• 20/10/2016

    Juízes dizem à ONU: “Estado Brasileiro persegue lideranças indígenas”


    A Associação Juízes para a Democracia (AJD), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Foodfirst Information and Action Network (Fian Brasil) e a Justiça Global entregaram este mês ao Conselho de Direitos Humanos da ONU um relatório sobre a situação dos direitos humanos dos povos indígenas.

    “O Estado Brasileiro persegue lideranças e dificulta a atuação dos movimentos e organizações de apoio, inviabilizando não só a fruição de direitos como a plenitude da vida democrática”.

    O documento aponta retrocesso de direitos em três eixos: acesso à justiça, criminalização (de lideranças e de organizações que defendem os povos indígenas) e entraves jurídicos para efetivar a demarcação de terras. Em comparação com as recomendações de 2012, as organizações concluem que a maior parte delas não foi efetivada pelo Estado.

    Justiça à revelia

    Em relação ao primeiro eixo, o direito dos povos indígenas de acesso à justiça, o documento aponta uma judicialização dos conflitos sem a participação das etnias. “Ao Poder Judiciário cabe não dar andamento a qualquer processo que tenha possibilidade de atingir a esfera de direitos dos índios, de qualquer natureza, sem que a eles seja possibilitado participar”, diz o documento. Mas se torna rotina que, na maioria dos processos, “os povos indígenas sequer são chamados para integrarem os mesmos e apresentarem defesa ou manifestação”.

    O exemplo mencionado é o da Terra Indígena Guyraroká, do povo Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Em 2015 a comunidade foi surpreendida com uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu a posse permanente – conforme ato do Ministério da Justiça, em 2009 – de 11.401 hectares. “Até a decisão, os indígenas sequer haviam tomado conhecimento da ação judicial”, enfatizam as organizações, que pedem a nulidade dessa decisão.

    Demarcação lenta

    Sobre a lentidão nos processos de demarcação de terras, a AJD, o Cimi, a Fian e a Justiça Global informam à ONU que obras públicas são realizadas sem qualquer diálogo com as comunidades afetadas, “descumprindo a necessidade de consulta e participação”. E que os órgãos oficiais permanecem vulneráveis às pressões dos poderes econômicos e políticos locais. “Assim temos o extermínio, a desintegração social, opressão, mortes, ameaças, marginalização, exclusão, fome, miséria e toda espécie de violência física e psicológica”.

    Conclusão: o Estado não cumpre seu papel. E a demora em todas as instâncias do Judiciário “agrava ainda mais a notória situação de violência”, “rompe com o trato dos direitos humanos” e “agrava a situação das comunidades indígenas”. Por isso o documento pede prioridade absoluta, por meio do Conselho Nacional de Justiça, a partir de um mapeamento minucioso de todos os processos em trâmite.

    Violência

    O relatório entregue às Nações Unidas descreve a movimentação dos representantes do agronegócio – os ruralistas – nos últimos anos para retomar a tramitação de instrumentos danosos aos povos indígenas, como a PEC 215, “que inviabiliza novas demarcações de terras indígenas e titulações de terras quilombolas e legaliza a invasão e a exploração das terras indígenas já demarcadas”.

    Em paralelo a isso, parlamentares da bancada ruralista, dirigentes de sindicatos rurais patronais e associações de produtores de commodities agrícolas “espalham o ódio e o terror contra os povos e suas comunidades”, com discursos de incitação ao ódio e à violência ao longo de 2014 e 2015. Consequência: “assassinatos de lideranças indígenas que lutavam pela demarcação”, ou na proteção de suas terras, e “sistemáticos ataques paramilitares contra comunidades indígenas ao redor do Brasil”.

    Contra os Guarani Kaiowá, diz o documento, foram mais de dez ataques, “desferidos por milícias comandadas por fazendeiros”, que resultaram em liderança assassinada” e dezenas de indígenas, inclusive crianças e idosos, feridos”. O assassinato de 891 indígenas entre 2003 e 2015 – 426 deles no Mato Grosso do Sul – é descrito como um genocídio.

    Criminalização

    As organizações apontam aumento, nos últimos anos, da tentativa dos ruralistas de criminalizar lideranças indígenas, profissionais de antropologia, organizações e pessoas da sociedade civil que atuam em defesa dos povos indígenas. Como na CPI do Cimi, na Assembleia do Mato Grosso do Sul, e a CPI da Funai/Incra, na Câmara.

    Juízes e indigenistas descrevem ainda o agravamento, em 2015, das invasões para exploração ilegal de madeira e outros bens, “pela prática macabra de atear fogo intencionalmente no interior dessas terras”. “A ação dos madeireiros resultou na ampliação em larga escala das queimadas e consequente destruição generalizada da fauna e da flora”. No caso do povo Guajajara, no Maranhão, as queimadas atingiram metade dos 413 mil hectares da Terra Indígena Arariboia.
    A omissão do Estado, portanto, ocorre, segundo as organizações, “desde a falta de ações preventivas e efetivas na proteção das terras indígenas até a impunidade dos assassinos das lideranças”.

    O documento termina falando da resistência dos povos aos “projetos de morte e a própria morte que o Estado e outros atores sociais lhes imputam”.

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  • 20/10/2016

    Ministério da Saúde viola princípio da descentralização e retira autonomia da Sesai


                                                             Foto: Laila Menezes/Cimi

    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

    A autonomia e a descentralização da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) às unidades gestoras na condução do Subsistema de Saúde Indígena foram derrubadas pelo ministro da Saúde, Ricardo Barros. Sem consultar os povos indígenas, o ministro revogou a Portaria nº 475, publicada em 17 de março de 2011, que delegava competência exclusiva à Sesai na gestão orçamentária e financeira, garantindo ao órgão estatal autorização para compartilhar com os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) a decisão sobre a aplicação dos recursos.

