• 10/10/2016

    Atendendo a pedido da Justiça Federal, Cimi/MA entrega relatório sobre a saúde indígena do povo Awá Guajá


                                                     Foto: Cimi Regional Maranhão

    Por Renato Santana, Assessoria de Comunicação – Cimi

    Quando o Ministério Público Federal (MPF) firma um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com algum órgão do governo federal concede prazos para a execução de demandas não atendidas. Em 2005, o MPF celebrou um TAC sobre a saúde indígena no Maranhão. Não atendido, um novo TAC foi firmado em 2011. Onze anos se passaram desde o primeiro termo e a 4ª Vara da Justiça Federal no estado solicitou ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi), durante audiência pública ocorrida no dia 28 do mês passado (na foto), um relatório para saber quais determinações destes ajustes de condutas foram atendidas; e quais ainda seguem pendentes depois de uma década.

    “O que vemos são prazos extensos para o governo federal não atender as demandas. Enquanto isso os indígenas passam por todo o tipo de privação e dificuldades, levando muitos a morrer sem atendimento ou a apresentar doenças sem nenhuma diagnóstico porque não há exames detalhados, médicos”, afirma a coordenadora do Cimi Regional Maranhão, Rosana Diniz. Mudanças estruturais ocorreram no âmbito da saúde indígena, desde 2005; o primeiro TAC foi firmado com a antiga Funasa, e depois refeito já com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Por conta das indefinições que se arrastam por uma década, o TAC foi extrajudicializado.

    De acordo com o relatório apresentado pelo Cimi, a criação da Sesai, com Polos Bases e os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI’s), não garantiu aos povos indígenas do Maranhão, com destaque para os Awá Guajá e Ka’apor, melhorias consideráveis no atendimento e acesso à saúde diferenciada. Na Terra Indígena Caru e Awá, do povo Awá Guajá, por exemplo, a construção de postos de saúde em duas aldeias é uma demanda que há anos é cobrada. Mesmo criada por força dos povos indígenas e com um orçamento bilionário, a Sesai tem esbarrado em gestões incompetentes e pouco comprometidas com a saúde diferenciada. 

    “As equipes multidisciplinares de saúde não contemplam os povos. Faltam médicos e outros profissionais. O mesmo vale para o saneamento básico, inexistente e fonte de doenças, sobretudo entre as crianças. A saúde diferenciada, que está no TAC, não foi garantida como deve ser”, explica Rosana. A entidade atua há 16 anos junto aos Awá e em 2010 o Cimi propôs aos indígenas um audiência na Procuradoria Geral da República (PGR), em Brasília. A delegação enviada apresentou o histórico problemático da saúde indígena no estado.

    O MPF então elaborou um novo TAC no ano seguinte, em 2011. Como a situação nas aldeias Ka’apor era ainda mais grave, uma Ação Civil Pública foi montada para que de forma imediata a Sesai atendesse os indígenas. A assessora técnica Vera Lopes dos Santos, do Departamento de Atenção à Saúde, da Sesai, se deslocou para o Maranhão “A Secretaria Especial de Saúde Indígena em conjunto com o DSEI Maranhão enviou uma equipe para realizar o diagnóstico da atenção à saúde dos Awá Guajá, do Polo Base de Santa Inês e formular as recomendações para serem implantadas nestas aldeias. A visita ocorreu entre os dias 3 e 12 de fevereiro de 2011”.

    No entanto, conforme o relatório do Cimi, as informações técnicas do Relatório estão descritos em 20 pontos, todos na escuta e perspectiva dos profissionais da saúde. “Não há sequer um ponto que trata da escuta ou perspectiva dos indígenas, vítimas e sujeitos denunciantes das condições desumanas”, diz trecho do relatório elaborado pelo Cimi a pedido da Justiça Federal. na última sexta-feira, dia 7, representantes do Cimi se reuniram com procuradores do MPF para saber quais as providências serão tomadas quanto a outras questões não atendidas pelo TAC: caso dos portadores de deficiências, a documentação básica dos indígenas e um convênio com a mineradora Vale.


                                                            Foto: Laila Menezes/Cimi


    Quando o direito vira mitigação
     

    Chamou a atenção da equipe do Cimi as parcerias firmadas pela Sesai para a construção de postos de saúde. "Interessa saber por que os postos foram construídos em parceria com a Vale, tempo em que a mineradora amplia a sua Estrada de Ferro Carajás e a Funai não esconde que media um processo de negociação entre a mineradora e os indígenas, sob o argumento do órgão de que a “Vale é nossa parceira”. Tempo também em que os Awá, inclusive por meio de documentos, se manifestaram contra a ampliação da EFC Carajás, para a qual não foram consultados conforme leis vigentes (SIC)“, destaca trecho do relatório.

    No documento, a equipe do Cimi ressalta que o valor das obras foi informado, mas não quanto do recurso veio da Vale; o Ministério da Saúde havia destinado recursos para a construção das estruturas. "A construção dos postos saiu como uma benesse/vantagem da Vale às comunidades Awá atingidas (pela ferrovia), numa espécie de mitigação, ou mesmo como um ‘acordo’ conseguido pelos indígenas”, afirma o relatório em outro trecho. "É visível a transferência de responsabilidade da SESAI/DSEI/FUNAI quanto aos direitos às políticas públicas de saúde, o que (…) confunde os indígenas sobre as competências e as responsabilidades do Estado nas ações de saúde”, critica o relatório.

    Todavia, a construção dos postos não garante o atendimento adequado à saúde. Além da falta de médicos e outros profissionais, o TAC determinou que a Sesai deveria "contratar para as aldeias Awá e Tiracambu, até o final de 2011, um Agente Indígena de Saúde e um Agente Indígena de Saneamento, os quais deverão receber treinamento básico da equipe do DSEI e do Polo Base para iniciar suas atividades”. Tais contratos nunca foram firmados, bem como formação específica no campo do controle social: o conselho de saúde dos Awá, por exemplo, nunca se efetivou. 


    Soros, médicos, cosmovisão e documentação
      

    A contratação de um médico, com carga horária de 40 horas semanais para atender todo o Polo Base de Santa Inês, também está no TAC. No entanto, quem atendeu a demanda foi o Programa Mais Médicos, com o envio de dois médicos cubanos às três aldeias Awá e Tenetehar/Guajajara. Ambos já se retiraram das aldeias com o fim do Programa. “Sem médicos, os doentes são levados para consultas em hospitais de Alto Alegre e Santa Inês. O agravante é a falta de transporte, outra questão presente no TAC e não resolvida”, destaca Rosana, coordenadora do Cimi/MA.

    O relatório do Cimi enviado à Justiça Federal destaca a permanente falta de soro antiofídico nas aldeias, um pedido dos indígenas dado o aumento do número de picadas de cobra, e casos de mortes ocorridas pela falta de atendimento adequado de saúde. Duas mortes foram destacadas: "A indígena Ajrua e a morte de um menino de cinco anos, que fraturou o fêmur. O menino, segundo os Awá, teria desaparecido do hospital, em Santa Inês. Mais tarde se soube que o pai do menino, que fala pouco português, pediu carona a alguém para voltar com o filho para a aldeia Awá, pois estava cansado de ficar no hospital há mais de três dias sem atendimento para o filho”.

