitos Humanos – CNDH reafirma a posição contrária ao texto. O CNDH segue firme na defesa da democracia e dos direitos humanos para todas e todos. 

     

    Conselho Nacional de Direitos Humanos

    26.11.2015

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  • 27/11/2015

    Lama em Mariana, lama em Brasília

    Nas Minas Gerais, a lama se alastra e vai repousar no mar, deixando um rastro de destruição da vida. Vale a pena alimentar um sistema criminoso de acumulação de riquezas à custa do caos e da destruição da natureza?

     

    Já em Brasília, não param de ser lançados rios de dinheiro sujo e avalanches de produtos tóxicos nas estruturas corroídas e apodrecidas pela corrupção. E a Petrobras, das lutas sociais da década de 1950, se transforma na revolta de “a corrupção não é nossa”. Cadeia aos que desviam nosso dinheiro.

     

    Os membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que jogaram lama nas paredes do Congresso, foram presos. No mesmo dia 25, Delcídio do Amaral, senador pelo Mato Grosso do Sul e líder do governo, também foi preso. Em 2004, Delcídio apresentou o Projeto de Lei do Senado (PLS) 188, que em grande parte coincide com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215. Pelo PLS 188, a decisão sobre a demarcação das terras indígenas caberia ao Senado Federal. Além disso, no estudo da demarcação das terras indígenas haveria a participação dos governos estaduais, de representantes do Senado, do Ministério da Fazenda, da Advocacia Geral da União (AGU), dentre outros. Já as terras indígenas situadas na faixa de fronteira (150 km), precisariam ser submetidas à consulta do Conselho de Defesa Nacional. Depois de muito debate, contestações e denúncias por parte do movimento indígena e das organizações de apoio, o PLS foi arquivado.

     

    Nesta semana também, em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, manifestantes dos movimentos sociais “plantaram” mais de 300 cruzes, em frente à Assembleia Legislativa, lembrando o genocídio dos índios naquele Estado.  Os rezadores, Nhanderu e Nhandesi realizaram um momento forte de rezas na Terra Indígena Nhanderú Marangatú. Estavam afastando os maus espíritos que insistiam em negar o direito das terras dos povos Kaiowá e Guarani.

     

     

    Não ao Marco Temporal e à PEC 215

     

    Em Brasília, uma delegação de mais de 150 indígenas de 25 povos do Pernambuco, Mato Grosso e do Xingu continuaram a peregrinação pelos labirintos do Poder, procurando evitar a retirada de seus direitos da Constituição Federal, através da PEC 215, do marco temporal, e de outras iniciativas que ameaçam a vida e sobrevivência dos povos indígenas do Brasil. No dia 25, uma delegação esteve em todos os gabinetes dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) entregando documentos.

     

    Em carta aos ministros, os indígenas afirmam: “Não aceitamos a aplicação do marco temporal, pois essa interpretação, além de ser restrita ao caso Raposa Serra do Sol, não contempla as particularidades de cada povo. Alguns povos foram expulsos há mais tempo e outros menos, mas todos foram esbulhados no decorrer do século passado. Depois, nunca perdemos a vontade de voltar para as áreas esbulhadas e só não retomamos antes, porque a ditadura militar não permitia. Somos povos desta terra e dela não podemos sair. Por isso pedimos ao Sr. Ministro que não aplique o marco temporal e que não anule a demarcação das nossas terras. Ela é nossa mãe e mãe não se vende. Nós queremos nossa mãe terra viva e para isso não pode ser tomada de nós povos indígenas”.

     

    Do ministro da Saúde, no mesmo dia, ouviram o compromisso de não haver redução na verba da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Veículos de comunicação chegaram a informar que haveria a redução de 20% dos recursos deste órgão.

     

    A revolta dos cachimbos

     

    Durante as ações de presença e conversas com líderes de partidos na Câmara dos Deputados, os indígenas que não conseguiam entrar para as audiências, faziam seus rituais e dançavam o toré, em frente à portaria do Anexo IV. Para a realização dos rituais, os indígenas fazem uso de cachimbos e não tardou para um dos seguranças reagir, em tom colonial:

     

    “Aqui é proibido fumar”.

     

    Ao que prontamente foi contestado: “Qual é a lei que nos proíbe de fumar nosso cachimbo aqui fora?”.

     

    “Não, não pode!”. Insistiu o segurança.

     

    Um indígena do nordeste argumentou: “Aqui fora podemos fumar, pois não é ambiente fechado, estamos ao ar livre e a Constituição nos garante, no Artigo 231, que devem ser respeitadas a nossa cultura e nossos costumes”.

     

    Após algum tempo solicitaram para utilizarem os banheiros e um pouco d’água.  O segurança da Casa do Povo quis aproveitar o ensejo da revanche: “Então, vocês param de fumar os cachimbos e eu libero o banheiro e arrumo água”.

     

    Indignados com a prepotência colonialista, os indígenas reagiram reafirmando que essa era uma proposta indecente. A revolta dos cachimbos prosseguiu.

     

    Seu Manoel Tumbalalá, já em idade avançada, chegou na roda e mostrou sua sacola a tiracolo: “Aqui estão minhas armas”. E mostrou o maracá e uma garrafinha de vinagre: “Me falaram que o vinagre é bom contra o gás de pimenta, para passar nos olhos”. Felizmente, Seu Manoel só precisou mesmo do seu inseparável maracá.

