• 08/09/2016

    Nota pública do Movimento por Verdade, Memória, Justiça e Reparação

    O governo Temer anunciou uma intervenção inédita na Comissão de Anistia, órgão do Estado brasileiro responsável pelas políticas de reparação e memória para as vítimas da ditadura civil-militar. Pela primeira vez se efetivou uma descontinuidade de sua composição histórica. Na foto acima, parada militar com desfile de indígena pendurado no pau de arara (instrumento de tortura).


    Desde a sua criação pelo governo FHC, a comissão é composta por conselheiros e conselheiras com grande histórico de atuação na área dos direitos humanos, mantendo-se, ao lon
    go do tempo, a integralidade dos seus membros e as composições integrais advindas dos governos anteriores. Os eventuais desligamentos de conselheiros(as)sempre ocorreram por iniciativas pessoais dos próprios membros, sendo substituídos(as) gradativamente.

    Essa característica sempre assegurou a pluralidade em seu formato que, até pouco tempo atrás, abrigava inclusive membros nomeados para sua primeira composição ainda no governo FHC em 2001. Isto reflete a compreensão da Comissão de Anistia como um órgão de Estado e não de governo.

    Além disso, novas nomeações sempre foram precedidas por um processo de escuta aos movimentos dos familiares de mortos e desaparecidos, de ex-presos políticos e exilados, além de organizações e coletivos de luta por verdade, justiça, memória e reparação.

    Pela primeira vez na história da Comissão de Anistia foram nomeados novos membros sem nenhuma consulta à sociedade civil e pela primeira vez foram exonerados coletivamente membros que não solicitaram desligamento.

    O Diário Oficial da União publicou duas portaria do Ministro Alexandre de Moraes, uma com a nomeação de 20 novos conselheiros e outra com a exoneração de 6 membros atuais que não haviam solicitado desligamento do órgão. Outros 10 atuais conselheiros foram mantidos. Não foram divulgados os critérios desta seletividade.

    Os conselheiros desligados são Ana Guedes, do Grupo Tortura Nunca Mais da Bahia e ex-presidente do Comitê Brasileiro pela Anistia na Bahia; José Carlos Moreira da Silva Filho, vice-presidente e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUC-RS; Virginius Lianza da Franca, ex-coordenador geral do Comitê Nacional para Refugiados; Manoel Moraes, membro da Comissão Estadual da Verdade de Pernambuco e ex-membro do GAJOP; Carol Melo, professora do núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio; Marcia Elayne Moraes, ex-membro do comitê estadual contra a tortura do RS.

    Ao dispensar esse grupo de Conselheiros, o governo Temer coloca a perder quase uma década de memória e de expertise na interpretação e aplicação da legislação de anistia no Brasil.


    Uma outra portaria nomeou no mesmo dia, de uma só vez, 20 novos conselheiros e conselheiras. Alguns dos nomes anunciados são vinculados doutrinariamente ao polêmico professor de Direito Constitucional da USP Manoel Gonçalves Ferreira Filho, conhecido teórico e apoiador da ditadura civil-militar instaurada no Brasil em 1964, por ele denominada “Revolução de 1964″ e escreveram um livro em sua homenagem.

    O jornal O Globo, por sua vez, trouxe uma outra grave denúncia de que pelo menos um dos novos membros são suspeitos de terem sido colaboradores da ditadura militar. Caso a nova composição da Comissão de Anistia reflita o pensamento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho e tenha entre seus membros simpatizantes ou colaboradores com a ditadura trata-se de uma desfuncionalidade e um sério risco à posição oficial do órgão sobre a devida responsabilização penal dos agentes públicos que praticaram crimes de lesa-humanidade na ditadura.

    A Comissão de Anistia tem estimulado, como parte dos compromissos internacionais do Brasil, o debate público nacional sobre o alcance da lei de anistia e possui uma posição clara e oficial pela imprescritibilidade e impossibilidade de lei de anistia para os crimes da ditadura, bem como defende o cumprimento integral da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o caso Araguaia, sediada em São José da Costa Rica.


    A atual composição da Comissão de Anistia foi responsável pela redução dos valores das indenizações milionárias concedidas no início da era FHC, ajustando-as a valores de mercado, e acelerou o julgamento dos pedidos de reparação, instituindo o pedido de desculpas às vítimas e as famílias.

    A Comissão de Anistia também é conhecida internacionalmente por ter empreendido de maneira inovadora e sensível políticas públicas de memória e projetos vanguardistas como as Caravanas da Anistia, as Clínicas do Testemunho, o Projeto Marcas da Memória, e por ter iniciado a construção do Memorial da Anistia, realização de eventos e intercâmbios acadêmicos e culturais, e inúmeras publicações que aprofundam o sentido da Justiça de Transição no Brasil e na América Latina. Estes programas e projetos compõem hoje o Programa Brasileiro de Reparação Integral, reconhecido e celebrado internacionalmente, e fazem parte do rol dos direitos de todos aqueles que foram atingidos por atos de exceção durante a ditadura civil-militar e aos seus familiares. Esses direitos devem ser preservados, sob pena de ruptura com o dever integral de reparação.

    Os movimentos de direitos humanos e cidadãos abaixo assinados repudiam a arbitrariedade destas exonerações e nomeações na Comissão de Anistia e denunciam o início da tentativa de desmonte destas políticas que marcam a nossa transição democrática e que são parte de obrigações internacionalmente assumidas pelo Estado brasileiro. Do mesmo modo denuncia o absurdo de ter entre os membros da nova Comissão nomes de pessoas que não possuem posição de oposição enfática de condenação à ditadura e aos crimes militares ou, pior, que possam ter sido colaboradores da Ditadura.

    O governo Temer com esta atitude arbitrária comete um erro histórico que afeta a continuidade da agenda pendente do processo de transição democrática, e com isso aprofunda as suas características de um governo ilegítimo, sem fundamento na soberania popular.

    São iniciativas muito graves e unilaterais que sinalizam o início de um desmonte na Comissão de Anistia, conquista histórica da sociedade democrática brasileira, e uma ofensa aos direitos das vítimas da ditadura e os seus familiares.

    Não aceitaremos retrocesso nas conquistas da Justiça de Transição no Brasil. Nem um direito a menos!

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  • 08/09/2016

    Grito dos/das Excluídos/as mobiliza milhares de pessoas pelo país


    foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

    Tradicionalmente, há 22 anos, o dia 7 de setembro é marcado pelas manifestações do Grito dos Excluídos, que reúne movimentos sociais, sindicais e pastorais do campo e da cidade. Em 2016, o Grito reuniu milhares em mais de 20 estados do país, além do Distrito Federal, e uniu-se a atos com o mote “Fora Temer!” e “Nenhum direito a menos!”.

    Tendo como lema “Este Sistema é Insuportável: Exclui, Degrada, Mata”, as manifestações do Grito dos/das Excluídos(as) de 2016 foram, em grande parte, invisibilizadas pela mídia tradicional e desprezadas pelo governo. Em Brasília, onde o ato reuniu pelo menos 10 mil pessoas, o balanço inicial divulgado por veículos da mídia tradicional contabilizava, conforme contagem da Polícia Militar, apenas “600 pessoas”. O número da PM foi atualizado depois para 2,7 mil pessoas, ainda muito abaixo da realidade.

    O ato na capital federal iniciou sua concentração às 9h da manhã, em frente ao Museu Nacional, mas só pôde partir em marcha pela Esplanada dos Ministérios depois que o desfile oficial do Dia da Independência foi encerrado, por volta das 11h e meia. Os manifestantes marcharam durante cerca de uma hora, até o Congresso Nacional, com gritos e cantos de “Fora Temer!” e exigindo respeito à democracia.


    Grito dos/as Excluídos/as em Brasília (DF). foto: Tiago Miotto/assessoria de comunicação do Cimi

    Os indígenas e, entre eles, os Guarani Kaiowá, vindos do Mato Grosso do Sul, também marcaram presença em meio à multidão que se manifestou em Brasília.