    Tal como em vários povos, o nascimento de uma criança para os Awá deve respeitar uma cosmovisão específica e diferenciada. Se uma criança nasce pelas mãos do Sistema único de Saúde (SUS), nenhuma prática tradicional é respeitada: os familiares não podem entrar. "Com Awá recém nascido não se faz assim! Quando a mulher Awá tem seu filho, é a irmã dela que dá banho na criança ao nascer. É assim que Awá faz!”, diz Warixa’a Awa Guajá. Os indígenas também não concordam como os médicos examinam os pacientes, pedindo que os acompanhantes se retirem e adotando metodologias não explicadas aos Awá. Em muitos casos, por falta de documentação, os indígenas são impedidos de entrar no hospital.

    Sobre as crianças nascidas com algum tipo de deficiência, o relatório revela a intervenção desastrada de integrantes da Sesai: "Em 2015, ouvimos queixas dos Awá relacionadas a possíveis comentários de que o pessoal da saúde estaria atribuindo má formação ou deficiências das crianças por eles casarem entre irmãos. Isso gerou uma revolta grande internamente. Segundo eles mesmos, desautoriza as mulheres/mães mais velhas que sabem com quem os filhos devem casar. De fato, alguns casamentos foram modificados por isso. Aqui se percebe a influência dos técnicos de saúde na cultura, e a dispensa dos conhecimentos de nossa medicina para ajudar”, relata o Cimi à Justiça Federal.

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  • 07/10/2016

    Desrespeito aos direitos dos povos indígenas é retratado no minidocumentário “Guerra Sem Fim”


    Tortura, perseguição, massacre e desrespeito. Essas foram as palavras que marcaram os relatos dos indígenas registrados no minidocumentário “Guerra sem fim: resistência e luta do povo Krenak”. A produção da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6ª CCR) do Ministério Público Federal (MPF), em parceria com a Associação Nacional dos Procuradores da República e a produtora Unnova, foi exibida na Procuradoria-Geral da República (PGR) nessa quarta-feira, 5 de outubro, seguida de debate.

    O minidocumentário exibiu relatos de indígenas, antropólogos e membros do Ministério Público Federal sobre as ações de posseiros e militares que retiraram os Krenak do território em que viviam, na região do Rio Doce, em Minas Gerais, mediante prisão e forte repressão da cultura da etnia.

    Hoje, apenas 25 indígenas da etnia ocupam uma reduzida área reconquistada com grandes dificuldades. Para os membros do MPF, a produção cinematográfica é uma forma de retratação simbólica aos indígenas pelo sofrimento e pelas violações sofridas.


    Debate – O representante da etnia, Douglas Krenak, tocou uma flauta típica usada em manifestações culturais do seu povo para a plateia que assistia ao debate no auditório do Conselho Superior e agradeceu a presença de todos por prestigiar a narrativa dos Krenak.

    Ele destacou o momento propício de lançamento do documentário para os povos indígenas e elogiou a iniciativa do MPF. “Esse documentário chegou em um momento em que nosso povo está lutando por muitas coisas como a demarcação do nosso território – que até hoje não existe. Esse trabalho chegou em um momento que o nosso povo sofre com a construção de hidrelétricas, com a invasão do nosso território sagrado. Com iniciativas assim, vemos que fora da nossa vivência existem pessoas que têm coração e reconhecem o outro como ser humano”, ressaltou o representante dos Krenak.

    O coordenador da 6ª CCR, subprocurador-geral da República Luciano Mariz, classificou o minidocumentário como um fator motivador e enriquecedor para a atuação do MPF. Esse documentário tem a capacidade de empoderar o titular de direito. É a voz dos Krenak que se faz ouvir. Ao mesmo tempo, ele traz imagens históricas de violação dramaticamente constatadas. Ou seja, um discurso de qualquer um de nós não consegue se equiparar ao poder da palavra da vítima de violação”, citou o subprocurador.

    Massacre Indígena – A procuradora regional da República Eliana Torelly apresentou números do relatório final da Comissão Nacional da Verdade que apontam para 434 brasileiros não indígenas mortos durante a ditadura. Durante o mesmo período, o números de indígenas assassinados é de mais de 8.350. “Com base nesse relatório, concluímos que os indígenas foram as maiores vítimas do regime militar e o povo Krenak é a prova viva disso”, lembrou.

    Para o subprocurador-geral da República Mario Bonsaglia, coordenador da Câmara do Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional (7ª CCR), a iniciativa deve ser amplamente divulgada para que outras produções sejam realizadas no âmbito do MPF e, assim, traduzam as vicissitudes sofridas por outras etnias.

    Fonte: Secretaria de Comunicação Social
    Procuradoria-Geral da República

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  • 06/10/2016

    Povos Indígenas, eleições e o Bem Viver


    “Um povo que não sabe de onde vem,
     jamais saberá para onde ir.
    Um povo sem consciência histórica,
    jamais terá consciência ideológica”
    (Conselho Mundial dos Povos Indígenas, 1980)

    Quando começa a baixar a poeira das urnas eletrônicas, digitais ou não, é hora de um lento e atento olhar para os rumos e roncos das urnas. Nesse turbilhão de olhares, talvez em sua maioria descrentes ou decepcionados no caminho, emergem os povos indígenas.

    Como nas últimas décadas, não foi difícil contar o número dos indígenas eleitos, prefeitos ou vereadores. A percentagem é pequena. Porém, podemos garimpar alguns números e resultados expressivos. Os Terena, do Mato Grosso do Sul, comemoraram o fato de passarem de um para cinco vereadores. No Acre, pela primeira vez na história, os povos indígenas elegeram um prefeito. Os povos indígenas do Alto Rio Negro elegeram parentes para ocupar os cargos de prefeito e vice-prefeito em São Gabriel da Cachoeira. Eles já haviam eleito Pedro Tariano no final do século passado.  Os Xakriabá, em Minas Gerais, reelegeram o prefeito de São João das Missões. E assim poderíamos continuar pontuando alguns resultados positivos para os povos indígenas.

    Nas redes sociais, os indígenas eleitos agradecem os eleitores ou são gratificados pelos resultados obtidos. Outros manifestam seu desejo de continuar suas lutas pelos seus direitos nesses novos espaços. Neste sentido, vale lembrar a articulação dos parlamentares (vereadores indígenas) do Mato Grosso do Sul, por iniciativa do indigenista, professor Antonio Brand (in memoriam), através de encontros e debates sobre as possibilidades e limites de cada um em seus municípios e em conjunto enquanto indígenas.


    O grande desafio colocado, não apenas aos vereadores e prefeitos, mas ao movimento indígena é conseguir efetivamente fazer um bom trabalho numa conjuntura que é cada vez mais adversa aos direitos dos povos originários. Por outro lado, temos uma política partidária confusa, marcada pela forte corrupção, gerando um descrédito e descontentamento cada vez maior na sociedade e movimentos sociais e populares, bem como nos povos e comunidades tradicionais.

    Nos três poderes vemos avançar iniciativas contrárias aos direitos dos povos indígenas, com ênfase no Legislativo com a tropa de choque anti-indígena encastelada na bancada ruralista. Já reconstituíram a CPI da Funai e do Incra e deixaram a PEC 215 na marca do pênalti. E nessas investidas contra os direitos indígenas certamente estarão contando com o novo governo que deixou a Funai sem norte, e ainda mais pobre e subserviente. Ao movimento indígena e seus representantes eleitos, só resta a continuidade da mobilização permanente, desde as aldeias até Brasília. O importante é consolidar o movimento indígena, ampliar as alianças e fortalecer a resistência. Só assim talvez consigam se livrar das armadilhas e das trilhas da corrupção e cooptação a que estarão permanentemente submetidos.


