• 15/09/2016

    STJ derruba mandado de segurança que impedia demarcação da TI Tupinambá de Olivença

    Por dez votos a zero, os ministros da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) derrubaram em Brasília (DF) o mandado de segurança preventivo que impedia o Ministério da Justiça de publicar o relatório circunstanciado de demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, no sul da Bahia. A decisão foi comemorada em ritual por quase uma centena de indígenas Tupinambá na Esplanada dos Ministérios.

    Conforme o relator do processo, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, não cabe mandado de segurança para discutir matérias complexas como a demarcação de uma terra indígena. Além disso, o ministro argumenta que empresários, moradores de cidades do entorno da terra indígena e agricultores não possuem legitimidade para interpor um mandado de segurança contra o procedimento administrativo de demarcação.

    Desse modo, o ministro nem precisou tratar dos pontos elencados no mandado de segurança: se a terra é indígena ou não, se a antropóloga que coordenou o Grupo de Trabalho da demarcação é amiga ou não dos Tupinambá, se os indígenas estavam na terra ou a disputando em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, e até mesmo, conforme questionaram os impetrantes do mandado, se os Tupinambá são índios ou não.

    “No geral, esses são os argumentos dessa gente: que somos miscigenados, não tem nada de índio, que nunca tivemos família aqui, que somos ladrões de terras. Não são eles e nem ninguém, além de nós mesmos, os Tupinambá, que define quem é Tupinambá”, diz o cacique Ramón Tupinambá. “Esperamos pela demarcação porque só ela poderá por fim a tanta violência, mesmo que o racismo infelizmente continue”, aponta o cacique. 
      

    O mandado de segurança foi impetrado em 2013 pela Associação de Pequenos Agricultores de Ilhéus, Una e Buerarema (ASPAIUB), empresários destes municípios e alguns moradores. Na ocasião, o ministro Napoleão o indeferiu. Este ano, um novo escritório de advocacia foi contratado pelo grupo e outra investida foi realizada no STJ: o mesmo ministro deferiu o pedido liminar de mandado de segurança preventivo e o colocou em votação na 1ª Seção do STJ – destinada a esse tipo de matéria – com a posição unânime dos ministros.

    “Agora o ministro da Justiça Alexandre Moraes não possui mais esse impeditivo para justificar a não publicação da Portaria de Declaração da Terra Indígena Tupinambá de Olivença”, explica o assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o advogado Rafael Modesto dos Santos. O povo Tupinambá e o Cimi ingressaram no processo logo após o deferimento do mandado de segurança preventivo.

    Cabe recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF) por parte dos opositores à demarcação Tupinambá com o chamado Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. “Se isso ocorrer, esperamos que o Pleno do STF mantenha o entendimento de que mandado de segurança não pode discutir matérias como uma terra indígena. Em matérias complexas, as provas devem ser pré-estabelecidas e são muitas as partes envolvidas. Um mandado de segurança não oferece tais elementos”, diz o advogado do Cimi. 


     

    Argumentos preconceituosos

     

    O grupo que impetrou o mandado de segurança preventivo argumentou que os Tupinambá não são indígenas, portanto não é possível falar em território tradicional. Para os autores do mandado de segurança, se tratam de miscigenados. “São argumentos preconceituosos e totalmente antagônicos às leis vigentes no país, tanto com a Constituição Federal quando com a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho)”, ataca o advogado do Cimi.

    "A Constituição de 1988 reconhece aos índios o direito de ser índio, de manter-se como índio, com sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Além disso, reconhece o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Esta concepção é nova, e juridicamente revolucionária, porque rompe com a repetida visão integracionista. A partir de 5 de outubro de 1988, o índio, no Brasil, tem direito de ser índio”, explica o jurista Carlos Marés em seu livro O Renascer dos Povos Indígenas para o Direito.

    O também assessor jurídico do Cimi, o advogado Adelar Cupsinski, afirma que isso significa que “o Estado brasileiro não tem o dever de reconhecer ou não a identidade étnica de nenhum grupo social”. A partir de 2004, o Brasil tornou-se signatário da Convenção 169 da OIT. Portanto, a norma tem efeito de lei no país e considerada assim pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

    Logo em seu artigo 1º, a Convenção assim determina: "A consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposições da presente Convenção”. Dizer que os Tupinambá não são índios tem uma lógica cruel: se não há índios, não há terra indígena. Justamente por isso o grupo anti-indígena atacou no mandado o procedimento de demarcação, alegando que a antropóloga era ligada aos Tupinambá, e por isso os considerou índios e atendeu no relatório a demanda territorial do povo. 

    "Questionaram ainda o prejuízo do contraditório e ampla defesa, que nem todo mundo teria sido intimado pela publicação do procedimento administrativo do território e não tiveram direito de defesa, contrariando assim o Decreto 1775/98. Tudo está devidamente comprovado de forma contrária, tanto que inúmeras vezes se reuniram com o ministro da Justiça para impedir o avanço do procedimento”, destaca o advogado do Cimi, Rafael Modesto Santos.

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  • 15/09/2016

    Violência contra povos indígenas no Brasil permanece acentuada: Cimi lança relatório com ‘Dados 2015’

    Brasília, 15 de setembro de 2016 – O relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2015, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), evidencia a permanência do quadro de omissão dos poderes públicos em relação aos direitos dos povos indígenas, especialmente em relação ao direito à terra, o que impacta drasticamente no direito deles viverem de acordo com o seu modo tradicional, ambos reconhecidos e garantidos pela Constituição Federal.

    Acesse na íntegra: Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados 2015

    Os dados evidenciam que, em 2015, também permaneceu a situação de constante invasão e devastação das terras demarcadas; assim como se manteve a realidade de agressões às pessoas que lutam por seus legítimos direitos, com casos de assassinatos, espancamentos e ameaças de morte, dentre outros; e permaneceu ainda um assustador número de morte de crianças até 5 anos, em muitos casos por doenças facilmente tratáveis.