    “Esse novo governo, o Temer, a primeira coisa que ele quer fazer é revogar as terras indígenas. Nós não aceitamos esse governo golpista que está aí, e ele apoia a maior lei que está contra nós, que é a PEC 215”, afirmou ao final do Grito a Guarani Kaiowá Flávia Arino.

    Além da preocupação com o risco do governo Temer revogar demarcações de terras indígenas, Flávia destacou os ataques que representam a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 e a tese restritiva do marco temporal, adotada pela segunda turma do Supremo Temporal Federal (STF), que podem inviabilizar o direito constitucional dos povos indígenas a seus territórios tradicionais.

    “Estamos aqui por causa dos golpes que nós, indígenas, recebemos desde 1500. Os índios não vão deixar de sofrer golpes enquanto seus direitos não forem reconhecidos”, afirmou o Guarani Kaiowá Adalto Barbosa, que também participou do Grito dos/das Excluídos/as no Distrito Federal.

    Em diversas capitais, o Grito dos/das Excluídos/as reuniu milhares de pessoas. Em São Paulo (SP), foram 15 mil, segundo os organizadores; em Belo Horizonte (MG), foram pelo menos 10 mil. Em Salvador (BA), o ato também reuniu cerca de 15 mil pessoas. Houve grandes atos em diversas outras capitais e municípios do interior dos estados, embora ainda sem uma divulgação da estimativa de público.


    Grito dos/as Excluídos/as em Brasília (DF). foto: Tiago Miotto

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  • 06/09/2016

    Justiça Estadual ordena despejo de aldeia Gamela, fala em direito de conquista e questiona identidade do povo

    O juiz da Comarca Estadual de Matinha (MA), Celso Serafim Júnior, determinou no final da última semana, 1º de setembro, a reintegração de posse de uma área retomada pelo povo Gamela, na aldeia Piraí (na foto), em 16 de agosto deste ano. A decisão liminar concede prazo de 30 dias para o cumprimento do despejo das famílias indígenas do local conhecido como Sítio Chulanga, entre os municípios de Matinha e Viana. 

     

    Povo Gamela e advogados questionam competência do juiz para decidir sob litígio de terra reivindicada por indígenas e os argumentos usados pelo magistrado – no mínimo insólitos depois da Constituição Federal de 1988 e da Convenção 169 da OIT.

     

    “A rigor todos os 8.515.767.049 km² do território brasileiro pertence aos índios (…) Razão essa, necessária e suficiente para que todos nós outros, não índios deixássemos as terras brasilis (…) Sendo este ou qualquer outro magistrado absolutamente incompetente para decidir à respeito, já que não haveria jurisdição a ser prestada (…) Não obstante, pelo direito de conquista as referidas terras passaram a pertencer ao homem branco (SIC)”, assim começa a sentença do juiz. 

     

    Mais adiante, o magistrado questiona a identidade étnica dos Gamela com base no Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/1973), não sendo os Gamela mais silvícolas ou selvagens, mas integrados à sociedade nacional. A palavra povo é sempre colocada entre aspas pelo juiz. “Certamente não estamos a falar de silvícolas ou grupo tribal consoante ao artigo 3º do Estatuto do Índio, ou isolados conforme o artigo 4º do mesmo estatuto (…) Não vislumbro litígio envolvendo índios, mas sim invasores”, disserta o juiz. 

     

    “Todo o texto da decisão é racista e preconceituoso. Entendemos como uma violação de direitos fundamentais, de existência, de sermos quem somos: Gamela. Nosso povo não vai sair da terra. Vamos recorrer dessa decisão, mas não vamos sair”, afirma Kum’Tum Gamela. O pedido de despejo foi feito por Qenack Serra Costa Júnior, detentor do título de propriedade da Chulanga. A Fundação Nacional do Índio (Funai) realiza estudo de qualificado da demanda territorial Gamela – primeiro passo do procedimento de demarcação de acordo com o Decreto 1775.

     

    A terra, antes da retomada, era utilizada para abastecer a fábrica de cerâmica da qual Qenack é dono. No dia 26 de agosto, três homens armados invadiram a retomada e ameaçaram os Gamela. Procurando pelas lideranças, os indivíduos ameaçaram os indígenas e estavam em uma caminhonete cuja placa está registrada no nome da Ostensiva Segurança Privada LTDA., com sede em São José do Ribamar (MA) – conforme apuração na Secretaria de Segurança Pública.

     

    Juiz incompetente

     

    O advogado Rafael Silva, assessor jurídico da Comissão Pastoral da Terra (CPT), afirma que a Justiça Estadual é incompetente para conceder tal decisão. “O juiz não tinha atribuição para decidir algo que cabe à Justiça Federal. A decisão demonstra também uma postura preconceituosa e equivocada com relação a identidade dos indígenas”, afirma Silva. O advogado revela ainda que o juiz não solicitou informações à Funai.  

     

    “No próprio documento, o autor do pedido liminar de reintegração fala sobre a terra estar presente na Sesmaria dos índios (lote de terra dado aos Gamela)”, afirma o advogado. Os Gamela retomaram de 2015 até agora nove áreas reivindicadas como tradicionais pelo povo. Em todas foram impetrados pedidos de reintegrado de posse, mas apenas no caso do Sítio Chulanga houve decisão pelo despejo envolvendo a Justiça Estadual. 

     

    O juiz traçou toda a linha de argumentação baseada no percurso histórico da colonização contra os indígenas e das leis de terras a estes povos advindas em distintas etapas até os dias de hoje. Todavia, conclui de sobressalto que não se trata de conflito envolvendo indígenas, no caso dos Gamela, mas de cidadãos integrados à sociedade. “Fazer parte do país nós fazemos, mas a Constituição nos garante o direito de sermos quem somos”, se indigna Kum’Tum.

     

    Para o advogado da CPT, o que preocupa é que um clima bélico está disseminado entre fazendeiros e proprietários da região contra os Gamela "com racismo difuso, já foram claras as ameaças de morte, grupos de jagunços. Mesmo sem o cumprimento (do despejo) eles podem se utilizar dessa decisão para considerar legítima o uso de força privada pra retirar os Gamela”, afirma Silva.

     

    Todas as liminares de reintegração de posse contra coletividades no Maranhão, desde julho de 2015 por força de lei estadual, são encaminhas para a Comissão de Violência no Campo e na Cidade. O objetivo é garantir uma mediação. “Nesse caso Gamela, a Justiça levou até a Comissão, mas com esse prazo de 30 dias e sob pena de multa de R$ 50 mil ao Governo do Estado para cada dia de decisão não cumprida”, diz o advogado da CPT.



     

    Gamela tem o direito de ser Gamela 

     

    "A Constituição de 1988 reconhece aos índios o direito de ser índio, de manter-se como índio, com sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Além disso, reconhece o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Esta concepção é nova, e juridicamente revolucionária, porque rompe com a repetida visão integracionista. A partir de 5 de outubro de 1988, o índio, no Brasil, tem direito de ser índio”, explica o jurista Carlos Marés em seu livro O Renascer dos Povos Indígenas para o Direito[1].

     

    O assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o advogado Adelar Cupsinski, afirma que isso significa que “o Estado brasileiro não tem o dever de reconhecer ou não a identidade étnica de nenhum grupo social”. A partir de 2004, o Brasil tornou-se signatário da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Portanto, a norma tem efeito de lei no país e considerada assim pelo Supremo Tribunal Federal (STF). 

     

    Logo em seu artigo 1º, a Convenção assim determina: "A consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposições da presente Convenção". Cupsinski afirma que é comum juízes proferirem decisões baseados am argumentos que questionam a identidade enquanto povo dos indígenas para negar o direito à terra. Os indígenas Tupinambá de Olivença passam por situação semelhante.   

