• 28/09/2016

    De socialistas a conservadores, deputados europeus se comprometem a cobrar governo brasileiro sobre direitos indígenas na UE


    Lideranças estão morrendo, e o gado está ficando mais gordo”, afirmou o Guarani Kaiowa Elizeu Lopes. foto: Ruy Sposati/Cimi

    por Ruy Sposati, de Bruxelas (Bélgica)

    Continuando o circuito europeu de incidência internacional indígena na Europa, a delegação brasileira se reuniu com belgas do Parlamento Europeu e da Comissão Europeia – respectivamente, as esferas legislativa e executiva da União Europeia (UE) – em Bruxelas (Bélgica), denunciando a situação das populações originárias no Brasil. Da esquerda aos conservadores, deputados e membros do governo mostraram preocupação com a violação de direitos humanos e territoriais sofrida pelos indígenas, e se comprometeram a trazer o tema para a UE.

    “Enquanto o meu povo está morrendo, as grandes empresas de soja e de usina de cana estão crescendo; as lideranças estão morrendo, e o gado está ficando mais gordo”, explicou a liderança Guarani Kaiowa Elizeu Lopes a representantes do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Bélgica. “Nós povos indígenas sabemos que a Europa tem negócios com o Brasil, compra biocombustível, carne, enquanto nós estamos na beira da estrada, expulsos pelos fazendeiros. Esses negócios também financiam a nossa morte”.

    Esta é a tônica dos encontros que, desde segunda, 26, a delegação liderada por Elizeu está realizando em Bruxelas, sede da União Europeia. De deputados belgas do Partido Verde, Partido da Esquerda e Partido Conservador da UE a ministérios e secretarias da Bélgica e da Comissão Europeia, como o Serviço Europeu de Ação Externa (SEAE), passando por suas divisões especiais sobre desenvolvimento, cooperação e direitos humanos, o indígena tem compartilhado o histórico de ataques e dados sistematizados sobre a questão fundiária e insegurança alimentar vivido pelos Kaiowa e Guarani no Mato Grosso do Sul.


    Em Bruxelas, Flávio Machado, Valeria Burity, Elizeu Lopes e Laurent Delcourt debatem golpe e questão indígena. foto: Ruy Sposati

    Parlamentares

    “O que sofrem os indígenas no Brasil contradiz o próprio marco legal estabelecido na Constituição e nos tratados de direitos humanos do qual o Brasil é signatário. E os parlamentares belgas da UE, assim como os alemães, estão conscientes disso”, explica a representante da Fian Brasil que acompanha a comitiva, Valéria Burity.

    Assim como na Alemanha, os parlamentares se mostraram preocupados com a contradição entre a lei e a prática do Estado para os povos originários. “Em síntese, o que nos disseram os deputados foi que não era possível ser a favor de um Estado que não cumpre a sua própria constituição”, continua Valéria. “Como eles compreendem os direitos indígenas como um tema internacional, haverá uma cobrança por parte da UE”.

    Os parlamentares deram atenção ao relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), lançado pela relatora especial sobre a questão indígena, Victoria Tauli-Corpuz, na última semana durante a 33ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU (UNHRC). O documento – realizado a partir de levantamento in loco da relatora nas terras indígenas brasileiras – denuncia a omissão do Estado na garantia dos direitos às populações tradicionais, e foi endossado pelo movimento indígena e diversas organizações indigenistas e de direitos humanos do Brasil e do mundo, além do próprio Ministério Público Federal (MPF).  “Os deputados se comprometeram a apresentar o relatório de Victoria no Parlamento Europeu, e fazer um apelo para que o Brasil cumpra as recomendações da relatora”, relata Valéria. 

    Nas reuniões com os deputados e governo, a delegação resgatou uma resolução publicada pelo Parlamento Europeu em 1996 contra a aprovação do Decreto 1.775/1996 (decreto este que modificava o processo de demarcação das terras indígenas, sendo permitido então que o laudo técnico de identificação das áreas fosse contestado por fazendeiros e pelo Estado). À época, o movimento indígena se opôs fortemente ao decreto, e a resolução do parlamento reconhecia que “a história dos povos indígenas para obter o reconhecimento constitucional dos seus direitos tem sido um longo calvário de chacinas e assassinatos”, e que as demarcações sempre são “acompanhadas de pressões junto do poder, além de intimidações, ocupações ilegais, violência e mortes”, exigindo que os direitos dos indígenas fossem levados a cabo.

    Ainda mais violentos

    Elizeu e a delegação participaram de um debate sobre o os movimentos sociais e contexto político pós-impeachment no Brasil, no Centro Cultural pianofabriek, em Bruxelas. Sob o título “Qual o impacto do golpe nos movimentos sociais e na comunidade indígena?”, a delegação brasileira discutiu com os belgas o recrudescimento da criminalização dos militantes pelos direitos humanos, já gestado durante o governo de Lula e Dilma e acirrados após o golpe.

    “Os fazendeiros ficaram ainda mais violentos depois do golpe”, contou Elizeu ao público, referindo-se em especial ao episódio conhecido como o Massacre de Caarapó, um violento ataque paramilitar contra a reocupação da terra indígena Dourados-Amambaipeguá ocorrido pouco depois da queda da ex-presidente. O debate foi organizado pela Fian Bélgica, e mediado pelo jornalista e pesquisador do Centre Tricontinental (CETRI), Laurent Delcourt, que recentemente escreveu o artigo “Primavera enganosa no Brasil” para o Le Monde diplomatique, questionando a legitimidade política do impeachment de Dilma, categorizado por ele de golpe parlamentar.

    Nos próximos dias, a delegação irá para Viena, onde também se reunirá com parlamentares representantes do governo austríaco. Na semana seguinte, Elizeu lidera uma série de encontros com deputados e organizações sociais, além de participar de um seminário público promovido pela Anistia Internacional intitulado "Povos indígenas no Brasil: direitos humanos e crise ambiental" no dia 4 de outubro, na Universidade de Londres.

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  • 28/09/2016

    “Sem Cerrado, sem água, sem vida”: campanha nacional em defesa do Cerrado é lançada em Brasília


    Por Tiago Miotto, assessoria de comunicação/Cimi

    A Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, que tem como tema “Cerrado, Berço das Águas: Sem Cerrado, Sem Água, Sem Vida”, foi lançada durante coletiva de imprensa, nesta terça-feira (27), na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília. A atividade serviu para apresentar a campanha e debater os riscos que o avanço de grandes projetos e setores econômicos agressivos, como o agronegócio e a mineração, causam aos povos e comunidades tradicionais deste bioma e ao meio ambiente.