    Chama atenção o agravamento do número de perversos ataques milicianos contra os frágeis acampamentos das comunidades Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Até mesmo inaceitáveis práticas de tortura com requintes de crueldade, como a quebra de tornozelos de anciãos, foram realizadas. Neste caso específico, em outubro, no tekoha Mbaracay, município de Amambai, após um desproporcional ataque com armas de fogo. 


    Nesse sentido, o presidente do Cimi e arcebispo de Porto Velho, Dom Roque Paloschi, na apresentação do relatório, indigna-se “porque se repetem e se aprofundam as mesmas práticas criminosas, sem que medidas tenham sido efetivamente adotadas”, e questiona: “ Até quando teremos que apresentar esses relatórios?”. 

    Dados de 2015

    Como em anos anteriores, em 2015 pouco se avançou nos processos de regularização das terras indígenas. Sete homologações foram assinadas pela presidenta Dilma Rousseff, enquanto o Ministério da Justiça publicou apenas
    três Portarias Declaratórias e a Presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai) identificou somente quatro terras indígenas, além de ter publicado duas Portarias de Restrição. Na foto, lançamento do relatório na sede da CNBB, em Brasília (DF).

    De acordo com a Constituição Federal, todas as terras tradicionais indígenas deveriam ter sido demarcadas até 1993, cinco anos após a promulgação da Constituição. No entanto, de acordo com o levantamento do Cimi, de 31 de agosto de 2016, 654 terras indígenas no Brasil aguardam atos administrativos do Estado para terem seus processos demarcatórios finalizados. Esse número corresponde a 58,7% do total das 1.113 terras indígenas do país.

    Observa-se que, do total dessas 654 terras indígenas com pendências administrativas para terem finalizados os seus procedimentos demarcatórios, 348 terras – ou seja, pouco mais da metade (53%) – não tiveram quaisquer providências administrativas tomadas pelos órgãos do Estado até hoje. O maior número de terras nessa etapa Sem Providências concentra-se no Amazonas (130), seguido pelo Mato Grosso do Sul (68) e pelos estados de Rio Grande do Sul (24) e Rondônia (22).

    Outras 175 terras, ou 26%, encontravam-se na fase A Identificar. Em muitos casos, verifica-se intensa morosidade nesta etapa. Podemos citar o caso da Terra Indígena (TI) São Gabriel/São Salvador, do povo Kokama, localizada no município de Santo Antônio do Içá, no Amazonas, que teve seu Grupo Técnico criado em 25 de abril de 2003 mas, doze anos depois, seus trabalhos ainda não foram concluídos.

    O Cimi registrou 18 conflitos relativos a direitos territoriais e 53 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio dos povos, sendo que o Maranhão é o estado com o maior número de registros, com 18 casos.

    Em 2015, segundo os dados oficiais da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e do Distrito Sanitário Especial Indígena do Mato Grosso do Sul (Dsei-MS), houve 137 assassinatos de indígenas em todo o país, sendo que 36 deles foram registrados pelo Dsei-MS. Os dados da Sesai, no entanto, não permitem uma análise mais aprofundada, visto que não apresentam informações detalhadas das ocorrências, tais como faixa etária das vítimas, localidade e povo. Os dados sistematizados pelo Cimi registraram um total de 54 vítimas, sendo que 20 das ocorrências aconteceram no Mato Grosso do Sul, que novamente é o estado com o maior número de casos.

    Dentre os casos envolvendo conflitos fundiários, destacamos o macabro assassinato de Vítor Kaingang, uma criança de apenas 2 anos, em Santa Catarina, em dezembro de 2015. Na TI Tupinambá de Olivença, Adenilson da Silva Nascimento, conhecido como Pinduca, importante liderança de seu povo que lutava pela regularização fundiária da terra tradicional, foi assassinado numa emboscada por disparos de arma de fogo.

    No estado do Maranhão, na TI Alto Turiaçu, a liderança Euzébio Ka’apor, que também liderava seu povo na luta pela defesa de seu território e, especialmente contra a exploração madeireira, foi assassinado a tiros quando estava no município de Centro do Guilherme.

    Outro caso preocupante ocorreu no Mato Grosso do Sul, o Guarani e Kaiowá Simeão Vilhalva foi assassinado depois que os fazendeiros e políticos da região do município de Antônio João promoveram um ato público convocando a população a se rebelar contra a comunidade indígena de Ñhanderu Marangatu. Os indígenas haviam realizado algumas ações de recuperação de parcelas de seu território, que havia sido homologado em 2005 mas, no entanto, permanece sob a posse de não índios.

    Ainda em relação à violência contra a pessoa, houve o registro de 31 tentativas de assassinato; 18 casos de homicídio culposo; 12 registros de ameaça de morte; 25 casos de ameaças várias; 12 casos de lesões corporais dolosas; 8 de abuso de poder; 13 casos de racismo; e 9 de violência sexual.

    Dos 87 casos de suicídio em todo o país registrados pela Sesai e pelo Dsei-MS, 45 ocorreram no Mato Grosso do Sul, especialmente entre os Guarani e Kaiowá. Entre 2000 e 2015 foram registrados 752 casos de suicídio apenas neste estado. Um recente estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do Grupo Internacional de Trabalho sobre Assuntos Indígenas (IWGIA) sobre os Guarani e Kaiowá afirma: “…esses jovens indígenas carregam um trauma humanitário cheio de histórias contadas por seus parentes, histórias de exploração, violências, mortes, perda da dignidade, enfim, a história recente de muitos povos indígenas. Histórias carregadas de traumas, presas a um presente de frustrações e impotência. Nessas circunstâncias, estes jovens são o produto do que se costuma chamar uma geração que sofre do que se chama Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT)”.