    O ministro baixou a decisão com a Portaria nº 1.907, publicada nesta terça-feira, dia 18, no Diário Oficial da União. Na prática, as coordenações dos 34 DSEI’s, criados a partir da Lei Arouca (1999), não poderão mais ordenar despesas, fazer contratos e licitações. Como os DSEI’s atuam diretamente nas terras indígenas, os povos estarão submetidos a decisões centralizadas em Brasília sobre demandas diferenciadas e específicas. Se o coordenador local precisar comprar combustível para buscar um indígena em uma aldeia, seja de barco, avião ou carro, terá de pedir para o ministro e aguardar a resposta.

    “É o primeiro movimento para acabar com a autonomia do DSEI. Será tudo centralizado e com controle político. Um verdadeiro absurdo, nem na época da Funasa (a Fundação Nacional de Saúde, extinta em 2010) era assim”, diz o indígena Paulino Montejo, assessor da Articulação Nacional dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). A Portaria 1.907, para Montejo, afeta outra portaria, a 33/2013, que fica sem base legal. “É o golpe chegando na Sesai, não há outra interpretação possível”, conclui.

    A Portaria 33, publicada em 22 de maio de 2013, regulamenta as competências de gestão financeira e orçamentária delegadas pela Sesai aos coordenadores dos DSEI’s – observando as atribuições da Portaria nº 475/2011. Entre outras competências atribuídas, estão a de ordenar a realização de despesas, conceder suprimento de fundos, requisitar transportes e emitir notas. A descentralização visa atender de forma eficaz a política pública, observando as necessidades diferenciadas do atendimento a cada povo.
       

    “O Ministério da Saúde passa a desrespeitar o princípio da descentralização, um dos requisitos do Subsistema de Saúde Indígena. A centralização causará ainda mais atrasos na execução da atenção à saúde indígena”, pontua o secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto. Para o missionário, a concentração em Brasília de despachos, ordens de serviços e destinação de recursos acabará ainda com o controle social dos povos indígenas.

    Todo DSEI é fiscalizado por um Conselho Distrital de Saúde Indígena, composto por lideranças das aldeias, governo, organizações indígenas, indigenistas e da sociedade civil. A partir do momento em que as execuções orçamentárias forem retiradas do DSEI, estes conselhos perderão a finalidade. Por outro lado, os gastos com as reuniões dos conselheiros terão de passar pelo crivo da burocracia na Capital Federal. Custos que envolvem longos deslocamentos e amiúde entendidos pela burocracia palaciana como inviáveis.

    Outros ministérios também passaram a ter gestões centralizadas, o que indica uma orientação do governo de Michel Temer, como o Ministério da Justiça. “No caso dos povos indígenas afeta diretamente um requisito (a descentralização) fundamental para a execução do atendimento diferenciado de saúde. Essa portaria aumenta a vulnerabilidade dos povos indígenas, além de retirar o controle social e aumentar a possibilidade de corrupção, desvios”, diz Buzatto.

    Para lideranças indígenas e indigenistas, a medida vem na esteira da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, a PEC da Morte, que congela os gastos do governo por 20 anos. "A aprovação definitiva da PEC 241, que já foi aprovada em primeiro turno, implicará no orçamento de 2017 uma redução de R$ 430 milhões nas políticas públicas que atendem a agricultura familiar, a reforma agrária, os povos indígenas, os quilombolas e as comunidades tradicionais, diretamente nos serviços essenciais de saúde e educação e de direitos humanos em geral”, disse em nota a Apib.

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  • 19/10/2016

    Polícia Federal matou Oziel Terena, conclui MPF; delegada que arquivou investigação na Corregedoria da PF é esposa de comandante da operação

    Ministério Público Federal conclui: o tiro que matou Oziel Terena durante reintegração de posse no Mato Grosso do Sul veio da Polícia Federal

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  • 19/10/2016

    Nota da Apib: O golpe chega à Funai

     

     

    A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), instância nacional que congrega as distintas organizações indígenas regionais do Brasil, diante do debate instalado sobre o tema da indicação do Presidente da FUNAI vem de púbico manifestar a sua preocupação sobre as estratégias adotadas por este governo ilegítimo de tratar as questões indígenas na tentativa de fragmentar o movimento por meio dos povos e suas organizações. Não é de agora que tentam usar manobras e artimanhas políticas para nos colocar uns contra os outros, não podemos aceitar que o interesse dessa gente seja mais forte que a nossa resistência e a nossa histórica luta coletiva em defesa de nossos Direitos e de nossos Territórios.

    Na atual conjuntura , esta perspectiva se torna mais necessária, uma vez que está clara a determinação do atual governo de adotar medidas antipopulares que restringem e tendem a reduzir ou até suprimir direitos conquistados, a exemplo da famigerada PEC 241, que estabelece um limite para os gastos federais para os próximos 20 anos, a PEC 215/00 e a PEC 187/16, que sob suposto respeito à autonomia propõe que os povos indígenas participem de atividades produtivas e florestais, quando na verdade é outro instrumento que tenta levar à frente os interesses dos ruralistas contidos na PEC 215.