    Nas trilhas do Bem Viver

    Nessa conjuntura de retrocessos no país e no continente, são preciosas as lutas vitoriosas e as conquistas de reconhecimento de direitos e os avanços constitucionais e na prática em países como Equador e Bolívia. O reconhecimento da plurinacionalidade, dos direitos da Mãe Terra, do Bem Viver, da interculturalidade e da justiça indígena, são indiscutivelmente avanços e referências para os movimentos indígenas no continente e no mundo.

    “O Bem Viver é eminentemente subversivo. Propõem saídas descolonizadoras em todos os âmbitos da vida Humana. O Bem Viver não é um simples conceito. É uma vivência” (Alberto Acosta).

    O Bem Viver, a partir das lutas dos povos por seus territórios, é a alma da resistência e o novo horizonte a nos iluminar o caminho. É antes de mais nada a contestação cabal do sistema capitalista, onde não há espaço para os povos indígenas, nem para aqueles que sonham e lutam por um país melhor para todos.

    Egon Heck
    Cimi – Secretariado Nacional

    Brasília, primavera de 2016

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  • 06/10/2016

    Estudo chega a 25 defensores de Direitos Humanos assassinados no Maranhão entre 2015 e 2016

    O Estado do Maranhão já soma 25 defensores de Direitos Humanos assassinados nos anos de 2015 e 2016. Os números incluem assassinatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais, ambientalistas além de representantes quilombolas e indígenas.

    Também incluem o estudo, os homicídios de lideranças comunitárias pela ação coordenada por traficantes de drogas e o assassinato de blogueiros em virtude de denúncias de corrupção.

    Uma delegação da União Europeia esteve em São Luís reunida com representantes da SMDH, da Comissão Pastoral da Terra (CPT Nacional) e da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Estado do Maranhão (FETAEMA) para discutir a situação dos defensores e defensoras de direitos humanos no Estado do Maranhão.

    Confira o documento produzido pela SMDH que detalha os casos aqui.

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  • 06/10/2016

    MST: Campanha pela liberdade dos presos da reforma agrária em Goiás

     

    Prezado companheiro

    Prezada companheira

    Paz, Justiça e muito Amor para toda a humanidade!

     

    Estamos lançando a Campanha Nacional e Internacional de Liberdade dos presos da Reforma Agrária do estado de Goiás, conforme subsídio, no anexo.

     

    Pedimos a sua solidariedade manifestando-se junto a algumas autoridades brasileiras, conforme texto-sugestão também no anexo. Caso você queira, pode fazer alterações; o que enviamos é apenas uma sugestão. Em nosso entender, no momento, é importante que tal manifestação seja dirigida às três autoridades indicadas no texto anexo, enviando cópia para o nosso Comitê.

     

    Contamos com dupla contribuição de sua parte: enviar a manifestação aos destinatários e divulgar essa Campanha ao máximo. Caso você tenha contatos fora do Brasil, utilize as versões apropriadas que seguem abaixo e no anexo.

     

    Agradecemos a você e a sua entidade por mais este gesto de solidariedade, no desejo de construirmos Justiça e Paz.

     

    Abraços.

     

    Coordenação do Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino

    comitedhdomtomasbalduino@gmail.com

     

     

    | PROPOSTA DE CARTA  A SER ENVIADA  POR CORREIO ELETRÔNICA ÀS TRÊS AUTORIDADES | 

     

    V. Exa. Marconi Perillo

    Governador de Goiás

    gabinete.particular@palacio.go.gov.br;

     

    V. Exa. Dra. Laurita Vaz

    Presidente do Superior Tribunal de Justiça

    presidencia@stj.jus.br

     

    V. Exa Dr. Leobino Valente Chaves

    Presidente Tribunal de Justiça de Goiás

    secexepres@tjgo.jus.br

     

    Com cópia para

    comitedhdomtomasbalduino@gmail.com

     

     

    Viemos, por meio desta, apresentar nossa grande preocupação com a recente escalada da repressão aos Movimentos Sociais no Brasil, especialmente no estado de Goiás. É de nosso conhecimento que lideranças e militantes do MST no referido estado estão presos e sendo perseguidos. Luiz Batista Borges encontra-se preso desde o dia 14 de abril de 2016, José Valdir Misnerovicz, liderança de renome internacional, encontra-se preso desde o dia 31 de maio e Lázaro Pereira da Luz, desde o dia 15 de junho último. Outros dois militantes encontram-se exilados.

     

    É extremamente grave que pessoas como eles, comprometidos com a justiça social e com a Reforma Agrária, estejam sendo criminalizadas pela única razão de lutarem para que terras griladas, improdutivas ou devedoras sejam convertidas em áreas de produção de alimentos para milhares de pequenos agricultores Sem Terra.

     

    Tais medidas repressivas são inaceitáveis e entendendo que os Direitos Humanos são uma demanda internacional, nos manifestamos pela imediata libertação dos presos políticos do MST em Goiás e pelo fim da criminalização da luta por reforma agrária no Brasil.

     

    Atenciosamente

     

    Data:

     

    Nome:

     

    Cargo/função:

     

    Entidade:

     

    NOTA SOBRE A CRIMINALIZAÇÃO DO MST

     

    – subsídio para a Campanha Internacional de

    Liberdade aos presos da Reforma Agrária – 2016 –

     

    22 de setembro de 2016.

     

    Está em curso uma grave e perigosa estratégia de criminalização do MST no estado de Goiás, a qual entendemos ser um atentando aos direitos humanos e um potencial risco para a luta popular não apenas no estado, mas em todo o país. Embora ainda circunscrita ao estado goiano, as ferramentas deste processo de criminalização e de estabelecimento de estado policial poderão ser utilizadas em qualquer outro estado brasileiro ou mesmo em âmbito federal, principalmente neste período de ruptura democrática.

     

    No dia 12 de abril, os juízes Thiago Brandão Boghi, Rui Carlos de Faria e Vitor Umbelino, das Comarcas de Santa Helena, Mineiros e Rio Verde, respectivamente, decretaram a prisão preventiva de quatro militantes do MST, que, apesar de não terem cometido nenhum crime, são acusado de fazerem parte de uma Organização Criminosa. O agricultor Luiz Batista Borges, integrante do acampamento Pe. Josimo Tavares, foi preso ao se apresentar na delegacia de Rio Verde, Goiás, no dia 14 de abril. No dia 31 de maio o militante José Valdir Misnerovicz, reconhecido nacional e internacionalmente como lutador pela reforma agrária, foi preso em uma ação articulada entre as polícias de Goiás e do Rio Grande do Sul, onde se encontrava Valdir. Já, Lázaro Pereira da Luz foi preso dia 15 de junho último, em Itapaci, Goiás.Os militantes Natalino de Jesus e Diessyka Lorena estão exilados.

     

    Esta é a primeira vez no Brasil que o MST é criminalizado com base na lei 12.850/2013, que diz respeito às organizações criminosas. Esta lei, supostamente criada para atuar contra lavagem de dinheiro e tráfico, pode ser considerada a legitimação de um verdadeiro Estado de Exceção. Com base nela, os inquéritos correm de forma sigilosa e podem automaticamente contar com delação premiada, infiltração de agentes, quebra de sigilo fiscal, bancário e telefônico, escuta ambiente e outras arbitrariedades.