    Na ocasião do lançamento, foi apresentado também o site da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, que pode ser acessado no endereço www.semcerrado.org.br. No endereço, será possível acessar os materiais e assinar um boletim para acompanhar as novidades da articulação e apoiar a campanha.

    Particular por sua riqueza e sua diversidade e conhecido como “Berço das Águas”, a importância do Cerrado permanece desconhecida por grande parte das pessoas no restante do Brasil. Abrangendo 22% do território nacional, é no Cerrado que se situam os aquíferos do Guarani, Bambuí e Urucuia, responsáveis pelo abastecimento de grandes bacias hidrográficas, como a do Araguaia-Tocantins, São Francisco e Paraná.

    O bioma que incide sobre os estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Rondônia, São Paulo e Distrito Federal, além de faixas nos estados do Amapá, Paraná e Pará, abriga mais de 12 mil espécies de plantas catalogadas, quase a metade das quais exclusivas da região.

    Além da riqueza de flora e fauna, o Cerrado é a casa de pelo menos 80 povos indígenas, além de dezenas de outros povos e comunidades tradicionais, que mantêm uma relação especial de integração e pertencimento com seus territórios ao longo deste bioma.

    A pressão do agronegócio sobre o Cerrado, entretanto, coloca sob ataque os territórios dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, ameaça diversas espécies animais e vegetais e põe seu papel de “caixa d’água do Brasil” em risco, sendo esta uma das motivações para a ênfase da campanha na questão hídrica.

    “A água está sendo cada vez mais transformada numa mercadoria. A água não tem valor econômico, para as comunidades, para os povos e para nós, humanos, ela é um recurso que a gente utiliza. Mas sabemos muito bem que no Brasil, e não só nele, a disputa pelos território é também a disputa pela água”, afirmou Isolete Wichinieski, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), uma das 36 entidades, entre movimentos sociais, organizações e entidades religiosas, que participam da Campanha, inclusive o Cimi.


    “Não é a natureza que faz parte da nossa vida, nós é que fazemos parte dela”

    Ainda que a pressão sobre as comunidades e povos do Cerrado advenha de um mesmo modelo de desenvolvimento econômico, ela é sentida e vivenciada de formas diferentes ao longo de seu extenso e diverso cenário.

    Elson Canteiro Guarani Kaiowa (foto acima), liderança do tekoha – lugar onde se é – Kunumi Vera, no Mato Grosso do Sul, falou durante o evento sobre a realidade enfrentada pelos Guarani e Kaiowá naquele estado, marcada por ataques paramilitares e mesmo ataques químicos com agrotóxicos contra as comunidades indígenas.

    “O nosso cerrado, no Mato Grosso do Sul, está totalmente destruído, devido ao avanço dos invasores do agronegócio sobre as terras indígenas. Temos sofrido muitos ataques e, além de termos pouca mata que ainda resta, ela continua sendo destruída, e isso nos prejudica muito, porque muitas comunidades indígenas ficam impedidas de utilizar os remédios tradicionais”, afirmou Elson, que vive na retomada onde, em junho de 2016, um indígena foi morto e pelo menos outros seis foram feridos a tiros durante o Massacre de Caarapó.

    “Nós respeitamos a natureza porque para nós, indígenas, não é a natureza que faz parte da nossa vida, nós é que fazemos parte da vida da natureza”, sintetizou o Kaiowá.

    Pedro Piauí, camponês do município de Campos Lindos, no Tocantins, ressaltou o fato de que as investidas sobre o Cerrado e os territórios dos povos e comunidades tradicionais serão sentidas também nas cidades. “Além da comida com veneno, vai faltar água. Nós sabemos que o governo quer lucro, ele não quer vida. Ele quer privatizar todas as coisas que são bens de todos. Aí falam em desenvolvimento, mas eu pergunto: que desenvolvimento é esse, que acaba com a família, com a caça, com a água, com a sua vegetação natural?”, questionou.

    A antropóloga Mônica Nogueira, da Faculdade UnB Planaltina, ressalta a força que têm tido os povos indígenas e as comunidades tradicionais na defesa do Cerrado.

    “Infelizmente, essa é uma região ainda bastante desconhecida, quando não inferiorizada, e por consequência os seus povos também. Há uma dificuldades de reconhecer a identidade desses povos. Há quem diga que isso pode ser um eco, ainda, da nossa história de colonização, em que os interiores do país sempre foram vistos como um ‘sertão’, em oposição ao litoral, que seria o espaço da nova civilização brasileira emergente, enquanto o sertão seria um lugar de bárbaros, selvagem, que deveria ser dominado e colonizado”, problematiza a antropóloga.

    Acesse o jornal Porantim, edição de junho/julho: o Cerrado vai virar sertão?

    Matopiba, a expansão da fronteira agrícola sobre o Cerrado

    O desmatamento e o desaparecimento cada vez mais intenso de rios e nascentes – uma média de dez por ano, conforme destacam os materiais da Campanha – são algumas das consequências já sentidas no Cerrado em função da recente expansão do agronegócio na região. Estas situações podem ser agravadas ainda mais pelo programa Matopiba, um plano de expansão da fronteira agrícola sobre o Cerrado, capitaneado pelo governo federal e criado ainda sob a gestão de Kátia Abreu no Ministério da Agricultura.

    Na área de 73 milhões de hectares abrangidos pelo programa nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, existem 28 terras indígenas, 42 unidades de conservação ambiental, 865 assentamentos rurais e 34 territórios quilombolas – sem contar os territórios dos povos indígenas e quilombolas que ainda estão em processo de demarcação, titulação ou que poderiam servir para a reforma agrária, os quais o Matopiba pretende ceder para o agronegócio.

    Definido pelos povos indígenas e comunidades tradicionais como um projeto de destruição, o Matopiba tem como um de seus principais atrativos aos investidores internacionais, justamente, a abundância de água para a irrigação de monoculturas voltadas à exportação.

    “Sem água não tem vida pra nós, não tem vida pros animais, não tem vida pros orixás, porque eles também vivem da água”, afirma a quilombola Zilmar Pinto Mendes, do quilombo Charco, no município de São Vicente Férrer, integrante do Movimento Quilombola do Maranhão (Moquibom). “Nós temos que lutar, para defender a água, a vida e o nosso território”.

    Clique aqui para acessar o site da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado

    Saiba mais sobre o Matopiba em material produzido pelo Cimi



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  • 27/09/2016

    Nota do Cimi sobre ataque contra povo Xakriabá, missionário e servidores públicos



    Ai daqueles que planejam iniquidade e que tramam o mal em seus leitos. Ao amanhecer, eles o praticam, porque está no poder de sua mão”. Miquéias 2,1

    O Cimi denuncia e repudia o ataque covarde desferido, no dia 23 de setembro, por fazendeiros, jagunços e supostos posseiros contra a Comunidade Indígena Xakriabá da Aldeia Vargem Grande, localizada no município de Itacarambi, no norte de Minas Gerais.