    Com base na Lei de Acesso à Informação, o Cimi obteve, da Sesai e do Dsei-MS, dados parciais da mortalidade indígena na infância. Somando as duas bases de dados, chega-se a um total de 599 óbitos de crianças menores de 5 anos em todo o país. Trata-se de números parciais, visto que pelo menos três Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dsei) deixaram de informar se houve mortes na área de sua abrangência (Alto Rio Juruá, Bahia e Parintins).

    As três principais causas das mortes foram: pneumonia não especificada, com 48 mortes (8,2%); diarreia e gastroenterite de origem infecciosa resumível, com 41 mortes (7%). Pneumonia, diarreia e gastroenterite são doenças perfeitamente tratáveis, mas causaram a morte de pelo menos 99 crianças menores de 5 anos. A região Norte do país concentra o maior número de óbitos, com 349 mortes de crianças menores de 5 cinco anos, ou 58% do total dos dados parciais. Os povos indígenas mais afetados são das áreas de abrangência dos Dsei Xavante, com 79 óbitos, Alto Rio Solimões, com 77 óbitos, e Yanomami, com 72 óbitos.

    Os dados do Dsei Mato Grosso do Sul revelam um coeficiente de mortalidade infantil duas vezes maior que o da média nacional, com 26,35 por mil nascidos vivos. A taxa de mortalidade infantil no Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é de 13,82 por mil nascidos vivos (dados de 2013). Os dados mostram ainda que o maior número de óbitos ocorreu no polo base de Dourados, com 11 mortes.

    Ainda em relação à violência por omissão do poder público, foram registrados 52 casos de desassistência na área de saúde; 3 mortes por desassistência à saúde; 5 casos de disseminação de bebida alcoólica e outras drogas; 41 registros de desassistência na área de educação escolar indígena; e 36 casos de desassistência geral.

    Retrocesso e criminalização

    Nas análises publicadas no relatório, o Cimi avalia que a ofensiva sobre os direitos indígenas realizada pelos Três Poderes, e protagonizada especialmente pela bancada ruralista no Congresso Nacional, assim como pelo Executivo em relação à omissão nas demarcações de terras, é diretamente responsável pela permanência do quadro de severa violência e violações aos povos indígenas no Brasil, assim como pelo agravamento dos cruéis ataques no Mato Grosso do Sul.

    Nesse contexto, em um dos textos da apresentação, o secretário executivo do Cimi, Cleber César Buzatto, ressalta a agudez da criminalização em 2015. “A tentativa de criminalizar lideranças indígenas, profissionais de antropologia, organizações e pessoas da sociedade civil que atuam em defesa dos projetos de vida dos povos indígenas no Brasil também foi intensificada pelos ruralistas em 2015”, avalia Buzatto, referindo-se, por exemplo, às Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) contra o Cimi, instalada na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul, e a da Funai e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), instalada na Câmara dos Deputados.

    Mais informações:
    Assessoria de Comunicação do Cimi – Patrícia Bonilha: 61 99979-7059 e Tiago Miotto: 61 99686-6205

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  • 14/09/2016

    Cimi lança hoje, dia 15, relatório com os dados de violência contra os indígenas no Brasil



    Brasília, 14 de setembro de 2016 – O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) apresenta hoje (15), às 14h30, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília, o relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2015. Além dos organizadores do relatório, o lançamento contará com a presença de Elson Gomes Kaiowá, liderança do tekoha Kunumi Verá, localizado no município de Caarapó (MS), e conselheiro da Grande Assembleia Aty Guasu, do povo Guarani e Kaiowá.

    Esta publicação traz informações sobre dezenove formas de violências e violações praticadas em todo o país contra os povos originários, como assassinatos, mortalidade na infância, omissão e morosidade na regularização das terras indígenas, racismo e abuso de poder. Como nos anos anteriores, chama atenção a perversa realidade enfrentada pelos indígenas do Mato Grosso do Sul, especialmente os Guarani e Kaiowá, que sofrem violentos e frequentes ataques milicianos, os quais inserem-se no contexto de conflito gerado pela não demarcação dos territórios tradicionais.

    O relatório é realizado anualmente a partir da sistematização de dados coletados e compilados com base nas denúncias e nos relatos dos povos, das lideranças e das organizações indígenas, de informações das equipes missionárias do Cimi que atuam nos onze regionais da organização e de notícias veiculadas pelos meios de comunicação de todo país. Também inclui informações de sentenças, pareceres e banco de dados de órgãos oficias, como o Ministério Público Federal (MPF), a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e tribunais de Justiça, dentre outros.

    Serviço

    O quê? – Lançamento do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2015

    Quando? – Dia 15 de setembro, quinta-feira, às 14h30

    Onde? – Sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – Setor de Embaixadas Sul, Quadra 801, Conjunto B, Brasília – DF

    Mais informações – Assessoria de Comunicação do Cimi – Patrícia Bonilha: 61 99979-7059 e Tiago Miotto: 61 99686-6205

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  • 13/09/2016

    Novo incêndio e ataque a tiros deixam cerca de 40 Guarani e Kaiowá desabrigados em Kurusu Ambá

    “Começou um fogo lá no canto, que foi vindo, foi vindo. Juntemos um grupo e a gente foi apagar. Tinha muita fumaça, tava difícil de ver… atrás dela os pistoleiros começaram a atirar. Acho que não queriam matar não, mas não deixaram a gente apagar o fogo”, conta Gilmar Guarani e Kaiowá ao contabilizar sete casas destruídas pelas chamas e cerca de 40 indígenas que nesta terça-feira, 13, choram por tudo o que perderam. 