    A aprovação definitiva da PEC 241, que já foi aprovada em primeiro turno, implicará no orçamento de 2017 uma redução de R$ 430 milhões nas políticas públicas que atendem a agricultura familiar, a reforma agrária, os povos indígenas, os quilombolas e as comunidades tradicionais, diretamente nos serviços essenciais de saúde e educação e de direitos humanos em geral. Para a Funai especialmente está previsto em 2017 o menor valor de aplicação livre dos últimos anos. O programa de demarcação e fiscalização das terras indígenas caiu de 17 milhões de reais em 2007 para 15 milhões em 2017, uma redução de 15%. Por isso que à PEC 241 bem lhe cabe o nome de PEC da morte.  Mas é desde este ano, de 2016, que a Funai realiza as suas atribuições institucionais no limite. Ela corre o risco de não terminar o ano funcionando em decorrência da falta de recursos financeiros para cobrir as atividades fins, além da área meramente administrativa.

    Em razão de todo esse contexto e ainda marcado pelo rateio político em que o cargo da presidência da FUNAI é tratada por parte do governo de turno e sua base aliada, composta por partidos políticos tradicionalmente inimigos dos povos indígenas, a APIB se recusa a indicar nomes, por entender que as negociatas políticas e interesses escusos estarão no bojo dessa nomeação, cujo presidente deverá agir por conveniência e não por princípios que contemple a real demanda dos Povos indígenas. Todavia, reiteramos a posição já manifestada anteriormente, que somos totalmente contrários à militarização da FUNAI, esta precisa sim, de condições para atuar e os povos indígenas não precisam de General e sim de respeito e de justiça.

    No entanto, a APIB respeita a vontade de todas lideranças indígenas que postulam o seu nome ou são indicadas por partidos políticos, ONGs e até membros da Funai para o cargo da Presidência do órgão indigenista. No momento, temos conhecimento de que há pelos menos 09 ou 11 nomes para o pleito.  Diante dessa situação, a APIB se mantém na posição de seguir na luta cumprindo o seu papel de controle social do movimento indígena.

    Rechaçamos ainda a postura da Secretaria Especial de Saúde Indígena – SESAI, que até hoje não conseguiu cumprir devidamente o seu papel de executar as ações de saúde, e agora, extrapolando as suas funções age de má fé, se prestando à manobra de utilizar a máquina pública, para trazer as lideranças indígenas de todo o Brasil alegando ser para discutir os rumos da Saúde indígena, e no momento, querer incidir na decisão da presidência da FUNAI !? Que interesse tem por trás dessa articulação e desse apoio ao General? Por duas vezes as reuniões do controle social foram canceladas pelo secretário Rodrigo Rodrigues alegando falta de recursos e de repente aparece um jeito de levar várias lideranças pra além do número do Fórum de presidentes de CONDISI para falar sobre outro órgão , isso é no mínimo contraditório e inaceitável, estão invertendo os papéis e distorcendo a lógica do controle social, utilizando as instâncias do governo que prestam assistência aos povos pra tentar legitimar as suas maldades contra nós.

    A Funai, como órgão indigenista oficial do Estado Brasileiro, deve cumprir com a sua missão         institucional de coordenar a política indigenista brasileira, sobretudo dando seguimento a regularização dos territórios indígenas ameaçados pelo atual congresso Nacional e pelo próprio Estado Brasileiro. Assim, não podemos aceitar que as tentativas de impor mais uma vez à nomeação de pessoas não alinhadas aos direitos indígenas só reforça a nossa visão de que o governo brasileiro para além de não ter compromisso com os direitos dos povos originários desse país, tenta emplacar medidas que violam tais direitos, dificultando ou impedindo que o seu principal canal de diálogo com o movimento indígena e indigenista que é o CNPI intervenha no debate sobre o fortalecimento da FUNAI. 

    Mais uma vez o governo brasileiro ensaia violar tratados internacionais que versam sobre direitos humanos, sobretudo a Convenção 169 da OIT quando não respeita o direito à consulta prévia, livre e informada, quando medidas legislativas ou administrativas são suscetíveis de afetar os nossos povos, como as medidas que estão em curso.

    Para a APIB, o presidente da FUNAI deverá, assegurar uma política distante do indigenismo integracionista, tutelar, paternalista ou autoritário e dar cumprimento às seguintes responsabilidades institucionais:

    1. Dar sequência aos processos de demarcação das terras indígenas, instituindo grupos de trabalho (GTs) para assegurar a identificação e delimitação dos territórios indígenas, a fim de serem declarados pelo Ministro da Justiça como terras tradicionais e homologadas pela Presidência da República.

    2. Cumprir devidamente o seu papel de órgão articulador e fiscalizador junto a outras instâncias governamentais, impedindo desvios como a tentativa de municipalização do atendimento à saúde indígena.

    3. Assegurar a participação dos povos e organizações indígenas na formulação, avaliação e implementação da política indigenista do Estado Brasileiro, principalmente das propostas aprovadas pela I Conferência Nacional de Política Indigenista, realizada no final do ano de 2015.

    4. Agir junto ao Executivo para que este garanta:
    –  A dotação orçamentária necessária, à implementação da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas (PNGATI).

    – Atuação no Congresso Nacional para inviabilizar a aprovação de dezenas de iniciativas legislativas que tramitam no intuito de suprimir os direitos indígenas, principalmente territoriais, tal e como as PEC 215, PEC 187/16, PL 1610 de mineração em terras indígenas etc. 

    – Incidência junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que interpretações reducionistas do direito originário dos povos indígenas a suas terras, como a tese do “Marco Temporal”, que remete a ocupação tradicional ao ano de 1988, não sejam consolidadas. 

    – Tomar as medidas cabíveis para colocar fim à violência e criminalização crescentes contra povos, comunidades e lideranças indígenas.

    – Fortalecer a FUNAI, com orçamento e quadro de servidores, visando uma Política Indigenista contemporizada com o novo marco jurídico nacional e internacional, de reconhecimento, proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas.