    Na ocasião, um jovem indígena foi ferido com pedras e pedaços de madeira. Funcionários da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) foram ameaçados e o missionário do Cimi Nilton Santos Seixas também foi atacado, mas conseguiu escapar sem ferimentos físicos. Por motivo de segurança, Nilton foi obrigado a mudar-se com a família, deixando a residência que localizava-se na cidade de Itacarambi.

    Setores político-econômicos anti-indígenas têm incitado a população do município de Itacarambi contra os Xakriabá, a Funai e o Cimi, o que é preocupante. 

     

    Observamos que o discurso de parlamentares ruralistas, que prega a incitação ao ódio e à violência contra os povos e seus aliados, se espalha como pólvora no interior do país e motiva ações criminosas como a ocorrida, nessa ocasião, em Minas Gerais.

     

    Avaliamos que há fortes indicativos de que esses ataques paramilitares contra povos indígenas se ampliem e intensifiquem no país, a exemplo do vem ocorrendo com no Mato Grosso do Sul, tamanha a militância racista de alguns parlamentares da bancada ruralista.

     

    A situação no local continua tensa. Consideramos de fundamental importância que os responsáveis pelo ataque contra os Xakriabá sejam imediatamente identificados afim de que respondam pela ação criminosa praticada. Uma eventual omissão do governo brasileiro no caso poderá servir de combustível para novos e mais graves ataques contra os indígenas e seus aliados naquela e noutras regiões do país.

     

    O Cimi manifesta solidariedade ao povo Xakriabá, aos servidores públicos e ao missionário Nilton Santos Seixas e sua família pelo fato ocorrido e pelas consequências dele advindas.

     

    Diante dos constantes ataques aos povos indígenas e da omissão das autoridades, com o Papa Francisco queremos conjugar nossas vozes: “Não deixemos que nos roubem a esperança” (Enc. Alegria do Evangelho). 

     

    Brasília, DF, 27 de setembro de 2016

     

    Conselho Indigenista Missionário – Cimi


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  • 27/09/2016

    Suécia: liderança Guarani-Kaiowa denuncia a deputados acordo de exportação de carne produzida em áreas onde indígenas foram assassinados


    Elizeu participa da Feira do Livro Internacional de Gotemburgo, em atividade organizada pela Fian Suécia. foto: Ruy Sposati/Cimi

    Por Ruy Sposati (de Gotemburgo/Suécia)

    Em reunião com deputados do parlamento sueco (Riksdag), o Guarani Kaiowa Elizeu Lopes denunciou o acordo que autoriza municípios do Mato Grosso do Sul a exportar carne produzida em áreas de conflito com indígenas para a Europa, em Gotemburgo (Suécia), na última sexta, 23. Ainda, Elizeu também falou na Feira do Livro Internacional de Gotemburgo (Bokmässan), onde contestou informações sobre demarcação de terras indígenas no país, dadas pelo governo brasileiro a parlamentares suecos, durante sua visita ao Brasil em março deste ano.

    Segundo decisão da União Europeia (UE) aprovada em julho deste ano, treze municípios do Mato Grosso do Sul localizados na fronteira com o Paraguai estão autorizados a vender carne bovina in natura para países da UE. “O que eles não sabiam é que é nessas cidades que a maioria das nossas lideranças estão sendo mortas. É onde tem maior conflito”, explica Elizeu Lopes.

    A lista de lideranças assassinadas nesta região é extensa. No município de Antônio João, foram mortos Marçal de Souza (1983), Dorvalino Rocha (2005) e Simeão Vilhalva (2015), todos da retomada Ñanderu Marangatu. Em Aral Moreira, Nízio Gomes (2011). Em Coronel Sapucaia, Xurite e Ortiz Lopes (2007) e Osvaldo Lopes (2009), da retomada Kurusu Ambá, a aldeia de Elizeu. No município de Paranhos, Adriano Pires (2001), da aldeia Pirajuí; Genivaldo e Rolindo Vera (2009), e Teodoro Ricarde, todos do tekoha Y’poi. Em Sete Quedas, foi assassinada a liderança Dorival Benites (2005), do tekoha Sombrerito.

    Para o indígena, a decisão da Europa de comprar carne exatamente dos municípios em que lideranças foram assassinadas – e de áreas que coincidem com os territórios reivindicados pelos Kaiowa e Guarani – pode ajudar a financiar mais ainda a violência contra as populações tradicionais, além de incidir em mais dificuldades para a demarcação conclusiva das terras indígenas.


    foto: Ruy Sposati/Cimi

    Terra

    Durante o encontro, os parlamentares relataram à Elizeu terem sido informados pelo governo brasileiro de que 90% das terras indígenas no país já estariam regularizadas. Os dados foram contrapostos: de acordo com levantamento do Conselho indigenista Missionário (Cimi) até 31 de agosto de 2016, 654 terras indígenas no Brasil ainda aguardavam atos administrativos do Estado para terem seus processos demarcatórios finalizados. Esse número corresponde a 58,7% do total das 1.113 terras indígenas do país. Destas terras que aguardam algum procedimento, 348 – pouco mais da metade (53%) – não tiveram quaisquer providências administrativas tomadas pelos órgãos do Estado.

    "O governo brasileiro diz o que quer. É por isso que precisamos continuar vindo aqui, esta é minha terceira vez e vamos continuar vindo porque a Europa precisa saber a verdade e precisa ajudar na situação dos Guarani-Kaiowa e dos povos indígenas no Brasil", continua a liderança.

    Ele explicou aos deputados que os Guarani e Kaiowa tem mais um problema, quando se trata dos dados oficiais sobre demarcação: 98% da superfície dos territórios indígenas demarcados estão na Amazônia Legal – enquanto 52% da população indígena está fora desta região. Isto é, Sul, Sudeste, Nordeste, e parte do Centro-Oeste concentram o maior contingente populacional indígena do país e, no entanto, possuem apenas 2% dos hectares demarcados como terra indígena no Brasil.

    Nesse sentido, Elizeu insistiu aos parlamentares que lessem com atenção o relatório apresentado na última semana pela relatora especial sobre direitos dos povos indígenas das Organização das Nações Unidas (ONU), Victoria Tauli-Corpuz, que acusa o governo brasileiro de não ter avançado na garantia dos direitos e na demarcação de terras indígenas no Brasil.

