• 24/06/2016

    CDHM relata presença de policiais e fazendeiros em Tey’i Jusu um dia antes do Massacre de Caarapó



    O relatório entregue nesta quinta-feira, 23, pelos parlamentares da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara Federal sobre diligência realizada no Mato Grosso do Sul, nos últimos dias 15 e 16, revela que policias do Departamento de Operações de Fronteira (DOF) e as polícias Militar e Federal estiveram na retomada Yvu, tekoha – lugar onde se é – Tey’i Jusu, município de Caarapó, um dia antes do ataque aos Guarani e Kaiowá que culminou no assassinato do indígena e agente de saúde Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, de 23 anos (velório acima, na foto de Ana Mendes/Cimi). Os policiais estavam com os fazendeiros que no dia seguinte invadiram a retomada de forma violenta – o que deixa a entender que as autoridades policiais no estado sabiam do risco de um ataque contra a comunidade Guarani e Kaiowá.


    Assista: Massacre de Caarapó – Ataque contra o tekoha Tey’i Jusu 


    A comitiva confirmou ainda que o indígena Valdir Gonçalvez, de 14 anos, segue desaparecido, sem nenhuma notícia de paradeiro por parte dos indígenas, e verificou um sem fim de cartuchos espalhados pela retomada Yvu. De acordo com o relatório apresentado pelos parlamentares, o fazendeiro conhecido como Virgílio Mata Fogo afirmou aos Guarani e Kaiowá, na presença dos policiais, que caso a comunidade não saísse da área retomada ele iria “resolver do meu jeito (SIC)”. No dia seguinte, conforme o documento da CDHM, Virgílio coordenou o ataque que terminou no Massacre de Caarapó junto com outros dois fazendeiros chamados de Camacho e Japonês.


    No dia seguinte (14/06) cerca de 200 caminhonetes retornaram, com “pistoleiros, fazendeiros e mais o sindicato rural Famasul”, e já chegaram atirando. Segundo os indígenas, os ataques foram “sem piedade”, “não para assustar, mas para matar”, desferidos principalmente pelo fazendeiro conhecido como Virgílio. O ataque durou entre nove e 13 noras, aproximadamente”, diz trecho do relatório. Clodiodi foi assassinado e outros seis indígenas foram hospitalizados com tiros na cabeça, tórax e abdômen, entre eles uma criança de 12 anos.


    Os disparos que atingiram de forma fatal Clodiodi, de acordo com o relatório, foram efetuados por Virgílio Mata Fogo. “Tio do indígena assassinado, Zenildo Isnarde presenciou o momento dos tiros fatais e socorreu o sobrinho. Ele viu Virgílio atirando no rapaz, tiros que se seguiram mesmo depois de o tio já estar carregando o sobrinho no ombro. “Eles vieram atacando, empurrando. O menino já morreu dentro da aldeia”, conforme trecho do relatório.


    De acordo com as vítimas adultas que falaram os parlamentares ainda internadas no Hospital da Vida, em Dourados, foi Virgílio também quem desferiu os tiros nelas. A imprensa sul-mato-grossense e os vídeos feitos pelos indígenas revelaram ainda a presença de indivíduos de uma empresa de segurança ainda não identificada. Os parlamentares da CDHM entraram com pedido junto à Secretaria Nacional de Direitos Humanos, agora parte do Ministério da Justiça, para que as vítimas que sobreviveram ao Massacre de Caarapó sejam inseridas no Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos, pois “são testemunhas oculares” do ataque.


    Os fazendeiros queimaram ainda uma maloca, motos, todos os poucos pertences dos indígenas e depois enterraram tudo numa vala aberta por um trator. Em um dos vídeos captados pelos celulares dos Guarani e Kaiowá, o mesmo trator tenta recolher um amontoado de pertences dos indígenas para enterrar. Os Guarani e Kaiowá não permitiram: ali estava o corpo de Clodiodi, que também seria atirado na vala. As últimas informações apuradas dão conta de que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal (MPF) investigam os mandantes e presentes no ataque, além dos autores dos disparos que mataram Clodiodi e atingiram outros seis Guarani e Kaiowá.


    Os parlamentares afirmam no relatório da CDHM que solicitaram audiências com o ministro da Justiça Alexandre Moraes, para quem pediram ainda a permanência da Força Nacional na região, com o Procurador-Geral da República Rodrigo Janot e com o Diretor-Geral da Polícia Federal, mas em nenhum dos três casos datas para o encontro foram agendadas pelos órgãos. Na diligência, que percorreu outras terras indígenas fora a Dourados Amambai Peguá, estiveram presentes o presidente da CDHM, deputado Padre João (PT/MG) e o 1º Vice-presidente, deputado Paulo Pimenta (PT/RS). Além deles, os deputados federais sul-mato-grossenses Vander Loubet (PT/MS) e Zeca do PT (PT/MS).


    Terra indígena declarada pelo Estado


    A retomada Yvu, do tekoha Tey’i Jusu, faz parte da Terra Indígena Dourados Amambai Peguá e fica a 20 km de Caarapó. Em 12 de maio deste ano, a terra indígena foi declarada e delimitada pela Fundação Nacional do Índio (Funai), vinculada ao Ministério da Justiça, no Diário Oficial da União. Outros tekoha fazem parte da terra, que ainda abrange a Reserva Indígena Tey’i Kue – criada na década de 1930 para confinar os Guarani e Kaiowá expulsos de seus territórios tradicionais contra a vontade. Essas terras passavam a ser consideradas devolutas e entregues às frentes de colonização sulistas.

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  • 23/06/2016

    Matopiba é morte, queremos a vida

    Um forte vento se uniu às vozes, aos gritos e clamores contra o projeto de morte denominado Plano de Desenvolvimento Agrícola (PDA) Matopiba no segundo dia da III Assembleia dos Povos Indígenas de Goiás e Tocantins. A capital tocantinense Palmas está sendo o palco desse histórico evento onde os povos originários se unem aos quilombolas, camponeses, outras comunidades tradicionais e acadêmicos para, juntos, traçarem estratégias para o enfrentamento desse modelo de desenvolvimento extremamente predador, destruidor, criminoso e genocida que está sendo implantado com euforia e aval do governo e apoiado com recursos públicos.


    “Nós não vamos deixar o Matopiba passar”, exclamou a liderança Krahô, Gercília (na foto acim, ao lado do procurador da 6ª Câmara do Ministério Público Federal (MPF), Felício Pontes). “O Rio Vermelho está morrendo. Eu protejo o rio sagrado. Não vamos deixar roubarem nossas terras e matarem os rios e as matas. Falo do que está dentro do meu coração, não sei falar bonito em português, mas quero dizer a vocês que o Matopiba não vai vingar”, garantiu ela.

    Clique aqui para acessar o folder sobre o Matopiba produzido para a III Assembleia dos Povos Indígenas de Goiás e Tocantins.

    Em sua fala, Antônio Apinajé destacou a gravidade do momento de sérias ameaças à vida e ao futuro das comunidades e aldeias “A gente fica atordoado, perturbado com esses projetos como o Matopiba. Estamos construindo união com os quilombolas e camponeses na defesa da Mãe Terra. Precisamos lutar juntos, fortalecer a cultura, nossas raízes, para ter mais força no enfrentamento com esses poderosos”.

    O secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto, chamou atenção para a agressividade com que os setores anti-indígenas estão desconstruindo direitos e conquistas dos povos indígenas nas últimas décadas. “É preciso dar continuidade à mobilização permanente dos povos indígenas, ampliando suas alianças com as populações do campo”.

    Rituais de vida e resistência

    Ivo Poletto, assessor do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social (FMCJS), que há décadas vem acompanhando e denunciando a destruição do Cerrado, lembrou que, na verdade, o Matopiba é a reedição de projetos como o Prodecer, implantado pelo ditador Geisel, em 1978, com a entrega de grande parte do Cerrado a multinacionais japonesas. Agora, a mesma lógica se repete. “É uma loucura o que está sendo feito”, enfatizou, conclamando os indígenas a serem: “profetas da Vida… Tenham amor e respeito sagrado pela Terra. O Cerrado também diz um ‘não’ desesperado a esse desastre total. Dêem a vossa mensagem do Bem Viver”.