    A APIB, por fim, chama aos povos e organizações indígenas de todo o Brasil a se articularem e mobilizarem contra a onda de retrocessos e supressão de direitos desenhado no âmbito dos distintos poderes do Estado: no Executivo, por meio do corte orçamentário e de servidores; no Legislativo, por meio da recriação da Comissão Parlamentar de Inquérito da FUNAI e do INCRA e de outras iniciativas legislativas anti-indígenas; e no Judiciário, por meio da reinterpretação dos princípios basilares do direito originário indígena à terra embutida na tese do marco temporal, sem esquecer da crescente violência e criminalização que os invasores praticam contra os povos nos territórios indígenas.
    Neste momento histórico exigimos que a FUNAI tenha condições reais de cumprir devidamente o seu papel institucional de demarcar e proteger os territórios, proteger a vida, a cultura e o conjunto dos direitos dos povos indígenas.

    Brasília – DF, 18 de outubro de 2016.

    ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB
    MOBILIZAÇÃO NACIONAL INDÍGENA

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  • 18/10/2016

    Assembleia Kinikinau: Estado brasileiro precisa resolver o “crime que ele mesmo cometeu”

    Por Ruy Sposati, da Assessoria de Comunicação do Cimi/MS | Fotos: Ana Mendes/Cimi, enviados a Miranda/MS

     

    Mais de 300 indígenas exigiram a demarcação imediata da terra indígena Kinikinau, localizada na região do Pantanal do Mato Grosso do Sul, durante a 3ª Assembleia do Povo Kinikinau.

     

    Acolhidos pelos Terena da terra indígena retomada Mãe Terra, localizada no município de Miranda (MS), os indígenas Kinikinau – a única população do estado completamente "sem terra" – se reuniram entre os dias 13 e 16 com lideranças Terena, Kaiowa, Guarani e Kadiweu, apoiadores, organizações indigenistas e Ministério Público Federal (MPF).

    Assista: Entrevista com Nicolau Flores, liderança Kinikinau, durante a 3ª Assembleia do Povo Kinikinau

     


    Em documento final, as lideranças acusaram o Estado brasileiro de ser responsável pela presença de fazendas nas terras tradicionais Kinikinau, e reivindicaram a criação de um Grupo de Trabalho (GT) para identificação da terra indígena. A ausência de um representante da Fundação Nacional do Índio (Funai) também foi criticada pelos indígenas.

     

    Marco temporal
     

    A carta também convocou indígenas do estado e do país a combater a utilização do marco temporal pela Justiça Federal na suspensão de demarcações de terras indígenas. Segundo o documento, o "marco temporal decreta a guerra civil entre os indígenas e os brancos, e isto precisa ser evitado".

     

    Para o marco temporal – derivado de uma condicionante de 2008 o Supremo Tribunal Federal (STF) relacionada à terra indígena Raposa-Serra do Sol -, só pode é reconhecida como terra indígena áreas que estivessem efetivamente ocupadas pelos indígenas no exato momento da promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988. O dispositivo jurídico preocupa os Kinikinau, já que eles não estavam ocupando suas terras originárias naquele período.

     

    "E nem tinha como estar", contrapõe o cacique da aldeia São João, Crisanto Roberto. "Como estamos agora, o povo Kinikinau? Estamos espalhando por todo Mato Grosso do Sul: nos Kadiweu tem, nos Terena tem, em Campo Grande tem, em Dourados tem. Fomos expulsos antes, com a guerra, com a venda das terras para virar fazenda. Aí saímos caminhando espalhados. Agora, nós queremos juntar de novo".

    Já utilizado no Mato Grosso do Sul para suspender a demarcação de duas terras indígenas Guarani-Kaiowa e uma Terena (além de mexer com a terra indígena Porquinhos, no Maranhão), o marco temporal é o maior inimigo dos povos indígenas no presente momento, segundo a liderança Kaiowa Elizeu Lopes.

     

    Acompanhado por uma delegação expressiva de outros cinquenta Guarani e Kaiowa do sul do estado, Elizeu foi categórico: "não podemos aceitar nada que é contra os nossos direitos, que é contra a Constituição. Nem marco temporal e nem compra de terras, porque nossa terra é tradicional, não está a venda", referindo-se a uma possível proposta do governo de comprar e titular terras aos indígenas, em detrimento do processo constitucional de demarcação.

     

    Leia mais: O judiciário está matando os Guarani-Kaiowa, denuncia indígena na Inglaterra e Áustria

     

    Retomada ou demarcação

    "O governo sempre quer fazer estratégia pra parar demarcação", explica o cacique de Mãe Terra, Zacarias Rodrigues, "porque aí ficam mais tempo na terra, usando pro gado, acabando com as matas, com o rio". Zacarias é, ele próprio, Terena e também Kinikinau, e defende a retomada como método de garantir o retorno às terras indígenas ocupadas por fazendas."Faz 11 anos que estamos aqui na Mãe Terra, que foi retomada. Tudo o que tem aqui foi nossa luta. A terra, escola, energia, água… Foi muita pressão".

     

    Tratados a mais de um século "como forasteiros", os Kinikinau pretendem retornar a sua terra tradicional. "Queremos crer no bom senso dos agentes do estado", argumentam os indígenas na carta, mas afirmam que se não forem dados passos reais para a demarcação – uma reunião com Funai e Ministério da Justiça para a criação do GT -, estão dispostos a "unir forças com os parentes de outros povos e partir para a retomada de nossa terra ancestral nem que tenhamos que morrer por isso".