     

    "A Funai não pode mais dizer se é ou não indígena, ela tem acolher a demanda. Se o juiz perguntar para a Funai essa deve ser a resposta. No caso da terra, o direito é originário e a demarcação vai dizer qual o tamanho dessa terra indígena Gamela, na situação desse despejo, que tem coletividade, cultura diferenciada e própria. As leis vigentes no país reconhecem esse modo diferente de ser como princípio fundamental”, explica o assessor jurídico do Cimi. Cupsinski lembra ainda do Preâmbulo da Constituição Federal para ressaltar o caráter pluralista que a Carta Magna confere ao Brasil.     

     

    "Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte, para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”.



     

    Estatuto do Índio: pontos não recepcionados

     

    O Estatuto do Índio segue sob vigência desde sua publicação, em 19 de dezembro de 1973 – um dos anos mais sangrentos da ditadura militar (1964-1985). “Ele foi elaborado sob a vigência da Constituição de 1967 e precisa ser analisado com parcimônia, considerando que determinados conceitos não foram acolhidos pela Constituição Federal de 1988”, ressalta Cupsinski. 

     

    Os artigos 3º e 4º do Estatuto do Índio, como exemplos, que não foram recebidos pela Constituição Federal de 1988 e tampouco estão presentes na Convenção 169 da OIT em quaisquer artigos ou interpretações. São exatamente os artigos citados pelo juiz da Comarca Estadual de Matinha, Celso Serafim Júnior, para questionar a coletividade dos Gamela enquanto povo indígena.  

     

    “Ademais, o regime anterior previa a integração gradativa dos indígenas à comunhão nacional, o que não tem mais sentido”, conclui Cupsinski. O assessor jurídico do Cimi entende que “direito de conquista”, termo também usado pelo juiz como categoria, é algo que não estabelece nenhum diálogo envolvendo as legislações pertinentes à demarcação de terras indígenas ou ao direito originário sobre as terras que os povos tradicionalmente ocupam.



     

    Comissão visita os Gamela

     

    No mesmo dia em que saiu a liminar ordenando o despejo dos Gamela, a Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública Estadual (DPE), Comissão de Direitos Humanos da ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Cimi, a CPT e o bispo de Viana, Dom Sebastião Lima Duarte, estiveram na aldeia Piraí – área de retomada. 

     

    “A Comissão buscou levar solidariedade e pegar mais informações sobre a situação que envolve violência e racismo contra os Gamela”, explica a missionária indigenista Rosimeire Diniz, do Cimi Regional Maranhão. Rosimeire salienta a reunião produtiva e as impressões dos defensores públicos. “Todos e todas se preocuparam com os Gamela e logo em seguida veio a notícia da reintegração”, destaca.  

     

    Os Gamela cansaram de esperar. As nove áreas retomadas pelos Gamela ficam dentro de uma área de 14 mil hectares reivindicada pelo povo, a qual lhes foi doada pelo Estado brasileiro ainda no período colonial, no ano de 1759. Desde então, o território foi sendo invadido e grilado, e o povo Gamela sendo confinado em um espaço cada vez menor. Desde que decidiram pelas retomadas, Kum’Tum Gamela perdeu as contas de quantos ataques, ameaças e ataques sofreram

     

    Atualmente, mais de 700 famílias do povo Gamela vivem numa área de quase 600 hectares, sem espaço para praticar agricultura e, ainda, sofrendo com a grilagem e a destruição de árvores e plantas importantes para sua sobrevivência, como é o caso dos açaizais, utilizados para alimentação, e dos guarimãs, cuja palha é utilizada para confecção de artesanatos. 

     

    [1] SOUZA FILHO, Carlos Federico Marés de. O Renascer dos Povos Indígenas para o Direito. 1a Ed. (ano 1998, 5ª reimpr. Curitiba: Juruá, 2008.

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  • 06/09/2016

    Luta pela democracia segue na pauta de reivindicação dos movimentos ao governo


    Em audiência com governo federal, os movimentos do campo unitário acampados em Brasília-DF, desde a madrugada desta segunda-feira (5), reivindicaram um conjunto de pautas para retomada e aprofundamento das políticas para o campo, das águas e florestas, com priorização para a destinação de terras para a efetivação da reforma agrária popular e titulação e demarcação de terras para povos indígenas e quilombolas.

    A agenda de reivindicação junto ao governo federal é sequente ao conjunto de mobilizações realizadas em todo o país pelos movimentos populares em defesa da democracia e respeito ao voto popular.

    Mobilizados pela Jornada Nacional das Trabalhadoras e Trabalhadores e Povos do Campo, das Águas e das Florestas, 2 mil militantes de todo o país ocuparam o Ministério do Planejamento na madrugada desta segunda-feira (05). A ação foi uma estratégia política para dar visibilidade às lutas da população campesina e tradicional e pressionar o governo federal para dar resposta imediata às demandas. Além da capital federal, estão sendo realizadas atividades que compõem a Jornada Nacional em 11 estados.

    Orientados pela defesa da reforma agrária ampla, os movimentos se posicionam contrários às propostas anunciadas pelo governo de Michel Temer (PMDB) e sua bancada de apoio para a questão da terra. Na avaliação dos movimentos, a aprovação do Projeto de Lei 4059/2012 que flexibiliza a aquisição de terras por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras, a intensificação das titulações de terras, entre outras medidas, significa a privatização da terra.

    A unidade dos movimentos populares para permanecer em luta e pautar suas reivindicações em uma audiência com o governo, ainda que seja uma gestão ascendida ao poder por uma destituição não legitimada da presidenta Dilma Rousseff, vem da realidade cotidiana dos agricultores e agricultoras, povos indígenas e quilombolas, ainda mais precarizada pelas medidas adotadas durante o governo interino golpista de Michel Temer, que levou o contexto para uma situação emergencial.

    “O que nos unificou, acima de tudo neste momento, é a preocupação com a realidade no campo e com as políticas conquistadas a duras penas nos últimos anos, e recentemente ameaçadas”, pontua o presidente da Contag, Alberto Broch.

    “O que nos traz aqui são as 120 mil famílias acampadas, as 579 mil famílias com acesso bloqueado às políticas agrárias pelo Tribunal de Contas da União (TCU), produtores com acesso dificultado à assistência técnica. Precisamos extrair uma resposta do governo para dar ao povo sobre um orçamento que pertence ao povo”, destaca o integrante da coordenação nacional do MST, Alexandre Conceição.

    Retorno do MDA

    Uma das pautas prioritárias defendida pelos movimentos populares é o retorno do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Numa das primeiras ações do governo interino, pelo Decreto 8780, publicado no dia 30/05 no Diário Oficial da União (DOI), Temer extinguiu o MDA e transferiu para a Casa Civil a administração das cinco pastas ligadas à Reforma Agrária. A Casa Civil, sob administração de Eliseu Padilha (PMDB), também passa a responder pelo Incra.

    Entendido como central para a operacionalização da política pública para a reforma agrária e agricultura familiar, o MDA foi fruto da pressão dos movimentos populares após a criação do Massacre de Eldorado de Carajás. “O MDA não é um órgão do governo e nem dos movimentos sociais. É um patrimônio da agricultura familiar e camponesa”, defende Alberto.

    Participantes da audiência

    As organizações e movimentos populares que participaram da audiência pública foi o MST, Movimento Camponês Popular (MCP), Movimento das Mulheres Camponesas (MCP), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e as organizações Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), Conselho Missionário Indígena (CIMI), Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf).

    Diante de responsáveis pelas pastas da política agrária, planejamento e cidades. Participaram da audiência o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha; presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária  (Incra) Leonardo Góes, o chefe de gabinete da Casa Civil, Roberto Severo, o ministro do estado chefe da secretaria  de governo, Geddel Vieira, o secretário especial da agricultura familiar e  reforma agrária, José Ricardo Roseno, o secretário executivo da Casa Civil, Daniel Sigelmann, o ministro de estado interior do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Dyogo Oliveira e o assessor especial da Casa Civil, Renato Vieira. Ao fim, por reivindicação dos movimentos populares para garantia da moradia popular para o campo, com o retorno do Programa Minha Casa Minha Vida Rural, se somou o ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB).