    Para o procurador da 6ª Câmara do Ministério Público Federal (MPF) Felício Pontes “o Matopiba é o projeto final de destruição do Cerrado”. Ele destacou que a voracidade com que o atual modelo capitalista suga os recursos naturais está baseada em quatro pilares: madeira, pecuária, monocultura e mineração”. Esse modelo caminha celeremente para o esgotamento, deixando em seu caminho rastros de morte e destruição. Alertou para as gravíssimas consequências de semelhantes projetos, não apenas para o Cerrado, com fortes impactos sobre praticamente todos os biomas, em especial a Amazônia, que tem os berços de seus mananciais de água no Cerrado.

    Felício destacou o fato de ser uma obrigação constitucional do Ministério Público a defesa das populações atingidas por esses projetos e sugeriu ações e debates que dêem visibilidade a essa grave situação. Nesse sentido, ele propôs a realização de uma audiência pública sobre o Matopiba, a ser realizada em Brasília no segundo semestre deste ano. Apresentando dados e números, Felício explicitou como os governos vêm destinando recursos públicos para promover a destruição. “É contra esses monstros que temos que lutar”, concluiu.


    Já o procurador Álvaro Manzano, de Palmas, afirmou que a continuidade do modelo desenvolvimentista gera grave desagregação social nas populações do Cerrado.

    Alfredo Wagner Berno de Almeida, professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAm), mostrou o descalabro do momento atual, onde sequer existe uma definição clara sobre o “lugar institucional” dentro do Estado brasileiro para resolver a questão da demarcação das terras indígenas e titulação dos territórios quilombolas. E neste quadro caótico de desconstrução de direitos, o agronegócio avança incontrolavelmente.

    A partir de dados, ele evidenciou a importância dos espaços das terras coletivas, demarcadas ou reivindicadas, e que poderiam configurar uma esperançosa garantia de vida das populações e da natureza. No entanto, infelizmente, apesar das garantias legais e constitucionais, elas não estão seguras diante da voracidade do atual modelo de desenvolvimento, que pretende explorar os bens comuns presentes nos territórios tradicionais. Todos os direitos estão ameaçados.

    “Estamos numa encruzilhada. Temos que admitir nossas fraquezas, contradições e esfacelamentos. É preciso unir as forças e escolher um novo caminho. Estivemos imobilizados por muito tempo. É hora de fazer os enfrentamentos locais, somar as resistências locais e ir somando forças”, considerou Wagner.

    Luta comum

    Os debates realizados nestes dois dias de Assembleia explicitaram que é urgente avançar na unificação das lutas. É preciso enfrentar as estratégias do agronegócio e de suas corporações genocidas sem medo.

    Na tarde de ontem (22), os mais de seiscentos indígenas dos dez povos presentes no evento, juntamente com diversos representantes dos quilombolas, sem terra e de comunidades tradicionais, como as quebradeiras de coco, além de pesquisadores e integrantes de organizações da sociedade civil, realizaram uma caminhada pelo centro de Palmas.

    Durante o trajeto, explicaram os graves impactos que o Matopiba irá causar a todos e conclamaram a população para se unir aos lutadores pela Vida para “defender nossos rios, nossa água, o Cerrado e a nossa Casa Comum”.


    Cerca de 500 cruzes de madeira, simbolizando o longo processo de extermínio e destruição do capitalismo já realizado e denunciando os severos impactos futuros deste de aprofundamento deste sistema, foram fincadas em uma das praças centrais da cidade. Um folheto distribuído à população trazia relevantes informações sobre as graves consequências da destruição da vida pelo atual modelo de desenvolvimento:

    “Vocês estão percebendo que o Rio Tocantins está morrendo? Ele está cada dia mais estreito, e está pedindo socorro. É pelo desmatamento que, em média, desaparecem dez pequenos rios no Cerrado, por ano… Territórios livres, florestas sagradas, fontes de águas puras! Vamos somar, unir forças na defesa da nossa Mãe Terra. Se a Casa é Comum, a luta também é Comum”.

    O final da manifestação foi na Assembleia Legislativa do estado, onde foi entregue um documento com vários questionamentos sobre projetos aprovados pelos deputados:

    “Queremos também dizer o nosso ‘NÃO’ ao projeto Matopiba que, com os correntões da morte, ameaça destruir o Cerrado, no qual apenas restam menos de30% da vegetação nativa. Caso esse projeto seja implementado, em poucos anos, não restará mais nada do Cerrado. Estaremos sujeitos a uma catastrófica falta de água. E a água que restar estará cada vez mais contaminada e escassa, pois as nascentes secarão e nossos rios serão mortos.”

    texto e fotos: Egon Heck
    Cimi GOTO
    Palmas, 23 de junho de 2016

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  • 23/06/2016

    Avá-Canoeiro do Araguaia: demarcação já!


    A demarcação da Terra Indígena (TI) Taego Ãwa, demanda histórica dos indígenas do povo Avá-Canoeiro do Araguaia, no Tocantins, encontra-se sob risco. Em maio de 2016, o senador Ronaldo Caiado (DEM/GO) entregou ao ministro da Justiça do governo interino, Alexandre de Moraes, um ofício no qual questiona o “mérito duvidoso” da portaria declaratória referente à TI Taego Ãwa e solicita sua “reanálise”.

    O documento ignora a história dos Avá-Canoeiro do Araguaia (Ãwa, em sua autodenominação), marcada por eventos bárbaros de massacre e perseguição e por uma trajetória impressionante de resistência. Eles já foram caçados como animais selvagens, forçados a se esconder na mata por anos e, quase dizimados, foram capturados em uma ação de “contato” forçado em 1973, durante a Ditadura Militar, e levados para longe de sua terra.

    Mesmo assim, resistiram. E só agora, mais de 40 anos depois, caminham para que o direito a viver conforme seu próprio modo de vida, no território tradicional de onde foram retirados em 1973, seja efetivado. Em 11 de maio de 2016, o então ministro da Justiça, Eugênio Aragão, publicou a Portaria que declara a TI Taego Ãwa como de ocupação tradicional dos Avá-Canoeiro, uma conquista histórica para um povo que foi quase aniquilado.

    O próximo passo importante na demarcação do território tradicional dos Ãwa é a homologação da TI Taego Ãwa. Para ela se concretize, contudo, é preciso evitar qualquer retrocesso.

    Saiba mais sobre essa história e ajude a garantir este direito:
    https://cimi.org.br/ava-canoeiro

    Na foto, a Ãwa Kaukamã, uma das indígenas capturadas em 1973, e a nova geração de Avá-Canoeiro do Araguaia

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  • 22/06/2016

    Ação de milícias armadas no MS e PEC 215 são citadas por GT do Conselho de Direitos Humanos da ONU


    O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) recebeu o relatório final do Grupo de Trabalho realizado no Brasil, entre os dias 7 e 15 de dezembro de 2015, sobre a Questão dos Direitos Humanos e as Empresas Transnacionais e outras Empresas. O documento (leia aqui)de análise dos impactos da cadeia produtiva dessas empresas nos direitos humanos subsidiará decisões e recomendações do Conselho de Direitos Humanos ao país em diversas áreas, entre elas a questão indígena. O relatório chega ao Conselho de Direitos Humanos da ONU menos de dez dias depois do Massacre de Caarapó (ler abaixo), mais um episódio de violência da cadeia privada do agronegócio contra os Guarani e Kaiowá.


    A ação de milícias contra comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul, ligadas a fazendeiros e sindicatos rurais, é citada com preocupação pelo Grupo de Trabalho, além dos dados do Relatório de Violências Contra os Povos Indígenas – sistematização e publicação anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). No relatório, os especialistas da ONU pontuam uma “grande preocupação” com as terras indígenas não demarcadas, o que aumenta as violências e vulnerabilidades dos povos que as reivindicam.


    De forma alarmante o grupo de Trabalho constatou com a sociedade civil e promotores federais a falta de consulta eficaz aos povos indígenas e o violento conflito social no Mato Grosso do Sul, perpetrado por milícias armadas e empresas de segurança privada no contexto da intrusão do agronegócio em terras indígenas e a demarcação ineficaz ou incompleta de terras indígenas. As informações recolhidas pelo Conselho Indigenista Missionário dão conta de 138 indígenas assassinados no Brasil em 2014, quase um terço dos quais (41 assassinatos) ocorreu em Mato Grosso do Sul”, diz trecho do relatório sobre a questão indígena.


    Conforme o relatório apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, “o Grupo de Trabalho encontrou repetidas preocupações com os direitos humanos que afetam povos indígenas e os quilombolas. Nas últimas décadas, povos indígenas foram submetidos ao deslocamento forçado devido a expansão do agronegócio e projetos de desenvolvimento em larga escala”.


    Os especialistas da ONU questionam também a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215. Aprovada em Comissão Especial da Câmara Federal, a proposta visa transferir do Poder Executivo para o Congresso Nacional a demarcação de terras indígenas, quilombolas e a criação de áreas de preservação ambiental. Institui ainda o Marco Temporal, que determina a admissilidade de uma demarcação se o povo que a reivindica comprovar que estava na posse da terra em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. A medida é considerada inconstitucional, na medida em que a Carta Magna de 1988 passa a determinar que o direito dos povos indígenas é à terra, portanto originário. Quanto a isso, o relatório cita que o prórpio Supremo Tribunal Federal (STF) já entendeu como inconstitucional a PEC 215.


    As preocupações expressas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por intermédio do ministro Luís Roberto Barroso, sobre a constitucionalidade da PEC 215/2000. Em 23 de setembro de 2013, sobre a rejeição de uma pedido de liminar contra a PEC 215/2000, ele afirmou que estes direitos (indígenas) estão incluídos na Constituição precisamente para que a maioria não tenha poder sobre uma minoria”, diz trecho do relatório.


    Para os especialistas da ONU, é preciso que o governo brasileiro estabeleça a legalidade e normalidade das leis vigentes. “O Grupo de Trabalho questiona a adequação de tal passo (PEC 215), e sublinha a importância de uma rápida demarcação de terras e de defesa dos direitos dos povos indígenas, conforme previsto na Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e na Constituição Federal”, enfatiza o trecho da questão indígena no relatório apresentado.


    Tey’i Jusu: o Massacre de Caarapó


    A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal realizou na última quinta-feira, 16, diligências em terras indígenas Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Os parlamentares visitaram a retomada Tey’i Jusu, na Terra Indígena Amambai Peguá I, em Caarapó, e a Reserva Tey’i Kue, localizada também nos limites desta demarcação. Na última terça, 14, um ataque de fazendeiros resultou num massacre em Tey’i Jusu: o indígena Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, de 23 anos, foi morto a tiros e outros seis indígenas, incluindo uma criança, foram encaminhados a hospitais da região vitimados por disparos de arma de fogo. Outros Guarani e Kaiowá acabaram feridos por tiros de bala de borracha.


    O tekoha – lugar onde se é – Apykai também esteve na programação de visitas dos parlamentares. A comunidade liderada pela cacique Damiana Guarani e Kaiowá sofre com seguidas ordens de despejo motivadas pelos interesses da Usina São Fernando no território. Além do presidente da Comissão, Padre João (PT/MG), e do 1º vice-presidente Paulo Pimenta (PT/RS), compõem a diligência os deputados federais Vander Loubet (PT/MS) e Zeca do PT (PT/MS). Todos participaram do funeral de Clodiodi. No ano passado, a Comissão esteve por duas vezes no Mato Grosso do Sul em decorrência de ataque sofrido pelos Guarani e Kaiowá de Ñanderú Marangatú, que terminou com a morte de Semião Vilhalva.


    Entre os indígenas de Tey’i Jusu hospitalizados em decorrência do Massacre de Caarapó, apenas uma mulher, alvejada no braço, recebeu alta. Os demais seguem internados no Hospital da Vida, em Dourados. Conforme informações da equipe do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o quadro clínico destes indígenas ainda é de gravidade. Todos foram submetidos a intervenções cirurgicas porque os tiros atingiram órgãos vitais no tórax, cabeça e barriga dos Guarani e Kaiowá hospitalizados.


    A Força Nacional está na região, mas conforme lideranças indígenas entrevistadas em completa inatividade. Outros ataques foram registrados a acampamentos Guarani e Kaiowá no cone sul do estado depoisde Tey’i Jusu, mas sem vítimas ou feridos. Os Guarani e Kaiowá seguem denunciando a falta de segurança e consideram que estão sob ataque permanente. “Não é mais um ataque num tekoha ou outro, mas se trata de um ataque permanente contra o nosso povo. Então não vemos um trabalho real dos governantes para resolver essa situação. Deixam a gente aqui para morrer mesmo”, afirma liderança da Aty Guasu – Grande Assembleia Guarani e Kaiowá.


    Cimi pede fim do genocídio e punição aos assassinos


    Após o Massacre de Caarapó, que resultou no assassinato do Kaiowá e agente de saúde indígena Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, 23 anos, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) protocolou documentos junto à Presidência da República, à Procuradoria-geral da República e ao Ministério da Justiça (MJ) pedindo providências para que os ataques violentos contra comunidades indígenas sejam cessados e os responsáveis sejam identificados e punidos.


    Nesta semana, o Cimi também enviou, em conjunto com a Fian Brasil, uma nota à Relatora Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli Corpuz, relatando o ataque realizado contra os Guarani e Kaiowá e buscando intermediação da relatora junto aos governos federal e estadual e a inclusão deste acontecimento em seus próximos relatórios sobre a situação dos povos indígenas no Brasil.


    Em abril, Victoria esteve no Brasil e visitou comunidades indígenas nos estados do Pará, Bahia e Mato Grosso do Sul. No comunicado divulgado após sua visita, ela condenou os ataques violentos e conclamou o governo a “por um fim a essas violações de direitos humanos, bem como investigar e processar seus mandantes e autores”.


    Morosidade e “injustiça com as próprias mãos”


    Na nota à relatora especial da ONU, Cimi e Fian Brasil também informam sobre outros ataques e cercos a indígenas em pelo menos outras quatro áreas Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Nos tekohas Guaiviry e Pyelito Kue, ocorreram ataques a tiros, sem deixar feridos, na noite da terça-feira em que ocorreu o massacre em Caarapó. Já nos tekohas Potrero Guasu e Kurusu Ambá, na região do município de Coronel Sapucaia, também na região sul do estado, indígenas relataram a presença de pessoas armadas cercando as comunidades indígenas.


    Somente no último semestre, conforme informa a nota, já foram contabilizados ao menos 25 ataques contra os Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul, os quais incluem ataques químicos, com a utilização de agrotóxicos, e atentados a tiro.


    No documento protocolado junto ao MJ, à PGR e à Presidência da República, o Cimi denuncia as ações articuladas de ataque contra os povos indígenas por parte de setores do agronegócio, que têm optado pela prática da “injustiça pelas próprias mãos”, a qual vem se intensificando nos últimos anos.


    O documento também chama a atenção para o efeito negativo causado pelos discursos de ódio proferidos por parlamentares, como os proferidos pelos deputados federais Luiz Carlos Heinze (PP-RS) e Alceu Moreira (PMDB-RS) em audiências públicas em Vicente Dutra, no Rio Grande do Sul, e no chamado “Leilão da Resistência”, no Mato Grosso do Sul, afirmando que a incitação à violência contra os povos indígenas tem contribuído para a intensificação os ataques armados.


    Na avaliação da entidade, a morosidade e a omissão do Estado quanto à demarcação dos territórios tradicionais dos povos indígenas também contribui para o aumento da violência e dos conflitos por terra.


    Outras manifestações


    Ao pedir providências ao Ministério da Justiça para garantir a investigação do crime a segurança dos indígenas, o Ministério Público Federal (MPF) afirmou que “lamenta o episódio de violência” e espera “que haja efetivas proteção dos povos indígenas e punição dos responsáveis pelos atos criminosos”.


    A Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP) e a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) também expressaram-se em solidariedade às comunidades e aos familiares das vítimas do ataque ruralista em Caarapó e exigiram a “imediata demarcação de todas as terras Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, além da punição dos autores dos fatos relatados”.

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  • 22/06/2016

    Relatora da ONU condena assassinatos de indígenas por grupos paramilitares e pede fim da violência

    A relatora especial das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz (na foto de Jean-Marc Ferré/ONU), condenou nesta quarta-feira, 22, os ataques recentes contra a comunidade indígena Guarani-Kaiowá no Brasil. A especialista instou as autoridades federais e estaduais a adotar ações urgentes para prevenir mais assassinatos, bem como investigar e responsabilizar os perpetradores.


    Em 14 de junho, o agente de saúde pública Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza foi morto a tiros e outros seis indígenas foram baleados, incluindo uma criança de 12 anos. O ataque ocorreu no município de Caarapó, no estado do Mato Grosso do Sul, em terras ancestrais que foram recentemente reivindicadas pelos Guarani-Kaiowá.


    Paramilitares agindo por instruções de fazendeiros supostamente realizaram o ataque em retaliação contra a comunidade indígena que busca o reconhecimento de suas terras ancestrais.


    Essa foi uma morte anunciada”, ressaltou Tauli-Corpuz, que visitou comunidades indígenas Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul em março de 2016. Ela alertou publicamente sobre a alta incidência de assassinatos: “O estado é o mais violento no Brasil, com o número mais elevado e crescente de indígenas mortos”.


    Lamento que, apesar de meus alertas anteriores, as autoridades federais e estaduais tenham fracassado em adotar medidas rápidas para prevenir a violência contra povos indígenas”, disse. “Essa falha é agravada pelos recorrentes altos índices de violência e temores expressados pela comunidade de sofrer novos ataques.”


    Peço para que os procedimentos de demarcação sejam agilizados como uma questão prioritária, visando a clarificar a titularidade de terras indígenas e prevenir uma maior escalada de violência”, comentou. “A busca por interesses econômicos de tal modo que subordinem ainda mais os direitos dos povos indígenas cria um risco potencial de efeitos etnocidas que não pode ser desconsiderado nem subestimado”.


    A relatora especial apresentará um relatório detalhado sobre sua visita oficial ao Brasil (7-17 de março de 2016) ao governo brasileiro e ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em setembro de 2016.



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  • 22/06/2016

    REPAM: Diálogo com os povos indígenas para uma agenda em comum em defesa da vida na Amazônia


    Tabatinga, Brasil, 19-06-2016 (REPAM).  Com o objetivo de construir uma agenda comum em defesa da Amazônia e de seus povos, 91 pessoas entre líderes indígenas e membros da Igreja Católica da tríplice fronteira de Brasil, Colômbia e Peru se reuniram, convocados pela Rede Eclesial Pan-amazônica – REPAM, de 7 a 10 de junho, na cidade de Tabatinga, estado do Amazonas, no Brasil.

    Como resultado do intercâmbio de informações e de propostas, não só se fixaram alguns pontos-chave para a possível agenda comum, mas o encontro também proporcionou muitos elementos para seguir construindo uma igreja encarnada na realidade Pan-amazônica, ou como disse o papa Francisco: uma igreja com rosto e espírito amazônico.

    Na Carta Compromisso elaborada ao final do Encontro de Povos Indígenas com a REPAM, os membros da Igreja Católica presentes se comprometem a: “Ser uma Igreja que tem uma presença próxima, que conhece a realidade, que compreende os povos indígenas, que caminha junto com as comunidades, que contribui com a preservação e a valorização da cultura, que apoia a formação social e política, seja espaço de interação e participação, companheira, aliada e solidária, cultural e espiritualmente enraizada e não fincada e de costas para o povo, transgressora da ordem opressora, com coragem e compromisso, uma Igreja do com rosto Amazônico”.

    Com relação aos desafios da complexa realidade Pan-amazônica, o Encontro constatou a necessidade de assumir a “defesa do território frente às leis que ameaçam os direitos dos povos, os megaprojetos de infraestrutura e exploração econômica com as hidroelétricas, hidrovias, estradas, mineração, extração de gás, petróleo e madeira, desmatamento para empreendimentos de monocultivos agrícolas e criação de gado, assim como também frente aos impactos sociais provocados por atividades ilícitas como o tráfico humano e o narcotráfico”.


    Igualmente é fundamental responder ao desafio do “fortalecimento cultural considerando a reprodução das formas de dominação, migração dos jovens, práticas produtivas inadequadas, as dificuldades econômicas, a perda do uso da língua materna e outras expressões culturais, as mudanças nos hábitos cotidianos, uso inadequado das tecnologias, alcoolismo, a discriminação em geral, presença negativa de algumas expressões de igrejas e seitas, impactos negativos de modelos de atenção a saúde e educação que não respeitam a identidade cultural”. Diante do qual os povos amazônicos tem o compromisso de “fortalecer os planos de vida alternativos aos grandes interesses econômicos e políticos e a autonomia dos povos indígenas, mediante processos de formação social e política”.

    O Encontro de povos indígenas da tríplice fronteira com a REPAM estabeleceu alguns critérios e mecanismos de coordenação e de trabalho conjunto em torno de alguns dos temas centrais abordados. Destaca-se a criação de uma comissão de articulação com a ativa participação de líderes jovens e o fortalecimento de processos formativos em temas como políticas públicas, direitos dos povos indígenas, legislação e estratégias de incidência pública em nível nacional e internacional.

    No aspecto cultural o compromisso é promover ações para incorporar no sistema de educação escolar indígena os elementos de sua identidade cultural e fortalecer o que já está sendo positivo na perspectiva da tríplice fronteira. Exemplo: calendário escolar com calendário da comunidade.

    Favorecer encontros de povos indígenas divididos pelas fronteiras (exemplo Ticuna, Kokama e Yagua). Incentivar os encontros de jovens das três fronteiras para discutir os impactos culturais e a perda de identidade que os está afetando (migração, tecnologia, música, práticas produtivas, etc.). Igualmente o desenvolvimento de estratégias concretas para fortalecer os conhecimentos tradicionais em saúde (medicina tradicional) e identidade cultural – encontro de espiritualidades indígenas respeitando as culturas.



    Finalmente se frisou que frente ao modelo consumista e ao sistema de produção depredador, os povos amazônicos dever fortalecer seus planos próprios de vida: “Promover a autonomia econômica dos povos, a partir da continuidade de tradições sustentáveis na pesca e caça para superar o paternalismo. Incentivar, ampliar e dar a conhecer a proposta de trabalho das aulas vivas (de alimentação, projetos de vida, saúde, etc.)”.

    Participaram os povos Kambeba, Miranha, Kaixana, Kokama, Ticuna, Matis, Mayoruna, Kulina, Kanamari, Marubo, Yagua, Uitoto, Bora e Quichua. Os delegados do Vicariato de San José do Amazonas/Peru, do Vicariato de Letícia/Colômbia, da Diocese do Alto Solimões, Amazonas/Brasil, do Cimi, Equipe Itinerante, projeto missionário da CRB, das Congregações religiosas (Maristas, Franciscanas, Ursulinas, Lauritas, Capuchinhos, OFM, Cônegas e Jesuítas), das Cáritas (Brasil, regional Norte I, Colômbia, Equador e Espanha) e da Rede Eclesial Pan Amazônica, REPAM (eixos: povos indígenas, métodos pastorais, DDHH, Igrejas Fronteiriças, Formação, Redes Internacionais, Comunicações) REPAM Nacionais da Colômbia, Brasil e do Equador, e do comitê executivo e seu secretariado). Foi muito positiva a presença dos Bispos de Letícia e Alto Solimões. Estiveram presentes lideranças indígenas do Rio Negro/Brasil dos povos Baniwa e Arapaço representando o Foreeia e a Umiab e professores da Universidade Federal do Amazonas e Universidade Estadual do Amazonas.


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  • 22/06/2016

    CNDH denuncia articulação nacional de violências a indígenas com o apoio da mídia e de políticos


    Em nota divulgda na tarde desta quarta-feira, 22, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) defende que o ataque sofrido no último dia 14 de junho pelos Guarani e Kaiowá do acampamento Tey’i Jusu, em Caarapó, Mato Grosso do Sul, não se constitui como um fato isolado. O jovem Guarani e Kaiowá Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza (velório, na foto) foi morto com ao menos dois tiros durante a ofensiva de fazendeiros, capangas e o que pelos vídeos do ataque aparenta ser indivíduos deu uma empresa de segurança privada. Outros seis indígenas ficaram gravemente feridos – cinco seguem internados no Hospital da Vida, em Dourados.

    (Com o resultado de) três missões do Grupo de Trabalho do CNDH para avaliar a situação dos direitos indígenas nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, é possível afirmar que existem indícios de que a ação violenta e criminosa realizada no Mato Grosso do Sul não constitui fato isolado. Decorre de nova fase de articulação de segmentos contrários aos direitos originários dos povos indígenas no Brasil e que contam com o apoio de autoridades públicas e atenção midiática (…)”, diz trecho da nota.

    O CNDH encaminhou esta avaliação preliminar para o Ministério da Justiça e Ministério Público Federal (MPF) nos meses de abril e maio, “uma vez que foi verificado in loco e em diferentes aldeias das regiões Centro-Oeste e Sul um mesmo padrão de intimidação e criminalização de lideranças e comunidades indígenas inteiras através da disseminação de informações falsas e equivocadas nos meios de comunicação locais e estaduais”, segue a nota.

    Leia na íntegra:

    Nota Pública: CNDH repudia violência contra Comunidades Indígenas

    O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), órgão criado pela Lei 12.986/2014, vem a público manifestar seu estarrecimento diante da ação armada realizada no dia 14 de junho de 2016, contra famílias do povo Guarani-Kaiowá, do Tekohá Tey Jusu, no município de Caarapó, Mato Grosso do Sul. O ataque com armas de grosso calibre disparadas contra os indígenas a partir de dezenas de caminhonetes estacionadas a curta distância, acarretou a morte do jovem Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza Guarani- Kaiowá, 26 anos, ferindo outros indígenas e uma criança. Novas ameaças de ataques às comunidades indígenas foram reportadas.

    A partir de levantamentos obtidos pelas três missões do Grupo de Trabalho do CNDH para avaliar a situação dos direitos indígenas nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, é possível afirmar que existem indícios de que a ação violenta e criminosa realizada no Mato Grosso do Sul não constitui fato isolado. Decorre de nova fase de articulação de segmentos contrários aos direitos originários dos povos indígenas no Brasil e que contam com o apoio de autoridades públicas e atenção midiática para disseminar insegurança jurídica sobre os processos administrativos de regularização fundiária de terras indígenas. Trata-se de uma conjuntura de grave violação de direitos humanos que parte da impunidade de pessoas do agronegócio, quem incitam publicamente discursos de ódio e racismo contra povos indígenas e demais comunidades quilombolas e tradicionais, inclusive como bandeira política.

    Esta avaliação preliminar foi levada ao conhecimento do Ministério da Justiça e do Ministério Público Federal nos meses de abril e maio, uma vez que foi verificado in loco e em diferentes aldeias das regiões Centro-Oeste e Sul, um mesmo padrão de intimidação e criminalização de lideranças e comunidades indígenas inteiras através da disseminação de informações falsas e equivocadas nos meios de comunicação locais e estaduais. A judicialização de processos de regularização fundiária, a obtenção de decisões de reintegração de posse com o uso da força policial para o cumprimento das ações de despejo, que contam inclusive com a participação de particulares, retroalimentam a violência praticada contra lideranças e comunidades indígenas com o objetivo de negar o direito à terra constitucionalmente garantido aos povos indígenas como fundamental para sua sobrevivência física e cultural.

    O cenário é tão alarmante que a Relatora da ONU para os Povos Indígenas, Sra. Victoria Tauli-Corpuz manifestou sua preocupação com a caracterização de um cenário que pode levar à situação de genocídio dos povos indígenas no Brasil. No Mato Grosso do Sul, a Relatora visitou oficialmente quatro comunidades da região (Kurussuambá, Guayviry, Dourados e Juti) cujos líderes foram assassinados na luta e defesa do direito pela terra. Durante a missão, vários jovens e adultos relataram situações de abuso e violência que seguem impunes e mostraram à Relatora, e aos membros do CNDH que acompanharam a missão, cápsulas de bala alojadas em seus corpos além de outras marcas de violências e torturas, frutos dessa guerra cotidiana.

    Diante destas circunstâncias é urgente que os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, nacionais e internacionais de proteção à vida dos povos indígenas sejam observados e acionados para conter a iminente escalada de violência nesta área e regiões adjacentes. O CNDH solicitará providências urgentes junto às autoridades competentes e seguirá monitorando a situação em diálogo com representantes indígenas.

    Brasília, 16 de junho de 2016.

    IVANA FARINA NAVARRETE PENA

    Presidenta do Conselho Nacional dos Direitos Humanos

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  • 22/06/2016

    Seminário ‘Herdeiros da História, Guerreiros da Luta’: A juventude indígena da BA e MG se fortalece


    O Conselho Indigenista Missionário – Regional Leste, através de sua equipe de base no sul da Bahia, realizou no período de 10 a 12 de junho de 2016 um seminário de jovens indígenas, que teve como tema motivador “Herdeiros da história, guerreiros da luta”. O evento contou com a participação de cerca de 75 jovens dos povos Tupinambá, Pataxó Hãhãhãe e Pataxó, vindos de várias aldeia do sul e extremo sul da Bahia, e de jovens Xakriabá, oriundos do norte de Minas Gerais, além de representantes de entidades parceiras, como a Associação de Advogados dos Trabalhadores Rurais (AATR), e de antropólogos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).


    O objetivo principal do seminário foi recolher subsídios e desencadear um processo de reflexão que possibilite elaborar uma estratégia nacional de atuação e apoio voltados para a juventude indígena, a partir das experiências de luta dos jovens Tupinambá, Pataxó, Pataxó HãHãHãe e Xakriabá, que estão à frente de processos de reconquista de seus territórios. Mais especificamente, a atividade visou examinar experiências em curso protagonizadas por jovens indígenas nos campos da luta pela terra, da segurança alimentar, do meio ambiente e da gestão territorial, avaliando a relevância de sua atuação e identificando demandas para seu fortalecimento e potenciais de disseminação.


    O seminário também buscou responder, a partir dos próprios jovens, algumas questões relevantes. Que lições podemos aprender de situações particulares em que jovens indígenas, longe de serem problemas, apresentam-se como parte da solução e como atores de desenvolvimento? Que outras formas de atuar e de fazer política esses jovens nos ensinam? E quais as implicações (oportunidades e limitações) da abordagem particular do Cimi (considerando os princípios da entidade, seus valores e referências) para ações com a juventude indígena?


    Foram momentos muitos ricos de debate e tomada de decisão. A dinâmica do encontro proporcionou aos jovens indígenas a possibilidade de desenvolverem uma profunda reflexão sobre a história de luta de seus povos, seus avanços e os perigos que rondam suas conquistas. A todo momento, anciões e guerreiros do passado eram evocados como exemplos de luta que devem ser seguidos, – o próprio ambiente do evento foi coberto com banners com retratos de figuras importantes e frases emblemáticas por elas proferidas, remetendo os jovens à reflexão e tomada de posição. Eram dizeres como o do cacique Tururim, que vive em Barra Velha: “Futuro é igual a passado, não deve ser desprezado”.


    De Zabelê, anciã Pataxó já falecida, escolheu-se a frase: “Quero nossa terra, para meu povo manter viva a nossa cultura” e do cacique Samado, “Sirvo até de adubo para minha terra, mas dela não saio”. Os jovens contaram ainda com a presença da memória do Caboclo Marcellino, que doou sua vida em defesa do povo Tupinambá, e de Galdino Pataxó, queimado vivo em Brasília por jovens da classe media, quando lutava pela sua terra. Muitos momentos lúdicos também foram realizados a partir do tema motivador: exibição de vídeos, peças teatrais, desenhos e muitas musicas criadas a partir dos trabalhos em grupos. Destacamos o rap criado pela Banda JM Tupinambá com o tema do seminário. Clique aqui para ouvir.


    Dos trabalhos de grupo e das conversas noite adentro, surgiram propostas como a construção de uma agenda comum de luta envolvendo jovens de diferentes povos indígenas; a intensificação do intercâmbio de experiências entre as várias organizações juvenis existentes; a estruturação do conselho da juventude indígena Pataxó na Bahia; a promoção de atividades de capacitação e encontros de formação com foco na legislação indigenista, voltados aos jovens e contando com o apoio de parceiros como o Cimi e a AATR; a busca da autossustentabilidade do movimento; a utilização de forma adequada das novas tecnologias de comunicação, direcionando-as para a luta; a articulação com jovens urbanos e a ampliação do leque de aliados nas lutas, envolvendo quilombolas, sem-terra e sem-teto, entre outros; e o desenvolvimento de uma ação constante e eficaz contra o processo de criminalização de suas comunidades.


    Nesse processo, os jovens indígenas ritualizaram seus sonhos, lembraram-se de seus anciões e lideranças, valorizaram suas histórias de luta e firmaram compromissos que podem ser mais bem compreendidos no documento por eles aprovado ao final do encontro. 


    Leia na íntegra o documento final (clique aqui e assista o vídeo do documento final):



    DOCUMENTO FINAL

    SEMINÁRIO DE JOVENS INDÍGENAS “HERDEIROS DA HISTÓRIA E GUERREIROS DA LUTA”


    Nós, cerca de 70 jovens indígenas dos povos Pataxó Hãhãhãe, Pataxó e Tupinambá, do estado da Bahia, e Xakriabá, de Minas Gerais, contando com a presença dos parceiros do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), da Associação dos Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR) e de universidades, estivemos reunidos entre os dias 10 e 12 de junho de 2016 na aldeia Sapucaieira, no território do povo Tupinambá, participando do Seminário de Jovens Indígenas, que teve como tema motivador “Herdeiros da história e guerreiros da luta”.


    Movidos pela nossa herança ancestral, que nos fortalece e nos conduz na busca de uma Terra sem Males, e nos faz reafirmar o compromisso e a responsabilidade de continuar nosso processo de luta contra o Estado brasileiro e contra todos os nossos inimigos, que, com posturas colonialistas, continuam nos roubando, nestes 516 anos, negando nossos direitos, saqueado nossas riquezas naturais, dificultando a manutenção dos nossos projetos de Bem Viver e tentando negar a construção do nosso futuro.


    No nosso seminário, refletimos e discutimos todos esses desafios, que não são poucos e às vezes até nos assustam, mas não nos fazem desanimar, muito pelo contrário: nos fazem ficar mais fortes e animados para defender nossos diretos. Como diz o tema do seminário, somos herdeiros de uma história muita rica e, ao mesmo tempo, somos guerreiros de uma luta que não pode parar. Apesar dos ataques – através de Propostas de Emendas Constitucionais, como as PECs 215 e 038, e de Projetos de Lei como o PL 1.610 (mineração), e até mesmo de atos do próprio do governo federal, como a Portaria 303 da Advocacia-Geral da União (AGU) e a infeliz interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o Marco Temporal, que equivocadamente tenta retirar nossos direitos originários, garantidos na Constituição Federal –, estamos organizados e fortalecidos. Diante de tudo isso, nos reunimos em grupos e destacamos esses desafios; ao mesmo tempo, compartilhamos nossos sonhos e nossas expectativas, e apresentamos formas de nos mobilizarmos e de nos unirmos na luta pela garantia de nossos direitos e nossos territórios.


    Reafirmamos:


    – Nosso desejo e nosso compromisso de continuar a luta iniciada e conduzida pelos nossos anciões e guerreiros do passado, animados pelos nossos encantados e seres de luz, que nos fortalecem e nos conduzem. Para isso, é preciso fortalecer ainda mais a nossa espiritualidade, através dos rituais, das conversas e dos encontros com os nossos anciões;

    – Fortalecer o intercâmbio e a troca de experiência e saberes entre as comunidades, em especial com os jovens indígenas;

    – Fortalecer e ampliar as nossas organizações juvenis. Ir em busca dos jovens indígenas que ainda não estão neste processo de organização;

    – Usar de maneira adequada os avanços tecnológicos ao nosso favor, visando fortalecer a nossa luta e organização, a exemplo do whatsapp, facebook e outros. Potencializar os meios já existentes, como as rádios comunitárias que já se encontram em algumas aldeias;

    – Buscar e criar formas de autogestionar as nossas lutas e organizações, garantindo assim a nossa autosustentabilidade, com roças comunitárias dos jovens e produções artesanais, entre outras;

    – Fortalecer o aprendizado da juventude em torno das práticas tradicionais voltadas para a saúde indígena, tais como o cultivo de ervas medicinais e a valorização dos saberes tradicionais das parteiras e rezadores, entre outros;

    – Denunciar e tomar providências contra todos os preconceitos, os ataques aos nossos direitos e o intenso processo de criminalização que hoje acontece com as nossas lutas e as nossas lideranças;

    – Unir forças com outros lutadores populares, como os irmãos quilombolas, sem-terra, sem-teto e lutadores urbanos, contra os nossos inimigos comuns;

    – Lutaremos pela construção de uma universidade indígena, que respeite e garanta as nossas especificidades;

    – Nos somaremos com nossas lideranças e uniremos nossas forças pelo processo de autodemarcação dos nossos territórios.


    Repudiamos e exigimos providências contra:


    – Todos os ataques contra os nossos direitos através de PECs, PLs, Portarias, Mandados de Segurança e grandes empreendimentos que afetam e degradam nossos territórios;

    – Exigimos a imediata demarcação dos territórios indígenas em todo o Brasil. Queremos a imediata suspensão dos mandados de segurança que pesam sobre os territórios dos povos Pataxó e Tupinambá;

    – O processo de criminalização contra nossas lutas e nossas lideranças patrocinado pela bancada do Boi, da Bala e da Bíblia, hoje existente no Congresso Nacional;

    – A constante incitação à violência contra as nossas comunidades, a exemplo do último pronunciamento do deputado federal Luiz Heinze (PP/RS), contra os povos indígenas do Brasil, em especial contra os povos do sul da Bahia;

    – Denunciamos o golpe em curso no país, que, na verdade, busca retirar ainda mais nossos direitos, pois o mesmo é apoiado pelos inimigos dos povos indígenas;

    Queremos honrar os nossos compromissos e fazer jus ao tema do seminário, “Herdeiros da história e guerreiros da luta”: ao som dos nossos maracás, olhando e valorizando o nosso passado e fortalecendo o presente, para construir o futuro.


    Vamos amigo, lute! Vamos amigo, lute! Vamos amigo, ajude! Senão a gente acaba perdendo o que já conquistou” (Edson Gomes)


    Aldeia Sapucaieira, 12 de Junho de 2016

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  • 21/06/2016

    Filme Taego Ãwa abre a III Assembleia dos Povos Indígenas de Goiás e Tocantins em Palmas-TO


    Uma plateia de aproximadamente 600 indígenas vindos de diversas aldeias dos estados de Goiás e Tocantins poderão conferir o longa-metragem Taego Ãwa, filmado na Ilha do Bananal e arredores, na próxima terça-feira, 21 de junho, na UFT – Universidade Federal do Tocantins, na abertura da III Assembleia dos Povos Indígenas de Goiás e Tocantins, em Palmas -TO. Uma tenda armada especialmente para o evento receberá o público a partir das 19h30 horas. O encontro é organizado pelo Cimi – Conselho Indigenista Missionário.

    No longa-metragem, o grupo Avá-Canoeiro do Araguaia narra sua trajetória de desterro e cativeiro em meio a luta por sua terra tradicional, Taego Ãwa, que aguardava demarcação do Ministério da Justiça desde 2012 e foi finalmente garantida pela presidenta Dilma Rousseff pouco antes de ser afastada de suas atividades no último dia 12 de abril de 2016. Nesse contexto político instável, o território sofre forte retaliação de latifundiários e posseiros, além de correr risco de ter sua portaria de demarcação cancelada pelos desmandos do governo ilegítimo de Michel Temer. Para debater a questão, a co-diretora do filme, Marcela Borela, estará presente na exibição, assim como a antropóloga Patrícia de Mendonça Rodrigues (responsável pelo relatório de demarcação da T.I.) e toda a família Avá-Canoeiro do Araguaia, incluindo o cacique Wapotxire Ãwa.

    Mais de 40 anos depois do contato forçado feito pela Funai em 1973, a família Ãwa do Araguaia, guiada por Tutawa Tuagaèk Jamagaèk Ãwa, líder xamã falecido em junho de 2015, mostra no filme Taego Ãwa a força de sua comosvisão Tupi-Guarani. Na obra, dirigida e roteirizada pelos irmãos Henrique e Marcela Borela, os indígenas formulam um olhar crítico sobre o passado que se junta à luta pela terra e à afirmação da identidade Ãwa.

    A partir de 5 fitas VHS encontradas no armário da Faculdade de Comunicação da UFG em 2003 e um conjunto de outros materiais de arquivo, a equipe do documentário foi ao encontro de Tutawa e sua família para criar uma narrativa inédita sobre a história do povo Tupi que mais bravamente resistiu a colonização do Brasil Central. No filme, os Avá-canoeiro do Araguaia falam pela primeira vez e abertamente sobre seu passado, presente e futuro. A obra foi realizada entre 2011 e 2015 pela Barroca e F64 filmes, produtoras de cinema de Goiânia, em parceria com a Associação do Povo Ãwa – APÃWA, da Cinemateca Brasileira, do NPD-GO – Núcleo de Produção Digital de Goiás, da Balaio Produções e da Ideia Produções.


    Assembleia dos Povos Indígenas de Goiás e Tocantins 2016

    Com o tema "Na defesa dos Direitos Constitucionais dos Povos Indígenas, resistimos e denunciamos os impactos do MATOPIBA nos territórios tradicionais", a III Assembleia dos povos indígenas dos estados de Goiás e Tocantins ocorre entre os dias 20 a 23 de junho, no Campus da Universidade Federal de Tocantins (UFT) em Palmas (TO).

    A atividade contará com diversos debates sobre a situação atual dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, com especial enfoque nos impactos do MATOPIBA sobre os territórios e o bioma do Cerrado.

    Taego Ãwa e o impacto do cinema independente 

    O filme Taego Ãwa (documentário, longa-metragem, 75’, Brasil, 2016) teve pré-estreia nacional em janeiro de 2016 na Mostra Aurora, principal vitrine do cinema brasileiro independente e parte da 19a Mostra de Cinema de Tiradentes. Teve pré-estreia internacional no 39o Cinéma du Réel em Paris, na França, mais antigo e tradicional festival de filmes documentários do continente europeu.

    Além da exibição especial em Palmas -To na Assembleia dos Povos Indígenas do Tocantins e de Goiás em 21 de junho, o longa-metragem segue para o FINCAR – Festival Internacional de Cinema de Realizadoras, com exibição marcada para 8 de julho, no Cine São Luiz, em Recife – PE. Já tem pré-estreia programada em casa, na Cidade de Goiás, dentro do XVIII FICA – Festival Internacional de Cinema Ambiental, no qual o filme concorre a melhor longa-metragem pela Mostra Competitiva Internacional que acontece entre 16 e 21 de agosto. E, outra participação importante será na 32a Bienal Internacional de Arte de São Paulo, como parte de uma grande instalação audiovisual criada pelo projeto VNA – Vídeo nas Aldeias. A abertura a exposição está marcada para 10 de setembro em São Paulo.

    O documentário Taego Ãwa tem direção de fotografia de Vinicius Berger, câmera adicional de Carlos Cipriano, som de Belém de Oliveira, montagem de Guile Martins, produção executiva de Belém de Oliveira e Marcela Borela, direção de produção de Camilla Margarida, produção de Carlos Cipriano, produção associada de Luana Otto, além de direção e roteiro de Henrique Borela e Marcela Borela. Foi viabilizado através do Edital de Fomento ao Documentário Brasileiro da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, Longa.Doc 2013.

    Clique aqui para assistir ao trailer do filme.


    Serviço:

    Exibição “Taego Ãwa” na III Assembleia dos Povos Indígenas dos Estados de Goiás e Tocantins
    (documentário, longa-metragem, 75’, Brasil, 2016)

    Data: 21 de junho de 2016, terça-feira
    Horário: 19:30h
    Local: UFT – Universidade Federal do Tocantins PALMAS -TO

    SINOPSE: 5 fitas VHS encontradas no armário de uma faculdade disparam o desejo desse filme. Anos depois, munidos de mais registros, vamos ao encontro dos Ãwa na Ilha do Bananal. Levamos conosco a memória do desterro ao qual foi exposto o povo Tui que mais resistiu à colonização no Brasil Central.  As imagens foram vistas, sentidas e mais imagens surgiram desse encontro em meio à luta por Taego Ãwa.

    FICHA TÉCNICA:
    Roteiro e Direção: Henrique Borela e Marcela Borela
    Direção de Fotografia: Vinicius Berger
    Câmera Adicional: Carlos Cipriano
    Som: Belém de Oliveira
    Montagem: Guile Martins
    Produção Executiva: Marcela Borela e Belém de Oliveira
    Direção de Produção: Camilla Margarida
    Produção: Carlos Cipriano
    Produtoras responsáveis: Barroca e F64 Filmes

    CONTATO:
    marcelaborelacinema@gmail.com
    55 62 99533 0810


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  • 21/06/2016

    Madeireiros e fazendeiros seguem com ameaças contra indígenas Ka’apor da TI Alto Turiaçu (MA)


    Os Ka’apor da Terra indígena Alto Turiaçu, no Maranhão, seguem acossados por madeireiros, fazendeiros e grileiros. Esses grupos intensificaram ameaças de morte e afirmam aos Ka’apor planos de novas invasões e incêndios ao território tradicional. No último final de semana, os Ka’apor permaneceram em alerta diante de um ataque iminente. Há pouco mais de um ano, Eusébio Ka’apor foi assassinado como parte de uma ofensiva ininterrupta contra o povo. Por outro lado, a jovem de 14 anos Iraúna Ka’apor segue desaparecida depois de ser sequestrada por madeireiros há três meses – o fato foi comunicado às autoridades.

    Em março deste ano, uma operação da Polícia Rodoviária Federal, Polícia Federal e Ibama, em parceria com a Guarda Florestal Indígena Ka’apor, culminou na prisão de 11 indivíduos, entre madeireiros e capangas, além do fechamento de 15 serrarias na região que receptavam a madeira retirada de forma ilegal da terra indígena. O sequestro da jovem, dizem os indígenas, foi parte de uma retaliação que teve ainda invasão de aldeias e indígenas feridos a tiros.

    Mesmo sofrendo com a ofensiva de invasores, os Ka’apor mantêm a Guarda Florestal Indígena de proteção e gestão da Terra Indígena Alto Turiaçu – o que ainda gera represálias. Não apenas na Alto Turiaçu, mas também na Terra Indígena Karu e na Terra Indígena dos Awá-Guajá – que concentra populações Awá em situação de isolamento voluntário. Nesses territórios, Guardas Florestais Indígenas também já funcionam. Juntas, essas terras indígenas formam, ladeadas por áreas de proteção ambiental e assentamentos, uma das últimas fronteiras florestais do Maranhão cobiçadas por fazendeiros, madeireiros e grileiros.

    Conforme informações de indigenistas da região e do Regional Maranhão do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), indígenas Ka’apor de uma aldeia invadida em dezembro de 2015 entregaram, sob tortura, planos, ações, pessoas e órgãos envolvidos com a proteção territorial. Violências desse tipo têm composto o dia a dia dos Ka’apor, que ainda sofrem pressões da Funai para desfazer a Guarda Florestal Indígena – motivo apontado por servidores do órgão indigenista estatal como razão dos ataques sofridos pelas aldeias.

    Não vemos nenhuma providência do órgão responsável pela segurança dos indígenas e do território. Com isso, os madeireiros se reuniram esses dias na região e planejam atacar aldeias pelos municípios da região (Centro do Guilherme, Maranhãozinho, Nova Olinda do Maranhao e Zé Doca)”, conta uma fonte que está na região e terá a identidade preservada por motivos de segurança.

    Nos últimos dias, madeireiros pararam um carro do Polo Base de Saúde Indígena Zé Doca em uma estrada conhecida como "Da Conquista", município Zé Doca. No veículo estavam um servidor da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e uma liderança indígena impedidos de retornar para a cidade. Para qualquer Ka’apor ou servidor público de caráter indigenista, se tornou perigoso andar pelas cidades vizinhas ao território indígena. O ambiente de tensão, monitoramento e ameaças é permanente contra as lideranças Ka’apor. A vigilância na terra indígena está redobrada.

    Não podemos deixar de denunciar o silêncio e a omissão do governo do estado do Maranhão. O governador Flávio Dino não conseguiu estrutura a Secretaria do Meio Ambiente para que ela proteja as áreas de conservação coibindo essas ações que são orquestradas: os mesmos grupos de madeireiros e fazendeiros atacam as três terras indígenas, assentamentos e invadem áreas de preservação. O próprio governador se mostra como aliados de políticos que representam esses grupos”, afirma a fonte ouvida pela reportagem.

    Guarda indígena: autogestão e proteção

    Em 2013, o povo Ka’apor realizou a sua primeira grande assembleia, onde foi debatida a importância da autonomia dos indígenas na gestão de seu território, por meio de um acordo de convivência que buscava erradicar “os vícios dos brancos nas aldeias, proteger nosso território, valorizar e fortalecer nosso jeito de ser Ka’apor”. A Guarda Florestal Ka’apor foi criada para percorrer o vasto território em missões de semanas no interior da mata. A participação de indígenas na retirada de madeira deixou de existir, conforme os indígenas, e madeireiros são expulsos sempre que a guarda os encontra.

    Casos recentes de assassinatos, atentados a tiros e invasões passaram a constituir uma guerra de baixa intensidade travada pela guarda. Em dezembro de 2015, dois indígenas Ka’apor foram baleados por madeireiros. No dia 19 daquele mesmo mês, guardas florestais do povo Ka’apor, que atuam na proteção das matas e do território contra as queimadas e a extração ilegal de madeira, detiveram sete madeireiros do município Zé Doca, encontrados extraindo madeira dentro dos limites da área. A intenção dos indígenas era entregá-los ao Ibama. Em represália, mais de 20 madeireiros invadiram a aldeia Turizinho e, numa ação extremamente violenta, deixaram dois indígenas baleados.

    Conforme a nota do Conselho Ka’apor à época, além da impunidade dos agressores e invasores, os indígenas sofreram com a criminalização na mídia local e foram acusados injustamente de manter um dos madeireiros como refém. “Os que invadiram a aldeia Turizinho, roubaram nossos equipamentos e materiais de trabalho na mata e atiraram em nossos guardas agroflorestais que estavam identificando focos de incêndios na região de Vitória da Conquista, estão andando livremente na cidade de Zé Doca, inclusive a pessoa que estão dizendo que está desaparecida”, diz trecho da nota.

    Os Ka’apor vêm realizando ações de organização do povo e proteção do território desde 2010. São reconhecidos por órgãos nacionais e internacionais como grandes defensores da última área de floresta amazônica da Amazônia Oriental ou Maranhense. Como verdadeiros guardiões da floresta, sofreram desde 2008 com 5 lideranças assassinadas, 14 indígenas agredidos (fisicamente e a tiros), duas aldeias foram invadidas e cerca de oito lideranças e 12 guardas florestais ameaçados ou marcados para morrer.

    Ainda no Maranhão, a Terra Indígena Arariboia é outro exemplo onde a guarda indígena sofre represálias violentas. Entre os dias 26 de março e 22 de abril deste ano, os indígenas Aponuyre, Genésio, Isaías e Assis Guajajara foram assassinados. Os quatro compunham os quadros da guarda indígena. A fiscalização dos órgãos competentes na área, conforme os Guajajara, é ineficaz. Os povos que vivem na terra indígena – já demarcada e habitada também por índios Awá-Guajá em situação de isolamento voluntário – sofrem com a constante pressão de madeireiros. Entre o fim de 2015 e o início deste ano, um incêndio de grandes proporções devorou pouco mais de 30% da Arariboia e o Ibama declarou que a queimada teve origem criminosa.

    Para os Guajajara trata-se de uma tragédia anunciada e o incêndio foi provocado pelos madeireiros cada vez mais acuados e combatidos pela guarda. Há pelo menos 6 anos uma enxurrada de denúncias dão conta da ação dos madeireiros. Em 2011, uma equipe do Cimi, acompanhada por integrantes da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), entraram na terra indígena para averiguar denuncias de um ataque de madeireiros a um grupo Awá-Guajá isolado. Encontraram estradas abertas e um acampamento de madeireiros sendo erguido sobre uma área com vestígios da presença dos Awá.


    Acerto de contas

    Outra forma de pressionar os indígenas é a criminalização, imputando aos Ka’apor assassinatos com corpos desovados nas imediações das aldeias. No entanto, uma história ilustra o que vem ocorrendo na Terra Indígena Alto Turiaçu. Conforme a fonte ouvida pela reportagem, depois da prisão dos 11 indivíduos envolvidos nas invasões madeireiras na terra indígena, os chefes da quadrilha tiveram a notícia que os detidos apontaram para quais madeireiras se destinavam as árvores abatidas. Quinze serrarias acabaram fechadas. Conforme estes presos estão sendo soltos, o acerto de contas ocorre.

    Esses corpos encontrados na terra indígena são de indivíduos envolvidos com a retirada da madeira. Então se tem um acerto de contas e ao mesmo tempo a possibilidade de imputar essas mortes aos Ka’apor. As ações da Guarda Floresta Indígena envolvem a retenção de invasores e a entrega deles às autoridades. É isso que acontece. Tanto é que esses madeireiros e fazendeiros que acusam os indígenas não registram boletim de ocorrência. Ao contrário, preferem soltar a informação de que os indígenas estão matando e isso gera ainda mais represálias e violências e preconceito”, afirma a fonte.

    O que se pode destacar do trabalho executado pelos Ka’apor e suas organizações sociais é a realização de três grandes assembleias para estabelecer um Acordo de Convivência Interno diante das ameaças da cultura externa. Desse processo surgiuainda o referendo do Conselho de Gestão Ka’apor com os Tuxá Ka’apor, o início da elaboração e planejamento do plano de vida ‘Janderuhã ha ka’a rehe – Nossa Floresta é nosso Plano de Vida’; controle e gestão da saúde pelo próprio povo e o Projeto de Educação Diferenciada ‘Ka’a namõ jumu’eha Katu – Aprendendo com a Floresta’, com a gestão realizada pelos próprios indígenas.

    Projetos que de acordo com os indígenas vêm encontrando resistência pela Secretaria de Educação do Estado do Maranhão. Até mesmo o fechamento de 24 ramais de madeireiros, a criação de sete Áreas de Proteção Ka’apor em defesa do território e a criação de Sistemas Agroflorestais Ka’apor nas Áreas de Proteção não contam com o apoio estatal. A autogestão Ka’apor, todavia, segue preservando 85% da área de floresta do território – aproximadamente 15% da área de floresta foi devastada e degradada e está em processo de recuperação pelo povo.

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