     

    Todos contra a PEC 215

     

    A tarde de ontem (26) foi palco de uma expressiva audiência pública promovida pelo Ministério Público Federal (MPF). Foi de lavar a alma. Manifestações contundentes e contumazes contra a PEC 215 e todos os pecados das elites que tentam acabar com os direitos indígenas e, consequentemente, com as populações originárias deste país.

     

    Um momento difícil, mas gratificante, pois gera união, aliança e esperança.

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  • 27/11/2015

    Fogo avança sobre as terras indígenas Caru e Awá, no Maranhão

    Há praticamente um mês, a Terra Indígena Caru, no Maranhão, está com vários focos de incêndio não controlados. Na vizinha Terra Indígena Awá, a mata queima há cerca de uma semana. Depois da queimada que recentemente consumiu metade da Terra Indígena Arariboia, os indígenas combatem o fogo sozinhos e, com suspeitas de incêndio criminoso, estão preocupados com a possibilidade do fogo se alastrar e atingir grupos de indígenas que vivem isolados no interior destas áreas.

    Na TI Caru, há as aldeias Awá e Tiracambu, do povo Awá Guajá, e a aldeia Maçaranduba, do povo Guajajara. Na TI Awá fica a aldeia Juriti, dos Awá Guajá. Além disso, em ambas as áreas existe a presença de grupos Awá Guajá isolados, e as duas sofrem com as constantes invasões e a exploração ilegal de madeira, motivo pelo qual os Guajajara resolveram organizar grupos de guardiões.

    A Terra Indígena Awá já é o quinto território indígena atingido por queimadas no Maranhão só no ano de 2015. Antes dela e da TI Caru, já foram queimadas partes das terras indígenas Arariboia, Geralda Toco Preto e Alto Turiaçu. No caso da Terra Indígena Arariboia, praticamente metade da área de floresta amazônica integrada ao território indígena foi consumida pelas chamas, que quase atingiram o grupo do povo Awá Guajá que vive em isolamento voluntário dentro da área. O incêndio foi considerado criminoso e, enquanto a área queimava, um agente de fiscalização do Ibama foi atingido por um tiro no braço direito, disparado por madeireiros.

    Os indígenas que vivem nas terras indígenas Caru e Awá também desconfiam de fogo criminoso, como vingança pela atuação dos guardiões do povo Guajajara, que têm feito a autodefesa de seus territórios contra a invasão de fazendeiros e madeireiros.

    “Nas terras indígenas Caru e Arariboia, há guardiões, que surgem nessa perspectiva dos índios tomarem para si a responsabilidade pela proteção dos territórios, do monitoramento dos limites da área, por conta da própria omissão e morosidade do Estado brasileiro, que tem a obrigação, por meio da Funai, de fiscalizar as terras indígenas. Como eles não tinham resultados dessas operações, os indígenas começaram a assumir para si a responsabilidade de fazer essa fiscalização. O monitoramento dos focos de invasão é feito pelos guardiões”, explica Madalena Borges, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão.

    “Nessas duas terras há forte presença de indígenas isolados, que são grupos de Awá Guajá que ainda se encontram em situação de isolamento. É uma ameaça muito grande tanto para os indígenas que vivem nas aldeias, quanto para os índios isolados que se encontram nesses territórios”, afirma Madalena. “Tanto os Awá que vivem em aldeias quanto os isolados dependem exclusivamente da floresta para continuar sobrevivendo. Já temos territórios que são cheios de invasores, e um fogo como esse coloca em risco de extinção esse povo. Os Awá nas aldeias têm apenas 40 anos de contato com a sociedade não-indígena”.

    Cláudio Guajajara e Rosilene Guajajara, da aldeia Maçaranduba, na TI Caru, contam que os indígenas têm realizado reuniões com o Ministério Público Estadual (MPE), a superintendência do Ibama e a Funai, para buscar apoio na contenção das chamas. Eles estimam que cerca de 1500 hectares já foram queimados apenas dentro da TI Caru. “Arariboia queimou metade, e aqui eles acham que está pouco, mas pode se alastrar”, afirmam os indígenas. Segundos eles, há 42 guardiões Guajajara atuando na TI Caru, onde três focos de fogo já foram sufocados apenas pela atuação dos indígenas.

    “Contivemos o fogo só mesmo na coragem e na força. Nós não temos equipamentos, então roçamos uma área de dois metros de largura ao redor dos focos, para tentar conter o avanço. É muito arriscado e, para piorar, não temos previsão de chuva por aqui”, afirma Cláudio Guajajara.

    Os indígenas acreditam que os incêndios devem ser ações de vingança de madeireiros devido à ação dos guardiões, em função do local em que os focos iniciaram e porque, segundo eles, nunca havia acontecido nestas terras, e nem tantos incêndios em tão pouco tempo. “O fogo surge do nada, em regiões que não tem roça e nada que apresente risco”.

    Cláudio e Rosilene Guajajara contam que já encontraram onças, jabutis e tatus mortos pelo fogo e que há pelo menos outros três focos de incêndio dentro da TI Caru que os indígenas ainda não conseguiram controlar.

    “Eles já comunicaram aos órgãos competentes, pedindo ajuda para o governo do estado, mas até agora nenhuma resposta desses órgãos para ajudar a controlar”, afirma Madalena Borges, do Cimi. “Eles estão bastante preocupados, porque além das queimadas os rios também estão secando. Então, está uma tristeza só aqui na aldeia, eles vendo a morte dos rios, dos peixes, e muitos animais de pequeno e grande porte salpecados pelo fogo”.

    Fotos: Rosilene Guajajara

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  • 27/11/2015

    Delcídio, genocídio e a boa hora para recordar podres

    Com a prisão do líder do governo no Senado, cria-se um momento oportuno para lembrar de seu histórico como político. Sem ir muito longe, no ano de 2004, o pecuarista e senador sul mato-grossense Delcídio do Amaral (PT) apresentou um Projeto de Lei (PL) que é a origem da Proposta de Emenda à Constituição mais combatida pelo movimento indígena atualmente: a PEC 215. O texto do PL 188/2004 propunha que todas as demarcações de terras indígenas fossem submetidas ao Senado. Além disso, a proposta visava impedir a existência de terras indígenas na faixa de 150 km da fronteira nacional. Isso equivale dizer que nenhuma das terras reivindicadas nos estados do Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Santa Catarina, Rondônia, Roraima e Paraná seriam reconhecidas e que as que já existem permaneceriam sob intervenção militar.

    A proposta pegou tão mal no movimento indígena – base de voto importante do senador no Mato Grosso do Sul – que no mesmo ano Delcídio chamou uma reunião com 700 lideranças de todos os povos daquele estado. Na ocasião, o parlamentar discursou, mentiu e chorou. Prometeu voltar atrás imediatamente… o que não fez.

    De volta a Brasília, o senador seguiu firme em sua posição e passou a ameaçar processar o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) por conta de um editorial publicado no jornal da entidade, o Porantim, cujo título era “Delcídio e Genocídio”. Foi assim que, na época, o apelido “Delcído Genocídio” se espalhou e pôde ser visto em faixas e cartazes em protestos do movimento indígena por todo Brasil.

    Somente no início de 2006, notando que a mobilização dos povos Terena e Kaiowá inviabilizaria sua candidatura ao governo do Mato Grosso do Sul, foi que Delcídio retirou em definitivo o PL 188/2004. Delcídio perdeu a eleição para governador para André Puccinelli, do PMDB, e voltou para a bancada ruralista no Senado. Seu PL deixou de existir, mas espalhou sementes que cresceram, como a PEC 215, que hoje avança no Congresso Nacional.

    É uma pena que o latifundiário – amigo do ex-presidente Lula apresentado por Delcídio do Amaral – José Carlos Bumlai tenha sido preso somente esta semana pela Operação Lava Jato. Fosse preso por crimes aos quais foi acusado anteriormente talvez evitasse o sofrimento de muitas famílias Kaiowá.

    Em 2010, os funcionários da Usina São Fernando, de cana de açúcar, do grupo Agropecuária JB (Grupo Bumlai) e pistoleiros da empresa de segurança patrimonial Gaspen atacaram o acampamento Guarani-Kaiowá Curral de Arame1. Na ocasião, barracos foram incendiados e um senhor de 62 anos foi ferido à bala. Antes ainda deste crime, as usinas de Bumlai foram diversas vezes autuadas pelo Ministério Público do Trabalho em flagrantes de trabalho escravo2.

    Foto: Agência Senado


    1- Reportagem de Verena Glass para a agência Repórter Brasil


    2 – A usina São Fernando aparece no documentário À Sombra de um Delírio Verde. Ela é o inferno onde o senhor Kaiowá Orlando Jucá, que perdeu o filho de 15 anos esquartejado e degolado em sua primeira empreitada em um canavial, trabalha exaustivamente cortando cana.

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  • 27/11/2015

    “A luta continua até a PEC 215 cair”

    Cerca de 400 indígenas, representando mais de 30 povos de todas as regiões do Brasil, reuniram-se ontem (27/11) no auditório Juscelino Kubitschek, na sede da Procuradoria-geral da República, para participar da audiência pública sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 e a demarcação de terras indígenas no Brasil. A audiência foi promovida pelo Ministério Público Federal (MPF), que já se manifestou contrário à aprovação da PEC.

     Depois que a Comissão Especial formada para analisar a PEC 215 na Câmara dos Deputados aprovou o relatório apresentado pelo deputado Osmar Serraglio (PMDB), em 27 de outubro, sua tramitação avançada e o risco iminente de aprovação têm forçado a mobilização e a articulação de lideranças indígenas e apoiadores das causas indígena, quilombola e ambiental.

     Além disso, o relatório aprovado pela Comissão em outubro torna a PEC 215 ainda mais radical na proposta de aniquilamento de direitos dos povos indígenas, acrescentando à proposta original, de transferência das demarcações do Executivo para o Legislativo, dispositivos como o marco temporal, segundo o qual só é tradicional o território que estivesse sob ocupação indígena na data de 5 de outubro de 1988, o que desconsidera todas violações sofridas pelos povos indígenas durante e antes da Ditadura Militar.

     Em meio a esse cenário de ataques cada vez mais intensos contra os direitos dos povos tradicionais por parte de setores dos três poderes da República e de poderosos grupos econômicos, questões paralelas à PEC 215, como a CPI da Funai e do Incra e a CPI do Cimi, no Mato Grosso do Sul, também foram abordadas por muitas pessoas durante o debate.

    A duração da audiência, que começou às 14h e só terminou depois das 20h, indica a extensão dos problemas que os povos originários enfrentam no Brasil hoje, mas também a força da resistência e a capacidade de articulação destes povos.

    Com mediação da subprocuradora-geral da República e coordenadora da Câmara de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais Deborah Duprat, a mesa foi composta em dois momentos diferentes, com a finalidade de contemplar lideranças indígenas, representantes de entidades indigenistas e ambientalistas, além de integrantes da Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas, que enfrenta a bancada BBB (Boi, Bala e Bíblia) na Câmara dos Deputados.

    Ao longo da tarde, dois microfones nas laterais da mesa foram abertos para que os indígenas que não participavam das mesas tivessem a possibilidade de se manifestar, e grandes filas se formaram dos dois lados do auditório. Em meio a saudações em línguas diversas, relatos de violências sofridas e a busca de articulação entre os parentes, uma palavra de ordem era constantemente repetida e agitava os que ocupavam os assentos: PEC 215 não!

     

    Entre os vários aspectos criticados na PEC 215, sua flagrante inconstitucionalidade foi um ponto bastante ressaltados por todos os debatedores e debatedoras. “O Supremo Tribunal Federal diz o seguinte: ‘eu não vou suspender a tramitação da PEC, eu vou deixar que o Congresso cometa, se quiser, todos os erros possíveis. Mas eu adianto: a PEC é inconstitucional’”, afirmou a subprocuradora-geral da República Deborah Duprat.

     “Se temos os sinais de que a PEC 215, se passar, será considerada inconstitucional, os danos no meio do caminho podem ser imensos”, disse o presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Antonio Carlos de Souza Lima. Ele também destacou o processo de criminalização que a categoria dos antropólogos vem sofrendo por parte da bancada ruralista, na CPI da Funai e do Incra, com a finalidade de deslegitimar os relatórios técnicos produzidos por esses órgãos, sustentando que haveria fraudes nos laudos de reconhecimento territorial.

     “A instalação de uma CPI contra a Funai e contra o Incra nesse momento não é uma CPI contra o mau funcionamento da Funai e do Incra, para que haja um melhor funcionamento desses órgãos para os povos indígenas e quilombolas. É uma CPI para dizer que o que se produziu em termos de terras indígenas e de terras de quilombos é fraudulento, é passível de criminalização e aqueles profissionais que produziram esses documentos, os antropólogos, são passíveis de serem criminalizados”, afirmou o presidente da ABA, para quem o momento é de cautela. “Todos nós gostaríamos de acreditar que isso é apenas terrorismo. Mas para quem já viveu certo tempo da vida no Brasil, a gente tem que estar sempre atento à possibilidade do retrocesso”.

    Para a advogada indígena Wapixana Joênia Carvalho, que também compôs a mesa, a PEC 215 reforça o racismo contra os povos indígenas e as comunidades quilombolas no Brasil. “Antigamente, ainda havia um mascaramento do que se pensava, do que se falava a portas fechadas. Hoje eu vejo a PEC colocar na mesa de forma bem clara esse racismo contra os povos indígenas”.

     Ela iniciou sua fala lembrando as lideranças assassinadas este ano e questionando: “Cadê a justiça em nosso país? Cadê o processo de demarcação das terras que não foram concluídas? Enquanto há mortes, há violência, por outro lado há uma aceleração para reverter todas essas garantias constitucionais”.

    Joênia Carvalho foi a primeira indígena a fazer uma sustentação oral no STF, na época da luta pela demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, e apontou a continuidade entre estes dois momentos da história recente do Brasil. “Quando a PEC nasceu, foi a partir de Roraima. Ela partiu justamente porque queriam frear a demarcação da Raposa Serra do Sol. Ela veio justamente querer desfragmentar o laudo antropológico, criminalizar lideranças indígenas que lutavam, ela queria mostrar aqui dentro do Congresso Nacional que se poderia mudar a Constituição”.

     

    Na avaliação de Gilberto Vieira dos Santos, secretário-adjunto do Cimi, a PEC 215 tem dois objetivos, que foram aprofundados com o novo relatório: impedir a demarcação de cerca de 600 terras indígenas – entre demarcações que foram iniciadas, mas que ainda não foram concluídas, e terras reivindicadas sem qualquer processo demarcatório iniciado – e abrir a possibilidade de exploração das terras indígenas já demarcadas.

     “A PEC também quer atingir esses territórios já demarcados, quando abre a possibilidade da chamada exploração indireta, que é acabar com o usufruto exclusivo que está na Constituição, e abrir para que haja arrendamento, para que haja exploração, para que haja a possibilidade de empreendimento dentro das terras indígenas sem ouvir as comunidades”, afirmou.

     Para Ela Wiecko, Vice-procuradora-geral da República, somente uma luta em diversas frentes pode consolidar os direitos assegurados na Constituição Federal. “Infelizmente os direitos que a gente diz que foram assegurados pela Constituição de 1988 não estão consolidados. A Constituição, por si, ela não foi suficiente. A lei não é suficiente. No fundo, há um conflito de modelos econômico, político e jurídico que não foi superado, e esse conflito de modelos não se resolve em mesas de conciliação. Ele se resolve na luta”.

     Muitos dos indígenas e debatedores presentes à mesa concordaram que a estratégia de presença constante de delegações indígenas em Brasília têm sido essencial para barrar o avanço da PEC 215 e de outras medidas contrários aos direitos originários dos povos indígenas.

     “A gente não está conseguindo avançar, mas eles também não estão, porque a nossa presença aqui tem travado muita coisa. E a própria PEC 215 não está completamente aprovada por conta da nossa presença aqui em Brasília. O maior símbolo de resistência é a nossa existência e a nossa presença aqui”, afirmou Sônia Guajajara, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.

     A disposição para lutar por seus direitos, apesar das dificuldades que enfrentam para vir até a capital federal, foi manifestada por diversos dos indígenas presentes no espaço. “Não é fácil você sair lá da base, como eu, que vim do Pará para cá”, relatou Welton John Oliveira Suruí, liderança do povo Aikewara (também conhecido como “Suruí do Pará”), no sul do Pará, que esteve preso durante 35 dias em Belém depois de participar da organização de protestos por melhores condições para seu povo. “Ano passado, nesse período e nessa época, eu estava preso em Belém. Perseguição política, porque sou um jovem que nasci na luta e não me vendo por dinheiro nenhum. Nós estamos aqui dando um grito de guerra, contra todas essas leis que estão criando contra nós. Os meus filhos, na aldeia, quando eu saio, ficam preocupados comigo, mas ficam também honrados porque sabem que eu estou aqui lutando pelo bem deles futuramente”.

     

    A subprocuradora-geral da República, Deborah Duprat, chamou a atenção para o fato de que a articulação capitaneada pela bancada ruralista e outras forças econômicas, como a da mineração, é no sentido de inserir terras preservadas dentro do circuito de exploração econômica. “O ataque deles é em relação a todas as terras que ficam fora do mercado. Eles querem as terras para a exploração econômica. É uma luta que começa com os indígenas, vai para os quilombolas, e a CPI contra a Funai e contra o Incra é prova disso, vai para as unidades de conservação, que também são objeto de um dos apensos da PEC 215, e vai contra a reforma agrária. A luta deles é para eles manterem esse modelo econômico. Como eles dominam esse país há 515 anos, vocês imaginam o tamanho da luta. É a luta de vocês, da vida toda e de várias gerações. Essa foi uma reunião importante de articulação, mas a luta continua até a PEC cair”.

    Texto e fotos: Tiago Miotto – Assessoria de comunicação

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  • 27/11/2015

    A questão indígena como tema de discussão e debate no curso para a Magistratura Federal da 4ª Região

    Na manhã do dia 26 de novembro de 2015, Roberto Antonio Liebgott (Cimi) e Iara Tatiana Bonin (PPGEDU/ULBRA) participaram de uma rodada de palestras sobre direitos indígenas, terra e territorialidade, em uma atividade de capacitação promovida, de forma conjunta, pela Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Emagis/TRF4) e o Memorial da Justiça Federal do RS (JFRS). O objetivo desta atividade formativa, destinada especialmente a magistrados dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, é promover uma aproximação entre o Direito e outras áreas de conhecimento, para que sejam considerados os aspectos culturais, antropológicos e socais nos processos Judiciais.

    As atividades foram iniciadas com a exibição do filme Desterro Guarani, uma realização de Ariel Ortega, Patrícia Ferreira, Ernesto Ignácio de Carvalho e Vincent Carelli, no âmbito do projeto Vídeo nas Aldeias, que apresenta, sob a perspectiva dos Mbyá Guarani, os processos históricos de espoliação territorial.  A rodada de palestras foi presidida pela Juíza Federal Ingrid Schroder Sliwka. Cada um dos expositores teve quarenta minutos para abordar a temática indígena a partir do filme.

    Ernesto Ignácio de Carvalho, um dos produtores do filme, explicou como as imagens foram produzidas e editadas, ressaltando a importância de se fazer um trabalho, no campo da produção audiovisual, cujos protagonistas sejam os próprios indígenas, para que as histórias possam ser narradas desde suas perspectivas.

    Roberto Liebgott fez uma abordagem histórica sobre as lutas, desafios e formas de resistência dos Povos Indígenas no Brasil, com ênfase para o processo de colonização desencadeado no Grande do Sul no início e meados do século vinte e suas consequências na contemporaneidade. Depois pontuou, no âmbito dos direitos constitucionais dos Povos Indígenas, as três grandes conquistas: o direito as diferenças; o fim da tutela – portanto da subserviência dos povos ao Estado – tornando-se sujeitos de direitos individuais e coletivos; e a garantia constitucional do direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Por fim, Roberto trouxe para o debate a decisão do julgamento, pelo STF, do processo contra a homologação da demarcação da Terra Raposa Serra do Sol e os seus desdobramentos no âmbito dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, com ênfase para o “marco temporal da Constituição de 1988”, constituindo-se como mais um marco limitador do direito a demarcação de uma terra indígena; e a PEC 215/2000 que, em essência, pretende inviabilizar as garantias constitucionais dos povos indígenas, transferido para o Congresso Nacional a responsabilidade pelas demarcações de terras.

    Iara Bonin iniciou destacando que é necessário problematizar as imagens que circulam sobre os povos indígenas – em meios de comunicação, filmes, materiais didáticos, por exemplo – e que os posicionam como povos obsoletos e anacrônicos, ou apenas dão relevo a aspectos exóticos de suas culturas. Ela ressaltou a necessidade de serem consideradas as distintas cosmovisões indígenas e suas formas particulares de pensamento e de expressão, quando se pretende fazer a escuta de suas histórias, de seus depoimentos, de suas versões sobre os acontecimentos nos processos Judiciais.   Também foram destacados diferentes significados e formas de proceder à ocupação tradicional da terra, por parte dos povos indígenas no sul do país, especialmente porque muitos foram (e, muitas ainda estão) impedidos, de efetivamente habitar suas terras, uma vez que sobre elas incidem títulos privados.

    Depois das exposições ocorreu um debate centrado em três grandes questões: densidade demográfica das populações indígenas e falta de terra; conflitos com os pequenos agricultores; e impossibilidade de indenização dos títulos de propriedade aos afetados pelas demarcações.

    Porto Alegre, RS, 26 de novembro de 2015.

    Cimi Regional Sul – Equipe Porto Alegre

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  • 26/11/2015

    Ocupação termina na Assembleia Legislativa do MS com indígenas reafirmando ações de retomadas

    A ocupação da Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul por cerca de 150 indígenas se encerrou no final da tarde desta quarta-feira, 25, deixando um recado aos parlamentares: os povos indígenas do estado seguirão com as mobilizações entorno de seus direitos, e a CPI do Cimi não servirá para criminalizar retomadas de terras tradicionais. “A situação não deixa saída a não ser a retomada dos territórios da gente”, disse Paulino Terena.

    Leia mais: Indígenas anunciam ocupação da Assembleia Legislativa do MS e deputado ruralista ameaça com retirada à força

    Os ruralistas tentam na Comissão Parlamentar de Inquérito induzir que o Cimi incentiva e financia retomadas indígenas de terras privadas. Depois de quase uma dezena de oitivas, nenhuma prova foi levantada. Mesmo assim, a presidente da CPI, a deputada ruralista Mara Caseiro (PTdoB), faz uso de calúnias e difamações numa tentativa de criminalizar a entidade.

    Durante o protesto dos indígenas, mais um ato desrespeitoso do parlamento sul-mato-grossense. O deputado ruralista Zé Teixeira (DEM), numa tentativa de dividir os indígenas, se reuniu com apenas alguns Terena para celebrar um acordo visando a desocupação. Na ocasião, afirmou que se eles decidissem permanecer na Assembleia seriam retirados à força e numa folha arrancada de um caderno universitário escreveu os termos do acordo, assinado por sete deputados.

    O acordo prometia que os deputados se comprometeriam em agendar uma reunião com o governador Reinaldo Azambuja e a liberação de recursos para que uma delegação de indígenas fosse a Brasília levar suas reivindicações ao governo federal. Não houve saída e os indígenas anunciaram que a ocupação seria mantida.  

    Todavia, Teixeira não deu nenhuma resposta sobre o principal ponto da pauta: o fim da CPI do Cimi. “Eles (ruralistas) dizem que não é uma CPI contra os povos indígenas. Mentira. Quando eles falam que é o Cimi quem incentiva as retomadas tão dizendo que não temos direito ao território tradicional, que índio não pensa por si mesmo”, declarou Paulino Terena. “A CPI tem que acabar porque só deixa a situação mais tensa, aumenta a sensação de injustiça na gente”, afirmou.

    Uma a uma, as delegações se retiraram da Assembleia para seguir de volta às comunidades. Mais cedo, a apresentação do grupo de teatro Maracangalha emocionou a todos e todas com uma apresentação em memória dos 32 anos do assassinato de Marçal Tupay’i em emboscada no tekoha – lugar onde se é – Ñanderú Marangatú, no município de Antônio João.

    Nessa mesma terra indígena foi morto no último dia 29 de agosto o Guarani e kaiowá Semião Vilhalva. Depois que os indígenas retomaram fazendas localizadas no interior da terra indígena já homologada, a presidente do Sindicato Rural de Antônio João, Roseli Silva, coordenou um ataque para reaver as áreas. Semião levou um tiro no rosto enquanto procurava o filho.

    CPI do Genocídio

    Durante pronunciamento no plenário da Assembleia Legislativa, há cerca de uma semana, o deputado Zé Teixeira citou seguidas vezes e seu discurso a CPI do Genocídio. O também deputado ruralista Paulo Corrêa (PR) o interrompeu com um bilhete, onde pedia ao colega para corrigir o discurso: não é CPI do Genocídio, mas CPI da Omissão do Estado em Casos de Violências Contra Indígenas no Mato Grosso do Sul.

    Teixeira leu o bilhete, acendeu uma interrogação facial, resmungou e na sequência cravou: “O que é isso, o nome científico da CPI do Genocídio?”. Corrêa é o relator da CPI do Cimi e integrante da CPI do Genocídio, que tem a deputada Mara Caseiro como vice-presidente.

    Com uma correlação de forças desfavorável, e até mesmo comprometedora com relação aos rumos das comissões, os indígenas afirmaram que querem a CPI do Genocídio com este nome, e não o “científico”, pediram celeridade nos trabalhos e que os ouça de forma prioritária. Por enquanto, nada disso tem ocorrido na CPI do Genocídio.

    A primeira oitiva deveria ocorrer nesta quinta-feira, 26, mas ficará para a semana que vem. O primeiro a ser ouvido será o secretário de Segurança Pública do Estado, Silvio César Maluf. “Querem dizer que não há genocídio em curso, que a gente é que se mata em assassinatos. A CPI precisa ouvir o que a gente passa longe da terra, nas reservas, confinados, nos acampamentos”, criticou Lindomar Terena.

  • 26/11/2015

    Os efeitos da cana-de-açúcar na vida dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul

    A plantação de cana-de-açúcar para produção de açúcar e álcool combustível está em plena expansão, tendo triplicado a produção nos últimos anos, no estado do Mato Grosso do Sul, Região Centro Oeste do Brasil.

    O povo Guarani e Kaiowá foi expulso de suas terras e estas são ocupadas com a produção de commodittes agrícolas, dentre as quais o açúcar.

    A produção de açúcar e álcool combustível realizada no Mato Grosso do Sul destina-se fundamentalmente à exportação.

    O plantio da cana-de-açúcar ocorre, em grande proporção, sobre as terras tradicionais não demarcadas e com uso de mão-de-obra barata ou escrava dos Guarani e Kaiowá.

    Esta expansão da produção de açúcar é financiada e subsidiada pelo governo brasileiro.

    O governo brasileiro paralisou os procedimentos de demarcação das terras do povo Guarani e Kaiowá.

    Os interesses econômicos da indústria canavieira são um dos principais motivos que impedem o reconhecimento e a demarcação das terras tradicionais Guarani e Kaiowá pelo Estado brasileiro.

    O quadro social entre os Guarani e Kaiowá é desesperador. Nos últimos 12 anos, 687 indígenas cometeram suicídio e outros 390 foram assassinados no Mato Grosso do Sul.

    Nos últimos dois meses, os Guarani e Kaiowá sofreram ao menos 15 ataques paramilitares, executados por milícias formadas por fazendeiros e seus jagunços. Tais ataques resultaram no assassinato de um líder (Simeão Vilhalva) e em diversos casos de tortura, de estupro coletivo e de ferimentos em crianças e adultos provocados por projéteis de arma de fogo e balas de borracha.

    A realidade vivida pelos Guarani e Kaiowá e os alarmantes dados reunidos motivaram a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) a atestar, recentemente, que está em curso um processo de genocídio deste povo indígena no Brasil.

    O Cimi considera que a eventual abertura dos mercados europeu e alemão para a importação de açúcar brasileiro agravará ainda mais a situação de violação de direitos humanos enfrentada pelos Guarani e Kaiowá e, similarmente, por outros povos originários do país.

    Por tudo isso, o Cimi apoia a Campanha que pede o boicote aos produtos agrícolas do Mato Grosso do Sul.

     

    Cleber César Buzatto – Secretário Executivo do Cimi

    Berlim, Alemanha, 26 de novembro de 2015

    Fotos: Egon Heck

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  • 25/11/2015

    Na Força dos Encantados

    “Vamos dar continuidade à luta dos povos indígenas do Brasil na defesa dos nossos direitos, conquistados por nós na Constituição de 1988. Não pensem os ruralistas, e outros mais, que não somos capazes de lutar com todas as nossas forças por aquilo que julgamos ser melhor para nossos povos e nosso país. Não queremos que outros povos passem o que nós, do Nordeste, passamos nesses 500 anos. Contamos com a força dos Encantados, dos seres de luz, dos espíritos dos guerreiros, dos pajés e com todas as lideranças e lutadores dos nossos povos”.

    Viagem longa, cansativa. Foram 36 horas de ônibus, van e carro: “Viemos de nossas terras no interior de Pernambuco. Somos guerreiros de sete povos. Não queremos que outros povos passem o que nós passamos nestes 500 anos”.

    Nas conversas com membros das delegações e nos debates de preparação das atividades, sentimos as motivações e a disposição das lideranças em mais uma semana de luta em Brasília.

    “Nós, do Mato Grosso, somos da região onde, nas últimas décadas, tem ocorrido uma guerra sistemática contra nossas vidas, terras e nossos recursos naturais. Hoje estamos entre os estados mais agressivos e destruidores do meio ambiente e das populações e dos povos originários”.

    “Nós, do Xingu, viemos também somar nessa luta porque todos nós, povos indígenas, estamos ameaçados por essa PEC [Proposta de Emenda à Constituição] 215 e pelas políticas do Estado brasileiro. Já fomos o cartão de visita de vários governos e da política indigenista, dos Irmãos Villas Bôas. Nosso Parque Indígena foi atravessado por estradas, trazendo muitos problemas para nossos povos”.

    “Nessa semana estamos todos juntos, somando forças, lutando por um mesmo objetivo: contra a PEC 215, contra a CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] da Funai [Fundação Nacional do Índio] e do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], contra a exploração e destruição da Mãe Terra”.

    “Esse é um momento histórico. Lutamos para ter nossos direitos na Constituição. Agora querem massacrar e rasgar esses direitos? Enquanto tiver um índio de pé isso não vai acontecer. Por isso estamos fazendo todos esses movimentos, para ver se amolecemos os corações desses parlamentares e eles acabem com essa PEC, com o Marco Temporal e com os outros projetos que querem matar nossos povos. Vamos também aos gabinetes dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), para dizer que o Marco Temporal também é um decreto de morte. Que eles conheçam e sintam nossa dor e façam justiça, que para nós significa o reconhecimento dos nossos territórios”.

    “Somos nós que vamos defender nossos direitos, nós somos protagonistas de nossas lutas”.

    Nesses últimos anos de luta e enfrentamentos tão desiguais contra a PEC e outras iniciativas que pretendem tirar os direitos dos povos indígenas, temos percebido a importância dos rituais e da força dos espíritos e dos Encantados. Só povos com muita sabedoria e profunda espiritualidade são capazes de fazer esse tipo de enfrentamento.

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  • 25/11/2015

    Indígenas anunciam ocupação da Assembleia Legislativa do MS e deputado ruralista ameaça com retirada à força

    Desconsiderando a tensão causada aos povos indígenas do Mato Grosso do Sul pela própria Assembleia Legislativa com a instalação da CPI do Cimi, o 1º secretário da casa, o deputado ruralista Zé Teixeira (DEM), reagiu de forma truculenta ao anúncio dos indígenas de ocupação do parlamento sul-mato-grossense depois de protesto iniciado na manhã desta quarta-feira, 25, por cerca de 150 Terena e Guarani e Kaiowá.

    Zé Teixeira afirmou, durante reunião com as lideranças indígenas, que caso seja mantida a decisão pela ocupação, ele pessoalmente entraria em contato com a Secretaria de Segurança Pública solicitando contingentes policiais para uma retirada à força. De acordo com as lideranças indígenas, a ocupação seguirá até que as reivindicações do grupo sejam atendidas. A polícia já chegou à Assembleia.

    Nos corredores da Assembleia Legislativa, ouvindo assessores parlamentares, a reportagem apurou que não é da intenção do presidente da Casa Legislativa, deputado Júnior Mochi (PMDB) a expulsão forçada dos indígenas. Além disso, dizem os assessores ouvidos, o deputado Zé Teixeira não teria poder para exigir e conseguir a retirada à força. De qualquer forma, um coronel da Polícia Militar foi encarregado de negociar com os indígenas pelo fim da ocupação.

    Na pauta de reivindicações levada ao deputado Zé Teixeira, representante da Presidência da Assembleia Legislativa, está o fim da CPI do Cimi. Os indígenas alegam que a Comissão carece de fatos determinados e, depois de quase uma dezena de oitivas, nenhuma prova foi levantada atestando que a entidade incita retomadas de terras. As lideranças reiteraram que os povos indígenas lutam conforme os direitos a eles reservados.

    Por outro lado, os indígenas acreditam que a CPI do Genocídio, que terá sua primeira oitiva nesta quinta-feira, 26, é o espaço onde de fato se poderá discutir com fatos determinados as problemáticas envolvendo a questão indígena no estado. Para as lideranças, o mundo inteiro sabe que o que está acontecendo no Mato Grosso do Sul é o genocídio contra os povos indígenas.

    “São suicídios, assassinatos, inclusive entre os próprios índios por conta do confinamento nas reservas, falta de perspectiva e aí entra o álcool e as drogas, paralisação das demarcações para termos nossa terra tradicional. Esses são os problemas. Não o Cimi. Então é na CPI do Genocídio que está a possibilidade de nós indígenas termos alguma esperança”, declara Paulino Terena.

    O que é bastante comum de se ouvir na ocupação iniciada na manhã de hoje é o sentimento de que os indígenas, mais uma vez, estão sendo criminalizados pelo Poder Legislativo sul-mato-grossense. “Vê aí como é que é: a gente tudo vem pra cá e num tem uma resposta boa. Só falam em polícia, em não pode, em vai tirar a gente. Branco tem muito medo, essa é a verdade”, disse uma mulher indígena para um grupo de jovens.

     

    Marçal Tupay’i: presente!

    Cerca de 150 indígenas do povo Terena e Guarani e Kaiowá iniciaram um protesto na manhã desta quarta-feira, dia 25, na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul, na capital Campo Grande, em memória dos 32 anos do assassinato do líder Marçal de Souza Tupã’i. A liderança foi executada no mesmo tekoha – lugar onde se é – em que Semião Vilhalva foi morto no último dia 29 de agosto: o ÑanderúMarangatú.

    Em Ñanderú, nesta quarta, a memória de Marçal também será lembrada em encontro de rezadores Guarani e Kaiowá, além de reunião da principal organização política do povo, a Aty Guasu.

    "O que a gente quer mesmo é mostrar que o legado de Marçal é a luta pelas nossas terras. Exigimos a demarcação dos territórios, como prega a Constituição, e o fim da CPI do Cimi, que se tornou um palanque de calúnias e acusações sem provas para criminalizar nossa luta e os nossos apoiadores", afirma Paulino Terena.

    Mais cedo, 390 cruzes foram colocadas na entrada principal da Assembleia Legislativa do MS. Elas representam cada um dos indígenas assassinados nos últimos 12 anos. Logo após as cruzes terem sido organizadas, uma tempestade repentina se formou. Chove forte sobre campo Grande.

    Para as lideranças indígenas, a CPI não irá provar que o Cimi incentiva as retomadas porque essa é uma decisão dos povos do MS: retornar para os territórios tradicionais de onde foram expulsos na história recente.

    "Chega a ser um absurdo pensar que a gente não toma decisões sozinhos, que não temos nas costas todos esses anos de dor e sofrimento longe da nossa terra. Pra CPI do Cimi é mais fácil achar um bode expiatório do que encarar a realidade", afirmou recentemente Lindomar Terena.

         

     

     

     

     

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