     

    Diferente do enquadramento Formação de Quadrilha, acusação que historicamente os juízes reacionários tentavam imputar ao MST e que nunca foi acatada pelos tribunais superiores, a Organização Criminosa pressupõe a teoria do Domínio dos Fatos. Ou seja, a rigor, entendendo o MST como organização criminosa, qualquer militante pode ser acusado em qualquer inquérito que seja iniciado. É a tentativa absurda de colocar na ilegalidade um movimento democrático, que luta pela reforma agrária no Brasil.

     

    Toda essa ofensiva é fruto de um avanço das forças conservadoras em nível estadual e em nível nacional. Nos últimos três anos e meio a luta pela terra em Goiás passou por uma intensa massificação, saltando de 600 famílias acampadas em 2013 para 6.500 famílias em 2016. Nesse período ocorreu a ocupação Dom Tomás Balduíno, no complexo Santa Mônica, latifúndio improdutivo de propriedade de um senador brasileiro e fruto da expropriação de camponeses, e da Usina Santa Helena, latifúndio canavieiro que deve cerca de 1,1 bilhão de reais a trabalhadores e à União.

     

    Diante desse crescimento, o agronegócio, articulado com o poder judiciário local e estadual, com o legislativo federal e com o executivo estadual, desencadeou esse processo de repressão, com perspectiva de inviabilizar a luta pela terra no estado.

     

    Em nível federal, o golpe em curso tem fortes vínculos com o agronegócio e com as forças conservadoras do judiciário e do legislativo. A iniciativa de enquadrar o MST como organização criminosa, apesar de ter iniciado em Goiás, já é defendida pela Bancada Ruralista do Congresso Federal e por figuras políticas que estão à frente do golpe.

     

    Coordenação do Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino

    comitedhdomtomasbalduino@gmail.com

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  • 05/10/2016

    O judiciário está matando os Guarani-Kaiowa, denuncia indígena na Inglaterra e Áustria



    Por Ruy Sposati, de Londres (Inglaterra) – Assessoria de Comunicação do Cimi

     

    Em visita a autoridades da Inglaterra e Áustria, a liderança indígena Guarani Kaiowa Elizeu Lopes (na foto acima) denunciou os recentes ataques sofridos pelas comunidades de Guyraroka e Panambi/Lagoa Rica, cujos processos demarcatórios foram suspensos pela Justiça Federal. Para Elizeu, a reversão das terras demarcadas através do uso do marco temporal não é só um retrocesso, mas um ato de extermínio contra as populações indígenas no Brasil.

     

    "Enquanto eles pressionam pela PEC 215, Portaria 303, a Justiça já está nos exterminando usando o marco temporal, expulsando nosso povo da terra", afirmou a liderança a deputados austríacos e membros do governo inglês, na última rodada de encontros da delegação brasileira de incidência internacional indígena na Europa, composta por membros do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Fian Brasil e seções internacionais, além da Anistia Internacional.

     

    "O marco temporal é extermínio, é genocídio puro", disse Elizeu. "Nós já não temos acesso à agricultura, não temos terra para produzir, e temos nem floresta. O pouco que temos estão tirando, estamos voltando de novo para debaixo da lona na beira da rodovia".

     

    Na Áustria, a delegação se reuniu também com o cardeal de Viena, Christoph Schönborn, que se mostrou chocado com a situação dos Kaiowa e Guarani e também com a criminalização de lideranças e das organizações apoiadoras do movimento indígena, como é o caso do Cimi.

     

    Nas última semanas, Elizeu denunciou ao parlamento sueco o acordo que autoriza municípios do Mato Grosso do Sul a exportar carne produzida em áreas de conflito com indígenas para a Europa. Em Bruxelas, pediu que o Parlamento Europeu intervenha em favor da demarcação de terras indígenas no país. Ainda, o indígena participou do lançamento do relatório da ONU sobre a questão indígena no Brasil, em Genebra.


    Marco temporal
     

    Segundo a tese do marco temporal – estabelecida em 2008 pelo Supremo no julgamento da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima -, só pode ser reconhecida como terra indígena áreas que estivessem efetivamente ocupadas pelos indígenas no exato momento da promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988.

     

    Delimitada em 2011, a demarcação da terra indígena Lagoa Rica/Panambi foi anulada nesta semana por uma decisão da 1ª Vara da Justiça Federal de Dourados (MS), com base no chamado marco temporal. Já a terra indígena Guyraroka – cuja portaria do Ministério da Justiça foi publicada em 2009, reconhecendo tratar-se de território tradicional – também teve sua demarcação suspensa definitivamente em junho deste ano, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ainda, estão na mesma situação a demarcação das terras indígenas Limão Verde, do povo Terena, também no Mato Grosso do Sul, e a Porquinhos, do povo Apãniekra-Canela, no Maranhão.

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  • 05/10/2016

    Gritos perdidos na indiferença: Dom Roque Paloschi, presidente do Cimi, fala sobre o Brasil e a questão indígena



    Depois de dez anos e meio como bispo de Boa Vista, no Estado da Roraima, a partir de Dezembro de 2015 Dom Roque Paloschi é arcebispo de Porto Velho, capital da Rondónia. Alguns meses antes da sua transferência, o prelado – nascido na pequena cidade de Progresso – no Estado do Rio Grande do Sul – tinha sido nomeado presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a organização criada em 1972 para apoiar a luta dos povos indígenas do Brasil. No final de Julho, o CIMI obteve o estatuto de consultor para a temática indígena no Conselho Económico e Social (Ecosoc) das Nações Unidas.


    Este momento histórico 

    Dom Paloschi, o Brasil está a viver um período histórico muito particular.

    Sem dúvida. É um momento que nasce também de uma luta contra as conquistas sociais obtidas nos últimos anos. O novo Governo de Michel Temer é composto por corruptos, como o demonstra a situação de vários ministros. 

    No decurso do último ano, passou da diocese de Boa Vista para a de Porto Velho. Tornou-se também presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Qual das duas tarefas considera que será mais difícil?

    São dois desafios novos que exigem muito empenho. Todavia, não há dúvida que a questão indígena é hoje uma temática crucial no Brasil.

    Falemos então do CIMI, o organismo da Conferência Episcopal Brasileira.

    Foi criado nos anos 70 para acompanhar o caminho dos povos indígenas. Após oito anos com D. Erwin Kräutler à frente, desde há um ano eu assumi a sua presidência. Hoje o organismo está a viver um momento muito absorvente por causa da difícil condição dos indígenas. No Mato Grosso do Sul foi inclusive criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar sobre o seu comportamento.

    O CIMI tornou público no passado 15 de Setembro, como faz cada ano, o relatório sobre as violências perpetradas contra os povos indígenas no Brasil. Que quadro se apresenta?

    Que também no decurso de 2015 os povos indígenas sofreram um grande número de violências. Este relatório é um trabalho reconhecido a nível internacional. Com ele nós denunciamos a violência das empresas mineiras, das da agro-indústria e da madeira, mas também do Governo com as suas repressões policiescas em relação às populações indígenas.

    Em finais de Dezembro, um menino de etnia Kaingang foi morto na estação dos autocarros perante os olhos da mãe. Como é que o país reagiu?

    O assassino do Victor (1), um menino de dois anos, demonstra que a sociedade é discriminatória, muitas vezes alimentada pelos grandes meios de comunicação social do Brasil. A sua morte provocou, evidentemente, uma certa comoção, mas não há uma atitude de aceitação da sociedade brasileira face aos indígenas e a sua cultura. É violenta.