     

    Estão desabrigados na própria terra, o tekoha – lugar onde se é – Kurusu Ambá, em Coronel Sapucaia (MS), fronteira do Brasil com o Paraguai. O incêndio correu pela terra indígena e durante a madrugada consumiu as casas. Crianças, mulheres, anciãos: famílias inteiras tiveram que fugir; do fogo e dos tiros. “Tô dizendo pra eles não chorar. Vamos refazer tudo”, diz Gilmar. 

     

    Este é o quinto ataque em 2016 contra acampamentos do povo em Kurusu Ambá. Em janeiro, um outro acampamento também foi incendiado por pistoleiros – na ocasião, porém, o fogo foi ateado pelos próprios pistoleiros nos barracos e pertences indígenas (na foto). O último ataque antes desta terça ocorreu em 12 de julho: pistoleiros cercaram um outro acampamento e atiraram contra os indígenas. 

     

    Não se sabe como este último incêndio começou. “Pistoleiros tavam lá, né. Atrás da fumaça, pow pow. Correu tudo a gente. Deus protegeu e ninguém se feriu. Perdeu tudo só. Não sobrou nada: cobertas, roupas. Tão sem nada, só roupa do corpo. Triste. Por isso a gente pede demarcação. Só assim pra fazendeiro respeitar”, afirma Gilmar. A Fundação Nacional do Índio (Funai) foi informada sobre o novo incêndio e ataque. 

     

    O Guarani e Kaiowá explica que as casas incendiadas estavam na retomada da Fazenda Bom Retiro, mas o fogo veio de uma parte não ocupada pelos indígenas da Fazenda Barra Bonita, onde desde março deste ano há um acampamento do povo em outro pedaço da fazenda. Outras duas fazendas, a Madama e Santa Joana, também com áreas retomadas pelos indígenas, estavam no perímetro do incêndio.   

     

    Kurusu Ambá está em processo de identificação e delimitação há uma década. O relatório deveria ter sido publicado pela Funai em 2010, segundo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) estabelecido pelo Ministério Público Federal (MPF), em 2007. No entanto, o relatório foi entregue pelo Grupo Técnico (GT) somente em dezembro de 2012, e ainda aguarda aprovação da Funai de Brasília.

     

    Histórico de ataques

     

    Em março, horas depois da Relatora Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos e as Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, ter visitado o acampamento, pistoleiros a cavalo e em caminhonetes atacaram a comunidade a tiros. O ataque se repetiu, dois dias depois.

     

    Em janeiro, os Kaiowa de Kurusu Amba foram atacados a tiros e um acampamento inteiro foi incendiado pelos pistoleiros.

     

    Em junho de 2015, os indígenas haviam tentado ocupar a mesma fazenda, sendo violentamente expulsos pelos fazendeiros. O saldo do ataque foi de duas crianças desaparecidas, casas incendiadas e dezenas de feridos.

     

    Em 2007, ano em que os Kaiowá iniciaram a retomada de Kurusu Ambá, duas lideranças foram assassinadas – uma delas, na mesma fazenda Madama. Entre 2009 e 2015, mais dois indígenas foram mortos em Kurusu, no contexto da luta pela demarcação de seus territórios tradicionais.

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  • 12/09/2016

    Criança Guajajara morre e outra tem 60% do corpo queimado em incêndio na Terra Indígena Bacurizinho

    M.G Tenetehar/Guajajara, de 6 anos, morreu na manhã deste domingo, 11, em decorrência de queimaduras sofridas no incêndio que consome há semanas a Terra Indígena Bacurizinho, município de Grajaú, Maranhão. M.G estava com N.S Tenetehar/Guajajara, uma outra criança de 11 anos que está internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital São Rafael, em Imperatriz, com 60% do corpo queimado. Na imagem acima, focos de incêndios na região do município de Grajaú captados pelos satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). 

    Os garotos saíram da aldeia Pedra para caçar, conforme o hábito. No interior da mata perceberam a rápida chegada das chamas. Tentaram fugir, mas não houve tempo: as labaredas os tinham cercado. Sem alternativa, N.S teve de correr pelo fogo para pedir socorro na aldeia – M.G permaneceu parado esperando a ajuda. Alguns outros Guajajara ouviram os gritos de N.S e foram ajudá-los. Ambos foram levados de moto ao pronto-socorro de Grajaú, e de lá transferidos para Imperatriz. 

    Na manhã de ontem, por volta das 6 horas, M.G, que teve 95% do corpo queimado, não resistiu e morreu. N.S segue em estado grave, se alimenta por sondas, está entubado e respira com a ajuda de aparelhos – fisioterapia respiratória. Os garotos pertenciam ao mesmo grupo familiar: José Vir de Sousa Tenetehar/Guajajara é pai de N.S e avô de M.G, enterrado na manhã desta segunda-feira, 12, na aldeia Planalto, na Terra Indígena Bacurizinho. "O fogo subiu na mata perto da aldeia semana passada. Tinha até apagado, então no sábado os meninos foram caçar", conta José, que permanece com o filho no hospital.

    Uma equipe de saúde da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) acompanha o tratamento da criança no Hospital São Rafael. N.S está sedado. A parte mais atingida foi o abdômen (distendido), o tórax e a cabeça, mas há queimaduras também nas pernas. Cogitou-se a possibilidade de transferir a criança para a capital São Luís, o que os médicos descartaram temendo que o garoto não resista. Hoje à tarde uma comunicado (leia completo abaixo) foi divulgado pela equipe de saúde da Sesai, com atuação na Casa de Saúde do Índio (Casai) de Imperatriz. As secretarias de Saúde e Direitos Humanos do Maranhão foram acionadas e oferecem apoio. 