    Novas agendas

    Como encaminhamento da audiência, o governo federal se comprometeu a escutar os movimentos populares e organizações do campo unitário nesta terça-feira (06). Os movimentos devem apresentar neste dia sua pauta de reivindicação para Incra, Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e Ministérios das Cidades e do Desenvolvimento Social.

    Neste momento devem pautar, com prioridade, a permanência do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), políticas de assistência técnica e extensão rural e a faixa rural para o Programa Minha Casa, Minha Vida.

    Jornada Nacional

    A Jornada segue até dia 07 de setembro, culminando na participação dos movimentos populares na Grito dos Excluídos, realizado em contraposição ao Dia da Pátria. Além de Brasília, alguns estados sinalizam permanecer mobilizados até sexta-feira (09).

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  • 06/09/2016

    Movimentos sociais e pastorais convocam população para o Grito dos/as Excluídos/as neste dia 7

    Em sua 22ª edição, o Grito dos e das Excluídos(as) de 2016 traz o lema “Este Sistema é Insuportável: Exclui, Degrada, Mata” e será realizado em 24 estados do Brasil. Tradicionalmente, o evento é realizado no dia 7 de setembro e organizado por diversos movimentos sociais, organizações e pastorais.

    O lema do Grito dos e das Excluídos(as) baseia-se em afirmação do Papa Francisco a movimentos sociais durante encontro em Santa Cruz de La Sierra, em 2015, quando o pontífice declarou: “O futuro da humanidade não está unicamente nas mãos dos grandes dirigentes, das grandes potências e das elites. Está fundamentalmente nas mãos dos povos; na sua capacidade de se organizarem e também nas suas mãos que regem, com humildade e convicção, este processo de mudança”.

    O evento, que teve sua primeira edição no ano de 1995, é organizado de forma descentralizada e autônoma pelos movimentos e pastorais que o realizam em cada cidade. Em levantamento preliminar divulgado na segunda-feira (5), o Grito está previsto para ocorrer em pelo menos 110 municípios em todo o país.

    Acompanhe a página do Grito dos Excluídos no facebook e veja a programação em cada estado.

    No Distrito Federal, cerca de 80 movimentos e pastorais convocam a população a população a participar do Grito dos/as Excluídos/as, cuja concentração para o ato nesta quarta (7) será em frente ao Museu Nacional da República, a partir das 8h30.

    Em Brasília, os movimentos populares, sindicais e pastorais que participam da Jornada de Lutas Unitária dos Trabalhadores e Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas e ocuparam o Ministério do Planejamento na segunda-feira (5) também participarão do ato.

    Leia a convocatória:

    Convocatória para o Grito dos Excluídos 2016 – Distrito Federal, 07 de setembro

    Concentração em frente à Catedral de Brasília, a partir das 8h30

    Temer subiu ao poder de forma ilegítima e governa apenas para os ricos e poderosos. Ele quer acabar com os direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores do campo e da cidade, das florestas e das águas; das mulheres, das negras e dos negros, dos indígenas, das/os LGBTs, da juventude e das moradoras e dos moradores das periferias.

    O povo brasileiro sofre cada vez mais com a crise. Só em agosto mais de 100 mil pessoas ficaram desempregadas. O salário já não dá mais para as compras do mês. E se Temer continuar realizando suas medidas, isso só tende a piorar. Não podemos esperar nada de bom de um governo que não foi escolhido pelo povo.

    Por isso, os movimentos sociais do campo e da cidade realizam mais um Grito dos/as Excluídos/as. Chamamos aquelas e aqueles que não aceitam os ataques deste governo para participarem.

    Com luta popular, é possível mudar essa situação.

    Fora Temer! Nenhum direito a menos!

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  • 05/09/2016

    “Por que fazer uma hidrelétrica faraônica como essa de Belo Monte?”

    Nascido em 1939 na Áustria, Dom Erwin Kräutler é formado em filosofia e teologia, ganhador de 22 prêmios, inclusive o Nobel Alternativo, e bispo emérito da prelazia do Xingu. Foi presidente do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) por 17 anos e é conhecido e admirado por sua luta contra a construção de Belo Monte e pela defesa dos direitos de indígenas, ribeirinhos, dos mais pobres e dos mais frágeis e dos extrativistas da Amazônia.

    O senhor recebeu diversos prêmios durante toda a sua vida, inclusive o Prêmio Nobel Alternativo, por sua atuação em defesa das comunidades tradicionais, dos trabalhadores rurais etc. Como o senhor se sente com relação a essas premiações?

    Quanto aos prêmios, eu os recebi sempre em nome de tantas pessoas com quem eu trabalhei ou que trabalharam comigo, porque nunca estive só, nunca me senti sozinho. Também nunca tomei iniciativas sozinho. Sempre me vi acompanhado de outras pessoas que talvez não se encontrem em alto relevo. Como bispo você automaticamente está um pouco mais na mídia. Então eu recebi esses prêmios nesse sentido, agradecendo em nome de tantas pessoas, mulheres e homens, do Cimi e de outras entidades com que eu trabalhei.

    De outro lado, o senhor recebeu diversas ameaças e sofreu um atentado contra sua vida. Mas nunca se intimidou. O medo interferiu muito em sua jornada?

    Quanto as ameaças, nunca as procurei. Quando você toma posição em favor de alguma causa, por exemplo, se coloca em favor dos povos indígenas, automaticamente está contrariando interesses de outros segmentos, como os madeireiros, os latifundiários, mineradoras, que procuram entrar nas áreas indígenas e não ficam nada satisfeitos quando alguém se opõe e defende o que está escrito na própria Constituição Federal. Então não é que a gente provoca, é que na hora em que você se coloca a favor de uma determinada causa você é contra os interesses e as vezes a ganância dos que a todo custo querem explorar as riquezas naturais do solo e subsolo de territórios indígenas.

    O medo, claro. Todos defendemos nossa vida, e quando se é ameaçado e corre risco, não é uma coisa agradável de se lidar, mas eu praticamente sempre estive convicto de que esse caminho é meu, que tenho que continuar nele apesar de todas as ameaças e intimidações que recebi.

    Como a sua fé o ajudou a enfrentar esses desafios?

    Tenho fé em Deus e fé também nas pessoas que lutam por uma causa nobre, e assim nunca me afastei, nunca deixei me intimidar. Passei alguns momentos de crise, logo quando eu recebi a proteção da parte da Polícia Militar por decisão do governo, eu me senti um pouco acuado. Lembro-me muito bem de que estava com medo de entrar numa depressão ou qualquer coisa assim, porque de repente você não pode mais andar sozinho, está sempre acompanhado por duas pessoas, tudo o que você faz, onde você se encontra, ou para onde você vai, sempre há dois soldados juntos. Pedi que não andassem fardados, mas mesmo assim não se tem mais a liberdade de estar só. A liberdade exterior está cerceada, mas a interior ninguém me pode tirar. Continuei falando, dizendo aquilo que penso e defendendo as causas que acho necessário defender.

    O MPF ingressou com mais uma ação contra a hidrelétrica de Belo Monte, por risco de colapso sanitário. Qual é a situação hoje do município de Altamira, no Pará?

    Para dizer a verdade, a situação é caótica. Havia 40 condicionantes listadas pelo próprio Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e 23 condicionantes que eram listadas pela própria Fundação Nacional do Índio (Funai), 63 ao todo. Essas condicionantes deveriam ser cumpridas antes da instalação do canteiro de obras, e não foram cumpridas.

    Quando se começa uma construção deste porte como Belo Monte, as consequências para o meio ambiente e para uma cidade ou várias cidades ou municípios são terríveis. As condicionantes seriam saneamento básico, educação, saúde, habitação, transporte, segurança pública, a demarcação de áreas indígenas ainda não demarcadas, um monte de coisa, e tudo isso não foi cumprido, então hoje estamos numa situação em que, se você vai lá em Altamira, você fica estarrecida diante dos fatos que aconteceram.



    Como foi a transferência das famílias para suas novas casas?

    Primeiro, uma grande parte da população foi transferida compulsoriamente. Não vou dizer que essas famílias foram convidadas a se transferir para outro local, porque elas foram transferidas porque não havia outro jeito. Se fez uma série de casas, não sei quantas, casinhas em que cabe uma família talvez com quatro pessoas, e o pessoal que estava acostumado talvez com um ambiente mais amplo, mais largo, nessa situação. O primeiro impacto foi esse.

    O segundo é que foram tiradas do seu meio, do seu convívio com outras pessoas. A gente não está vivendo só numa casa, está vivendo também na vizinhança. Não vivemos sós, nossa casa não é isolada. Temos vizinhos, temos parentes, compadres, e de repente você está sendo arrancado desse convívio e colocado no meio de gente que você não conhece. Esse é outro impacto que é terrível no meu modo de ver.

    Qual a atual condição da população de Altamira?

    A criminalidade aumentou de uma maneira assustadora. Nós temos, por cada fim de semana, dois, três, as vezes até mais homicídios, e chega ao ponto de a gente quase se conformar. Tem gente que, segunda-feira, pergunta quantos morreram nesse fim de semana, “apenas um”, já pensou? É desse jeito. “Ainda bem, só um, porque tinham outros fins de semana em que eram três, quatro”. E faz tempo que está desse jeito. Não é que a segurança pública não se esforce, mas que não tem condições.

    Outra coisa, principalmente em relação à juventude: as drogas, nunca vi coisa igual. Há poucos dias, havia uma senhora comigo, professora que era diretora de uma escola. Ela não sabe mais o que fazer. Na escola, crianças ou adolescentes, doze, treze anos, as drogas correm soltas lá dentro.

    E todas as consequências da prostituição infantil, de menores, é terrível, todos esses antros de prostituição, de perdição, terrível, terrível mesmo. Não estou exagerando nada, porque eu conheço Altamira. Estou ali há mais de 50 anos, conheci essa cidade que, quando cheguei era, naturalmente, de menor porte, sete ou oito mil habitantes. Agora tem 150 mil, mas é incomparável.

    A convivência se tornou algo que não é mais de vizinhança, boa vizinhança, todo mundo se tranca. Em determinados horários que eram dedicados ao lazer, se você parar para observar, não tem ninguém em frente à casa. Antigamente Altamira era assim: o pessoal, à boca da noite, como se diz, estava sentado na frente da casa, as crianças brincando na calçada, esse tipo de coisa, o pessoal jogando conversa fora. Nada disso acontece mais, as casas são cercadas de muros altos, com cerca elétrica. Isso não é mais vida. Para mulheres na sua idade, ou um pouco mais, andar sozinha é um risco.

    Qual foi o impacto da construção de Belo Monte na cultura local?

    A cultura do povo paraense foi, no meu modo de ver, atingida no coração. Porque, só para explicar, o paraense tem uma cultura de hospitalidade. E certamente outras pessoas pelo Brasil afora são semelhantes, mas aqui no Sul são diferentes. Vejamos por exemplo, uma família que mora em Altamira. Os pais, parentes, tio, tia, avós, quem quer que sejam, amigos e amigas que moram no interior, quando chegam em Altamira para se tratar, fazer compras, automaticamente se hospedam na casa dos filhos, não se faz um telefonema ou qualquer coisa, “olha eu vou chegar” e tal, isso é coisa normal, normalíssima, dos filhos receberem seus pais, parentes, amigos, avós, quem quer que seja.

    E de repente está numa casa que é tão diminuta, tão pequena, que mal cabe um casal com dois filhos, e de repente vem o pai, ou vem a mãe, ou vem os avós, e você vai ter que dizer na porta “aqui não tem lugar”. E isso é horrível, a agressão não é apenas que você foi transferido de uma casa para outra, é um agressão à cultura. Imagine dentro do coração de uma pessoa ter que negar hospedagem aos próprios pais. Não tem outro jeito, não cabe, simplesmente não cabe, as casas são mais gaiolas do que moradias.

    O senhor considera que Belo Monte trouxe desenvolvimento para Altamira?

    Para mim, isso não é progresso, não é desenvolvimento, gente falava que com Belo Monte viria o progresso para Altamira, mas que progresso é esse? A qualidade de vida piorou, diminuiu-se a qualidade de vida de uma maneira assustadora. É um retrocesso.

    Em acordos envolvendo a operação Lava Jato, diretores de grandes empreiteiras reconheceram haver desvios de recursos envolvendo a construção de Belo Monte. Confirma-se, portanto, que eram outras as razões para se construir a usina?

    Sem dúvidas. Eu não posso provar porque não tenho acesso a todos esses documentos, mas todos nós ficamos apreensivos, desde o início. Aí tem areia no meio, tem boi na linha, como se dizia antigamente. E de fato agora aos poucos está se descobrindo que tinha interesses escusos por trás. Além disso, eu sustento até hoje que Belo Monte é um golpe no coração da Amazônia. Um rio está sendo sacrificado, e a gente até hoje não sabe se vai funcionar. Porque o Xingu é um rio, como dizem os geólogos, em formação. O rio não está pronto de fato. Tem outros rios que têm o seu leito determinado, não mudam mais nada, mas o Xingu é diferente, então não conhecemos as verdadeiras consequências. Não sei se os cientistas que moram aqui em Brasília entendem realmente o que é a Amazônia e o que é o rio Xingu com seus afluentes e tudo o mais. Neste ponto não quero ser profeta apocalíptico, mas eu tenho medo, porque isso pode acarretar consequências imprevisíveis que ninguém sabe hoje determinar ou definir.

    Por que o Brasil insiste em adotar fontes de energia que causam tantos danos ao meio ambiente e as populações tradicionais? Não está na hora de adotar outro modelo de desenvolvimento?

    Exatamente, tem outras possibilidades de captar energia. Estou falando da energia solar, por exemplo, em nossa área do Pará nós temos sol das 6h às 18h, mesmo no inverno, o chamado inverno que é a época das chuvas, o sol em que amanhece o dia às 6h ou 6h30 e até as 18h ou 18h30 nós temos claridade, então por que não aproveitar essa dádiva divina que é o próprio sol? E nós temos cientistas de ponta em nossas universidades aqui, por que não se investe nesses cientistas para descobrir como aproveitar essa fonte que nunca termina que é o próprio sol?

    Quanto a energia eólica eu tenho algumas reservas, mas também no litoral do Nordeste há áreas que não são habitadas, quer dizer, um parque eólico aí não estraga tanto a paisagem ou prejudica o turismo. E depois tem biomassa, tem outras fontes. Por que fazer uma hidrelétrica faraônica como essa de Belo Monte?

    Poderia fazer algumas menores, aproveitando algum afluente do rio Xingu, por que não? Não ia ter tanto estrago, deixa o leito do rio como está, mas mesmo perto de Altamira tem várias afluentes que são igarapés, são córregos, diria quase que caudalosos, tem muita água, pode-se aproveitar. Eu não sou cientista nesse ponto, mas eu sempre fiquei pensando nisso, porque estragar um rio de dois mil quilômetros de comprimento, acabar com esse rio, com o meio ambiente, estragar uma cidade, um terço da cidade vai para o fundo, e por aí vai a história. Não entendo.



    Sabemos que o senhor ajudou na produção da encíclica Laudato Si. O que o senhor acha da atribuição de coautor que recebeu?

    Que ajudei na produção parece um pouco exagerado, os jornalistas colocaram que eu era coautor. O fato é que eu estive lá com o Papa em 04 de abril de 2014, e eu sou secretário da Comissão Episcopal para a Amazônia, até tivemos uma reunião que terminou agora a pouco.

    Estou há 50 anos na Amazônia, então de repente surgiu essa proposta de ir falar com o Papa sobre ela. O cardeal Dom Cláudio Hummes então agendou, conseguiu uma audiência para mim, e fui lá 04 de abril. Por um bom tempo falei com o Papa sobre a situação da Amazônia, sobre os povos indígenas, e outros assuntos. Quanto à Amazônia, falei da sua importância como habitat dos povos indígenas.

    O Papa então me revelou que estava escrevendo uma encíclica, uma carta não só aos católicos, mas a todos os homens e mulheres de boa vontade, sobre a ecologia, e ele logo alertou dizendo que é a uma “ecologia humana” que ele quer se referir.

    Então eu disse simplesmente assim “então a Amazônia não pode faltar, a Amazônia tem que entrar nessa encíclica porque ela tem um papel importante no planeta Terra, inclusive tem uma função reguladora do próprio clima planetário, e os povos indígenas também logicamente tem que ser lembrados porque estão ligados ao meio ambiente e a ecologia”.

    E o Papa então me disse que ele tinha encarregado o presidente do Pontifício Conselho de Justiça e Paz, o cardeal Peter Turkson, de fazer um esboço de como poderia se fazer esse trabalho, essa encíclica, e pediu que eu me dirigisse a ele. Eu disse a ele “olha isso eu já fiz ontem a noite, porque fomos jantar juntos e falamos sobre isso”. Ele pediu que eu desse minha contribuição. Que eu mandasse rapidamente, urgentemente, com urgência urgentíssima a minha contribuição, que eu fiz em 19 de junho de 2014, e a encíclica saiu um ano depois, 18 de junho de 2015.

    Como foi o seu primeiro contato com o texto?

    Para minha maior surpresa e felicidade, na hora em que a encíclica saiu eu estava na chácara do Cimi em Luziânia. Fui colocar a palavra Amazônia na referência de busca e apareceu. Depois coloquei indígena e não apareceu, fiquei meio assustado, mas o Papa usou a palavra aborígenes, porque na África e na Austrália não se usa a palavra indígenas. Então entrei e reconheci na hora esses artigos 38 e 146, reconheci que seria praticamente a minha contribuição, mas eu não posso ser coautor, eu dei minha contribuição, e apareceu então nesses artigos.

    Qual a importância, na sua opinião, da encíclica?

    Eu acho que que a encíclica tem um grande valor, porque você não precisa ter um estudo avançado, digamos assim, em teologia ou em outras ciências, qualquer leiga e leigo que tiver interesse pela ecologia pode ler e vai entender. O Papa se deixou assessorar por cientistas de grande valor, porque não tem nada aí dentro que se possa criticar “olha, isso é fantasia, é coisa romântica”. A encíclica neste ponto é intocável, o recado é dado, mais uma vez digo, não apenas ao mundo católico, mas a todas as pessoas, porque somos todos responsáveis por esse mundo que é o nosso e que é nossa casa.

    O que temos a aprender com os povos indígenas? Que mensagem eles trazem para a construção de uma nova sociedade?

    Tem muita coisa que podemos aprender, mas basicamente eu queria me referir a dois pontos específicos. A primeira coisa é, de fato, como os índios se relacionam com sua terra. Para os índios, a terra não é mercadoria. Para nós brancos, a terra se compra, se vende, quer dizer, nós estamos em um mundo em que a terra tem um valor econômico, de compra e venda, de repente você compra, depois você não se agrada mais, vende, compra enormes extensões de terras, se diz dono, tem título definitivo de terras etc. Para o índio é outra coisa. Para os povos indígenas a terra é, por assim dizer, mãe. Eles têm um relacionamento de filho–mãe. A terra é o chão de seus ritos, de seus mitos, onde estão enterrados seus ancestrais, a terra de suas danças, a terra faz parte de sua própria vida. Mais uma vez, para nós, lamentavelmente, a terra é artigo de compra e venda, é mercadoria.

    E a segunda coisa que sempre me admirei, eu me lembro, quando era bispo novo, mais novo que agora, eu fui uma vez para uma aldeia, lá no Xingu, e vi um bananal. Perguntei a um índio “quem plantou esse bananal?”. O índio respondia na hora, na língua dele, “nós Kayapó todos o fizemos”. Eles têm essa ideia de “nós”, “nosso”.

    Ora, nós brasileiros, quando tem jogo, quando o Brasil está jogando contra o Chile ou contra a França ou a Itália ou o que quer que seja, nós estamos assistindo, nós estamos nos sentindo brasileiros, será que não nos sentimos brasileiros também quando se trata da defesa da nossa pátria? Os índios nos ensinam exatamente essa ideia do “nós”, esse “nós” significa que nós dois não somos apenas duas pessoas, você tem outros pais diferentes dos meus, mas os índios se entendem como parentes, quer dizer, você para mim é uma parente, uma pessoa que está ligada, e eu estou ligado a você por um laço de amizade, de fraternidade que ninguém pode cortar. Isso eu acho bonito.

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  • 05/09/2016

    Em mobilização nacional, movimentos do campo divulgam manifesto

    Os Movimentos populares, sindicais e pastorais que atuam no campo brasileiro divulgam, nesta segunda-feira (05), um manifesto para a sociedade brasileira em que afirmam a unidade do campo em defesa da democracia, da soberania territorial e alimentar e para impedir qualquer retrocesso aos direitos conquistados pela classe trabalhadora.

    O documento faz parte da Jornada de Lutas Unitária dos Trabalhadores e Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas, que ocorre de 05 a 07 de setembro, em todo o país. Entre as pautas da jornada, estão também a demarcação de terras indígenas e a titulação dos territórios quilombolas. Hoje pela madrugada, estes mesmos movimentos ocuparam o Ministério do Planejamento, em Brasília (DF), que segue ocupado.

    As atividades da Jornada de Lutas Unitária estão concentradas na capital federal, onde, na quarta-feira (7), os manifestantes também se integrarão às ações do Grito dos Excluídos, cujo lema é: ‘Este sistema é insuportável: Exclui, degrada, mata’.


    Confira abaixo o manifesto na íntegra.

    MANIFESTO PARA A SOCIEDADE BRASILEIRA DOS MOVIMENTOS POPULARES DO CAMPO BRASILEIRO

    Os Movimentos populares, sindicais e pastorais que atuam no campo brasileiro e organiza os trabalhadores rurais, quilombolas e povos indígenas realizam, entre os dias 05 a 07 de setembro, a Jornada de Lutas Unitária dos Trabalhadores e Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas. Estamos mobilizados para defender a democracia, a soberania territorial e alimentar e para impedir qualquer retrocesso aos direitos conquistados pela classe trabalhadora. Exigimos que o estado brasileiro respeite nossos direitos e os interesses do povo brasileiro.

    1. Em defesa da Soberania Nacional

    Não aceitamos as medidas que ferem a soberania nacional e os interesses de todo povo brasileiro.

    Uma delas é a ação deliberada da bancada ruralista em conluio com o governo golpista para aprovar leis que flexibilizam completamente a venda de terras brasileiras para o capital estrangeiro. A outra é a entrega do patrimônio mineral do Brasil, abrindo a exploração do pré-sal para empresas de capital internacional, sem contar as graves violações ambientais e sociais das grandes empresas, como ocorreu no caso da Vale do Rio Doce, em Mariana/MG.

    2. Em defesa da recriação do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) e das políticas públicas para a agricultura familiar e reforma agrária

    O fim do MDA representa um retrocesso nas políticas que, nos últimos anos, destacaram o papel da agricultura familiar e camponesa como produtora de alimentos e como o setor pode assegurar a reprodução da vida no campo. É fundamental que o MDA seja retomado e fortalecido, como um espaço governamental que promova a realização da reforma agrária ampla e a articulação e execução das políticas públicas essencial ao desenvolvimento da agricultura familiar e camponesa e do interior brasileiro.

    3. Em defesa da Terra e do Território

    a) Assentamento imediato das mais de 120 mil famílias acampadas, com desapropriação dos latifúndios e das terras que não cumprem a função socioambiental.

    O governo faz afirmações de que o ponto central de seu programa agrário é realizar a titulação de todas as terras públicas, regularizando a grilagem e ampliando a oferta de terras no mercado. No entanto, fazem isso sob o falso argumento de ampliar a oferta de créditos e serviços para assentados e posseiros. Esse processo é bastante ameaçador para as organizações tradicionais do campo brasileiro, visto que a titulação vem com o pacote do individualismo onde a mediação para a conquista não é mais a organização e sim o mérito e a competitividade.

    Neste sentido, exigimos a retomada e ampliação das desapropriações para assentar imediatamente as famílias acampadas e a implantação das políticas públicas que assegurem o desenvolvimento sustentável dos projetos de desenvolvimento.

    O governo deveria entregar ao INCRA os recursos arrecadados no sistema agroindústria, e que hoje estão retidos no tesouro apenas para cobrir o déficit primário e pagamento de juros, violando fragorosamente a lei.  Com esses recursos destinados constitucionalmente ao INCRA é possível fazer a reforma agraria e resolver os conflitos sociais no campo.

    b) Demarcação de terras indígenas e quilombolas

    Exigimos que se aplique a Constituição Federal, em seu artigo 231, que estabelece que os povos indígenas e quilombolas sejam detentores de direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam, e compete a União demarcá-las.
    Entre os principais desafios enfrentados pelos índios brasileiros hoje está a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 elaborada na Câmara dos Deputados que transfere do Executivo para o Legislativo a palavra final sobre a demarcação de terras, e que solapa os direitos dos povos indígenas.

    4. Contra o Bloqueio da Reforma Agrária

    O Tribunal de Contas da União (TCU) identificou uma serie de lotes de reforma agraria distribuídos de forma irregular, especialmente na região amazônica, atendendo interesses políticos, de dirigentes partidários que hoje estão no governo. 

    E por conta disso, bloqueou o acesso de todas as famílias assentadas aos recursos de crédito e a sua condição de cidadãos. É como se o governo paralisasse o INSS, apenas por que encontrou algumas aposentadorias mal dadas.
    Queremos que os lotes distribuídos politicamente para pessoas que não tem direito sejam revistos pelos órgãos competentes. Porém, avaliamos que enquanto isso ocorre não se pode penalizar a todas as famílias que em sua condição de cidadão tem esse direito.

    Somos contra a titulação individual que estimula a venda de terras, fere o espírito da Reforma Agrária e promove a devolução dos lotes para os fazendeiros.  Defendemos o direito de titulação em concessão de uso real, conquistado na constituição e que dá os mesmos direitos aos assentados, sem permitir a venda das terras da Reforma Agrária. Por trás do pretenso moralismo do TCU está na verdade a defesa de uma política de estímulo à venda dos lotes de Reforma Agrária, ferindo a lei e o princípio de justiça.

    5. Em defesa das Políticas Públicas para agricultura familiar

    Todos os programas públicos de atendimento a agricultura familiar estão suspensos, como convênios de assistência técnica, recursos para compra de alimentos, construção de moradias populares, etc.

    É urgente a retomada e ampliação desses programas. Além da liberação de recursos suficientes para regularizar o acesso dos trabalhadores e trabalhadoras ao PRONERA, ATES, Terra forte, PAA, PNAE e Programa Minha Casa Minha Vida, pois esse conjunto de políticas possibilitou a valorização da presença do agricultor familiar no campo brasileiro e não podemos retroceder. A desvalorização dessas políticas pode estimular o êxodo rural, inchar os perímetros urbanos, gerando miséria e degradação humana, resgatando índices de exclusão do período assombrado do neoliberalismo no Brasil, associado a elevados índices de desemprego.

    6. Contra a Reforma da Previdência

    O governo Golpista propõe acabar com a condição de “Seguradas e segurados Especiais das trabalhadoras e trabalhadores do campo”. Ao estabelecer uma idade única para a aposentadoria, entre 65 a 70 anos, elimina as diferenças entre trabalhadores rurais e urbanos e iguala a idade entre homens e mulheres. O mais grave é que propõe desvincular os benefícios da seguridade social do salário mínimo (aposentadorias por idade e invalidez, pensões, licença maternidade, auxílios em casos de desemprego, doença, morte e salário família), o que certamente os colocará em um valor inferior ao mesmo, isto é uma ameaça ao direito da classe trabalhadora e a vida digna que estes benefícios garantem a milhões de brasileiras e brasileiros.

    A aposentadoria especial aos trabalhadores e trabalhadoras rurais é uma conquista de justiça social e que permite uma velhice mais digna. Além de ajudar a desenvolver os municípios do interior, pois fixa a população no campo. Não aceitaremos retrocesso. Lutaremos em defesa da aposentadoria rural especial.

    7. Contra o retrocesso de direitos para as mulheres

    Em momento de crise política e econômica como esta que vivenciamos, as mulheres são as mais atingidas. No que se refere aos direitos das trabalhadoras camponesas não aceitaremos o fim das políticas que visam o fortalecimento do trabalho das camponesas na produção de alimentos saudáveis.  É necessário ampliar a ATER especifica para as mulheres e implementar urgentemente o programa de quintais produtivo.

    8. Contra a Criminalização dos Movimentos Sociais

    Em muitos estados, os governos conservadores têm utilizado o aparato de segurança policial militar e o poder judiciário local para desencadear um processo sistemático de perseguição e repressão aos militantes e base social que promova luta social para resolver seus problemas.

    Já temos diversos casos de prisões e violações do direito à liberdade de expressão, organização e a liberdade de lutar. Em tempos de ruptura das instituições democráticas, denunciamos as repressões ocorridas em vários pontos do país e defendemos o legítimo direito de manifestação em praça pública.

    9. O direito ao alimento sem veneno

    A bancada ruralista em conluio com Ministério da agricultura e as empresas transnacionais que produzem os venenos, estão em uma ofensiva, para liberar com rapidez um número surpreendente de venenos agrícolas, que inclusive são proibidos nos países onde suas matrizes estão instaladas.

    O Brasil é campeão mundial em consumo de venenos, tendo uma média de consumo anual de 5,2 litros per capita, e sua consequência para os alimentos e a saúde publica são graves. A cada dia surgem estudos, pesquisas e evidências de suas consequências com a proliferação de câncer, como denunciam médicos e cientistas.

    Exigimos que a pulverização aérea seja barrada e os venenos sejam rigorosamente controlados, incluindo os impostos (hoje isentos) em sua comercialização. As empresas precisam ser responsabilizadas pelos danos que causam ao povo brasileiro.  

    Brasília, 05 de setembro de 2016

    Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
    Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agicultura Familiar (FETRAF)
    Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)
    Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
    Movimento Camponês Popular (MCP)
    Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)
    Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
    Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

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  • 05/09/2016

    Temer quer corte de 30% em área social e mais verba para militares e agronegócio

    Proposta apresentada no dia do afastamento de Dilma Rousseff desmonta a tese dos apoiadores do impeachment de que o governo de Michel Temer não iria deixar os programas sociais em segundo plano.


    A reportagem é de Breno Costa, publicada por The Intercept Brasil e reproduzida por Rede Brasil Atual – RBA, 04-09-2016.


    O governo de Michel Temer começou de fato na quarta-feira (31). Não apenas porque Dilma Rousseff foi destituída do cargo, mas especialmente porque, naquela mesma tarde, chegou ao Congresso Nacional a proposta confeccionada com cuidado pela nova equipe econômica para a distribuição do dinheiro federal para o ano de 2017 – o chamado Orçamento da União.


    A análise da lista de programas de governo, em comparação à proposta apresentada no ano passado para o ano de 2016 pela ex-presidente Dilma, desmonta a tese defendida publicamente pelos peemedebistas e pelos apoiadores do impeachment de Dilma de que o novo governo não iria deixar o lado social em segundo plano.


    Sinais nesse sentido já tinham sido dados, com extinção de pastas da área, e gerado reação em setores progressistas da sociedade. Mas o que se vê na análise do Orçamento vai além. Temer acaba de propor ao Congresso a redução média de 30% nos valores para os 11 principais programas da área social do governo, já considerando a inflação do período (variação do IGP-M dos últimos 12 meses).


    São R$ 29,2 bilhões a menos para esse conjunto de programas (depois de aplicada a taxa de inflação no período), comparado ao que Dilma, já sob efeito da crise econômica, apresentou ao Congresso no ano passado. Trata-se de uma queda real de 14%. Muitos podem argumentar que, neste momento, essa redução é natural, já que o Brasil precisa apertar seus gastos. No entanto, as despesas previstas pelo governo para este ano são da ordem de R$ 3,4 trilhões – cerca de R$ 158 bilhões a mais (crescimento de 4,8%) que o previsto por Dilma um ano atrás.




    Se olharmos mais de perto, o argumento perde ainda mais força. Enquanto optou por reduzir as verbas sociais, o governo aumentou, por exemplo (e sempre já considerando o efeito da inflação no período), em R$ 1,47 bilhão as verbas programadas para ações relacionadas ao desenvolvimento do agronegócio (R$ 1,3 bilhão), a investimentos militares (R$ 175 milhões), a obras em aeroportos (R$ 186 milhões), além de ações de política nuclear e espacial, e de política externa – agora sob comando de José Serra (PSDB).


    A desvalorização das mulheres no governo Michel Temer não fica evidenciada apenas no fato de somente uma compor o primeiro escalão de seu governo (e mesmo assim após forte reação da opinião pública). Sua equipe econômica está propondo um forte retrocesso para o suporte dessa área. O programa “Políticas para as mulheres: promoção da igualdade e enfrentamento à violência” perdeu exatos 40% da verba planejada pelo governo anterior há um ano. Percentual muito próximo ao que foi também retirado de outra área relegada na composição de seu governo: 42,2% menos dinheiro para a “Promoção da igualdade racial e superação do racismo”.


    Só para essas duas áreas, o corte (R$ 72,2 milhões) poderia ser evitado com folga caso o governo decidisse não aumentar em R$ 85,7 milhões as verbas programadas para o programa nuclear brasileiro e as ações para lançamento de foguetes e satélites. Bastava que Michel Temer adiasse por um ano o sonho de chegar às estrelas.


    Mas não para por aí. Os indígenas também terão menos verba para programas de seu interesse no ano que vem, conforme planeja o governo. A “Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas” perdeu 14,4% dos recursos no comparativo feito pelo The Intercept Brasil. Mesmo o programa de “Promoção e Defesa dos Direitos Humanos”, embora tenha recebido um aumento absoluto de R$ 3,4 milhões na verba programada, experimentará um recuo de 6,3% no comparativo com a proposta de 2016, considerando o efeito da inflação no período.


    Um dos eixos que mais chama a atenção na análise realizada é o absoluto desprestígio das ações sociais no campo. O programa de Reforma Agrária e Governança Fundiária foi reduzido a mais da metade (queda de 52,6%). Esse é o programa que garante a distribuição de terras e que é desenvolvido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário – extinto e colocado sob o guarda-chuva da Casa Civil, com as chaves entregues para o sindicalista urbano e acusado de corrupção Paulinho da Força. O governo programa R$ 1,2 bilhão a menos para o setor. Algumas ações dentro desse programa chamam especialmente a atenção, como a redução de R$ 412 milhões para a compra de terras a serem destinadas à reforma agrária e o corte de 63,7% na ação “Promoção da Educação do Campo”.


    No entanto, não dá para dizer que é por falta de dinheiro. Os números indicam que é simplesmente questão de prioridade. Afinal, as ações de desenvolvimento do agronegócio vão de vento em popa, com crescimento programado de 7% acima da inflação. Entre as áreas específicas beneficiadas estão, por exemplo, as subvenções dadas pelo governo para viabilizar investimentos de grandes produtores rurais e agroindústrias, que subirá R$ 2,1 bilhões em relação ao proposto por Dilma no ano passado.


    O tópico educação também merece destaque. O amplo orçamento do setor, que abrange repasses para universidades federais em todo o país, além de repasses para educação infantil, entre outras ações (lembrando que aqui não entra pagamento de salários), passará, pelos planos do novo governo, por uma redução de 10,8% (R$ 5,48 bilhões a menos em valores constantes).


    Em seu pronunciamento, horas depois de confirmado oficialmente como presidente efetivo, Michel Temer citou os programas Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida. Disse ele que “aumentamos o valor do Bolsa Família” e que “o Minha Casa, Minha Vida foi revitalizado”. No entanto, o que os números apresentados ao Congresso pelo governo mostram é que haverá uma redução real de 7,4% no programa “Inclusão social por meio do Bolsa Família, do Cadastro Único e da articulação de políticas sociais” – com a diferença seria possível, por exemplo, pagar o benefício básico mensal do programa para 2,3 milhões de pessoas ao longo de todo o ano que vem. Em relação ao MCMV, a previsão é ainda mais sombria. A queda, considerando a inflação do período, é de 56,7%. No ano passado, o governo propunha a integralização de cotas para o Fundo de Arrendamento Residencial no valor de R$ 12,6 bilhões. Agora, a proposta do governo para essa integralização é de R$ 4,9 bilhões.


    Toda essa ‘numeralha’ envolve apenas a proposta inicial de gastos. Esses valores serão trabalhados no Congresso e podem aumentar ou, considerando o perfil da base aliada, diminuir ainda mais. Além disso, na execução do Orçamento ao longo do ano que vem, o governo poderá promover diretamente o chamado contingenciamento de recursos – ou, traduzindo, fazer ainda mais cortes naquilo que já foi cortado.

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  • 05/09/2016

    Organizações do campo ocupam Ministério do Planejamento durante jornada unitária


    Cerca de 2 mil pessoas ocuparam na madrugada de hoje (5) o Ministério do Planejamento, na Esplanada dos Ministérios, no Distrito Federal. A ação faz parte da Jornada de Lutas Unitária dos Trabalhadores e Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas, organizada por movimentos sociais e sindicais, que acontece em todos os estados do País, com grande concentração em Brasília.

    As atividades da Jornada de Lutas Unitária estarão concentradas neste local, onde já está sendo montando um acampamento que durará até o dia 7, quando os manifestantes também se integrarão às ações do Grito dos Excluídos.

    A questão agrária é a pauta principal da jornada, como a reivindicação de assentamento imediato das mais de 120 mil famílias acampadas em todo o País. Os movimentos exigem a reprovação do Projeto de Lei 4059/12, que permite a venda indiscriminada de terras para estrangeiros. A defesa da produção de alimentos saudáveis e de políticas de transição para a agroecologia são também alguns dos destaques da pauta de reivindicações. Outro ponto é relacionado ao desenvolvimento e infraestrutura no campo, como o fortalecimento de programas estruturantes, assistência técnica e demais programas que garantem a produção da agricultura familiar e camponesa.

    O fim da criminalização dos movimentos sociais e a demarcação de terras indígenas e titulação de terras quilombolas também são reivindicações dos movimentos.

    A reforma da previdência apresentada pelo governo ilegítimo de Michel Temer traz a perda de muitos direitos para trabalhadoras e trabalhadores, como a equiparação da idade de aposentadoria entre homens, mulheres e trabalhadores do campo e da cidade. A medida é contestada pelos movimentos, que defendem uma Previdência garantidora de direitos.
    Entre as pautas da Jornada Nacional de Lutas também está a defesa do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). As organizações exigem a restituição do Ministério extinto por Temer, mas sobretudo com sua capacidade e condições de operacionalizar as políticas públicas de direito e fundamentais para a dignidade da vida no campo, nas águas e nas florestas.

    A Jornada é realizada por organizações do campo unitário, como o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores, MMC – Movimento de Mulheres Camponesas, MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens, MAM – Movimento pela Soberania Popular na Mineração, Contag – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, Fetraf – Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar, MCP – Movimento Camponês Popular, coletivos, e comissões pastorais, entre elas o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).


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  • 02/09/2016

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