    Diálogo e instabilidade

    “Os parlamentares demonstraram preocupação com o aumento da violência contra os indígenas, e também com a instabilidade política no Brasil”, comenta o missionário do Cimi, Flávio Vicente Machado. “Pareceram considerar que a comunicação com nosso país se tornou mais difícil depois do impeachment”.

    “Nossa intenção foi de provocar o parlamento sueco sobre a situação dos povos indígenas no Brasil”, explica o missionário. Para ele, os diálogos com parlamentares nacionais podem também amplificar a presença da temática indígena no Parlamento Europeu, onde a resolução sobre a carne foi aprovada. 

    Machado defende que o diálogo direto entre indígenas e parlamentares na Europa – viabilizado pela articulação entre organizações indígenas, indigenistas e ONGs europeias – podem ajudar a “desmontar a versão do governo e do agronegócio brasileiros sobre a questão fundiária no Brasil”, além de gerar condicionantes que defendam os direitos humanos e territoriais das populações tradicionais.


    Protesto contra jornal nazista durante Feira do Livro de Gotemburgo. foto: Ruy Sposati/Cimi

    Circuito europeu

    Na Alemanha, representantes do Cimi, Fian Brasil e Fian Alemanha apresentaram os relatórios sobre insegurança alimentar entre os Guarani e Kaiowa e o relatório anual de violência contra os povos indígenas no Brasil de 2015 em reuniões com membros do governo e parlamentares alemães.

    As agendas fazem parte de um circuito de visitas da delegação – composta por Elizeu e representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da (Fian Brasil), em articulação com as seções locais da Fian e outras organizações não-governamentais dos países em questão. Além da Suécia e Alemanha, a delegação esteve na Suíça, onde participou do lançamento do relatório sobre a questão indígena da Organização das Nações Unidas (ONU), e ainda viajará para a Áustria e Inglaterra.

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  • 27/09/2016

    Campanha em Defesa do Cerrado será lançada nesta terça-feira, 27, em Brasília

    A Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, que tem como tema “Cerrado, Berço das Águas: Sem Cerrado, Sem Água, Sem Vida”, será lançada durante coletiva de imprensa, às 14 horas desta terça-feira, dia 27, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília. Após coletiva, os/as participantes promoverão um debate sobre o Cerrado.

    “A Campanha, que já conta com a participação de 36 organizações, é fundamental para que todos conheçam o patrimônio histórico, cultural e biológico do Cerrado – seus povos, sua biodiversidade, e sua importância para a vida na terra –, já que sem Cerrado não há água e nem vida”, destaca Isolete Wichinieski, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) – uma das entidades que faz parte da Campanha.

    Participarão da mesa de lançamento a antropóloga e professora da Universidade de Brasília (UNB), Mônica Nogueira; o indígena Elson Guarani Kaiowá; a liderança do Movimento Quilombola do Maranhão (Moquibom), Zilmar Pinto Mendes; Pedro Alves dos Santos, da Articulação Camponesa do Tocantins; e Isolete Wichinieski, da CPT.

    Sabia que 52% do Cerrado já foram destruídos? A Campanha tem como objetivo também alertar a sociedade e denunciar a destruição do Cerrado e as violências contra os povos e comunidades que vivem neste espaço. Zilmar e Pedro, por exemplo, são de estados atingidos pelo Plano de Desenvolvimento Agropecuário do MATOPIBA. E o indígena Elson, Guarani Kaiowá do Mato Grosso Sul, denunciará as inúmeras violências e violações contra seu povo.

    Água – A água é o tema central da Campanha. Mas por que essa escolha? O Cerrado é conhecido como a “caixa d´água do Brasil” e “berço das águas”, pois é neste espaço territorial onde nascem as três maiores bacias hidrográficas da América do Sul, Amazônica/Tocantins, São Francisco e Prata. “Nós dependemos de água para viver. 70% do nosso corpo é agua”, ressalta Isolete. “Defender o Cerrado é preservar as águas, é preservar a vida e todos e todas são responsáveis por isso”, completa.

    A Campanha – A campanha é promovida por 36 organizações, movimentos sociais, e entidades religiosas, como a CNBB. Esse grupo, em sintonia com povos e comunidades do Cerrado, tem olhado com preocupação para o bioma, que tem sofrido ações devastadoras nos últimos tempos, assim como as pessoas que vivem nesse espaço.

    “A campanha tem várias dimensões. Uma primeira é dar visibilidade à presença da diversidade humana, cultural e natural do Cerrado. Outra é visibilizar a importância do bioma para o conjunto da vida em outras regiões, isso quanto à questão da água, por exemplo. E ainda, por outro lado, mostrar como tudo isso está em risco. Por isso não é só uma campanha dos povos e organizações do Cerrado, mas de todos brasileiros”, destaca Gilberto Vieira, membro do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organização que também compõe a Campanha.

    Objetivos da Campanha – Pautar e conscientizar a sociedade, em nível nacional e internacional, sobre a importância do Cerrado e os impactos dos grandes projetos do agronegócio, da mineração e de infraestrutura; dar visibilidade à realidade das Comunidades e Povos do Cerrado, como representantes da sociobiodiversidade, conhecedores e guardiões do patrimônio ecológico e cultural dessa região; fortalecer a identidade dos Povos do Cerrado, envolvendo a população na defesa do bioma e na luta pelos seus direitos; e manter intercâmbio entre as comunidades dos Cerrados brasileiros com as comunidades de Moçambique, na África, impactadas pelos projetos do Programa Pró-Savana.

    SERVIÇO:

    Lançamento da Campanha em Defesa do Cerrado: “Cerrado, Berço das Águas: Sem Cerrado, Sem Água, Sem Vida”.

    Onde? Sede da CNBB – Brasília/DF – Setor de Embaixadas Sul, 801, Conjunto B.

    Mais informações:
    Elvis Marques (assessoria de comunicação): (62) 9 9309-6781
    Isolete Wichinieski (Campanha em Defesa do Cerrado): (62) 9 8186-6964

    Saiba mais:
    Facebook:
    Sem Cerrado, Sem Água, Sem Vida
    E-mail: semcerrado@gmail.com

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  • 26/09/2016

    “A Várzea Grande não é uma aldeia, e jamais será”, discursou o prefeito de Itacarambi contra os Xakriabá



    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi  

    "Gostaria que prestassem muita atenção no que eu vou falar, que é de muita importância pela liberdade, autonomia e futuro de Itacarambi”. Era feriado de 7 de setembro de 2015. O prefeito Ramon Campos Cardoso (PDT) iniciava dessa maneira um discurso (ouça aqui) para a população da cidade, no norte de Minas Gerais, contra o povo Xakriabá da aldeia Várzea Grande, atacada nesta sexta-feira, 23, a pauladas por cerca de 40 posseiros que tinham a intenção de destruir um Posto de Saúde – os posseiros passaram a semana passada em Itacarambi participando de atividades eleitorais e estiveram em uma reunião com o deputado federal ruralista Bilac Pinto (PR/MG) – leia abaixo. 

     

    Convocando a população a aderir a uma "causa" assumida por ele, o prefeito afirmou no evento comemorativo da Independência do Brasil que “estão querendo transformar Itacarambi numa grande aldeia” e que “a Várzea Grande não é uma aldeia, e jamais será, se Deus quiser”. Atacou a Fundação Nacional do Índio (Funai) como autora de "um laudo antropológico forjado para ferir de morte o povo de Itacarambi” e afirmou “que respeita o cidadão índio de cidades vizinhas (…) mas sou contra sim aqueles que querem se dizer índios usufruindo e ameaçando pessoas de bem”. O discurso ocorreu três dias depois de uma Audiência Pública na aldeia. 

     

    Parlamentares da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais estiveram no dia 4 de setembro em Audiência Pública com os Xakriabá da Várzea Grande. Saúde e violência foram os temas. A aldeia, antiga Fazenda São Judas, foi retomada pelos indígenas em 1º de setembro de 2013 e está inserida nos 43 mil hectares presentes no Relatório Circunstanciado de demarcação publicado pelo Ministério da Justiça em outubro de 2014. Na aldeia vivem 170 famílias Xakriabá, distantes 40 quilômetros da sede política do município de Itacarambi. Estão às margens do rio Peraçu, depositário de águas do Velho Chico e alvo de interesses do agronegócio. 

     

    “Lá em Itacarambi os políticos gostam de dizer que queremos tomar conta da cidade, ainda mais depois da retomada. O que o índio quer com a cidade? Nada. Queremos é viver bem na nossa terra. Nós não somos invasores, mas conhecemos os nossos direitos. Os fazendeiros acabam com tudo, enquanto nós queremos garantir a sustentabilidade das nossas próximas gerações”, afirmou João de Jovina Xakriabá durante a Audiência Pública noticiada pela imprensa da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. O indígena relatou que se alguma violência fosse cometida contra o povo, a responsabilidade seria da Prefeitura de Itacarambi que incita, ao lado de grandes fazendeiros, posseiros e a população não-indígena contra os Xakriabá. 

     

    “Temos mulheres grávidas com pressão alta que nunca conseguiram uma consulta com um médico em Itacarambi. Eu sei as obrigações do município na saúde, e eles não estão cumprindo com seus deveres. Peço a todos que aprendam a lutar pelos seus direitos e não se deixem mais enganar”, disse na Audiência Pública a presidente do Conselho de Saúde de Vargem Grande, a técnica de enfermagem Áurea Cristina da Silva. Meses depois, logo no início deste ano, os Xakriabá recuperaram uma instalação abandonada na aldeia da Unidade Básica de Saúde (UBS) e abriram o Posto de Saúde. 

     

    Audiência Pública: “irresponsável”, "criminosa"

     

    Ramon Campos Cardoso sabia da Audiência Pública. Por conta disso, usou o palanque montado no feriado de 7 de setembro para atacar a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa e o povo Xakriabá. Em trecho do discurso, o prefeito disse: “A Assembleia Legislativa de Minas Gerais, sem conhecimento de causa, está ignorando o direito do povo e do cidadão de Itacarambi, os direitos dos produtores rurais de Itacarambi, sejam eles pequenos ou grandes. A Assembleia Legislativa de Minas Gerais marcou uma Audiência Pública; ela deveria deveria ter consultado as autoridades eleitas legitimamente por esse povo (da cidade)”. 

     

    Para o prefeito, se tratou de uma atividade “eleitoreira” e “extemporânea, fora de hora”. A mensagem passada pela Audiência Pública seria “irresponsável" e “criminosa”. O fruto da "Audiência Pública sem anuência” foi a acusação de que a Poder Público municipal incita a violência contra os Xakriabá, considerada pelo prefeito como mentirosa. “Peço o apoio da população para desmanchar essa farsa (…) agradeço aos meus amigos vereadores que de forma unânime apoiam esta causa. A comunidade de Várzea Grande pertence a esta cidade e (quem lá vive) são bem tratados pela Saúde do município”, concluiu. Na fala, o prefeito afirmou ainda que continuará defendendo o povo dos “traidores da Funai”.  

     

    Posseiros se reuniram com deputado da PEC 215 antes de ataque

     

    Os posseiros envolvidos no ataque ao Posto de Saúde da aldeia Várzea Grande chegaram a Itacarambi no início da semana passada, em dois ônibus, conforme revela os Xakriabá. A informação foi confirmada por quatro fontes consultadas. Participaram de atividades envolvendo as eleições municipais e se reuniram, ao lado do prefeito Ramon Campos Cardoso, candidato à reeleição, com o deputado federal Bilac Pinto (PR/MG). O parlamentar compõe a bancada ruralista e integrou a Comissão Especial que aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215.

    A medida pretende transferir as demarcações de terras indígenas, quilombolas e a criação de áreas de conservação ambiental do Poder Executivo para o Congresso Nacional, cuja bancada a qual Bilac faz parte possui grande força por concentrar cerca de 200 deputados federais e senadores. No momento, a proposta segue aguardando votação na Câmara Federal. A PEC 215 é considerada uma ameaça pelas Nações Unidas (ONU) aos direitos dos povos indígenas no Brasil.  

    Ainda não se sabe a pauta do encontro entre o ruralista e os posseiros, que contou com a presença do prefeito de Itacarambi. Na página virtual do deputado ruralista, uma pequena nota com foto diz que ele esteve na cidade em virtude da campanha de reeleição do prefeito. Durante o ataque dos posseiros, porém, as vítimas identificaram também pessoas com livre trânsito nos gabinetes políticos da cidade. A ofensiva deixou um indígena com o braço quebrado, funcionários da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) com veículos depredados e um missionário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) só não se feriu porque escapou, com a ajuda de um grupo Xakriabá, enquanto sofria uma investida a pauladas e pedradas.

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  • 24/09/2016

    Indígenas Xakriabá, funcionários da Sesai e missionário do Cimi são atacados a pauladas em Posto de Saúde no norte de MG



    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

    A golpes de porrete, cerca de 40 fazendeiros, posseiros e jagunços atacaram na manhã desta sexta-feira, 23, indígenas Xakriabá, funcionários da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e um missionário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O alvo da ação era o Posto de Saúde (na foto acima) da aldeia Várzea Grande, Terra Indígena (TI) Xakriabá, município de Itacarambi, norte de Minas Gerais. Enquanto fechava a unidade de saúde, o grupo foi surpreendido pelo bando armado com paus e pedras. Um indígena quebrou o braço ao proteger a cabeça das agressões – omitiremos os nomes dos indígenas, funcionários e do missionário do Cimi por razões de segurança. 

     

    Na aldeia Várzea Grande vivem 170 famílias. Os indígenas aproveitaram a estrutura de uma Unidade Básica de Saúde abandonada na área da aldeia e com a Sesai abriram um Posto de Saúde. O fato, conforme os indígenas, gerou revolta no prefeito Ramon Campos Cardoso (PDT), que vê a unidade como símbolo do estabelecimento dos Xakriabá na retomada da antiga Fazenda São Judas – realizada pelo povo em 1º de setembro de 2013 e alvo de atentados e ameaças permanentes (foto abaixo). Outra aldeia, a Caraíbas, fica nas proximidades e sua população também é atendida pela unidade de saúde. “Esse prefeito já vem nos ameaçando faz tempo. O Ministério Público Federal (MPF) tem processo aberto contra ele”, diz um Xakriabá da aldeia Caraíbas. Ambas aldeias estão nos limites definidos pelo Relatório Circunstanciado de Demarcação publicado pelo Ministério da Justiça em outubro de 2014, com 43 mil hectares.

     

    Em estado de alerta, os Xakriabá sabiam que poderiam ser atacados a qualquer momento. Com o início do calendário eleitoral, o prefeito passou a usar a campanha à reeleição para atacar os indígenas e incitar posseiros para que os expulsem da terra tradicional. O que deixou o prefeito ainda mais enfurecido é que a candidata de oposição, Doutora Nivea (PTB), é médica e atende os indígenas nos 54 mil hectares já homologados em outra porção da TI Xakriabá – Campos chegou a acusar o Cimi de ter lançado a candidata, posto que a própria Doutora Nivea é integrante da entidade conforme o prefeito. Nas últimas semanas, o boato de que os Xakriabá invadiriam a cidade e expulsariam os moradores gerou um ambiente de hostilidades contra os indígenas e quaisquer apoiadores do povo. 

     

    Cerca de 60% da demarcação incide no município de Itacarambi  e fica às margens do rio Peraçu. Fazendeiros e empresas que compõem a cadeia do agronegócio possuem acentuado interesse nessas terras. A tal ponto que a Confederação Nacional da Agricultura e Agropecuária (CNA) mantém um escritório na cidade. A Fazenda São Judas, por exemplo, retomada pelos Xakriabá da aldeia Várzea Grande, era usada para a criação ostensiva de gado de corte e abastecia a indústria da carne na capital Belo Horizonte. Ao lado do rio, a água é farta para o alto consumo dos animais. Se antes os posseiros trabalhavam para os fazendeiros nessas terras, hoje são levados a fazer uma espécie de linha de frente no ataque aos Xakriabá.  


     


    Na noite de quinta-feira, 22, dois ônibus de posseiros estavam mobilizados em Itacarambi. “Fiz contato com o Posto de Saúde logo pela manhã e pedi que o fechassem porque recebi a informação do deslocamento deste bando para a terra indígena. Peguei o carro e fui pra lá, por volta de umas 9 horas. Enquanto a unidade era fechada, eles chegaram”, explica o missionário do Cimi. O bando composto por fazendeiros, posseiros e jagunços destruiu as motocicletas dos funcionários da Sesai, atacou os Xakriabá e o missionário, que protegido pelos indígenas conseguiu fugir junto com o indígena agredido no braço. “O encaminhei ao hospital, onde ele fez raio-x e foi medicado. O braço estava muito inchado, mas poderia ter sido pior porque ia pegar na cabeça”, explica o missionário. 

     

    Do Posto de Saúde, o bando criminoso se deslocou para uma estrada vicinal que liga a terra indígenas ao município – uma distância de 40 quilômetros. Trancaram a via para impedir o trânsito dos Xakriabá – na manhã deste sábado, 24, ainda estavam no local. “Chegaram batendo na gente, xingando e quebrando as motos. Não entraram no Posto de Saúde porque o trancamos. Diziam que queriam destruir os medicamentos e tudo o que garante a nossa assistência de saúde”, diz uma indígena Xakriabá presente na hora do ataque. Nervosa e abalada, ela espera que os responsáveis sejam punidos. Até o momento, apenas a Polícia Militar esteve no Posto de Saúde atacado.  

     

    Locomoção forçada das vítimas 

     

    Sete posseiros vivem no interior da terra indígena. Por conta das animosidades contra o povo, os Xakriabá pediram a eles que esperassem pela definição das indenizações fora do território tradicional. Na Justiça, os posseiros conseguiram um interdito proibitório contra os indígenas, que devem ficar distante 550 metros da área em que os habitantes não-indígenas ocupam como medida protetiva. “Estamos sendo ameaçados não é de hoje, atacados e agredidos. Tudo denunciado, mas o governo nada fez”, afirma uma liderança Xakriabá. Com isso, as vítimas do ataque desta sexta deverão sair de suas casas e famílias como medida protetiva. 

     

    Quem estava no Posto de Saúde foi ameaçado. “O funcionamento da unidade está em risco, assim como quem estava lá”, explica a liderança. Os Xakriabá envolvidos se locomoveram para outras áreas da terra indígena temendo mais violências. O missionário do Cimi também deverá sair com a família de sua residência na cidade para um local seguro. “Se trata de uma série de violências em curso. A prefeitura já realizou dois Fora Funai, sempre com o discurso de que os Xakriabá vão expulsar os moradores da cidade, de que não são índios. Um discurso racista, preconceituoso e incitando posseiros a praticar atos hostis contra os indígenas”, afirma o missionário do Cimi.   

     

    Em 2012, a Prefeitura de Itacarambi recebeuR$ 720 mil para garantir atendimento hospitalar adequado aos povos indígenas no município. Assim estabeleceu a Portaria nº 954, publicada pelo Ministério da Saúde em 15 de maio de 2012, a qual inclui o Hospital Municipal Gerson Dias no programa de Incentivo para a Atenção Especializada aos Povos Indígenas (IAE -PI). No entanto, o prefeito seguiu se negando a atender os Xakriabá sobretudo por questionar a identidade indígena dos integrantes do povo.  

     

    Histórico de violência e luta

     

    Há 29 anos, em 11 de fevereiro de 1987, três lideranças Xakriabá foram brutalmente assassinadas por grileiros invasores da terra indígena. O massacre ocorreu na aldeia Sapé, município de São João das Missões, e vitimou o vice-cacique Rosalino Gomes de Oliveira, de 42 anos, e outros dois indígenas: Manuel Fiúza da Silva e José Pereira Santana.  “Em fevereiro de 1987, Rosalino foi assassinado. O sangue de Rosalino fecundou a terra e alimentou a luta do povo. A área Xakriabá foi totalmente liberada de posseiros e grileiros. Os assassinos de Rosalino foram condenados e cumpriram pena na prisão”, escreveu, em 2006, Fábio Alves dos Santos, o Fabião, ex-missionário do Cimi.

     

    As mobilizações envolvendo a área Xakriabá caminharam com a homologação, em 1989, de 46.414 hectares. Porém, a demarcação, ou seja, o tamanho físico da terra ocorreu pouco antes da Constituição de 1988 e não abarcou a totalidade do território, perto de 100 mil hectares, conforme estudos antropológicos. Como metade da área ficou fora, os Xakriabá passaram a reivindicar os territórios excluídos. Em 2000, deram um passo adiante e conseguiram mais uma área, chamada de Rancharia. Agora os indígenas estão mobilizados para fechar o total da terra indígena e exigem que o Ministério da Justiça complete o procedimento. 

     

    Para as lideranças Xakriabá, o sangue de Rosalino germinou as lutas recentes. À margem de ameaças e morosidade do governo federal na demarcação e demandas, os Xakriabá repetem o que a liderança assassinada em 1987 dizia: “Eu prefiro ser adubo, mas sair daqui não vou”.

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  • 23/09/2016

    Brasil nunca consultou indígenas sobre usinas, esclarece MPF/PA


    A relatora especial da ONU sobre Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, visitou o Brasil em março. Foto: Tiago Miotto/Cimi

    Em discurso perante o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas no último dia 20, em Genebra, a embaixadora brasileira Regina Maria Cordeiro Dunlop afirmou que a consulta prévia, livre e informada prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho foi seguida à risca pelo governo do Brasil e aplicada ao povo indígena Munduruku para o projeto da usina São Luiz do Tapajós. A informação está incorreta.

    Em março deste ano, o Ministério Público Federal entregou em mãos um documento oficial à relatora especial da Onu para direitos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, durante sua passagem por Altamira, no Pará. O documento informava corretamente que a consulta com os Munduruku, apesar de prevista na Convenção e determinada por ordem judicial, nunca foi realizada. Os ribeirinhos do Tapajós, chamados de beiradeiros, deveriam mas também nunca foram consultados.

    No documento entregue à relatora, o MPF afirmou que, entre as principais violações quanto ao projeto da usina Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, estavam o descumprimento do direito à consulta prévia, livre e informada, direito ao território e ao uso exclusivo dos recursos naturais e, por fim, direito a não ser removido compulsoriamente.

    “Fundamental, portanto, o acompanhamento desta Relatoria, a fim de fazer frente às violações e formular recomendações para que o estado brasileiro transforme suas práticas”, diz o documento. O discurso da embaixadora em Genebra, com a informação incorreta sobre a realização da consulta, foi uma resposta à apresentação do relatório de Victoria Tauli-Corpuz.

    Em seu discurso em Genebra, a embaixadora afirmou: “o projeto da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós é ilustrativo do funcionamento das instituições brasileiras na promoção e proteção de direitos dos povos indígenas”. “O projeto passou por um processo de licenciamento que incluiu consultas com o povo indígena Munduruku, que vive na área de influência.

    Levando em consideração objeções de lideranças Munduruku, assim como a pareceres da Fundação Nacional do Índio e do Ministério Público Federal que apontavam que o projeto removeria três aldeias indígenas, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) concluiu que a usina violava previsões constitucionais e se recusou a licenciá-lo”, afirmou.

    Além da ausência da consulta, até hoje, o governo federal não concluiu o procedimento de demarcação da Terra Indígena Sawré-Muybu, que seria afetada pela usina. Pelo menos outras três grandes barragens no Tapajós ainda constam no planejamento energético do governo brasileiro, afetando tanto terras Munduruku quanto ribeirinhos do Tapajós, também protegidos pela Convenção 169.

    Em todos os outros casos de barragens construídas na Amazônia durante governos democráticos e após a entrada em vigor da Convenção 169, o direito à consulta prévia, livre e informada dos povos afetados foi ignorado pelo país. No principal formador do Tapajós, o rio Teles Pires, duas grandes usinas que afetam diretamente terras indígenas foram aprovadas pelo governo sem consulta prévia: a usina Teles Pires, já em funcionamento, e a usina São Manoel, em obras. Ambas provocam impactos significativos sobre o modo de vida dos povos indígenas Munduruku, Kayabi, Apiakás e indígenas em isolamento voluntário.

    O desrespeito à consulta prévia, livre e informada é regra nos projetos de usinas na região amazônica. Mesmo com ordens judiciais ordenando a consulta, ela não foi realizada com nenhum dos oito povos afetados por Belo Monte, no Xingu, tampouco com os povos do rio Juruena, impactados por mais de uma dezena de pequenas centrais hidrelétricas, assim como nunca foram, realizadas no Tapajós ou no Teles Pires. O relatório sobre a situação dos direitos indígenas no Brasil foi apresentado na 33a Sessão do Conselho de Direitos Humanos da Onu, cerca de seis meses depois das visitas da relatora, que esteve nos estados de Mato Grosso do Sul, Pará, Bahia e em Brasília.

    Aqui a íntegra do relatório sobre as violações de direitos indígenas no Brasil apresentado 33a Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra, no dia 20 de setembro de 2016.

    Aqui as respostas do governo brasileiro ao relatório.

    Fonte: Assessoria de Comunicação – Ministério Público Federal no Pará
    Foto: Tiago Miotto/Cimi

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  • 22/09/2016

    Justiça Federal garante a manutenção de posse da aldeia Porto Velho aos Kanela do Araguaia



    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação do Cimi


    A Justiça Federal de Barra do Garças (MT) decidiu pela manutenção de posse dos 2.500 hectares da aldeia Porto Velho, município de Luciara, ao povo Kanela do Araguaia, que vem sendo ameaçado de expulsão por pretensos proprietários. O juiz Francisco Vieira Neto determinou ainda a Manoel Botelho Feijó, um entre os vários indivíduos que afirmam ter escrituras da mesma terra, que retire as cercas instaladas na aldeia entre o final de 2015 e agosto deste ano – sob pena de multa diária de R$ 1 mil.


    O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou a ação pedindo a manutenção de posse depois de receber denúncias dos próprios indígenas. “Filmamos as conversas com o senhor Manoel, a instalação das cercas e registramos as ameaças. Levamos ao procurador e mostramos o quanto está perigosa a situação pra gente”, explica o cacique Lucas Kanela. A decisão da Justiça Federal, todavia, não se restringe apenas a Feijó, mas a todos que tentam retirar os indígenas da terra tradicional e a esbulham.

    No último dia 29 de julho, duas caminhonetes com oito homens não identificados chegaram à aldeia Porto Velho. Disseram para os Kanela que estavam no local porque eram os proprietários da terra. Cacique Lucas afirma que é comum também em outras aldeias Kanela da região mais de um ‘proprietário’ aparecer mandando que as comunidades se retirem porque possuem documentos confirmando a posse. “Isso é tudo resultado das grilagens. Gente que nunca vimos aqui”, diz o cacique.

    Em consulta às placas dos veículos, um pertence à empresa Sedmar Serviços Especializados e Transporte Maringá Ltda., cujos donos foram notificados pela Justiça, e o outro a Valtenis Antônio Camargo, também requerido. Os homens que ocupavam as caminhnetes disseram que voltariam ali em 16 dias com a polícia. Em 26 de agosto, agentes da Polícia Civil de Luciara estiveram na aldeia e fotografaram a comunidade – sem autorização do povo e tampouco comunicado à Funai.

    A própria existência de processo administrativo de demarcação da Terra Indígena em trâmite na Funai implica em dizer que, ao menos nesta fase inicial, eventuais atos de turbação dos requeridos não possuem o condão de retirar da parte autora a posse da totalidade da referida área”, disse o juiz em sua decisão. Ele afirma ainda que é possível comprovar na farta documentação acostada à ação que os Kanela do Araguaia vivem há pelo menos 60 anos na terra reivindicada como tradicional.

    Argumentação do MPF

    De acordo com a argumentação do MPF, a posse dos Kanela é demonstrada pelos estudos de qualificação de reivindicação da terra indígena – etapa inicial do procedimento de demarcação em condução pela Fundação Nacional do Índio (Funai). A ocupação foi atestada ainda por diversos órgãos públicos, incluindo estudos antropológicos do próprio MPF. Com o autorreconhecimento dos Kanela, afirma o MPF, as aldeias passaram a sofrer pressões dos “supostos proprietários rurais da região”.

    Os primeiros membros da etnia Kanela-Apanyekra”, explica o procurador da República Wilson Rocha Fernandes Assis, “aportaram no Vale do Araguaia após intensos conflitos pela posse da terra em sua região de origem, no município de Barra do Corda, no Maranhão. Refugiaram-se e assentaram-se na região do Araguaia ainda na primeira metade do século XX. No período, diversos grupos da etnia Kanela, fazendo semelhante trajeto, instalaram-se nos munícipios de Luciara, Santa Terezinha, São Félix do Araguaia e Canabrava do Norte, todos na região nordeste do estado de Mato Grosso, formando os quatro troncos familiares nos quais atualmente se organiza a comunidade indígena”.

    Conforme os estudos do relatório de qualificação da Funai, os Kanela do Araraguaia saíram da aldeia Morro do Chapéu, município de Barra do Corda, no Maranhão, devido a perseguições e assassinatos causados por fazendeiros que tinham interesses nas terras que ocupavam. “Seguiram para outras aldeias Kanela, Olho D’Água das Cunhãs e Fortaleza dos Nogueiras, sempre com intuito de fugirem das perseguições que sofriam, até que cruzaram o Rio Tocantins para o estado de Goiás, atual Tocantins, o destino era o local conhecido como Barreira do Gado, Ilha do Bananal”,diz trecho do estudo.

    Então seguiram para o povoado de Antônio Rosa, município de Santa Terezinha (MT). Em 1955, outro grupo chegou em Mata Verde, em Luciara. Quando lá chegaram encontraram parentes que haviam migrado para aquela região anos antes, a família de Júlia Pereira Rocha e Cândido Ferreira Rocha, morando às margens do rio Tapirapé, localidade da atual Aldeia Porto Velho. “(…) Há a citação no ‘Memoria Descritivo Histórico’ (capítulo do relatório da Funai) o qual traz as narrativas da emigração da família do fundador da fazenda Porto Velho do Tapirapé, o Senhor Ciriaco Gomes de Abreu, assim como, documentos que demonstram o pioneirismo da família na região.”

    Para o procurador da República, “após a elaboração, no ano de 2009, de um mapa situacional dos Kanela do Araguaia, durante uma oficina cartográfica do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, os Kanelas do Araguaia fortaleceram sua percepção acerca do espaço territorial no qual estão instalados”. Em 2013 os troncos familiares se reuniram e desde então se tornou pública a apropriação dos Kanela do Araguaia do que os indígenas passaram a chamar de Aldeia Porto Velho.

    "Embora a área da Aldeia Porto Velho, debatida nesta ação possessória, não se trate ainda de área declarada indígena pelo Estado brasileiro, a tradicionalidade da ocupação exercida pelo povo Kanela do Araguaia encontra-se evidenciada em diversos documentos oficiais, nos três níveis da federação (…) elementos de prova atestam a ocupação de dezenas de famílias da etnia Kanela sobre a área originalmente identificada como “Fazenda Bom Jesus”. Referidas famílias compõem o núcleo familiar originário de Cândido Ferreira Rocha e Júlia Pereira Rocha” conclui o procurador.

    Ameaças e pressões

    Para o procurador da República, os direitos territoriais dos povos indígenas constituem autêntico direito fundamental, pelo qual se resguarda a identidade de cada membro da comunidade e o caráter pluriétnico da sociedade brasileira. “Em se tratando de comunidades indígenas, o rompimento das relações com o território enseja intenso sofrimento psíquico, além do desamparo material decorrente da privação dos meios necessários à sobrevivência física dos indivíduos do grupo”, defende.

    O que a gente sente”, atesta o cacique Lucas Kanela, “é que quando passamos a existir pra essa gente passamos a ser uma ameaça e então não existem direitos. Até um momento, enquanto servíamos pra mão de obra barata, toleravam”. Todas as ameças e pressões exercidas contra os Kanela foram descritas pela ação do MPF como prova da necessidade da Justiça Federal garantir a posse, e assim inibir novas investidas contra os indígenas – que agora aguardam a conclusão da demarcação pelo governo federal.

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  • 21/09/2016

    Condenado por discriminação, jornal de Chapecó (SC) deverá pagar cursos e ceder espaço de publicação para indígenas por cinco anos

    Jornal O Diário do Iguaçu foi condenado por danos morais coletivos contra a comunidade Kaingang da Terra Indígena Toldo Chimbangue, pela veiculação de materiais racistas e de incitação ao crime

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