    A política «Bala, Boi, Bíblia»

    Pode fazer uma lista dos principais problemas dos povos indígenas do Brasil?

    O maior problema é a indiferença da sociedade brasileira. Uma indiferença histórica, que parte dos colonizadores que viam nos povos indígenas uma cultura atrasada. Como se não fossem pessoas com uma dignidade. O segundo problema é a agressão aos direitos que, a custos elevadíssimos, foram introduzidos na Constituição de 1988. Hoje há uma tentativa de desconstrução destes direitos através de muitas propostas de alterações constitucionais (Proposta de emenda constitucional, Pec). Há depois a invasão das terras demarcadas por mão de vários sujeitos: as companhias mineiras, as empresas da madeira, as companhias para as grandes obras do Governo. Podemos aqui recordar as centrais de Belo Monte, Balbina, Jirau e muitas outras. Há por fim o grande problema da saúde indígena, que se encontra num caos generalizado: as suas perspectivas são muito difíceis.

    Antes de ser destituída, a presidente Dilma não tinha feito muito pela questão indígena. Basta pensar que tinha como ministra da Agricultura Kátia Abreu, conhecida ruralista e anti-indígena. 

    Para os povos indígenas o governo Temer constituirá uma prova bem mais difícil do que o governo de Dilma. O objectivo deste governo é eliminar os direitos dos povos indígenas. É abrir o acesso às terras indígenas. É cortar as políticas de promoção indígena: da educação diferenciada às universidades. Nós não temos ilusões quanto ao governo Temer. Como não as temos quanto ao Congresso Nacional, cada vez mais hostil com a causa indígena e a causa afro. É um Congresso extremamente conservador e interessado apenas no capital internacional.

    Dom Roque, o senhor confirma que o Congresso brasileiro é dominado por partidos adversos aos povos indígenas?

    Confirmo. No Congresso nacional temos três bancadas anti-indígenas: a da Bíblia, a da bala e a do boi (2). Também o poder judiciário tem uma atitude completamente contrária. Numa palavra, todos os poderes do Estado mostram uma grande intolerância face aos povos indígenas.

    A ilusão do desenvolvimento

    Dom Roque, uma das objecções que se levantam às políticas indigenistas pode sintetizar-se numa frase: demasiada terra para poucos indígenas.

    É uma objecção infundada. Primeiro, toda a terra do Brasil era deles. Eles habitavam-na desde há muito tempo. Segundo, os indígenas têm um usufruto da terra e não a propriedade. Terceiro, é geralmente reconhecido, também pelo próprio Governo brasileiro, que as terras indígenas estão

    mais bem conservadas que as outras. Não mostram a destruição da Natureza como as outras. Os rios em terra indígena, os que não foram invadidos pelos garimpeiros, são de água cristalina. Por último, não é que a terra pertença aos indígenas, são os indígenas que pertencem à terra. Pertencer à terra em vez de ser seu proprietário é o que caracteriza um indígena. Esta é a diferença que, à primeira vista, aos nossos olhos parece incompreensível.

    Uma outra objecção diz respeito à necessidade do desenvolvimento económico, sobretudo agora que o país passou do milagre económico à crise.

    O país tem de encontrar o equilíbrio. Todos estes projectos servem? Nós temos de perguntar-nos que desenvolvimento queremos. Um desenvolvimento onde poucos têm muito e muitos não têm nada? Ou um desenvolvimento equilibrado em que haja uma relação correcta com o ambiente e a criação? Esta Casa comum – como a chama o papa – é muito mal administrada. Os povos indígenas são os que podem ensinar-nos a cuidá-la e a mantê-la. Segundo: com este ritmo de desenvolvimento não poderá haver recursos para todos. É necessário um percurso de austeridade, uma vida mais sóbria em vez da actual que prevê o consumo pelo consumo.

    É um facto que na Amazónia se esteja a fazer de tudo. De modo legal e ilegal.

    A Amazónia foi sempre vista como o lugar da abundância. Por Portugal primeiro, pelo Brasil depois, mas não pelos povos indígenas. Os seus recursos estiveram ao serviço do capital, nacional e internacional. Os projectos caem de cima e não respeitam os modos de viver dos que ali vivem desde sempre. Por outras palavras, são pensados para servir os grandes interesses e não certamente os povos amazónicos.

    O CIMI é muitas vezes acusado de fazer política. Como são as suas relações com o poder?

    A nossa relação é extremamente discreta. O nosso trabalho não precisa de presidentes. Nós seguimos o Evangelho.

    A Casa comum: destruidores e defensores

    Dom Roque, o que pensa da atitude do Papa Francisco a respeito dos povos indígenas? E dos erros cometidos no passado pela Igreja Católica em relação a eles?

    Já na Evangelii Gaudium o papa tinha falado dos povos indígenas. Na Laudato Si’ foi mais além escrevendo quase um hino de reconhecimento à riqueza dos povos indígenas. Quanto ao passado, em vários discursos proferidos na Bolívia e no México, Francisco reconheceu os pecados cometidos pela Igreja Católica relativamente a eles. Nós esperamos a sua visita ao Brasil em 2017. Estamos a procurar inserir uma etapa no Pará e em particular na região do rio Tapajós, onde a construção dos diques – estão previstos pelo menos 43 – está a pôr em risco a existência de muitos povos, inclusive alguns ainda incontactados (3).

    Desde sempre os povos indígenas são apontados como populações retrógradas. O senhor defende que as suas modalidades de vida podem ensinar muito a nós ocidentais.

    Desde há 500 anos que os povos indígenas puseram em causa a rapina e a violência contra a Mãe Terra, imposta pelo Ocidente com o seu modelo económico e de desenvolvimento fortemente destrutivo. Os povos indígenas podem-nos ensinar uma relação harmoniosa com o ambiente e a Natureza. Podem-nos ensinar a viver sem ser escravos do dinheiro e da acumulação.

    Dom Roque,(4) como vê o futuro o presidente do CIMI?

    A decisão está nas nossas mãos: ou acolher o grito dos povos indígenas ou destruir a nossa Casa comum em nome do lucro e do bem-estar de poucos. 

     

    Notas

     

    1. Sobre os assassinos dos indígenas na América Latina, veja-se: Além-Mar, Junho 2016.

    2. A bancada da Bíblia é liderada pelo pastor neopentecostal Marco Feliciano, a do boi pelo médico e ruralista Ronaldo Caiado e a da bala pelo militar Jair Bolsonaro.

    3. Sobre as obras em terras indígenas, veja-se: CIMI, Empreendimentos que impactam terras indígenas, 2014.

    4. Veja uma recente entrevista a D. Paloschi no canal de YouTube de Paolo Moiola


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  • 04/10/2016

    Balbina no país da impunidade: o caso Waimiri-Atroari não é um exemplo a ser seguido



    Sob o título “IGNORÂNCIA OU MÁ FÉ SOBRE AS HIDRELÉTRICAS EM TERRAS INDÍGENAS”, Claudio Sales e Alexandre Uhlig, em o Valor Econômico, defendem a continuação de projetos hidrelétricos em áreas indígenas da Amazônia, exaltando seus benefícios para as populações amazônicas “(incluindo a indígena)”. Para comprovar suas afirmações os autores sugerem “uma análise serena sobre experiências passadas que desmontam o argumento segundo o qual hidrelétricas seriam uma ameaça a populações indígenas”. Eles focam na experiência de Balbina como “exemplo documentado” da ação da Eletronorte em beneficio do povo indígena atingido pelo empreendimento energético implantado.

    Em resposta vou ater-me também à questão Waimiri-Atroari, povo com quem convivi com a família durante um ano e meio e venho acompanhando desde os anos 60 pelo noticiário e desde 1980 diretamente morando em seu território tradicional.

    Em primeiro lugar alguns esclarecimento para os articulista: 

      O povo indígena Waimiri-Atroari não habitava “parte da área do reservatório da hidrelétrica de Balbina”, mas toda a area do reservatório.

      A primeira providencia do programa Waimiri-Atroari-PWA, da Eletronorte foi a transferência das duas aldeias Taquari e Topupuna, atingidas pelo lago e não a “demarcação da terra indígena”.

      Omitem os dados do levantamento da Universidade de Brasilia, de 1983, quando o povo Waimiri-Atroari chegou ao seu número mais baixo, 332. Quando o Programa foi criado já estavam em franco crescimento, como prova o número dos 374. Estudo do Prof. Marcio Silva da USP, comprova que o crescimento entre 1983 e 1987 (ano da criação do PWA) o crescimento populacional Waimiri-Atroari, neste período, foi, inclusive, maior do que posteriormente período do PWA.

      A interferência da FUNAI e dos empresários do setor energético e mineral interrompeu em 1987 um programa abrangente cuidadosamente elaborado por um Grupo de Trabalho-GT constituído pelo primeiro presidente da Funai, logo após os 20 anos de Ditadura.


    Uma análise serena inclui um olhar sobre experiências passadas que desmontam o argumento segundo o qual hidrelétricas seriam uma ameaça a populações indígenas.” Vou mostrar que o contrario desta afirmação do artigo de “Valor Economico” é verdadeiro.


      Um olhar sobre a experiência passada do povo indígena Waimiri-Atroari, demonstra como são prejudiciais as hidrelétricas na Amazônia para os povos indígenas e populações não indígenas.Os trabalhos de Balbina iniciaram nos anos 60 sob a direção da Empresa Eletronorte e perpassaram os anos 70 e não apenas os 80, como, por astúcia, os autores do artigo em Valor Econômico escondem a verdade. Este projeto energético teve ativa participação no genocídio do povo Waimiri-Atroari. Quando começaram os estudos sobre as possibilidades da construção de Balbina, em 1968, a população do povo Waimiri-Atroari era estimada em 3.000 pessoas, (vejam Calleri 1968 e FUNAI 1972).


      Havia então pelo menos 8 aldeias na área do reservatório de Balbina, 6 delas citadas em documento da FUNAI de 1972: as malocas “dos capitões Canori, Coroinha, Abonari, Tomaz, Manoel e Pedro e outras aldeias arredias”. No alto Abonari havia duas aldeias, Taquari e Topupuná. Por volta de 1973 começou uma pressão contra o livre trânsito entre as aldeias do Alto e do Baixo Abonari e do rio Uatumã (área do reservatório). Denúncias da época falam até de grade colocada pelos militares sob a ponte do Abonari, na BR-174, impedindo a passagem dos índios em suas canoas. É evidente que se tratava de forçar as aldeias a abandonarem o seu habitat da área do lago. Como os índios teimaram em não desocupar esta e outras áreas, durante o ano de 1974, sumiram aldeias em todo o território Waimiri-Atroari. Segundo os índios Atroari da margem direita do Alalaú nos informaram, as aldeias foram bombardeadas por produto “igual pó” jogado “kawune=do alto”. Entre elas sumiram 9 aldeias na Região da mina do Pitinga, onde se instalou a mineração Taboca e as 6 aldeias supracitadas do Baixo Abonari, área do lago de Balbina.




      Quando os índios do Norte contavam as cenas de violência sofridas por eles na região do Alalaú, durante a travessia da Br-174, incluindo bombardeios aéreos, frequentes vezes, concluíam dizendo que a violência sofrida pelos irmãos do Axia (Ig. Abonari) foi ainda pior. Citavam, nominalmente, parentes casados com Waimiri, mortos lá. “Foi avião que matou o pessoal do Axia” – concluíam. “Lá o massacre aconteceu no final da festa, quando os índios ainda não se haviam dispersado.” “No Camanaú desceram de helicóptero e mataram muita gente com espingarda. Agora tem pouca gente”.

      Tenho certeza que os dirigentes da Eletronorte da época e o atual coordenador do PWA da empresa Eletrobrás, sabem muito mais do que eu, sobre a violência sofrida então pelos Waimiri-Atroari durante os anos 70, para “limpar” a área do futuro lago. Cadê a “documentação e registro da memória dos Waimiri-Atroari”, da Eletronorte, do PWA e alardeado pelo VE.? Cadê o registro dos Waimiri-Atroari, mortos no Massacre do Alalaú II, em novembro de 1974, onde morreram funcionários da FUNAI, cujos cadáveres foram recolhidos pelo hoje funcionário da Eletrobrás, José Porfirio de Carvalho, há quase 30 anos coordenador do PWA? Autor do livro: “Waimiri-Atroari, a Historia que ainda não foi contada”, Carvalho conta o massacre da expedição do Pe. Calleri e dos funcionários da FUNAI, mortos pelos Waimiri-Atroari, mas não cita um nome de índio morto ou sumido pelos invasores: os militares, a FUNAI, Mineradora Paranapanema e Eletronorte.

      Das aldeias do Baixo Abonari e do Uatumã, não restou uma só. Restaram duas no Alto Abonari, Taquari e Topopuna, negadas pela Eletronorte, até que por pressão internacional, foi forçada em 1987 a reconhece-las. E a primeira ação do Programa Waimiri-Atroari-PWA foi a transferência, às pressas, dessas duas aldeias,(e não foi a demarcação da reserva, “(primeira providência do programa)”, como mentem, os autores do artigo no VE. Uma ação fora da lei, porque até hoje não foram indenizados como manda a Carta Magna e a Organização Internacional do Trabalho (OIT).


      Esta interferência do Estado através do Exército e da FUNAI em função dos interesses empresariais (energia e minério) levou o povo Waimiri-Atroari à ruina, ao caos. À uma depopulação drástica. Em apenas 10 anos dos 3.000 em 1972, restaram apenas 332 em 1983.

      Na virada da Ditadura um conhecedor da situação Waimiri-Atroari, Ezequias Heringer, foi chamado pelo presidente da FUNAI, onde ocupou um cargo importante. De imediato propôs iniciar mudanças profundas na política do órgão. E começou pela situação aflitiva dos Waimiri-Atroari. Criou um Grupo de Estudos e Trabalho-GET, integrado por várias entidades e experts na questão para fazerem um levantamento da situação e proporem um novo programa de atividades. Sem preconceitos, além das pessoas da FUNAI, incluiu no GET índios Waimiri-Atroari, professores de universidade, integrantes da Operação Anchieta-OPAN e do CIMI. Após meio ano de atividades na área, em reunião realizada na aldeia Yawará, o GET apresentou uma proposta abrangente.


      Os índios, por sua vez, apresentaram a sua urgência maior: um programa de alfabetização. Ate então a FUNAI em seus quase 20 anos de presença não tinha nenhum plano neste sentido. Pior, não conseguiu reunir um vocabulário mínimo da língua desse povo. Seus tuchauas eram tratados por apelidos dados pelos funcionários. Sequer a autodenominação do povo era conhecida. A proposta do GET incluía além da alfabetização, acompanhamento na saúde, na economia, com pesquisa antropológica, linguística e freio aos interesses que já haviam iniciado o saque do território indigena. O trabalho começou imediatamente, iniciando pela solicitação dos índios: a alfabetização que se valeu do método Paulo Freire, mundialmente reconhecido.


      Houve desde o inicio um rigoroso acompanhamento de especialistas da FUNAI na área que acabaram por recomendar a extensão do trabalho de alfabetização da Aldeia Yawará a todo o território Waimiri-Atroari. Mas, sem demora, os empresários, empenhados no saque dos recursos da reserva, e o recém-empossado Presidente da Funai, Romero Jucá, conhecido pelego das mineradoras, não aguentaram a mudança. Covardemente expulsaram todos os membros do GET atuantes na área e transferiram ao arrepio da lei, a politica indigenista dos Waimiri-Atroari ao comando da empresa Eletronorte. Todo o programa elaborado e em execução pelo GET foi desmontado.


      Ficou evidente que o investimento na construção da BR-174 e o genocídio dos índios Waimiri-Atroari visava o saque das riquezas naturais da região e não o “beneficio do povo amazonense e local”. O objetivo era a instalação de Balbina e o saque do Minério. Por iniciativa do Banco Mundial, foram transferidos recursos nunca vistos em qualquer área indígena do país, recursos que servem para manter os Waimiri-Atroari à margem do movimento indígena nacional e jogar areia nos olhos dos índios e da sociedade para manter ocultos os crimes do passado, isolando o povo Waimiri-Atroari das pessoas e entidades que puderiam animá-los a exigir os seus direitos frente aos saqueadores de suas riquezas e revelar a sua historia sob novos olhos e não sob o dos seus assassinos. Esta é a razão por que Valor Econômico não quer a presença de entidades que criticam os projetos.energéticos.


      Mediante imposição dos financiadores do projeto, o grande volume de recursos do Banco Mundial, o povo Waimiri-Atroari tem hoje uma estrutura própria e vive à margem do movimento indígena nacional e do restante da sociedade. Assim são impedidos de contar o genocídio que o seu povo sofreu durante a construção da BR-174, Balbina e a instalação da Mineração Taboca. Desde 1981 o minério mais cobiçado do mundo desfila pela BR-174, sem controle algum da SEFAZ.


      Não seria dali que sai o suborno que paga reportagens tendenciosas e mentirosas, como esta do Instituto Acende Brasil no V. Econômico? Sem nenhuma alusão ou critica ao seu programa, alardeia o fato do crescimento demográfico da população Waimiri-Atroari, como grande feito e resultado da politica empresarial, procurando esconder outros grandes problemas que vem impondo ao povo Waimiri-Atroari, como a doutrinação ou catequese econômica mediante a qual a cultura deste povo está se transformando paulatinamente em mercadoria, vendida em lojas, sob o controle da Empresa e não dos índios, nas cidades circunvizinhas, Manaus, Presidente Figueiredo e Novo Airão.


      Quando propagam o aumento populacional como resultado de iniciativas do PWA, esquecem de referir que esta recuperação, já estava em curso quando o PWA iniciou e com um índice anual superior ao que se verificou durante a política empresarial. Como prova pesquisa do professor Marcio Silva da USP.


      Há que se referir ainda que o povo Waimiri-Atroari, talvez exatamente devido ao seu crescimento populacional recente e à morte violenta de suas principais lideranças durante o processo de instalação empresarial e da BR-174, enfrenta hoje sérios problemas de consaguinidade ou genéticos, que exigiriam mais do que qualquer outro povo, a presença de especialistas como previa o programa do GET, alijado da área pelos dirigentes do PWA da Eletronorte.


      Para uma empresa acostumada a resolver tudo de cima para baixo, tudo parece muito simples quando se tem milhões de dólares para gastar. De fato, o primeiro problema que estes empresários resolveram com o dinheiro, foi isolar os Waimiri-Atroari do movimento indígena nacional e afastar as “indesejáveis” ONGs. Após a retirada dos membros do GET, nenhuma revelação sobre sua historia recente aconteceu. Todo o professor, funcionário ou jornalista que ouse se aproximar desse povo com a criatividade que sua profissão exige, esbarra com os dirigentes do PWA. Assim o povo Waimiri-Atroari vive hoje isolado. Isolamento que chega ao ridículo. Na semana passada o meu filho luiz Augusto, passando pela Reserva na BR-174, encontrou dois Waimiri-Atroari na saída da reserva, no rio Jundiá. Um deles dizia-se funcionário do PWA. Ofereceu um exemplar do livro: A DITADURA MILITAR E O GENOCÍDIO DO POVO WAIMIRI-ATROARI, de autoria do Comitê pela Memória, Verdade e Justiça do Amazonas, cujo primeiro capitulo é fruto da primeira experiência de alfabetização vivida por eles, portanto de autoria deles mesmos. Embora ambos se mostrassem muito interessados no livro, disseram que não podiam recebe-lo porque os dirigentes do PWA não o permitiam.


      Com receio de que os Waimiri-Atroari se conscientizassem e que a sociedade brasileira tome conhecimento do que aconteceu a esse povo durante o planejamento e construção de Balbina, da BR-174 e da instalação da Mineração Taboca, os responsáveis por estes empreendimentos até hoje fazem questão de “cuidar” desses índios, mantendo-os afastados de entidades e organizações que poderiam conscientizá-los sobre os seus direitos quanto à exploração de energia e minérios no município e na reserva indígena. A ânsia desses empresários de se afirmarem como os únicos a “cuidar bem” desse povo, mantendo até a FUNAI afastada, visa evitar que a sociedade tenha acesso à História dos Waimiri-Atroari, onde houve participação direta de suas empresas nos crimes de ontem e de hoje.


      Toda a vez que o Governo cria um grande projeto na Amazônia em terras indígenas, o índio é visto como “empecilho” e como tal, afastado do caminho. Da BR-174, Mineração Taboca e hidrelétrica de Balbina em terras Waimiri-Atroari, aos tempos de Belo Monte em terras Kayapó, e hoje das tentativas de construção de mais um desses Monumentos a Insanidade Humana, em São Luiz do Tapajós, a atitude dos empresários não mudou e jamais mudará. É sempre desastrosa para os índios e para as populações locais.

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  • 04/10/2016

    Despejo de aldeia Gamela é suspenso pelo TJ/MA e indígenas denunciam plano de fazendeiros para assassinar lideranças


                                   Crédito: Rosimeire Diniz/Cimi Regional Maranhão


    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi


    O Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão (TJ/MA) suspendeu uma reintegração de posse, com prazo de execução encerrado nesta segunda-feira, 04, contra a aldeia Piraí do povo Gamela. A terra em disputa, retomada pelos indígenas no último mês de agosto, fica na divisa dos municípios de Viana e Matinha, constando não apenas nos relatos dos anciãos, mas também em documentos de ‘doação’ aos Gamela – caso das Sesmarias de 1759. A terra indígena está em processo de demarcação pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

     

    Tenack Serra Costa Júnior, que utiliza a área tradicional dos Gamela para retirar matéria-prima à cerâmica da qual é proprietário, entrou com o pedido de despejo. O juiz da Comarca Estadual de Matinha, Celso Serafim Júnior, em decisão liminar de 1º de setembro, ordenou que a reintegração de posse fosse realizada em 30 dias – sob pena de multa ao Governo do Estado. O juiz de Matinha justificou sua decisão questionando a identidade indígena dos Gamela, o direito de conquista dos colonizadores. Os Gamela recorreram, e apesar de decisão positiva seguem temerosos.

     

    No início desta semana, os Gamela divulgaram uma nota pública (leia aqui) denunciando os planos de fazendeiros para matar lideranças do povo. Os indígenas gravaram as ameaças realizadas pelo fazendeiro José Manoel Penha, incluindo o relato dos planos de assassinatos. Conhecido como Castelo, Penha revelou uma reunião realizada entre fazendeiros, na cidade de Viana, para tratar das “invasões” realizadas pelos Gamela. Segundo Penha, na nota divulgada pelos indígenas, a solução seria matar “uns quatro cabeças”. Outros planos dão conta do assassinato de um padre da Igreja Católica, que apoia os Gamela.

     

    Em 15 de fevereiro, estas ameaças foram apresentadas ao Secretário Estadual de Segurança Pública e ao Superintendente de Polícia Civil do Interior, bem como foram entregues as gravações. Também foram registradas na Superintendência da Policia Federal, no Maranhão (SIC)”, diz trecho da nota dos Gamela. Nenhuma investigação foi realizada pelas autoridades públicas competentes. “No dia 21 de agosto, pistoleiros (…) invadiram a nossa aldeia, dispararam tiros de uma pistola .40 e ainda prometeram um banho de sangue”, segue a nota. A aldeia em questão é a Piraí, alvo da reintegração de posse indeferida pelo TJ/MA e com a incidência da propriedade de Tenack Serra Costa Júnior, também conhecido como Júnior da Cerâmica.

     

    As lideranças ameaçadas e citadas pelos fazendeiros são Antonio de Marcírio, Jaleco, Inaldo, Jaldo, Kaw, Mandioca, Foboca, Zé Oscar, ‘Seu’ Duca e Carrinho. Na invasão de pistoleiros em 21 de agosto, três homens armados e trajando coletes à prova de bala invadiram a retomada realizada pelo povo Gamela. Conforme os indígenas, os homens chegaram numa caminhonete branca, se identificaram como policiais e chamaram pelas lideranças do povo. Procurando pelas lideranças, os indivíduos ameaçaram os indígenas e estavam em uma caminhonete cuja placa está registrada no nome da Ostensiva Segurança Privada LTDA., com sede em São José do Ribamar (MA) – conforme apuração na Secretaria Estadual de Segurança Pública.

     

    A situação é cada vez mais perigosa. Passamos as noites acordados e tememos pela morte de lideranças. Estamos decididos a permanecer na terra e esperamos que as autoridades públicas tomem providências”, afirma Kum´Tum Gamela. Para o advogado Rarafel Silva, assessor jurídico da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o que preocupa é que um clima bélico está disseminado entre fazendeiros e proprietários da região contra os Gamela "com racismo difuso, já foram claras as ameaças de morte, grupos de jagunços. Mesmo sem o cumprimento (do despejo) eles podem se utilizar dessa decisão para considerar legítimo o uso de força privada pra retirar os Gamela”, afirma Silva.

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  • 04/10/2016

    “Cardápio” da bancada ruralista traz venda de terras a estrangeiros como prioridade


    Texto e foto por Tiago Miotto, assessoria de comunicação do Cimi

    Em mais uma de suas reuniões-almoço realizadas em Brasília, nesta terça-feira (4) a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) pautará em seu “cardápio” a aprovação do Projeto de Lei (PL) 4059/2012, que pretende liberar no território brasileiro a compra de terras por empresas com capital estrangeiro.

    Na avaliação dos movimentos sociais, este PL pode colocar em risco a soberania alimentar do Brasil e aumentar ainda mais os conflitos no campo e a pressão sobre os territórios dos povos indígenas e comunidades tradicionais, já afetados pela pressão do modelo destrutivo do agronegócio.

    Mais: “Ruralistas entreguistas: a desnacionalização do território brasileiro”

    O projeto de lei de 2012 é parte da “Pauta Positiva” da bancada ruralista para o biênio 2016-2017 e, exceto para os grandes proprietários de terras, de positiva não tem nada.

    Apresentada pelos ruralistas como moeda de troca pelo apoio ao processo de impeachment de Dilma Rousseff, a pauta também exige, entre outras coisas, a flexibilização do conceito de trabalho escravo contemporâneo, para legalizar a superexploração de trabalhadores e trabalhadoras no campo, e a PEC 215/2000, que pretende transferir a competência da demarcação de terras indígenas do Executivo para o Legislativo e, na prática, inviabiliza as demarcações e coloca em risco as terras já demarcadas.

    O escopo do PL 4059/2012 é regulamentar o artigo 190 da Constituição Federal, que dispõe sobre a venda de propriedades rurais brasileiras para estrangeiros. Atualmente, um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), de 2010, veda esta prática.

    No artigo “Ruralistas entreguistas: a desnacionalização do território brasileiro”, o secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto, aponta a contradição do discurso ruralista, que costuma denunciar as demarcações de terras indígenas e as organizações apoiadoras dos povos originários como movidas por escusos “interesses internacionais”.

    “Como está evidente, o que realmente interessa aos ruralistas é ‘parecer’ nacionalistas e usar o argumento do risco à desnacionalização do território brasileiro de modo sofista em defesa dos interesses de apropriação privada, inclusive das terras indígenas, seja por eles próprios, seja por representantes do capital internacional”, afirma o artigo.

    Em agosto, diversos movimentos sociais manifestaram-se contra o PL 4059, afirmando que “vender terras públicas significa vender biodiversidade, água, bens naturais, subsolo e o controle de nosso território ao capital estrangeiro. A venda dessas terras vai beneficiar somente o grande capital nacional e transnacional. Isso significa nenhum benefício para agricultura do país, para a produção de alimentos saudáveis, para a preservação dos recursos naturais, ou para nossa economia. Ao mesmo tempo em que abre a possibilidade de compra ilimitada pelos estrangeiros, temos o direito à terra negado a milhões de brasileiros”.

    Outro projeto que pode se tornar ainda mais danoso com a aprovação do PL 4059/2012 é o Programa de Desenvolvimento Agrário (PDA) Matopiba, criado em 2015 e capitaneado pela então ministra da Agricultura, Kátia Abreu (PMDB), com a finalidade de expandir a “fronteira agrícola” sobre o Cerrado.

    Definido pelos povos indígenas e comunidades tradicionais como um projeto de destruição, o Matopiba compreende áreas dos estados do Maranhão (MA), Tocantins (TO), Piauí (PI) e Bahia (BA), para as quais os ruralistas vêm buscando investimentos internacionais. Atualmente, o Cerrado já sofre com o avanço do agronegócio e pelo menos dez pequenos rios desaparecem por ano do bioma conhecido como “berço das águas”, conforme salientou a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, lançada na semana passada com o tema “Sem Cerrado, Sem Água, Sem Vida”.

    Segundo a agenda ruralista, a reunião desta terça (4) terá como pauta também a flexibilização do licenciamento ambiental e a composição da nova Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) contra a Funai e o Incra, reaberta numa sessão que ocorreu de madrugada, no final de agosto, enquanto a presidenta Dilma Rousseff defendia-se no julgamento do processo de impeachment no Senado Federal.

    A CPI foi reaberta sem que sua versão anterior apresentasse sequer um relatório sobre as “investigações” dos parlamentares, que vigorou por oito meses e foi prorrogada duas vezes de forma unilateral pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), e uma vez pelo novo presidente, Rodrigo Maia (DEM/RJ).

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