     

    Leia mais: "Nós somos Kinikinau, moço! Ki-ni-ki-nau!”

    MPF
     

    Durante o encontro, o procurador-chefe do MPF no Mato Grosso do Sul, Emerson Kalif Siqueira, concordou que "não foi uma opção dos Kinikinau ir pra terra Kadiweu".

    "O estado que teve a ideia brilhante de colocá-los lá… Digo ‘brilhante’ [ironicamente], porque já se sabia, na época, que os indígenas são fixados na própria terra. Tirou vocês [Kinikinau] dali porque precisavam deixar vazias aquelas áreas, vendê-las para grandes produtores", disse o Procurador da República aos participantes.

    Emerson também fez referências a um conjunto de ações dos poderes públicos que vem no sentido de desautorizar a luta indígena por terra, através de ações – muitas vezes violentas – da polícia e tentativas de criminalização de lideranças indígenas e membros de organizações indigenistas.

    "Há violência enrustida nos órgãos estatais, através de CPIs, da polícia… Qualquer apoiador dos direitos indígenas é visto e tido como insuflador, como se violassem o sistema. Mas qual sistema? Esse de vocês ficarem encolhidinhos".

    "Pela terra e contra o marco temporal: somos Kinikinau!" – Acesse, baixe e leia na íntegra o documento final da 3ª Assembleia do Povo Kinikinau

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  • 17/10/2016

    A Grande Aldeia Celeste acolherá a guerreira Rosane Kaingang


    Na foto acima, Rosane (a primeira à direita) junto com lideranças indígenas, quilombolas, Apib e representantes do Cimi, Instituto Socioambiental (ISA) e Centro de Trabalho Indigenista (CTI) durante atividade na Procuradoria-Geral da República (PGR), em fevereiro de 2014. Na ocasião ela já combatia o câncer. Foto: Renato Santana/Cimi

    A luta deve seguir, pois embora a dor a vida segue.


    Deixou-nos neste domingo, dia 16, viajando para a Grande Aldeia Celeste a incansável Rosane Kaingang, nascida em Cacique Doble, no Rio Grande do Sul, onde seu corpo físico irá repousar. Forte presença em Brasília, em nome da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul), e com presença constante junto à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).


    Rosane marcou sua presença com o acompanhamento intenso junto aos Três Poderes. Em debates e audiências da Câmara Federal ao STF, sempre teve posição firme e inquestionável na defesa dos direitos dos povos indígenas. Assim era com Rosane, independente de quem fosse o interlocutor: um ministro do STF, um deputado, um senador, um ministro de Estado.


    Chegava à sede do Cimi sempre com alguma informação ou preocupação com relação a episódios de violência contra algum povo que não apenas os Kaingang. Tinha uma postura digna ao não se adequar a convenções determinadas pelo "branco". Dizia: "É assim que aprendi a ser com o meu povo Kaingang. Não vai ser o branco que vai me dizer como tenho que ser". Também sempre demonstrou consciência de classe: defendia em suas posições quilombolas, pescadores, sem terras. 


    Em audiência com o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de forma emocionada, Rosane relatou a vida de indígenas sob lonas, às margens de rodovias, sofrendo assassinatos, vendo a morte de crianças e estupros. Disse ela: “O senhor é evangélico. Nossos povos têm religião forte. Então sabemos da missão de Deus para nós: cuidar um dos outros. Para o caixão o senhor não vai levar seus carros, apartamentos e dinheiro. Faça o certo”, cobrava ela durante incidência na Câmara contra a PEC 215.


    O câncer a levou numa última batalha, mais dura que a luta pelos direitos dos Povos Indígenas, seus Parentes. A luta em Brasília e no Brasil amanheceu com menos uma no campo. Mas teremos mais uma estrela a iluminar a resistência em busca do Bem Viver, para Tod@s!!!


    Como não poderia ser diferente, Rosane não viajaria em um dia comum. Na noite deste mesmo dia 16 de outubro, o céu de Brasília se iluminou com a força de uma lua mais perto da Terra. Talvez, Kysã, o sol que virou lua na história Kaingang, quis estender seu braço de luz e garantir que esta Kaingang guerreira não se distraísse em outras lutas pelo caminho.


    Esteja em Paz Rosane, duras foram suas batalhas. Verdadeiras suas palavras. Agora poderá tornar-se krĩg, um estrela para brilhar com Kysã.


    Brasília, 17 de outubro de 2016


    Conselho Indigenista Missionário (Cimi)



    Leia mais: Nota da Apib sobre a morte de Rosane Kaingang

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  • 17/10/2016

    Temendo o fim da Frente de Proteção Etnoambiental, povo Awá-Guajá promete trancamento de ferrovia da Vale



    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi 

     

    Com a redução de 30% dos recursos da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o próximo ano, cerca de 200 indígenas Awá-Guajá, reunidos nesta segunda-feira, 17, na aldeia Awá, no Maranhão, prometem trancar a Ferrovia Carajás, da Vale, caso o governo federal não ofereça garantias de que a Frente de Proteção Etnoambiental Awá-Guajá seguirá em funcionamento. Os rumores chegaram aos Awá que acreditam que a terra indígena corre perigo iminente, sobretudo depois da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241 – a chamada PEC da Morte. 

     

    "Nós vamos lutar por nossa terra. Aqui criamos macaco, jabuti e temos comida de graça. Não vamos aceitar que os fazendeiros tirem nossa terra”, diz Amiri Awá. Conforme os Awá, servidores da Funai os informaram que existem rumores  quanto ao encerramento dos trabalhos da Frente como parte da contenção de despesas. Para os Awá, o corte de recursos é parte de um projeto para enfraquecer a Funai e justificar a PEC 215 – a proposta da bancada ruralista que transfere do Poder Executivo para o Congresso Nacional o ato administrativo das demarcações e estabele o marco temporal. 

     

    Nada foi divulgado oficialmente pelo órgão indigenista estatal comunicando a decisão do fechamento da Frente Awá. No entanto, as perspectivas não são nada otimistas – e não apenas no que se refere ao menor orçamento da Funai em 10 anos para 2017. “Com a aprovação da PEC 241/2016, o orçamento da Funai ficará estagnado num patamar extremamente baixo pelos próximos 20 anos, o que acarretará na sua inexorável asfixia”, salienta Cléber Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

     

    Com mais de uma dezena de Frentes espalhadas pelo país, dando conta de 107 povos e grupos em situação de isolamento voluntário mapeados, estão entre os principais objetivos dessas bases proteger e monitorar o território de perambulação desses índios autossuficientes. Casos como os dos Awá, onde isolados e contatados dividem a mesma terra indígena, a proteção e o monitoramento provocam a necessidade de uma gestão conjunta entre o Estado e os indígenas.  

     

    "Os Awá colocaram que não vão aceitar perder a Frente de Proteção Etnoambiental. Que estão dispostos a lutar para poder manter direitos, território protegido e para isso a Frente é essencial. Caso a Funai não os escute, estão dispostos a ocupar a ferrovia”, explica Gilderlan Rodrigues da Silva, da equipe do Cimi de Imperatriz (MA). Por conta da decisão, seguirão concentrados na aldeia até a resposta da Funai. 

     

    Reunidos desde o final de semana, os Awá discutiram os desdobramentos do impeachment da presidente Dilma Rousseff e os objetivos de Michel Temer, então vice-presidente. “Percebemos que tá piorando e estamos divulgando a posição contrária ao fechamento da Frente Etnoambiental Awá para pressionar a Funai a vir à aldeia conversar com a gente”, disse a liderança Awá. 

     

    Até a publicação dessa matéria, a direção da Funai não ofereceu quaisquer informações e respostas aos Awá; se irão à aldeia ou quais planos o órgão indigenista do Estado têm para o povo, incluindo aqueles que preferem a autossuficiência na floresta.

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  • 17/10/2016

    Caci e Xondaro, histórias sobre violências e resistência indígena

    A violência contra povos indígenas no Brasil é histórica – e segue em curso. O saque de terras e usurpação da cultura de diferentes povos está longe de ser algo apenas do passado; continua ocorrendo em um processo que é subnoticiado, marcado pela omissão do Estado e por assassinatos. Organizar, sistematizar e visibilizar informações é uma forma de trazer a público alguns dos episódios mais recentes de uma história de massacres que dizimaram os milhões que viviam na terra quando os primeiros exploradores europeus aportaram.

    Foi com o objetivo de reunir informações de maneira clara e direta e, assim, chamar a atenção não só para as violações, mas também para as histórias de resistência dos povos indígenas, que a Fundação Rosa Luxemburgo (FRL), junto com parceiros, organizou dois lançamentos na noite da última terça-feira, 11 de outubro: o do projeto Caci – Cartografia de Ataques Contra Indígenas, primeira plataforma digital da FRL, e o da HQ Xondaro, primeira história em quadrinhos publicada pela organização. As novidades foram apresentadas durante uma roda de conversa que contou com a participação de Gustavo Faleiros, do InfoAmazonia, Marcelo Zelic, do Armazém Memória, e Tiago Santos Karai, liderança guarani mbya e um dos coordenadores da Comissão Guarani Yvyrupa.

    A mediação ficou sob a responsabilidade de Alceu Castilho, do portal De Olho nos Ruralistas, e de Ana Rüsche, da Fundação Rosa Luxemburgo. O evento foi realizado no Ateliê do Gervásio em São Paulo e na plateia estiveram antropólogos, indigenistas e representantes de algumas das principais organizações que trabalham com a defesa de direitos dos povos originários do país.

    Caci e Xondaro

    O projeto Caci – Cartografia de Ataques contra Indígenas – foi organizado em parceria com Armazém Memória e InfoAmazonia. Trata-se de uma plataforma de dados abertos com o georeferenciamento de assassinatos registrados entre 1985 até 2015 pelo CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e pela CPT (Comissão Pastoral da Terra), organizações que disponibilizaram seus registros históricos. Navegue abaixo no mapa ou clique aqui para acessar diretamente a plataforma.

    A HQ Xondaro, de Vitor Flynn Paciornik, é uma publicação que retrata a resistência guarani e sua mobilização pela demarcação de seus territórios. Foi publicada em parceria com a Editora Elefante, com apoio da Comissão Guarani Yvyrupa, organização indígena autônoma que congrega povos guarani do Sul e Sudeste do Brasil.

    Em guarani, Caci significa dor e Xondaro, guerreiro guardião.

    Assassinatos

    Questionado por Alceu Castilho sobre o assassinato da liderança João Xucuru Cariri, ocorrido em Alagoas no dia do evento, Marcelo Zelic defendeu logo no começo de sua fala que a plataforma é uma ferramenta de defesa de direitos humanos, pois a tecnologia ajuda na compreensão e na denúncia do quão cotidiana ainda é a violência contra indígenas no país. O editor do InfoAmazonia, Gustavo Faleiros reforçou que o Caci contextualiza estes ataques, geolocalizando os dados no mapa, o que possibilita a sobreposição de informações como áreas desmatadas e hidrelétricas, fornecendo camadas de informações e cruzando os dados para quem pesquisa na plataforma.

    Tiago Santos Karai, professor e liderança guarani de 24 anos, compartilhou informações sobre a resistência em São Paulo, que tem sido referência para outros povos  no país. “Nos organizamos, nos mobilizamos e aprimoramos nossas estratégias. Não somos de guerra, precisamos aprender para garantir nossos direitos. Não conhecemos esse mundo dos brancos, mas estamos prontos para lutar. Lutamos, nos manifestamos, mesmo sabendo que este mundo é difícil de entender, porque a vida vale nada e a do indígena vale menos ainda. Nasci na luta e nela morrerei porque não temos para onde correr”.

    Ele contou ainda sobre as duas vezes em que esteve no Mato Grosso do Sul, e chamou a atenção para impactos sociais relacionados a práticas do agronegócio e ao que classificou de realidade desumana. A gravidade da situação foi reiterada por Marcelo Zelic, autor de um dossiê especial dentro do CACI sobre o genocídio do povo guarani no estado. “A violência é fruto da falta de demarcação das terras indígenas e de um processo de desenvolvimento que não tem respeito. Uma cobiça histórica incapaz de conviver com a diversidade”, disse ele que lembrou também uma outra face desta mesma moeda: a violência  psicológica, que desumaniza e que provoca depressão, alcoolismo e o suicídio. “O que o Caci apresenta é apenas a ponta do iceberg”.

    Gustavo Faleiros, do InfoAmazonia, ressalta que os dados pretendem estimular uma cultura de acompanhamento dos indicadores e despertar a empatia com a causa indígena. “Os dados podem parecer frios, mas sua escala é assustadora e isso comunica de uma forma direta, emocional, porque estamos tratando de um povo”. Ao final, Kampai fez um apelo para que cada pessoa presente multiplicasse o conhecimento e o apoio à causa indígena e, em meio a um debate sobre a importância da demarcação para conter as mortes de indígenas, questionado sobre o significado de terra para os guarani, respondeu:

    “Terra é vida, riqueza, saúde. A gente depende dela para ter nossa identidade e manter nossos costumes e tradições. Para nós a terra é tudo”.

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  • 17/10/2016

    Cartografia dos Ataques Contra Indígenas convida a reflexão sobre dor, tempo e indiferença

    Assassinado: Adenilson Barbosa. Idade: 15 anos. Ano: 2013. Local: Terra Indígena Caarapó. Município: Caarapó (MS). O internauta pode ver no mapa. Clicar, mecanicamente, e observar que, somente ali, mais 26 indígenas foram assassinados.

    Adenilson e dois amigos saíram para pescar no Córrego Mbope’i, que cruza fazendas do entorno da Aldeia Tey Kuê. Foram abordados por pistoleiros ligados a Orlandino Gonçalves, criador de gado na Fazenda Sardinha. Os homens atiraram. Os três fugiram. Mas Adenilson ficou preso a uma cerca. Foi agredido a coronhadas e depois alvejado com um tiro na cabeça. O fazendeiro confessou o crime e responde em liberdade.

    Essas duas formas de ver o mesmo fato convivem na Cartografia dos Ataques Contra Indigenas (Caci), lançada nesta terça-feira (11/10). O projeto desenvolvido pela Fundação Rosa Luxemburgo, em parceria com armazém Memória e InfoAmazonia, baseia-se nos registros de assassinatos de indígenas feitos entre 1985 e 2015 pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Isolados, não são inéditos.

    O que muda é a percepção da dor. “Caci”, em Guarani, significa exatamente dor. A cartografia oferece uma concretude espacial e (diante do padrão observado nos assassinatos) uma amplitude. Um fato, uma sequência de fatos, e uma lógica. A história que se segue a cada assassinato é um zoom e um soco no estômago do homem branco. Pois alguém, ali, atirou, ou espancou – em nome de algo. De um modelo.

    É como se fosse a cartografia de um bombardeio.

    Observemos um caso de 1985. O Brasil vivia o período de redemocratização. Adolfo Macaxali morre em Bertópolis (MG), quase na Bahia. (O internauta deve clicar em 1985, na busca, e observar a lista – sim, ainda incompleta – de cinco casos reunidos pelo site.)

    Motivo: “A vítima foi morta de fome por um empregado da cantina da Funai”.

    Mais um caso de 1985. Waldemar Apinajé é assassinado em Tocantinópolis (GO). Descrição: “A vítima foi morta por um delegado policial”.

    E vejamos outro caso daquele ano, quando o Brasil chorava a morte de Tancredo Neves. Oedson Eduardo da Silva, em Cantá (RR). “Encontrado morto na maloca do Moscou, em Serra da Lua”.

    Notem que, nesta narrativa, passamos do tempo passado para o tempo presente. Pois é disso que se trata. De reavivar a memória de uma civilização que, há 500 anos, mata indígenas.

    Essa história nos é lembrada a partir da cartografia. Clicamos em um caso e lá vai o cursor para o local exato. 1990. Oito casos registrados. Damião e Mário Macuxi são mortos em Normandia (RR), na Raposa Serra do Sol. 1995. 54 casos registrados. Ângelo Miguel é assassinado a tiros na Terra Indígena Inhacorá, em São Valério do Sul (RS). Conflito de terras. Os indígenas pediam que os acusados deixassem a área.

    2000. Os casos não aparecem. (O site precisa de atualização. Mas não faltam horrores.)

    2005. O cacique João Guajajara é executado com três tiros na Terra Indígena Bacurizinho, em Grajaú (MA). Milton Careca fazia ameaças, dizia que todos os Guajajara deviam deixar a aldeia. A Funai e a polícia sabiam das ameaças. A Cartografia dos Ataques Contra Indígenas nos conta que o conflito ocorreu pela “pressão dos exploradores irregulares da soja, carvão e eucalipto”. A filha de 16 anos do cacique foi estuprada.

    2010. “Jovem não identificado”. “Adolescente não identificado”. “Homem não identificado”. Mas são 61 casos, ao todo. Muitos são de brigas familiares, ou entre os próprios indígenas – em boa parte potencializadas pelo álcool. Outros, não. Ou não se sabe o motivo. Quem matou a pauladas Raimundo Anilton Alves da Silva, em Paragominas (PA), na Terra Indígena Alto Rio Guamá?

    2015. Semião Vilhalva é assassinado na Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, em Antônio João (MS). Ele tinha 24 anos. Seu rosto foi perfurado por uma bala. “O ataque foi premeditado e perpetrado por fazendeiros”, diz o site. Lemos que a morte de Simeão é uma consequência da decisão do governo federal de paralisar os procedimentos de demarcação. A Terra Indígena foi homologada em 2005, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a decisão, “submetendo as famílias a uma crise humanitária já apontada por organismos internacionais como uma das mais graves do mundo”. Se o leitor der um zoom verá mais seis casos na mesma TI. Se diminuir o zoom, constará que houve 400 assassinatos de indígenas no Mato Grosso do Sul. E pode voltar ao texto sobre Semião: “Além da situação de vulnerabilidade, os Guarani são alvos, diariamente, de ações e discursos criminosos de incitação ao ódio e à violência proferidos por parlamentares ruralistas com o objetivo de colocar a sociedade sul-mato-grossense contra eles”.

    2020? 2025? 2030?

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  • 14/10/2016

    O Agro é Cídio

    Por Cleber César Buzatto, secretário executivo do Cimi* 

    Grandes corporações estão articuladas e empenhadas na tentativa de embelezar a imagem do agronegócio. Dentre as iniciativas mais recentes está o investimento milionário em campanha publicitária assumida, oficialmente, por uma rede massiva de comunicação. Todos os dias ouvimos e nos perguntamos: O Agro Tech? O Agro é Pop? O Agro é tudo? É evidente que não. No campo, distante das lentes modernas e bem pagas, o Agro é Cídio.

     

    Cídio de Homicídio. A máquina do agronegócio funciona vinte e quatro horas por dia, todos os dias perpetrando e implementando planos de assassinatos de indígenas, camponeses, ambientalistas, daqueles que estão no seu caminho e colocam algum tipo de dificuldades para seus intentos sem limites de exploração fundiária. De acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), somente nos últimas dez anos, no período de 2006 a 2015, foram 340 assassinatos no campo. E a situação está cada vez pior. Em 2015 foram 50 assassinatos. Em Rondônia está em curso uma verdadeira matança de camponeses que lutam pela reforma agrária ou para manter a posse de suas terras contra o avanço do latifúndio (1). No Maranhão, defensores de direitos humanos, especialmente ligados à questão fundiária, são ameaçados e mortos recorrentemente (2). O Pará lidera o ranking histórico de assassinatos no campo (3).  No Mato Grosso do Sul, são sistemáticos os ataques milicianos paraestatais com assassinatos de indígenas que lutam pela demarcação de suas terras sagradas (4). Em todo o país, multiplicam-se os homicídios provocados, direta ou indiretamente, pelo Agro (5). 

     

    Cídio de Suicídio. Produzidos por grandes corporações do agronegócio, em geral multinacionais (6), os agrotóxicos fazem parte do receituário comercial na produção de commodities agrícolas. Há anos, o Brasil ocupa a posição de maior consumidor mundial de agrotóxicos (7). O Brasil consome mais de um milhão de toneladas de agrotóxicos, o que equivale cerca de 5,2 kg por habitante anualmente. Muitos tipos de veneno proibidos na Europa e Estados Unidos são legalizados e usados livremente no Brasil por força do lobby ruralista e empresarial (8). São fartas as pesquisas que relacionam a alta incidência de depressão e suicídios ao uso de agrotóxicos no Brasil (9). Milhares de pessoas vão a óbito no país, todos os anos, devido a lesões auto-provocadas. Os agrotóxicos também estão diretamente ligados proliferação do câncer entre os cidadãos brasileiros. Diferentes instâncias do Estado brasileiro, como o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e o Instituto Nacional do Câncer (INCA),  chamam a atenção para essa realidade (10). 

     

    Cídio de Ecocídio. O agronegócio é um dos maiores responsáveis pela destruição do meio ambiente no Brasil (11) e contribui fortemente para o agravamento do aquecimento do planeta (12). Com incentivos governamentais ou de forma ilegal, nada escapa ao alcance do ‘Agro’. Do Pampa (13) à Amazônia (14), passando pelo Cerrado (15), berço das águas, o avanço das ‘fronteiras agrícolas’ destrói, sem trégua, nossa ‘Casa Comum’. 

     

    Cídio de hidrocídio. Os Rios Araguaia (16), Tocantins (17), Formoso (18) e o São Francisco (19) estão secando. Muitos rios já secaram e tantos outros secarão. Em todos os casos, o agronegócio tem participação especial. Desmatando, assoreando, aterrando e sugando a água que sobra para projetos insustentáveis de irrigação, o agronegócio vai fazendo seus cadáveres horizontais em todas as regiões do Brasil.

     

    Sem maquiagem, o ‘Agro’ não passa no teste de legitimidade social. Com campanhas bem pagas em redes comerciais de comunicação, conivência estatal, impunidade quase absoluta e forte lobby das bancadas ruralistas Brasil afora, o ