• 03/12/2015

    Devassa ruralista na Funai e no Incra

    por Étore Medeiros, para a Agência Pública

    Deputados federais da bancada ruralista conseguiram criar e controlar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Fundação Nacional do Índio (Funai), que investigará também o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Todos os sete principais cargos do colegiado – presidente, vice-presidentes, relator e sub-relatores – foram ocupados por apoiadores da polêmica Proposta de Emenda à Constituição nº 215 (PEC 215), que inclui o Congresso Nacional na demarcação de terras indígenas e quilombolas. Juntos, esses deputados receberam mais de R$ 9 milhões de empresas e empresários do setor agropecuário nas eleições de 2014.

    Para parlamentares contrários à PEC 215, a nova CPI não passa de um instrumento de pressão para aprová-la e faz parte de um processo de ataques aos direitos indígenas e dos povos tradicionais estabelecidos pela Constituição de 1988. O roteiro é parecido com outro, ocorrido há mais de uma década: a PEC 215 surgiu no ano 2000, imediatamente após uma CPI que investigou a Funai, em 1999. A proposta, muito criticada por movimentos sociais, antropólogos e ativistas, precisou de quinze longos anos para estar pronta para a votação em plenário. Isso só ocorreu no mês passado, quando foi aprovada em uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados – novamente sob intensa pressão.

    Agência Pública fez um levantamento do financiamento eleitoral dos deputados que ocupam os cargos de comando e relatoria na CPI. Além de empresas, incluímos também empresários do setor rural que repassaram recursos como pessoas físicas. De fichas-sujas a investigados por invasão de assentamentos rurais – justamente um dos focos de trabalho da comissão –, tem um pouco de tudo. Empreiteiras, empresas ligadas ao setor do petróleo e bancos foram deixados de fora da pesquisa, embora tenham contribuído com alguns dos parlamentares.

    O presidente da CPI, Alceu Moreira (PMDB-RS), recebeu mais de R$ 967 mil de financiadores ligados ao agronegócio, de um total de R$ 1,7 milhão arrecadado. O maior doador, com R$ 250 mil, foi a Agropecuária Araguari. Em meio aos repasses, Moreira conta ainda com R$ 15 mil de Cornélio Adriano Sanders, acusado de explorar trabalho escravo em suas fazendas. O mesmo empresário repassou R$ 30 mil para Luis Carlos Heinze (PP-RS), primeiro vice-presidente da CPI. Heinze recebeu pelo menos RS 1,68 milhão de empresas e empresários rurais, de um total de R$ 2,73 milhões arrecadados.

    Outro financiado por Sanders é o segundo vice-presidente da comissão, Mandetta (DEM-MS), com R$ 15 mil. O deputado angariou cerca de R$ 456 mil do setor, menos do que ele próprio investiu na candidatura (R$ 581 mil), que custou, ao todo, R$ 2,1 milhões. O terceiro vice-presidente, Nelson Marquezelli (PTB-SP), teve como maior doadora a Brapira Comércio de Bebidas, com R$ 1,08 milhão. Diretamente do setor agropecuário, recebeu pelo menos outros R$ 262 mil, além dos R$ 908 mil que o deputado, produtor de laranjas, investiu do próprio bolso na candidatura de R$ 2,56 milhões.

    Sub-relator da Funai, Valdir Colatto (PMDB-SC) destoa dos companheiros de bancada pelo baixo custo da candidatura – “apenas” R$ 619 mil. A maior doadora, Claídes Masutti, repassou R$ 215 mil dos R$ 463 mil arrecadados pelo deputado junto ao setor agropecuário. Ela foi cassada da prefeitura de Campos de Júlio (MT) por ter oferecido em sua fazenda um churrasco às vésperas das eleições de 2008. Já a sub-relatora do Incra, Tereza Cristina (PSB-MS), foi a que mais recebeu para chegar à Câmara, considerando apenas os integrantes da Mesa e relatoria da CPI: R$ 4,3 milhões. Somente da Iaco Agrícola, empresa sucroalcooleira, a doação foi de R$ 1 milhão. Ao todo, o setor agropecuário investiu cerca de R$ 2,75 milhões na candidatura da deputada.

    Invasor banca relator

    O relator da CPI e presidente da Comissão Especial que aprovou a PEC 215, Nilson Leitão (PSDB-MT), angariou R$ 1,43 milhão do setor agropecuário dos R$ 2,46 milhões investidos na campanha. Entre os doadores aparece Marino José Franz (PSDB), ex-prefeito de Lucas do Rio Verde (MT) e responsável por R$ 50 mil para a campanha de Leitão. Franz seria supostamente o “braço político e financeiro” de uma quadrilha de invasão e venda de lotes destinados à reforma agrária, desbaratada em 2014 pela Polícia Federal. “Eu não tenho problema com ninguém. Se ele tiver culpa de alguma coisa – que eu sei que eu não tenho –, com certeza ele vai pagar. Mas se fosse assim, alguns deputados do PT nem poderiam estar no Congresso, né?”, ironizou Leitão.

    O relator é investigado no STF por suspeita de envolvimento com outra quadrilha, acusada de invadir reiteradamente a terra indígena Marãiwatsédé, em Mato Grosso. Em setembro, 13 pessoas do grupo foram denunciadas pelo Ministério Público Federal do estado pelos crimes de invasão de terras públicas, resistência, associação criminosa, incêndio, roubo, corrupção ativa, incitação ao crime e crime de dano. “É terceiro falando pro quarto sobre um quinto”, diz Leitão, sobre as escutas telefônicas nas quais integrantes do grupo afirmam haver um pedido do deputado por 30 lotes da invasão. “Eu nunca fui lá, nunca pisei lá. Aliás, fui numa comissão externa da Câmara, com outros deputados, ficamos duas horas em cima de um caminhão e voltamos.”

    Um dos requerimentos apresentados na CPI pela deputada Érika Kokay (PT-DF) pede ao Ministério da Justiça cópia de diversos inquéritos da Polícia Federal, inclusive o que trata da terra Marãiwatsédé. “Ela tinha que colocar explicitamente o que ela quer, não só os números do inquérito. Pode mandar ela me convocar, ficaria muito mais fácil”, provoca Leitão. “Se ele tem envolvimento com atos ilegais, ele tem que responder, mas solicitamos um conjunto de inquéritos sobre situações de conflito envolvendo a questão indígena. Não tivemos o objetivo de ‘funalizar’ ou de individualizar o processo de investigação. Não estamos aqui para investigar o deputado”, refuta Kokay.

    Sem objetivo definido

    Ainda que tenha sido questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo teor amplo e vago dos fatos que se dispõe a apurar – em tese, a Presidência da Câmara só pode autorizar a abertura de CPIs com fatos e períodos muito bem especificados –, a nova comissão da Funai foi instalada no início do mês. Pelas primeiras reuniões, já mostra o tom que dominará os trabalhos, assim como a força do rolo compressor ruralista.

    A vastidão do requerimento de criação da CPI, que pretende investigar itens como “critérios para demarcação das terras indígenas”, permitiu que o deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), presidente da comissão, apresentasse um pedido que solicita à Funai cópia de todos os convênios assinados com pessoas jurídicas brasileiras e estrangeiras desde 1988, assim como todos os contratos celebrados com antropólogos no mesmo período. Perguntado na terça-feira (24), durante reunião da comissão, sobre qual a lógica do pedido e se teria tempo de analisar a provável montanha de material que receberá, uma vez que a CPI tem prazo para encerrar os trabalhos, Moreira garantiu que é capaz de “passar as noites pesquisando a documentação”, “com o maior prazer”.

    O requerimento de informações de Moreira foi utilizado como exemplo, por deputados contrários à PEC 215, da falta de clareza quanto aos objetivos da comissão. “Essa CPI não se propõe a investigar coisa alguma, não tem fato determinado. Ela veio para manter viva a discussão da PEC, para pressionar a sua apreciação. Para isso eles querem criminalizar e destruir o Incra e a Funai, colocando em questão todo o processo de demarcação e criando um clima favorável para a apreciação da PEC 215”, critica a deputada Érika Kokay. Ela recorreu da decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de autorizar a criação da CPI, assim como entrou com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal, também com o objetivo de impedir a comissão de funcionar. “Me parece muito contraditório que o presidente da Casa, que disse que não instalaria a CPI dos planos de saúde porque não tinha fato determinado, instale esta CPI sem fato determinado.”

    Para a deputada, o crescimento do fundamentalismo patrimonialista, articulado com o religioso e o punitivo, na atual legislatura, levou a um cenário em que eles se retroalimentam – no que tem sido chamado de bancada BBB: boi, bala e Bíblia. “Esse nível de fascismo, de querer punir todo mundo, armar a população, atacar a comunidade LGBT e os direitos da mulheres, faz parte de um processo de desumanização e cerceamento de liberdades do qual o presidente da Casa também faz parte”, analisa. “Não foi ele quem criou o projeto para criminalizar a heterofobia, e o que impede que as mulheres tenham acesso à pílula do dia seguinte em caso de estupro?”, diz, sobre Eduardo Cunha. “Essa aliança dos fundamentalismos não era tão clara na legislatura passada, mas agora com o apoio da Presidência da Casa, ela está valorizada e potencializada.”

    O deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), relator da CPI, acusa a bancada petista de ser “bipolar”, por ter reclamado da composição da mesa do colegiado. “Primeiro não apresentaram nomes pra comissão – não participam e depois falam que não deixaram participar. Não tem como colocar alguém na mesa sem nomes”, rebate Leitão. “O PT não deseja investigar porque existem muitos desvios de objeto e de dinheiro público.” Segundo Kokay, o partido tentou disputar cargos na comissão da PEC 215, mas foi derrotado, devido à maioria ruralista. Ela acredita ainda que uma nova tentativa na CPI da Funai teria o mesmo resultado, se, especula, a criação da CPI sem fato determinado já não tivesse sido acordada com o presidente Eduardo Cunha, inclusive com os nomes da mesa pré-definidos.

    Medo do “bolivarianismo”

    Dono da prerrogativa de indicar o relator e os sub-relatores, o presidente da CPI foi questionado por petistas sobre a distribuição dos cargos, exclusivamente para ruralistas, durante uma reunião da comissão. Moreira arrancou risos dos deputados ao dizer que teve o cuidado de escolher para uma das sub-relatorias alguém da base do governo – o deputado Valdir Colatto (PMDB-SC). Após o argumento, o próprio Moreira não resistiu e soltou uma risadinha. À Agência Pública, o presidente justificou a CPI com uma complicada tese, cuja conclusão é que as terras serão usadas, oportunamente, “como moeda de troca para criar o Estado bolivariano, como é a Venezuela”. O medo da chegada do “bolivarianismo”, termo constante nas falas da oposição ao Planalto, explicita que, de base, Moreira só tem o partido, assim como muitos outros parlamentares ruralistas. “Imaginamos que o Incra e a Funai são instrumentos utilizados para se valer dessas minorias oprimidas para poder valer um projeto ideológico para o futuro”, afirma.

    Apesar das ligações dos parlamentares com o agronegócio, o presidente da CPI disse que conduzirá os trabalhos com isenção. “É só ser magistrado, ou seja, não permitir nenhuma vez – mesmo que tu estejas com muita vontade de fazer – que se produza qualquer tipo de dado na unilateralidade. Sempre as duas partes falarão. Eu quero a verdade, não quero terra. Se tiver as duas partes pra esclarecer o processo, ótimo.” Em discurso comum a muitos colegas de bancada ruralista, Moreira criticou o abandono ao qual são submetidos os índios, que viveriam na miséria. “Não tem política indígena, tem política demarcatória. Na Raposa Serra do Sol [terra indígena em Roraima], os índios estão disputando um pedaço de pão velho com os urubus, no lixo.”

    Contrário à PEC 215, o deputado Edmílson Rodrigues (PSOL-PA) desconfia das anunciadas boas intenções. “Não vamos poupar o governo, que corta recursos do Incra, da reforma agrária e da Funai. Tem que se colocar o dedo nessa ferida, mas o nosso objetivo não é golpista, é fazer com que o governo cumpra o seu papel e fortaleça as instituições. Na hora em que os ‘agronegocistas’ tiverem razão em cobrar da Funai mais investimentos, aí nós estaremos juntos. Só que esta razão eles não terão, porque, no fundo, mesmo quando dizem que querem defender os direitos indígenas, na cabeça deles o fortalecimento do índio é a destruição do índio. Eles querem lote com títulos para que se venda a terra pra eles, para que reconcentrem a terra; querem parcerias produtivas, para que os índios trabalhem para eles, uma volta à Idade Média”, critica. “O objetivo, tanto da PEC 215 quanto dessa CPI é de inviabilizar as demarcações e a combalida política de reforma agrária”, complementa.

    Para o parlamentar o PSOL, o governo federal está ajoelhado ante os interesses do latifúndio, praticamente paralisando os procedimentos que envolvem a questão fundiária – Dilma Rousseff é a presidente que menos demarcou terras indígenas desde 1985 e a que menos assentou famílias para a reforma agrária. “O governo cedeu, virou refém, mas os ‘agronegocistas’ não se contentam com essa postura humilhante”, acusa Rodrigues.

    Questionada sobre a possibilidade de a CPI pautar a votação da PEC 215, a deputada Tereza Cristina (PSB-MS), sub-relatora do Incra na CPI, procura não se comprometer. “Não vou dizer que não, mas não é esse o objetivo”, diz. “Existem há muito tempo, na Funai, dúvidas quanto ao processo demarcatórios, os laudos antropológicos, como são feitos e com que viés. Ninguém quer nada em desfavor dos índios. Quem leu a PEC 215 com cuidado vê que ela não tem lado, ela traz pros indígenas uma condição de eles terem recursos para uma vida melhor, com dignidade. Houve tempo suficiente para o governo dar outra solução, mas ele não o fez.”

    Após a reunião da CPI na terça-feira (24), na qual fez um longo discurso em defesa da melhoria das condições de vida dos povos indígenas, o relator acusou os opositores à PEC de, eles sim, estarem contra os índios. “Todo mundo quer a mesma coisa? Não, a diferença é gritante. Eu quero o índio bem, quero investigar como está sendo usado o dinheiro, que não chega às aldeias, e o PT não quer nada disso, muito menos os indigenistas. Quem tem medo de ser investigado? Esse discurso de deputados petistas e dos puxadinhos do PT de que a CPI é contra os índios está errado, a CPI é contra os que roubam dinheiro dos índios. Também não é verdade que a PEC 215 é para paralisar as demarcações, ela vem justamente para demarcar, coisa que não se faz hoje devido ao caos que está instalado.”

    Refluxo

    Depois de ter acompanhado algumas reuniões da comissão especial da PEC 215 na Câmara – cujo presidente foi justamente Leitão –, Alberto Terena, integrante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, não acha possível acreditar na bancada ruralista. Segundo ele, seus integrantes só olham para os próprios interesses. “Ali são os ruralistas, legislando pra si próprios, pra expandir a soja e o gado. Não somos contra o setor agropecuário, mas desde que não tire direitos constitucionais nossos sobre o território”, explica. O índio da aldeia Buriti, em Mato Grosso do Sul – onde Oziel Terena foi assassinado a tiros durante uma operação de reintegração de posse, em 2013 –, vê um cenário político delicado para os povos indígenas. “Eles querem mesmo é tirar direitos, como já reduziram a proteção ao meio ambiente com o Código Florestal. Agora, querem acabar com as demarcações. É uma falta de respeito até mesmo com a nação, pois eles deveriam legislar não só para o agronegócio, mas também para os povos indígenas”, diz.

    Para Alberto Terena, desde que foi coroada com a promulgação da Constituição da República, em 1988, a luta dos povos indígenas passou a ser menos a favor de avanços, e mais contra retrocessos. “Antes, não tínhamos sequer a segurança dos nossos direitos, que começaram a ser atacados quando passamos a reivindicar o que está previsto na Constituição. Não estamos inventando, temos direito e vamos lutar, sobretudo pela terra, nosso maior patrimônio, a nossa mãe”, explica.

    O professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) Carlos Frederico Marés afirma que os índios vivem um período de “refluxo” das mobilizações de décadas atrás. “Todo esse conjunto de direitos indígenas conquistados em toda a América Latina e no Brasil começou a sofrer um processo de refluxo a partir da década de 1990, como se as elites tivessem se dado conta de que os índios conquistaram direitos e que, agora, é preciso relativizá-los, diminuir a força da Constituição e reinterpretá-la. Agora, eles não reivindicam mais, evitam a involução. Hoje o mote do movimento é contra a PEC 215, o que, convenhamos, não é nenhum avanço, é uma tentativa de impedir retrocessos.”

    Marés assumiu a presidência da Funai em 1999, pouco depois do fim da CPI que investigou a instituição naquele ano, e ficou até 2000. Embora faça a ressalva de que pode estar sendo traído pela memória, diz não se lembrar de qualquer impacto, positivo ou negativo, da Comissão Parlamentar de Inquérito. “Faz muito tempo, mas a CPI não resultou em nenhuma interferência, apoio, ajuda ou contribuição para a minha gestão à frente da Funai.” Marés acredita que a CPI de 2015 pode, como acusam alguns deputados, criminalizar instituições, ONGs, os próprios índios e, com isso, abrir espaço inclusive para a “desmarcação” de terras.

    Servidores da Funai ouvidos pela reportagem concordam que pode haver espaço para críticas sobre processos demarcatórios, em alguns casos – excepcionais – até justificadas. Nos corredores da instituição, em Brasília, a “CPI dos laudos” não é motivo de grande alarde, embora tenha despertado a atenção de muitos funcionários, que acompanham os desdobramentos dos trabalhos.

    Primeiros passos

    Pelos requerimentos já apresentados à CPI, as primeiras oitivas deverão voltadas exclusivamente à questão indígena, deixando os remanescentes de quilombos e os assentamentos rurais para uma segunda etapa. A primeira pessoa cujo nome foi aprovado para depor foi a antropóloga Flávia Cristina de Melo. No requerimento de autoria do deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS), ela é acusada de manipulação criminosa do processo administrativo de demarcação de terras da área indígena do Mato Preto, no Rio Grande do Sul, por ter, durante o período em que esteve com o povo guarani, participado de cerimônias religiosas e ingerido chá de ayahuasca.

    Os parlamentares pró-CPI, inclusive, defendem que o episódio seria um dos fatos determinados que justificariam a criação da comissão. “No requerimento do deputado Alceu Moreira que pede a CPI, e que uma série de deputados subscreveu, existe, entre outros, um fato concreto muito claro: o que tem acontecido na terra indígena Mato Preto. Foi uma situação muito abordada na comissão especial da PEC 215”, analisa Osmar Serraglio (PMDB-PR), autor do texto final da Proposta de Emenda à Constituição aprovado na comissão especial, da qual foi relator. “Ele (Moreira) levanta este fato concreto, embora, percebe-se pela proposição, que ele quer ver quais são as regras e critérios que orientam a Funai.”

    Já o primeiro a ser solicitado a comparecer pelo relator foi o secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto, sob a vaga justificativa de que o “seu depoimento é fundamental para o esclarecimentos dos fatos objeto de investigação desta CPI”. “Pelo comportamento do Cimi, a gente quer saber por que os índios estão morrendo pela falta de atendimento básico na saúde. O Cimi defende o índio, mas se é uma entidade séria devia atender o pequeno produtor que é desintrusado [retirado das terras demarcadas]. Porque o Cimi não se preocupa? Quero entender como ele funciona”, explicou Leitão à reportagem.

    Buzzatto afirma que não há qualquer razão que justifique ou legitime a sua convocação. “Entendo que se trata de uma tentativa de intimidação dos parlamentares ruralistas que dominam esta CPI e querem usá-la para atender aos seus próprios interesses políticos e aos interesses econômicos das empresas que financiaram as suas campanhas eleitorais”, rebate. “O Cimi atua na perspectiva de que os povos originários tenham condições de vida plena. Para tanto, entendemos que os seus usos, costumes crenças e tradições precisam ser respeitados e que suas terras devem ser devidamente reconhecidas e demarcadas pelo Estado Brasileiro, uma vez que esta é condição fundamental para sua sobrevivência física e cultural.”

    Buzatto não acredita que haja denúncias específicas contra a instituição, mas uma manobra pra deslegitimar a luta pelas causas indígenas. “O que está em curso no país é um ataque deliberado, generalizado e violento contra os povos e seus direitos, desferidos pelos ruralistas diretamente contra as comunidades e lideranças indígenas, contra os seus direitos, contra os aliados dos povos na sociedade brasileira – como evidencia a CPI do Cimi na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul –, contra os órgãos do Estado que têm responsabilidades constitucionais quanto à demarcação de terras indígenas, bem como quanto à titulação de terras quilombolas e à realização da reforma agrária no país”, analisa o secretário-executivo do Cimi. Para ele, “o modelo de governança baseado num ‘pacto de classes’, representado com a eleição de Lula, mostrou-se fraudulento e não se sustenta mais nem no discurso”, pois “o capital não aceita fronteiras para sua expansão e acúmulo”.

    Instituições

    Em nota, a Funai acusa parlamentares de tentarem “sobrepor argumentos políticos, ideológicos e baseados em interesses pessoais ao que determinam os ordenamentos legais que regulam a demarcação de territórios indígenas e quilombolas no país”. “Ainda, buscam desqualificar o trabalho técnico de antropólogos, historiadores, biólogos e outros profissionais, que cumprem com critérios científicos em seus relatórios”, diz o texto. “A Funai entende que a instalação de tal CPI é parte de uma ofensiva desigual, violenta e inconstitucional contra os povos indígenas e quilombolas, representada também pela recente aprovação da PEC 215 na comissão especial da Câmara Federal. Com o apoio dos povos indígenas, a Funai enfrentará todas as investidas que se apresentem contrárias aos direitos dos povos originários com a convicção de que sairemos desse processo mais fortalecidos e confiantes nos rumos do nosso país.”

    O Incra, por sua vez, informou à Agência Pública que acompanha com “especial atenção” os trabalhos da CPI. “Reafirmamos nosso respeito ao trabalho da comissão e a autonomia do Poder Legislativo. Ao mesmo tempo, defendemos, por meio de nosso trabalho e ações, a demarcação dos territórios quilombolas em todo o Brasil como forma de resgatar a cidadania e reconhecer o direito dessas comunidades de acesso à terra. Aguardamos o desdobramento dos trabalhos da CPI, dispostos a defender o direito das comunidades quilombolas e abertos a apresentar as informações e esclarecimentos que forem da alçada do Incra”, diz nota enviada à reportagem.

    Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

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  • 03/12/2015

    Conselho Missionário do Mato Grosso do Sul divulga carta de apoio ao Cimi e aos povos indígenas

    O Conselho Missionário Regional (Comire) Oeste 1 (Mato Grosso do Sul), reunido em Assembleia anual nos dias 27 a 29 de novembro, em Dourados (MS), divulgou uma carta de apoio e solidariedade ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a todas as pastorais a serviço dos pobres e excluídos.

    A Carta denuncia as ameaças de criminalização do Cimi por meio da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) em andamento na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul, para investigar a ação missionária da entidade junto aos povos indígenas.

    Proposta pela fazendeira e deputada estadual Mara Caseiro (PTdoB) e subscrita por outros deputados fazendeiros, a Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul criou a CPI, por despacho assinado pelo presidente da Casa, o deputado Junior Mochi (PMDB), e publicado no dia 18 de setembro de 2015, no Diário Oficial.

    Segundo o Cimi, a CPI em questão faz parte da estratégia de ataques ruralistas aos povos indígenas e seus aliados. Naquele estado, uma parte dos fazendeiros e seus jagunços tem atuado através de milícias armadas com ataques contra o povo Guarani Kaiowá dos Tekohá Nanderu Marangatu, Guyra Kamby’i, Pyelito Kue e Potreiro Guasu. Como resultado, o líder Guarani Kaiowá, Semião Vilhalva, foi assassinado, três indígenas foram baleados por arma de fogo, vários foram feridos por balas de borracha e dezenas de indígenas foram espancados.

    Nos últimos 12 anos, ao menos 585 indígenas cometeram suicídio e outros 390 foram assassinados no Mato Grosso do Sul. O estado tem 23 milhões de bovinos que ocupam aproximadamente 23 milhões de hectares de terra. Enquanto isso, com os procedimentos de demarcação paralisados, os cerca de 45 mil Guarani Kaiowá continuam espremidos em apenas 30 mil hectares de suas terras tradicionais.

    A missão do Cimi

    No Mato Grosso do Sul, o Cimi conta com apenas sete missionários e o apoio de outras 13 pessoas. O jovem gaúcho Matias Benno Rempel faz parte do Cimi desde 2013 e está há um ano em Dourados (MS). “Podemos afirmar que os Guarani Kaiowá vivem uma subvida. Essa questão se tornou conhecida em cortes de Direitos Humanos no Brasil e em muitos países por ser a segunda maior população indígena no país na pior situação”, afirma o missionário. Vivendo em muitos acampamentos, com pouca terra, os indígenas estão na miséria. Essa situação de confinamento leva a outras consequências como a perda da cultura e da identidade, o suicídio, a desesperança e uma vida sem dignidade.

    Matias explica que, mesmo assim, “o Cimi divide as esperanças com esses povos e permanece junto nos momentos mais difíceis para anunciar o Reino que vem com a denúncia daquilo que agride a vida por meio do Relatório de Violência contra os indígenas. O fato faz o estado brasileiro repensar suas práticas com relação a esses povos”. 

    Irmã Joana Aparecida Ortiz pertence à congregação das Franciscanas de Nossa Senhora Aparecida. Presente na Assembleia do Comire em Dourados, ela relata que a missão do Cimi tem sido visitar as comunidades nas aldeias e áreas retomadas para escutar suas demandas na saúde, educação e na luta pela terra. O Cimi procura dar voz aos indígenas para que contem sua real situação. A missionária lamenta a desinformação e manipulação dos fatos por parte da mídia que confunde a população e as próprias comunidades cristãs. 

    Irmã Joana reforça que a missão do Cimi é deixar que os indígenas sejam os protagonistas de sua história. “Quem toma as decisões das ocupações e das retomadas das terras são os próprios indígenas. A nossa Igreja conhece pouco sobre a questão. Das seis dioceses no estado, cinco têm indígenas com aldeias e áreas de conflitos”. Pensando nisso o Cimi programou para o mês de julho de 2016, um curso sobre o indigenismo missionário destinado às pessoas que querem conhecer melhor a questão indígena. 

    Irmã Joana já sofreu intimidações do delegado daSuperintendência da Polícia Federal do Mato Grosso do Sul, Alcídio de Souza Araújo, que duvidou de sua condição de religiosa e missionária. “Diante desse fato eu não me sinto abalada por que eu sei da minha missão junto de Deus que me compromete com os povos indígenas. É triste as pessoas saberem quem somos e tentarem anular a missão da Vida Religiosa justamente no Ano da Vida Consagrada. Isso é consequência do nosso seguimento a Jesus Cristo”, declara Irmã Joana. 
    Confira abaixo a íntegra da Carta de apoio ao Cimi.

    CARTA DE APOIO AO CIMI E AOS POVOS INDÍGENAS DE MATO GROSSO DO SUL

    Nós, missionários e missionárias do Conselho Missionário Regional (Comire) Oeste 1 da CNBB, (Mato Grosso do Sul), reunidos em Assembleia na cidade de Dourados (MS), manifestamos por meio desta, nossa total solidariedade e apoio ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi), com sua história de mais de 40 anos em missão a serviço da vida dos povos indígenas no Brasil.

    Cientes das ameaças de criminalização do Cimi por meio da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) em andamento na Assembleia Legislativa no Estado do Mato Grosso do Sul, para investigar a ação missionária da entidade junto aos povos indígenas, vimos expressar nossa indignação ao que consideramos ilegal uma vez que o Cimi não é um órgão público ou do estado, mas um organismo da Igreja Católica Apostólica Romana vinculado à CNBB.

    Esta não é a primeira CPI ou instrumento de coerção que recai sobre o Cimi e outras entidades e pastorais de nossa Igreja por se colocarem a serviço dos pobres, excluídos e marginalizados de nossa sociedade.

    Por esta carta queremos dizer que acreditamos na autonomia dos povos indígenas, em sua capacidade de se organizar e buscar, com seu protagonismo, o direito ao “Bem Viver”, à Terra sem Males.

    Por fim, reafirmamos nossa solidariedade e apoio ao Cimi e a todos os indígenas do Mato Grosso do Sul, aos quais a nossa Igreja abre suas portas para acolher, assim como o faz com todos e todas que dela se aproximam.

    “É missão de todos nós, Deus chama, quero ouvir a sua voz”. Hoje no grito pela vida dos povos indígenas.

    Dourados 29 de novembro de 2015
    Os participantes da Assembleia anual do Comire Oeste 1 da CNBB

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  • 02/12/2015

    Povo Gamela retoma nova fazenda no Maranhão

    No fim da tarde de terça-feira (1º/12), indígenas do povo Gamela realizaram a retomada de mais uma fazenda no Maranhão. É a segunda retomada feita nesta semana pelos Gamela, que já haviam retomado uma fazenda na madrugada da última segunda-feira (30/11). Carros estranhos rondam a região, e os indígenas, ainda sem a presença da Funai, temem possíveis ataques de pistoleiros.

    A ação do povo Gamela no Maranhão é motivada pela falta de providências da Funai para abrir o processo demarcatório de seu território tradicional. As duas fazendas retomadas incidem sobre o território tradicional do povo Gamela e, segundo denúncia dos indígenas, são fruto de grilagem.

    O território tradicional reivindicado pelo povo Gamela compreende uma área de 14 mil hectares doada aos indígenas pelo Estado do Brasil ainda no período colonial, no ano de 1759. Desde então, o território foi sendo invadido e grilado, e o povo Gamela foi sendo confinado em um espaço cada vez menor.

    Atualmente, mais de 700 famílias do povo Gamela vivem numa área de apenas 530 hectares, sem espaço para praticar agricultura e, ainda, sofrendo com a grilagem e a destruição de árvores e plantas importantes para sua sobrevivência, como é o caso dos açaizais, utilizados para alimentação, e dos guarimãs, cuja palha é utilizada para confecção de artesanatos. Segundo os indígenas, a destruição destas culturas ocorre também de forma criminosa, com a intenção de retirar sua autonomia e seus meios de sobrevivência.

    A fazenda retomada na terça-feira, conforme os indígenas, pertence ao ex-prefeito da cidade de Viana, Benito Filho, e é vizinha à área retomada na segunda-feira. Os proprietários de ambas as terras denunciadas por grilagem moram em outras casas, fora das fazendas retomadas.

    Menos de uma hora após a nova retomada, cinco viaturas da Polícia Militar chegaram à área. Após um acordo, apenas uma viatura permaneceu fazendo rondas na região.

    Depois disso, no entanto, indígenas denunciam a presença de quatro carros estranhos rondando as áreas retomadas, os quais eles temem serem de pistoleiros. Os carros estranhos chegaram ontem e, hoje, ainda circulam por lá.

    Segundo uma liderança Gamela, não identificada por questões de segurança, o clima está "tenso". Ele conta que o proprietário da primeira fazenda retomada, ao qual os indígenas referem-se como “Castelo”, teria ameaçado os indígenas dizendo que esperassem, porque “a hora de vocês vai chegar”.

    A Funai já foi notificada pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Secretaria de Segurança Pública do Maranhão, mas ainda não se manifestou sobre a situação e nem compareceu à retomada indígena.

    As ações de retomadas de terras aconteceram após a realização da II Assembleia do povo Gamela, ocorrida durante os dias 27 e 29 de novembro. Para saber mais sobre a assembleia e a outra retomada, ocorrida na segunda-feira, clique aqui.

    Foto: Rosimeire Diniz – Cimi MA

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  • 02/12/2015

    Nilson Leitão: ruralista da PEC 215 é mais uma vez alvo do STF, agora por superfaturamento de obras no MT

    O ruralista e deputado federal Nilson leitão (PSDB/MT), vice-presidente e articulador da Comissão Especial que aprovou o relatório da PEC 215, será mais uma vez alvo de investigação da Justiça. A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) de que o parlamentar teria efetuado procedimentos que possibilitaram o desvio de recursos públicos, por meio de superfaturamento na execução de obras de pavimentação e drenagem em trecho urbano da BR-163. A conduta delituosa teria ocorrido entre 2001 e 2006, quando era prefeito de Sinop (MT).

    Nos últimos cinco anos, Leitão tem sido um dos principais deputados da bancada ruralista que trabalha para descontruir os direitos territoriais indígenas por intermédio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215. A medida visa transferir para o Poder Legislativo o procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas – ou seja, o procedimento passará a ser político. A proposta foi recentemente aprovada pela bancada ruralista de uma Comissão Especial instalada pelo presidente da Câmara Federal, o deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ).

    Leitão já era o vice-presidente desta Comissão Especial quando a Justiça Federal do Mato Grosso enviou ao STF um processo que investiga a participação do ruralista, conforme o MPF/MT, num esquema de invasões a terras indígenas demarcadas e na arrecadação de R$ 30 mil para direcionar o parecer sobre a PEC 215. A acusação também apontava o relator da Comissão Especial, o ruralista Osmar Serraglio (PMDB/PR), como integrante do esquema – ambos apareceram nas apurações e investigações realizadas pelos procuradores.

    Em escutas obtidas com autorização judicial revelaram ao MPF o pagamento de R$ 30 mil ao advogado Rudy Maia Ferraz, então integrante da Confederação Nacional de Agricultura (CNA). Serraglio foi por ele assessorado em seu relatório. Conforme revelou o jornal O Globo “a investigação constatou também a presença de um grupo que tentava ocupar uma terra de índios xavantes empregando ações tidas como criminosas pela Polícia Federal (PF). Cinco pessoas chegaram a ser presas, em agosto, suspeitas de comandar as ações. Leitão é mencionado nos diálogos gravados como o suporte do grupo em Brasília e como incentivador da ocupação das terras demarcadas”.

    O MPF aponta que existia uma associação criminosa no Mato Grosso cujo líder do grupo seria Sebastião Ferreira Prado que dizia, conforme as gravações telefônicas interceptadas, “possuir influência junto a parlamentares federais e membros do Poder Judiciário”. Sebastião diz, em outra ligação, que irá “a Brasília essa semana justamente para falar com Nilson Leitão, que é amigo do desembargador que vai apreciar a causa”. Sebastião é presidente da Associação dos Produtores Rurais da Suiá-Missu (Aprosum), principal porta-voz de uma ocupação que ocorreu na Terra Indígena Marãiwatsédé.

    Numa outra conversa, os investigados afirmam: “A pastora (também investigada) foi lá hoje e disse que conversou com Nilson Leitão e que o Nilson Leitão falou que é pro povo descer e entrar pra dentro da área mesmo, que é pra dá força. Que é pra voltar com máquina, voltar com gado e entrar pra dentro das terras”, cita o diálogo. O deputado teria pedido, segundo essa conversa, “30 escrituras para ele”. Conforme o MPF, seriam escrituras das terras registradas irregularmente por posseiros em cartórios da região. Mesmo assim, Leitão e Serraglio não foram afastados da Comissão Especial da PEC 215 e o relatório terminou aprovado e agora pode ser colocado para votação do Plenário da Câmara Federal.



  • 02/12/2015

    Fazendeiros voltam a atacar povo Guarani e Kaiowá de Ñanderú Marangatú após saída do Exército

    Atentados, ameaças e provocações voltaram a fazer parte da rotina dos indígenas Guarani e Kaiowá do tekoha – lugar onde se é – Ñanderú Marangatú, município de Antônio João (MS). No último dia 29, um fazendeiro e capangas chegaram atirando sobre os acampamentos instalados nas retomadas das fazendas Fronteira e Cedro. A agressão ocorreu exatos três meses depois da morte de Semião Vilhalva, em 29 de agosto, e será denunciada ao Ministério Público Federal (MPF). Os recentes ataques tiveram início após a saída do Exército da região, há menos de um mês.

    “Voltou a ser o dia a dia. Sempre que chegam de Antônio João é isso agora. Temos medo porque uma bala perdida pode encontrar uma criança ou alguém”, afirma uma liderança que não revelaremos a identidade por motivos de segurança. Para o Guarani e Kaiowá de Ñanderú Marangatú ouvido pela reportagem, trata-se também de provocação. “Chegam atirando e depois filmam a gente, pra ver se temos alguma reação contra eles”, explica.

    Os Guarani e Kaiowá denunciam ainda que estão sendo caluniados. “O gerente da Cedro (chamado de Moacir pelos indígenas) também tem acusado a gente de roubar gado. A Funai (Fundação Nacional do Índio) tem documento dizendo que o fazendeiro (chamado pelos indígenas de Bruno) deixou cabeças de gado pra gente. Ele admitiu que a terra aqui é tudo indígena e saiu, mas o gerente dele fica aqui criando confusão”, declarou 

    O trânsito de não-índios em Ñanderú é constante. Das propriedades incidentes na terra indígena, homologada em 2005, a presença parcial de fazendeiros e capangas em quatro – Itaquiraí, Cedro, Fronteira e Barra – se destaca pela agressividade contra os indígenas. A começar pela forma violenta que seus autodeclarados proprietários adotaram para reaver as áreas: a presidente do Sindicato Rural de Antônio João, Roseli Maria Ruiz Silva, cuja família reivindica propriedade das fazendas Barra e Fronteira, liderou o ataque contra as retomadas de Ñanderú Marangatú que culminou na morte de Semião Vilhalva. 

    Todavia, os ataques dos últimos dias, conforme a liderança indígena, parece ter um alvo – para intimidar, ameaçar e provocar. “Quando entraram atirando no acampamento, foram direto pro barraco do Loretito. Parece que ele é o alvo. Governo precisa tomar providência. Fazendeiro sabe que ele é liderança importante pra gente aqui”, denuncia o Guarani e Kaiowá ouvido. Conforme o indígena, Loretito tem dito que teme pela própria vida. Sobretudo porque passou a ser obrigado a sair da terra indígena todos os dias.

    Loretito segue até o município de Ponta Porã para cumprir determinação judicial. Em 2007, Loretito foi pego pela polícia portando uma arma de caça. Condenado em 2011 por porte ilegal, há poucas semanas ele foi intimado a comparecer diariamente à Justiça Federal para assinar um documento atestando que não fugiu do estado ou país – Ñanderú Marangatú fica na região de fronteira com o Paraguai.

  • 01/12/2015

    Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares divulga moção de apoio à luta dos povos indígenas e quilombolas

    No dia 29 de novembro, a Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (Renap)  divulgou uma nota em apoio à luta dos povos indígenas e quilombolas pela efetivação de seus direitos constitucionais à terra e à dignidade.

    Na moção, as advogadas e advogados da Renap exigem a urgente demarcação das terras indígenas e titulação dos territórios quilombolas. A Renap repudia, no documento, a CPI da Funai e do Incra e a CPI do Cimi, no Mato Grosso do Sul, criadas por ruralistas com a intenção de criminalizar indígenas e apoiadores.

    A organização repudia também a PEC 215 e a “pressão de setores conservadores sobre o Supremo Tribunal Federal” para a adoção do conceito de “marco temporal”, apontado como inconstitucional pela Renap. Além disso, as advogadas e advogados da rede também destacam seu repúdio pela morosidade da Funai nas demarcações de terras e pela postura do Ministério da Justiça de “‘dialogar’ ou ‘negociar’ direitos indígenas sobre suas terras”.

    Leia, abaixo, a moção na íntegra:


    Moção de apoio à luta dos povos indígenas e quilombolas pela efetivação de seus direitos constitucionais à terra e à dignidade

    Nós, advogadas e advogados populares organizados na Rede Nacional de Advogadas e Advogados populares – RENAP, reunidos em Luziânia GO entre os dias 25 a 29 de novembro de 2015 para celebrar os 20 anos de existência e resistência da Rede, manifestamos nosso compromisso com a luta dos povos indígenas e das populações quilombolas no Brasil pela efetivação de seus direitos constitucionais.

    Entendemos, apoiamos e exigimos a realização urgente das demarcações de terras indígenas, obrigação do Estado brasileiro inscrita na Constituição Federal, para que os povos indígenas possam exercitar o Bem Viver e reproduzir seus usos, costumes e tradições. Da mesma forma, exigimos que os territórios das comunidades remanescentes de quilombo sejam demarcadas e respeitadas.

    Repudiamos a iniciativa da bancada ruralista no Legislativo federal em criar a CPI da Funai, bem como repudiamos a já instalada CPI do Cimi – Conselho Indigenista Missionário, pela Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul cujo objetivo comum é desqualificar a realização da demarcação das terras indígenas, criminalizar indígenas e seus apoiadores – como vem ocorrendo com advogados populares indigenistas – no intuito de inviabilizar o exercício dos direitos originários pelos povos indígenas.

    Repudiamos a iniciativa das mesmas forças ruralistas em criar a CPI do Incra, que tem o intuito de obstar o trabalho do órgão na realização da reforma agrária, efetivando por meio dela a dignidade das famílias trabalhadoras rurais em todo o país.

    Repudiamos a PEC 215/00 que pretende transferir a demarcação das terras indígenas do âmbito do Executivo para o Congresso nacional, desarquivada na atual legislatura, cuja tramitação vem sendo acompanhada diariamente pelos povos indígenas e seus apoiadores e que pretende retirar o direito aos territórios indígenas quilombolas em detrimento dos interesses do agronegócio, de madeireiras, de empreiteiras que financiam políticos e permite a exploração hidrelétrica etc.

    Repudiamos a pressão de setores conservadores sobre o Supremo Tribunal Federal para a adoção do conceito inconstitucional do chamado “marco temporal” que desconsidera o histórico esbulho perpetrado contra as terras indígenas e o animus de pertencimento e permanência das comunidades indígenas. Fruto dessa espúria pressão, a Segunda Turma do STF vem anulando Portarias e Decretos homologatórios de terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas.

    Repudiamos, ainda, a inércia da Funai em finalizar os processos administrativos de demarcação das terras indígenas, mantendo comunidades em beira de estrada expostas à violência quotidiana de seus detratores e privando-as de uma vida digna. Repudiamos também o subterfúgio utilizado pelo Ministério da Justiça em “dialogar” ou “negociar” direitos indígenas sobre suas terras, que são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

    Luziânia, 29 de novembro de 2015.

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  • 01/12/2015

    “Denunciamos a implementação do projeto de desenvolvimento agrícola, denominado MATOPIBA, feito sem consulta ao povo”

    REGIONAL NORTE 3 – CNBB
    Rua Dr. Francisco Aires, 135 – Centro
    CEP 77.650-000- Miracema do Tocantins – TO
    Fone: (63) 3366-2285


    Mensagem ao povo de Deus do Regional Norte 3 da CNBB

    Vai e faze tu a mesma coisa” (Lc 10,37)

    Nós, membros do povo de Deus, 82 delegados: bispos, padres, diáconos, religiosas, religiosos, leigas, leigos e representante do povo indígena Xerente, com alegria, nos reunimos, em Miracema do Tocantins, na I Assembleia Regional de Pastoral, nos dias 27, 28 e 29 de novembro de 2015, com o tema: "Igreja Discípula, Missionária, Profética e Misericordiosa" e o lema: "Vai e faze tu a mesma coisa” (Lc 10,37).

    O Regional Norte 3, historicamente marcado por uma feição missionária, feita por missionários oriundos de várias Congregações, as quais, solícitas no anúncio do Reino, não se descuidaram de seus carismas. Empenharam-se também nos campos da educação, da saúde e, enfim, do bem-estar do povo.

    Com a criação do Regional Norte 3, legitimou-se esta vocação missionária que busca aprofundar a mensagem salvífica da Boa Nova, sempre de acordo com as atuais necessidades do povo, pois, a paixão pela Missão é o coração da Igreja (Redemptoris Missio, 62).

    A Encíclica Laudato Si, do Papa Francisco, nos motiva ao cuidado com a terra, nossa casa comum, com atenção especial aos pobres que habitam nesta casa. Contudo, vemos com preocupação e denunciamos a implementação do projeto de desenvolvimento agrícola, denominado MATOPIBA, feito sem consulta ao povo, que vai acelerar o processo de degradação do bioma Cerrado, berço das águas, onde se encontram os maiores aquíferos do Brasil. Aumentará, ainda mais, a concentração de renda e a desigualdade econômico-social, intensificando, sobremaneira, a grilagem de terra, a exclusão dos povos do Cerrado, o êxodo rural, o aumento da pobreza e a invisibilidade das populações existentes no território.

    O Regional Norte 3 é enriquecido com a presença dos povos indígenas, dos povos tradicionais e dos quilombolas, os quais resistem às ameaças de extinção e, com suas culturas e modos de vida, protegem o nosso Cerrado.

    A Proposta de Emenda à Constituição – PEC 215, que transfere do Poder Executivo para o Poder Legislativo a prerrogativa da demarcação dos territórios dos povos indígenas e dos quilombolas, e tira direitos adquiridos, e garantidos na Constituição Federal, é uma grave ameaça contra esses povos e comunidades. Preocupa-nos os desafios provenientes da concentração urbana. A ausência de políticas públicas para uma vida digna, sobretudo nas áreas da educação, saúde, segurança, trabalho, lazer, saneamento básico e moradia, agrava a banalização da vida e aumenta a violência (Cf. DGAE, 23). O sentido unitário e completo da vida humana proposto pelo Evangelho é o melhor remédio para os males urbanos (Evangelii Gaudium, 75). Reafirmamos o propósito de defesa do meio ambiente, da biodiversidade, da vida dos pobres e excluídos, pois, segundo o Papa Francisco, uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, porque ouve o clamor dos pobres e da terra (cf. Laudato Si 49).

    À luz das Urgências contidas nas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, assumimos os seguintes compromissos: em 2016, “Igreja a serviço da vida plena para todos”, terá como ação regional a Semana Social. Em 2017, “Igreja: casa de iniciação à vida cristã”, terá como ação o Curso de Formação Litúrgica, com enfoque no processo mistagógico da iniciação à vida cristã. Em 2018, “Igreja: lugar de animação bíblica da vida e da pastoral”, terá como ação o Curso Bíblico. E em 2019, respondendo a Urgência “Igreja em estado permanente de missão”, terá como ação o II Congresso Missionário Regional. Tudo isso para fortalecer o espírito de pertença à uma Igreja Comunidade de comunidades, que se identifica com o povo ao qual deseja servir; uma Igreja profética e misericordiosa, com o cheiro de suas ovelhas. Ficou definido que o Regional realizará uma pesquisa sócio-religiosa verificando a situação religiosa da população do Estado do Tocantins.

    Agradecemos aos agentes de pastoral que, através do exercício dos diferentes ministérios, dedicam tempo e energia na obra evangelizadora, abertos a ação do Espírito Santo e reafirmando a vocação de discípulos missionários, para que todos tenham vida.

    Que o Espírito Santo, Pai dos pobres, nos inspire nesta caminhada e Maria, Sede da Sabedoria, acompanhe nossos passos.

    Miracema do Tocantins, 29 de novembro de 2015.

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  • 30/11/2015

    “Não temos tempo de esperar 4 mil anos”: povo Gamela retoma território tradicional no Maranhão

    Vamos minha gente jogar flecha no ar (bis)

    Estão derrubando as palmeiras que ainda tem neste lugar (bis).

    Vamos derrubar o arame para a terra libertar(bis).”

     

    Com o tema “Revitalizando a cultura e tecendo nosso futuro”, o povo Gamela realizou, entre os dias 27 e 29 de novembro, a II Assembleia do povo, no seu território, a qual contou a presença de indígenas do Povo Krenyê e do povo Ka’apor, e foi acompanhada por representantes da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anai), de grupos de estudos da Universidade Federal do Maranhão (NURUNI, Nera), do Cimi e da Comissão Pastoral da Terra do Maranhão.

    Após a assembleia, o povo Gamela decidiu partir para a retomada de seu território tradicional, que aconteceu na madrugada desta segunda-feira, dia 30. Com a intenção de pressionar a Funai a abrir o processo de demarcação da terra tradicional e vítimas de uma situação de confinamento, degradação ambiental e invasões constantes, cerca de 100 indígenas do povo Gamela, acompanhados por lideranças quilombolas e do povo Krenyê, retomaram uma fazenda que incide sobre o território tradicional e é denunciada pelos indígenas como fruto de grilagem.

    A II Assembleia do povo Gamela

    Durante os dias 27 e 29, com muita cantoria, animação, colaboração, num tempo próprio e com indignação frente à destruição ambiental no seu território, conforme fala o toré, ao som do maracá e pisada forte no chão, o povo Gamela refletiu sobre a situação que está vivendo e definiu ações para construir um projeto de futuro.

    A memória do processo de luta pelo reconhecimento étnico e territorial que começou em 2013, apontou para a necessidade de superar os conflitos internos, causados por práticas colonialistas e seguir em frente. Refletiram sobre o momento conjuntural marcado por fortes ameaçadas aos direitos indígenas e de comunidades tradicionais como a PEC 215, os projetos do agronegócio, como o Matopiba, que avançam sobre o cerrado, as contínuas queimadas criminosas que afetam os territórios indígenas Araribóia, Alto Turiaçáu, Awá, Caru e Geralda Toco Preto, as ameaças a lideranças do povo Ka’apor e do Povo Gamela. Se animaram com as histórias de lutas de resistência e insurgência dos povos indígenas e comunidades tradicionais para manter o seu modo de vida.

    Toda a assembleia foi contagiada por cantos, danças e rituais dos três povos indígenas compartilhando lutas, estratégias e sonhos. O povo Krenyê participou do momento de debate, mas, sobretudo, na preparação de um ritual de batizado, com Beberubu (comida tradicional), corrida de tora, cantos, pinturas, nomes na língua, contribuiu para a revitalização da cultura Gamela.

    Com a experiência de autogestão e autoproteção partilhada pelo povo Ka’apor, e pelos quilombolas do território Camaputiua, o povo Gamela apontou flechas para o futuro, tecendo um acordo de convivência e organização.

    Entre as decisões tomadas pelos Gamela, estava a necessidade de retomar o território que foi tirado do povo. No encerramento da assembleia, os indígenas fizeram uma manifestação parando a MA 014 por quase uma hora e seguiram em caminhada dentro das comunidades do território.

    “Não temos tempo de esperar 4 mil anos”

    A retomada de uma fazenda dentro do território tradicional ocorreu na madrugada desta segunda-feira (30/11), após a decisão do povo Gamela de não esperar mais e  pressionar a Funai para que inicie o processo de demarcação da terra reivindicada pelos indígenas.

    A fazenda retomada fica dentro de uma área de 14 mil hectares reivindicada pelo povo gamela, a qual lhes foi doada pelo Estado do Brasil ainda no período colonial, no ano de 1759. Desde então, o território foi sendo invadido e grilado, e o povo gGamela foi sendo confinado em um espaço cada vez menor.

    Atualmente, mais de 700 famílias do povo Gamela vivem numa área de apenas 530 hectares, sem espaço para praticar agricultura e, ainda, sofrendo com a grilagem e a destruição de árvores e plantas importantes para sua sobrevivência, como é o caso dos açaizais, utilizados para alimentação, e dos guarimãs, cuja palha é utilizada para confecção de artesanatos.

    Os Gamela denunciam que, na fazenda ocupada, áreas inteiras de açaizais e guarimãs foram destruídas para a construção de açudes.

    Há algum tempo, frente à deterioração de seu território e à situação de confinamento a que foram sendo submetidos ao longo dos anos, os Gamela vêm buscando a regularização de seu território tradicional junto à Funai.

    Uma liderança ouvida pela reportagem, cuja nome não é revelado por questões de segurança, contou que os Gamela foram a Brasília reivindicar o início do processo demarcatório para a Funai, mas foram informados de que não seria possível abrir um novo processo, pois já havia muitos outros em andamento. “Depois, nos disseram na Funai que o nosso processo seria o de número 401 ou 402, porque já tem outros 400 na frente. E disseram que cada processo leva em torno de dez anos pra ser concluído. Mas nós não temos tempo de esperar 4 mil anos”, afirmou a liderança.

    Cerca de 100 indígenas das comunidades Gamela de Taquaritiua, Centro de Antero, Nova Vila e Tabocal encontram-se na retomada e pretendem resistir na área e pressionar a Funai a iniciar o processo de demarcação da “Terra dos Índios”, como eles chamam o território reivindicado.

    Segundo o indígena ouvido pela reportagem, o dono da fazenda retomada já ameaçou os Gamela, que temem a ação de pistoleiros durante a noite. “O invasor esteve duas vezes aqui. Ele ameaçou trazer a polícia ou, caso não consiga, nos expulsar ‘de outra forma’”. O Ministério Público Federal (MPF) já foi avisado da retomada e a Funai deve ser notificada ainda hoje.


    Fotos: Rosimeire Diniz, Cimi Regional MA

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  • 30/11/2015

    Povos e comunidades tradicionais denunciam destruição do Cerrado pelo Matopiba

    Povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais do Cerrado, unidos a movimentos sociais e sindicais e organizações de apoio divulgaram, no último dia 25, uma carta aberta sobre a destruição do Cerrado pelo Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba (PDA Matopiba).

    A carta é fruto é do I Encontro Regional dos Povos e Comunidades do Cerrado, ocorrido entre os dias 23, 24 e 25 de novembro. No documento, os povos e comunidades tradicionais do Cerrado afirmam que o PDA Matopiba “nada mais é que a velha e contínua política desenvolvimentista do período militar e atual, maior promotora de violências, de degradação ambiental, trabalho escravo e desigualdades sociais e econômicas do campo brasileiro”.

    Segundo dados da Embrapa, o Matopiba deve compreender 73 milhões de hectares dentro do bioma cerrado, numa delimitação territorial dentro da qual existem 28 terras indígenas, 42 unidades de conservação, 865 assentamentos e 34 quilombos.

    O projeto, que foi criado por meio do Decreto Presidencial nº 8447, de maio de 2015, prevê a expansão da fronteira agrícola em parte dos territórios dos estados do Maranhão (MA), Tocantins (TO), Piauí (PI) e Bahia (BA).

    Um estudo da Embrapa prevê que 73% dos cerrados da região abrangida pelo Matopiba seriam passíveis de ocupação pela agricultura, mas que 24% desses territórios seriam “potencialmente” preservados dentro das propriedades rurais, devido à determinação, no Código Florestal, de preservação de 20% das matas nativas nas áreas de cerrado e de 35% nas áreas abrangidas pela Amazônia Legal, que correspondem a 60% de todo o Matopiba.

    Os povos indígenas, quilombolas e as comunidades tradicionais que assinam a carta aberta afirmam que o PDA Matopiba impactará agressivamente o bioma Cerrado, além de desconsiderar e invisibilizar dezenas de povos que, há anos, buscam a regularização de suas terras, aumentando a grilagem das terras e a violência física e psicológica já existentes contra as populações do Cerrado.

    A carta afirma que o Matopiba “não é um projeto de desenvolvimento sustentável, pois ‘mata’ a água, a terra, o bem viver dos povos indígenas, quilombolas e camponeses” e denuncia a estratégia politica e pessoal da atual ministra da Agricultura e Pecuária, Kátia Abreu, “através da busca de maiores investimentos de recursos do governo federal, via Matopiba, para o estado do Tocantins, visando a viabilização de seu projeto político eleitoral”.

    Leia, abaixo, a carta na íntegra:

     

    Carta aberta à Sociedade Brasileira e à Presidência da República e ao Congresso Nacional sobre a destruição do Cerrado pelo MATOPIBA

    Araguaína – Tocantins, 25 de Novembro de 2015

     

    Nós, Camponeses(as), Agricultores(as) Familiares, Povos Indígenas, Quilombolas, Geraizeiros(as), Fundos e Fechos de Pasto, Pescadores(as), Quebradeiras de Coco, reunidos(as) no I ENCONTRO REGIONAL DOS POVOS E COMUNIDADES DO CERRADO, em Araguaína – Tocantins, nos dias 23, 24 e 25 de Novembro de 2015 , para debater sobre o PDA MATOPIBA e as consequências para os Povos do Cerrado, viemos INFORMAR e MANIFESTAR  à Sociedade Brasileira:

    – Que a política nacional de desenvolvimento agropecuário, através do Plano de Desenvolvimento Agropecuário do MATOPIBA (PDA MATOPIBA), instituída através do Decreto n. 8447, nada mais é que a velha e contínua política desenvolvimentista do período militar e atual, maior promotora de violências, de degradação ambiental, trabalho escravo e desigualdades sociais e econômicas do campo brasileiro.

    – Que a delimitação territorial do MATOPIBA, abrangendo os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, impactará, agressivamente, o Bioma Cerrado, “berço das águas”, onde encontram-se os maiores aquíferos do planeta, as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul (Amazônica/Araguaia-Tocantins, São Francisco e Prata), a mais rica biodiversidade brasileira.

    – Que a desconsideração desta diversidade biológica, cultural e de povos, por parte dos sucessivos governos, das elites econômicas, políticas e até mesmo acadêmicas, autorizou que nos últimos anos, estas áreas fossem griladas e ocupadas pela expansão de um modelo agrário/agrícola com base na monocultura devastadora implantada pelos latifúndios empresariais – o agronegócio.

    – Com caráter de manipulação política, estão sendo desconsiderados e invisibilisados dezenas de povos que, há diversos anos, buscam a regularização de suas terras. Com isso, numa região de graves conflitos, aumentarão ainda mais os problemas socioambientais.

    Por isso, nós, povos e comunidades do Cerrado, movimentos sociais e sindicais, organizações de apoio e assessoria, signatários desta carta, a partir de nossas reflexões e debates, viemos manifestar o nosso posicionamento CONTRA o PDA MATOPIBA pois,  

    Promoverá ainda maior destruição da vida e exclusão de povos do Cerrado, vindo reforçar o crescimento do êxodo rural, o aumento da pobreza e a invisibilidade das populações existentes no território. O PDA MATOPIBA não representa desenvolvimento, pois atinge os modos de vida das comunidades do Cerrado;

    – Não é um projeto de desenvolvimento sustentável, pois “mata” a água, a terra, o bem viver dos povos indígenas, quilombolas e camponeses;

    Aumentará a grilagem das terras e a violência física e psicológica contra as populações do Cerrado;

    Aumentará a degradação ambiental, agravando ainda mais os problemas hídricos: rios estão secando, águas estão sendo envenenadas, matas ciliares estão desaparecendo e áreas de recarga, ocupadas pelas monoculturas, perdendo sua capacidade de recarga;

    Irá beneficiar apenas as grandes empresas nacionais e multinacionais, os latifundiários do agronegócio visando somente  o seu crescimento econômico;

    Trará mais impactos negativos ao meio ambiente e às populações tradicionais do entorno, com destruição das matas e solos pelo uso intensivo de tratores e correntões e pelo abusivo uso de agrotóxicos com pulverização aérea intensiva;

    Aumentará apenas o poder econômico do agronegócio e o politico dos atuais parlamentares comprometidos com o mesmo;

    Fortalecerá uma estratégia politica e pessoal da senadora, ex-presidente da CNA e atual ministra da Agricultura e Pecuária – Katia Abreu, através da busca de maiores investimentos de recursos do governo federal, via MATOPIBA, para o estado do Tocantins, visando a viabilização de seu projeto político eleitoral.

    Diante desta situação repudiamos e denunciamos:

    – A Violência contra as comunidades camponesas, perpetrada pelo agronegócio aliado ao Estado e ao poder judiciário, que tem imposto uma situação de barbárie, com aumento dos conflitos, ameaças de morte e assassinatos no campo. Como lamentável exemplo citamos a situação de Campos Lindos e a expulsão da Agricultora Dona Raimunda e sua comunidade, moradores há 62 anos na sua terra, no município de Barra do Ouro. O Juiz Luatom Bezerra, da Comarca de Goiatins (TO), emitiu ordem judicial de despejo a pedido do grileiro e sojicultor Emilio Binotto.

    – A crescente compra de terra por grupos estrangeiros nas áreas do MATOPIBA e demais regiões dos biomas Amazônia e Cerrado.

    – A Transposição do Rio São Francisco que tem provocado a morte dos diversos rios e igarapés existentes no cerrado e semiárido; e a iminente ameaça da implementação do projeto de transposição do Rio Tocantins para o Rio São Francisco;

    O aumento das autorizações para desmatamento e outorga de água para monoculturas irrigadas no oeste da Bahia, tendo como modelo a ser implantado os piscinões da Fazenda SUDOTEX em Correntina- BA;

    A Construção da Hidrovia Araguaia-Tocantins e das barragens de Marabá, Serra-quebrada, Santa Isabel, Perdida Dois e Rio do Sono; além dos projetos de asfaltamento de estradas em terras indígenas, como as TO-126, TO-010, TO-500 e de abertura da Transbananal, que como a construção da Ferrovia de Integração Leste-Oeste FIOL (MT-TO-BA), da ferrovia Norte Sul e do Porto de Itaquí, MA, causarão danos irreparáveis ao meio ambiente e às populações locais;

    A paralisação das ações discriminatórias por pressão do agronegócio no oeste da Bahia;

    A desconstrução dos direitos dos povos indígenas e comunidades quilombolas através da PEC 215, que transfere para o poder legislativo a demarcação das terras; da Portaria 303 (que quer estender as 19 condicionantes da área Indígena Raposa Serra do Sol para todas as terras indígenas); da PEC 237 (que facilita o  arrendamento de terras indígenas) e o PL 1610 ( mineração).

    O Cerrado merece cuidado e respeito. Por isso, apelamos à consciência nacional, à presidência da República e ao Congresso Nacional para que se ponha um fim à veloz destruição deste bioma, o mais antigo do planeta, se não quisermos passar para a posteridade o estigma de termos destruído, em poucas décadas, o que a Natureza levou milhões de anos a construir.

    Araguaína, 25 de novembro de 2015.

    Subscrevem a presente carta:

     

    1.     CPT – Comissão Pastoral da Terra

    2.     CIMI – Conselho Indigenista Missionário

    3.     Articulação Camponesa – Tocantins

    4.     APA-TO – Alternativa para a Pequena Agricultura no Tocantins

    5.     Escola Família de Campos Lindos

    6.     MIQCB – Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu

    7.     AMIQCB – Associação do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu

    8.     ASMUBIP – Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Bico do Papagaio

    9.     Escola Família Agrícola Pe. Josimo

    10. Agência 10ENVOLVIMENTO

    11. Rede Cerrado

    12. Associação Pro-Cultura de Formoso do Rio Preto

    13. Colônia Z-64  Riachão das Neves-BA

    14. STR de São Desiderio – BA

    15. STR Santa Rita de Cassia – BA

    16. MAB – Movimento dos Atingidos Por Barragens

    17. Coletivo de Fundo e Fecho de Pasto do Oeste da Bahia

    18. ACEFARCA – Associação Comunitária da Escola Família Agrícola Rural de Correntina e Arredores

    19. MAISVERDE – Movimento Ambientalista Grande Sertão Veredas

    20. CONVALE – Conselho Ambiental do Vale do Rio de Ondas –

    21. AMB – Associação de Mulheres de Buriti do Tocantins

    22. TEIA – Organização dos Povos Tradicionais do Maranhão

    23. MOQUIBOM – Movimento Quilombola do Maranhão

    24. COEQTO – Coordenação Estadual dos Quilombolas do Tocantins

    25. CRB – Conferência dos Religiosos(as) do Brasil – MA

    26. CRB – Núcleo Miracema Tocantins

    27. Pastoral Indigenista da Diocese de Grajaú – MA

    28. Associação União das Aldeias Apinajé Pempxa

    29. Associação Mãkra-re do povo Krahô

    30. CNS – Conselho Nacional das Populações extrativistas

    31. Associação Comunitária Nova Santana – PI

    32. Assentamento Rio Preto – PI

    33. Assentamento Taboca, PA Flores – PI

    34. Assentamento Barra do Correntinho – PI

    35. Associação dos moradores das Melancias – PI

    36.  Movimento das Comunidades populares (MCP) – MA

    37.  Diocese de Brejo – MA

    38.  Assoxiação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Buriti – TO

    39.  Associação da Comunidade Remanecente de Quilombo Grotão (ACOREG) – TO

    40.  STR de Campos Lindos – TO



    Foto: Mobilização Nacional Indígena 2013 – Laila Menezes

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  • 27/11/2015

    Conselho Nacional de Direitos Humanos também é contrário à PEC 215

    O Conselho Nacional de Direitos Humanos divulgou ontem (26) uma Nota Pública em que manifesta total discordância com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215. Além de avaliar que a transferência da prerrogativa de demarcar as terras indígenas e quilombolas para o Legislativo politiza atos técnico-administrativos, o Conselho considera que o estabelecimento de um marco temporal exclui parte das terras atualmente reivindicadas, na medida em que vários povos e comunidades sofreram esbulhos que os impediram de estar em posse de suas terras em outubro de 1988.

    “A PEC 215/00 insere-se em um contexto de iniciativas legislativas que tem como objetivo primordial a desconstrução dos avanços promovidos pela Constituição Federal de 1988, que reconheceu direitos sociais, territoriais, culturais e econômicos para grupos até então invisibilizados pelo Estado brasileiro”, denuncia o Conselho em sua manifestação pública.

     

    Leia abaixo a Nota na íntegra:

     

    Nota do CNDH sobre a PEC 215/00

    O Conselho Nacional de Direitos Humanos – CNDH, no seu papel de promoção e defesa dos direitos humanos, manifesta sua total discordância em relação à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00, aprovada em Comissão Especial da Câmara dos Deputados, no dia 27 de outubro de 2015.

    O texto aprovado busca restringir os direitos dos povos indígenas e das comunidades quilombolas assegurados na Constituição Federal de 1988, ao propor alterações no processo de reconhecimento dos seus territórios tradicionais. Na proposta, a prerrogativa de homologação dos territórios seria transferida do Poder Executivo para o Legislativo. Essa mudança acaba por politizar os processos de reconhecimento fundiário, na medida em que propõe que a homologação, que hoje é um ato técnico-administrativo baseado na Constituição de 1988, passe a ser feito por meio de um debate político sob a responsabilidade do Congresso Nacional.

    A proposta prevê, ainda, o estabelecimento de um marco temporal que determina que os territórios indígenas e quilombolas só poderão ser homologados caso se comprove, por critérios objetivos, a presença dessas comunidades na área reivindicada no momento da promulgação da Constituição Federal de 1988. Esse critério exclui parte das terras atualmente reivindicadas, na medida em que vários povos e comunidades sofreram esbulhos que os impediram de estar em posse de suas terras em outubro de 1988.

    Cabe destacar também que a forma como a proposta vem sendo discutida desrespeita o direito de consulta prévia assegurado aos povos indígenas e comunidades quilombolas pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil em 2004 e com força de lei no Brasil, na medida em que a Comissão Especial não promoveu espaços de diálogo e participação para que os indígenas e quilombolas pudessem discutir e se posicionar sobre a iniciativa.

    Na avaliação do CNDH, a PEC 215/00 insere-se em um contexto de iniciativas legislativas que tem como objetivo primordial a desconstrução dos avanços promovidos pela Constituição Federal de 1988, que reconheceu direitos sociais, territoriais, culturais e econômicos para grupos até então invisibilizados pelo Estado brasileiro. 

    Por defender um Brasil plural, cujos povos e comunidades tenham direito à livre determinação e ao bem viver, o Conselho Nacional de Direitos Humanos – CNDH reafirma a posição contrária ao texto. O CNDH segue firme na defesa da democracia e dos direitos humanos para todas e todos. 

     

    Conselho Nacional de Direitos Humanos

    26.11.2015

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