    Acordo não cumprido

    Uma fonte da Fundação Nacional do Índio (Funai) consultada, servidora em Imperatriz, diz que a equipe de brigadistas do PrevFogo (Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais, ligado ao Ibama) da Bacurizinho está na Terra Indígena Arariboia. "Esses brigadistas não tiveram o contrato renovado porque o PrevFogo afirmou não ter recursos para mantê-los. Na condição de colaboradores, foram deslocados para a Arariboia quando o fogo lá chegou nos isolados. Porém, havia um acordo caso um incêndio começasse na Bacurizinho e esse acordo não foi cumprido", destaca.

    A servidora explica que a Funai pactuou com as secretarias estaduais de Defesa Pública e Defesa Civil, Bombeiros e PrevFogo que os Guajajara brigadistas iriam para a Arariboia, mas que estes órgãos dos governos Estadual e Federal atenderiam a Bacurizinho em caso de necessidade. "O PrevFogo extinguiu a brigada na Bacurizinho, mas solicitou a ajuda dos indígenas treinados na Arariboia. Não podiam deixar a Bacurizinho descoberta, houve uma quebra de acordo. Os Bombeiros não foram pra lá", ressalta a servidora.

    Para Gilderlan Rodrigues da Silva, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão, o trágico episódio revela o tamanho do descaso governamental com os incêndios envolvendo as terras indígenas no estado: "Todo o ano nós temos os incêndios e parece não haver um plano de ação e, sobretudo, de prevenção. A cada ano nos deparamos com uma tragédia nova, as mesmas dificuldades, ineficiências e desculpas. Para nós essa morte entra nessa conta, uma conta cujos recursos diminuem para os povos indígenas e aumentam para o agronegócio".

    Prevfogo extinto na T.I Bacurizinho

    José Arão Marizé Lopes Tenetehar/Guajajara explica que o PrevFogo extinguiu a equipe de brigadistas da Terra Indígena Bacurizinho em meados de fevereiro deste ano: "Foram selecionados os indígenas, chegaram a assinar o contrato, mas a brigada terminou extinta com a alegação de falta de recursos por cortes de despesas”, diz Arão Guajajara, que mora na aldeia Bacurizinho.

    No ano passado, o fogo consumiu parte da terra indígena, distante 135 quilômetros de outro território tradicional que desde o último mês de julho sofre com incêndios, a Terra Indígena Arariboia – também Tenetehar/Guajajara e do povo Awá-Guajá em situação de isolamento voluntário. Arão afirma que um documento foi enviado ao Ministério do Meio Ambiente pedindo a volta do PrevFogo.

    “Sofremos com um completo abandono institucional. Funai, Ibama, PrevFogo, Polícia Federal sabem do que tem se passado aqui, mas não tomam nenhuma providência. Não é apenas os incêndios que afetam a terra indígena, mas a presença de madeireiros, caçadores, grileiros”, denuncia Arão. Revoltado, o Guajajara acredita que agora com uma criança morta e outra em estado grave o governo federal tomará alguma medida.

    Arão explica que sem a ajuda do PrevFogo os indígenas apenas não permitem que as chamas queimem as aldeias. “O fogo que chega perto das moradias é apagado, todos os dias, mas ir para o interior da mata enfrentar o incêndio é impossível sem ajuda, equipamentos. Essa situação de morte não podia acontecer. são anos e anos que a gente passa por esses incêndios e o Ibama sabe. Cortou recurso em Brasília, morreu criança na aldeia", protesta Arão. 

    A Funai mantém com o Ibama, desde 2013, um Acordo de Cooperação Técnica para implementação do Programa Brigadas Federais Indígenas. O protocolo firmado estabelece que os brigadistas temporários do programa serão indígenas e poderão atuar tanto em suas próprias comunidades quanto em outras mais distantes, contando com o apoio logístico da Funai no transporte, alojamento e alimentação.

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  • 12/09/2016

    Indígenas recorrem contra reintegração de posse no Amazonas


    O Procurador da Fundação Nacional do Índio (Funai), Matheus Antunes de Oliveira, irá recorrer da decisão judicial de reintegração de posse contra a Terra Indígena Kaninari Itixi, em Beruri (AM), município localizado a 172 quilômetros de Manaus, na região do Rio Solimões. A decisão foi anunciada durante reunião com lideranças das aldeias nesta sexta-feira, na sede da Funai.

    A ação de reintegração de posse foi impetrada por Edilberto Batista Gomes contra os indígenas Francisco Souza Brasil, Francisco Souza Brasil Filho e Deusimar Luis Brasil, todos do povo Apurinã, moradores da aldeia São Raimundo. No dia 22 de junho passado, o juiz da Comarca de Beruri, Mateus Guedes Rios, concedeu liminar em favor do posseiro justificando que “a Funai não manifestou formalmente qualquer interesse de intervir na lide”.

    Na terra Kaninari Itixi vivem 47 famílias majoritariamente do povo Apurinã, nas aldeias São Raimundo, Nossa Senhora do Carmo e Deus é Amor. Em 23 de janeiro de 2001 foi requerida pelas lideranças indígenas a demarcação da área, sem qualquer providência por parte da Funai até a presente data.

    Conforme o cacique da aldeia Deus é Amor, Batista Brasil da Silva, o posseiro que requereu a reintegração de posse é membro de uma família com um longo histórico de conflito com os indígenas. “Os posseiros já fizeram ameaças de morte, estão acostumados a tirar madeira ilegalmente da área e cometer outras atitudes ilegais. Já informamos a Funai de muitas dessas ações ilegais, mas nenhuma medida foi tomada para impedir que eles continuem”, disse o cacique Batista. Na reunião com o procurador da Funai, as lideranças das aldeias disseram temer que algo mais grave possa ocorrer em razão das ameaças que vêm sofrendo.

    Eles disseram que a área reivindicada pelos posseiros, denominada “Monte Áurea”, fica no interior do território habitado pelos indígenas. “Na parte que eles querem não tem ninguém morando, nem da parte deles, nem da parte dos indígenas”, explica Batista Brasil.

    O procurador Matheus Antunes de Oliveira adiantou que vai entrar com recurso para encaminhar o processo à Justiça Federal, que é a instância competente para julgar processos envolvendo disputa de terra com indígenas.

    Texto e foto: J. Rosha – Regional Norte I

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  • 09/09/2016

    Proposta Orçamentária da Funai é a menor em 10 anos


    A proposta orçamentária para o ano de 2017, enviada pelo Governo Temer ao Congresso Nacional há alguns dias, estabelece um teto de 110 milhões de reais para despesas discricionárias[1] para a Fundação Nacional do Índio (Funai). Trata-se do menor valor orçado para a Fundação nos últimos 10 anos.

    Em 2007, o valor aprovado foi de 120,4 milhões de reais. Considerando a inflação acumulada do período, 60,88%, a previsão de perda orçamentária da Funai para o ano 2017, relativamente a 2007, beira os 70%. Essa queda fica ainda mais expressiva na comparação com o orçamento aprovado para o ano 2013, que foi de 194 milhões.

    O orçamento 2017 está sendo analisado pelo Congresso Nacional, que poderá reduzir ainda mais os recursos destinados ao órgão indigenista. A título comparativo, para o ano 2016, o orçamento da Funai sofreu um corte de 38 milhões de reais ao tramitar no Congresso. Na ocasião, a proposta inicial, que era de 150 milhões, foi dilapidada e aprovada com 112 milhões, redução de 37,67% relativamente ao orçamento de 2015. O valor em questão, por óbvio, é insuficiente, e colocará o órgão indigenista em insolvência financeira caso não ocorra uma suplementação nos próximos períodos.

    Nesse contexto, desde 2015, a CPI da Funai/Incra tem sido usada pela bancada ruralista como instrumento para “justificar” as investidas que vêm dilapidando o orçamento indigenista.

    Como fica evidente, colocar a Funai em estado vegetativo e matá-la por estrangulamento orçamentário é parte da estratégia governo-ruralista no ataque aos direitos indígenas em curso no país. Os ruralistas sabem que, com um orçamento extremamente reduzido, mesmo continuando a existir oficialmente, o órgão indigenista do Estado brasileiro perde as condições mínimas necessárias para dar seguimento às suas tarefas institucionais. Criação de Grupos de Trabalhos (GTs) para estudos de identificação e delimitação de terras indígenas, indenização a ocupantes de boa fé de terras demarcadas, proteção das terras indígenas contra invasores, presença de servidores junto a comunidades indígenas atacadas por milícias armadas ou abandonadas à própria sorte em beiras de rodovias, investimento nas terras demarcadas, são algumas das ações inviabilizadas com o estrangulamento orçamentário do órgão indigenista.

    A perspectiva de aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241/2016, enviada pelo Governo Temer ao Congresso Nacional, agrava ainda mais a situação. A referida PEC propõe o congelamento do orçamento de todos poderes da União e órgãos federais por um período de 20 anos. Na prática, nas condições que estão postas, com a aprovação da PEC 241/2016, o orçamento da Funai ficará estagnado num patamar extremamente baixo pelos próximos 20 anos, o que acarretará na sua inexorável asfixia.

    Como sabemos, o resultado de tudo isso é o agravamento da situação de demandas represadas, de conflitos e de violências contra os povos indígenas no Brasil.

    A responsabilidade do governo brasileiro e do Congresso Nacional, nesse contexto, é direta e intransferível. Aos povos indígenas cabe a tarefa necessária e urgente de incidir politicamente a fim de reverter o quadro tenebroso almejado pelo golpismo ruralista contra suas futuras gerações. Aos aliados, mesmo sendo perseguidos e criminalizados pelos mesmos inimigos, cabe a missão de manterem-se firmes e altivos no apoio à luta dos povos em defesa de seus projetos de vida plena.

    Apesar de tudo, a luta e a esperança continuam. Quanto mais luta, maior a esperança.

    Brasília, DF, 09 de setembro de 2016


    Cleber César Buzatto
    Licenciado em Filosofia
    Secretário Executivo do Cimi – Conselho Indigenista Missionário



    [1] Não considera despesas obrigatórias com pessoal e benefícios

  • 08/09/2016

    Estabelecimento comercial é fechado por participação em fraude milionária contra indígenas e a União em MS

    Um estabelecimento comercial que vendia cestas básicas para indígenas em Amambai (MS) foi fechado na última terça-feira, 6 de setembro, pela Polícia Federal, que cumpriu mandado judicial de interdição e lacração. A ordem judicial foi expedida em requerimento de suspensão do exercício de atividade econômica formulado pelo Ministério Público Federal de Ponta Porã. O proprietário do Comercial Rei das Cestas participava de organização criminosa voltada à prática dos crimes de corrupção passiva, falsidade documental e fraudes previdenciárias. Eles ainda retinham cartões de benefícios sociais e realizavam saques em prejuízo de indígenas residentes na região de fronteira com o Paraguai. O MPF estima prejuízo aos cofres públicos superior a R$ 1 milhão.

    A interdição é desdobramento da Operação Uroboros, deflagrada em junho de 2016, que apurou os crimes praticados sob a liderança e coordenação de servidor público da Funai, lotado em Amambai. O estabelecimento Rei das Cestas era utilizado para reter os cartões de benefícios sociais e vincular os indígenas a dívidas, além de enganá-los para cometer fraudes previdenciárias e documentais.

    O Ministério Público Federal em Ponta Porã (MPF/MS) já denunciou o servidor da Funai e outras 4 pessoas por 23 fatos criminosos. O processo tramita em segredo de Justiça na Vara Federal de Ponta Porã (MS).

    Segundo as investigações, realizadas pelo MPF, Polícia Federal e Ministério do Trabalho e Previdência Social, a organização criminosa registrava falsamente crianças como se fossem filhos de indígenas já falecidos para obter a pensão por morte. Como a prescrição do benefício não corre contra os menores, o grupo conseguia se apropriar de grandes valores, que retroagiam até o óbito do indígena.

    A investigação revelou que havia um esquema logístico bem estruturado de transporte de indígenas para confecção de documentos pessoais e para expedição de registros administrativos de nascimento junto à Funai, ideologicamente falsos, que seriam usados perante os cartórios para dar credibilidade aos registros civis tardios.

    Em 3 de junho deste ano, a Operação Uroboros foi deflagrada nos municípios de Amambai e Iguatemi com a participação de 80 policiais. Foram cumpridos dois mandados de prisão preventiva, 14 mandados de busca e apreensão e 16 mandados de condução coercitiva. O servidor da Funai que liderava o esquema foi cautelarmente afastado de sua função pública e se encontra preso preventivamente.

    Se aceita a denúncia pela Justiça, os cinco acusados responderão pelos crimes de falsidade ideológica, uso de documento público materialmente falso, estelionato contra a previdência social, corrupção passiva e promoção, constituição e integração de organização criminosa, com a participação de servidor público.

    Referência processual na Justiça Federal de Ponta Porã >> Ação penal: 0001784-58.2016.403.6005;
    Suspensão do exercício de atividade econômica: 0001789-80.2016.403.6005

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  • 08/09/2016

    As violências da fome e do desabrigo: talvez as piores crueldades de uma política indigenista insana

    A comunidade Guarani Mbya de Irapuá vive em um acampamento às margens da BR-290, na altura do quilômetro 299, no município de Caçapava do Sul. Teve a terra tradicional delimitada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) no início de 2011, e declarada pelo Ministério da Justiça em maio de 2016. Portanto, a terra foi caracterizada como sendo de ocupação tradicional do povo Guarani Mbya.

    Apesar disso, nenhuma providência foi tomada pelo governo no sentido de promover o assentamento das famílias dentro de sua terra, mantendo-as na beira da estrada sob condições absolutamente desumanas. A pergunta que fica: por que manter famílias em condições de profunda vulnerabilidade sendo que sua terra foi reconhecida como sendo de ocupação tradicional?

    Os Guarani Mbya sempre habitaram aquela região. Seu Silvino Werá, cacique da comunidade, convive com a realidade de beira de estrada há décadas. Criou seus filhos e agora os netos sob a violência da estrada e dos fazendeiros que os discriminam e os amedrontam. Não raras as vezes em que os fazendeiros os ameaçaram, impondo que saíssem daquele local. Seguiram firmes, apesar de todo sofrimento.

    A violência é cotidiana e brutal. Os indígenas já tiveram seus barracos queimados, já tiveram seu acampamento destruído por tratores, árvores frutíferas plantadas na beira da estrada foram arrancadas, um poço artesiano perfurado para que tivessem água potável foi destruído, os postes que conduziam energia ao local foram derrubados e uma pequena edificação que servia como escola para as crianças foi demolida. A comunidade chegou a ser removida por funcionários do estado do Rio Grande do Sul para uma área distante 60 km de Irapuá. Mas os Guarani retornaram para o local que fica muito próximo de seu tekoha – o seu lugar de viver, a sua terra tradicional.

    Nesta semana, em visita à comunidade, presenciamos crianças passando fome e frio, como pode ser constatado em vídeo realizado durante a visita.

    Os Guarani, apesar das agressões constantes, se mantêm firmes na esperança de que os órgãos de assistência lhes assegurem o direito fundamental de acesso à terra, já devidamente reconhecida. Até agora, as respostas dos órgãos – Funai e Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) – têm sido a omissão e o abandono.

    Apesar de oficiados pelo Ministério Público Federal (MPF) de Cachoeira do Sul a prestar assistência, nada vem sendo feito no sentido de assegurar às famílias um pouco de dignidade. Estão abandonadas pelo Poder Público. Não foram poucas as reivindicações e apelos para que se garantisse o mínimo para viverem: abrigo, alimentos, água potável, já que tudo o que tinham acabou sendo destruído por fazendeiros. Nada se fez e ao que tudo indica nada farão. Parece uma espécie de conluio entre fazendeiros que não aceitam a presença indígena naquela região, e os que deveriam assegurar à comunidade o mínimo de proteção. Praticam, na verdade, violências que se tornam as mais cruéis de todas: o abandono, a fome e o desabrigo.

    O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regional Sul, comprometido com a causa indígena pela demarcação das terras e pelo direito a uma vida com dignidade, denuncia os órgãos de assistência pela prática de crimes contra a comunidade Guarani Mbya de Irapuá, submetida – pela negligência e omissão – à fome e miséria, sendo que constitucionalmente deve ser protegida e assistida pelos agentes do Estado, mas neste momento está relegada a situação de exclusão absoluta.


    Fotos: Roberto Liebgott/Cimi Regional Sul

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  • 08/09/2016

    Nota pública do Movimento por Verdade, Memória, Justiça e Reparação

    O governo Temer anunciou uma intervenção inédita na Comissão de Anistia, órgão do Estado brasileiro responsável pelas políticas de reparação e memória para as vítimas da ditadura civil-militar. Pela primeira vez se efetivou uma descontinuidade de sua composição histórica. Na foto acima, parada militar com desfile de indígena pendurado no pau de arara (instrumento de tortura).


    Desde a sua criação pelo governo FHC, a comissão é composta por conselheiros e conselheiras com grande histórico de atuação na área dos direitos humanos, mantendo-se, ao lon
    go do tempo, a integralidade dos seus membros e as composições integrais advindas dos governos anteriores. Os eventuais desligamentos de conselheiros(as)sempre ocorreram por iniciativas pessoais dos próprios membros, sendo substituídos(as) gradativamente.

    Essa característica sempre assegurou a pluralidade em seu formato que, até pouco tempo atrás, abrigava inclusive membros nomeados para sua primeira composição ainda no governo FHC em 2001. Isto reflete a compreensão da Comissão de Anistia como um órgão de Estado e não de governo.

    Além disso, novas nomeações sempre foram precedidas por um processo de escuta aos movimentos dos familiares de mortos e desaparecidos, de ex-presos políticos e exilados, além de organizações e coletivos de luta por verdade, justiça, memória e reparação.

    Pela primeira vez na história da Comissão de Anistia foram nomeados novos membros sem nenhuma consulta à sociedade civil e pela primeira vez foram exonerados coletivamente membros que não solicitaram desligamento.

    O Diário Oficial da União publicou duas portaria do Ministro Alexandre de Moraes, uma com a nomeação de 20 novos conselheiros e outra com a exoneração de 6 membros atuais que não haviam solicitado desligamento do órgão. Outros 10 atuais conselheiros foram mantidos. Não foram divulgados os critérios desta seletividade.

    Os conselheiros desligados são Ana Guedes, do Grupo Tortura Nunca Mais da Bahia e ex-presidente do Comitê Brasileiro pela Anistia na Bahia; José Carlos Moreira da Silva Filho, vice-presidente e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUC-RS; Virginius Lianza da Franca, ex-coordenador geral do Comitê Nacional para Refugiados; Manoel Moraes, membro da Comissão Estadual da Verdade de Pernambuco e ex-membro do GAJOP; Carol Melo, professora do núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio; Marcia Elayne Moraes, ex-membro do comitê estadual contra a tortura do RS.

    Ao dispensar esse grupo de Conselheiros, o governo Temer coloca a perder quase uma década de memória e de expertise na interpretação e aplicação da legislação de anistia no Brasil.


    Uma outra portaria nomeou no mesmo dia, de uma só vez, 20 novos conselheiros e conselheiras. Alguns dos nomes anunciados são vinculados doutrinariamente ao polêmico professor de Direito Constitucional da USP Manoel Gonçalves Ferreira Filho, conhecido teórico e apoiador da ditadura civil-militar instaurada no Brasil em 1964, por ele denominada “Revolução de 1964″ e escreveram um livro em sua homenagem.

    O jornal O Globo, por sua vez, trouxe uma outra grave denúncia de que pelo menos um dos novos membros são suspeitos de terem sido colaboradores da ditadura militar. Caso a nova composição da Comissão de Anistia reflita o pensamento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho e tenha entre seus membros simpatizantes ou colaboradores com a ditadura trata-se de uma desfuncionalidade e um sério risco à posição oficial do órgão sobre a devida responsabilização penal dos agentes públicos que praticaram crimes de lesa-humanidade na ditadura.

    A Comissão de Anistia tem estimulado, como parte dos compromissos internacionais do Brasil, o debate público nacional sobre o alcance da lei de anistia e possui uma posição clara e oficial pela imprescritibilidade e impossibilidade de lei de anistia para os crimes da ditadura, bem como defende o cumprimento integral da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o caso Araguaia, sediada em São José da Costa Rica.


    A atual composição da Comissão de Anistia foi responsável pela redução dos valores das indenizações milionárias concedidas no início da era FHC, ajustando-as a valores de mercado, e acelerou o julgamento dos pedidos de reparação, instituindo o pedido de desculpas às vítimas e as famílias.

    A Comissão de Anistia também é conhecida internacionalmente por ter empreendido de maneira inovadora e sensível políticas públicas de memória e projetos vanguardistas como as Caravanas da Anistia, as Clínicas do Testemunho, o Projeto Marcas da Memória, e por ter iniciado a construção do Memorial da Anistia, realização de eventos e intercâmbios acadêmicos e culturais, e inúmeras publicações que aprofundam o sentido da Justiça de Transição no Brasil e na América Latina. Estes programas e projetos compõem hoje o Programa Brasileiro de Reparação Integral, reconhecido e celebrado internacionalmente, e fazem parte do rol dos direitos de todos aqueles que foram atingidos por atos de exceção durante a ditadura civil-militar e aos seus familiares. Esses direitos devem ser preservados, sob pena de ruptura com o dever integral de reparação.

    Os movimentos de direitos humanos e cidadãos abaixo assinados repudiam a arbitrariedade destas exonerações e nomeações na Comissão de Anistia e denunciam o início da tentativa de desmonte destas políticas que marcam a nossa transição democrática e que são parte de obrigações internacionalmente assumidas pelo Estado brasileiro. Do mesmo modo denuncia o absurdo de ter entre os membros da nova Comissão nomes de pessoas que não possuem posição de oposição enfática de condenação à ditadura e aos crimes militares ou, pior, que possam ter sido colaboradores da Ditadura.

    O governo Temer com esta atitude arbitrária comete um erro histórico que afeta a continuidade da agenda pendente do processo de transição democrática, e com isso aprofunda as suas características de um governo ilegítimo, sem fundamento na soberania popular.

    São iniciativas muito graves e unilaterais que sinalizam o início de um desmonte na Comissão de Anistia, conquista histórica da sociedade democrática brasileira, e uma ofensa aos direitos das vítimas da ditadura e os seus familiares.

    Não aceitaremos retrocesso nas conquistas da Justiça de Transição no Brasil. Nem um direito a menos!

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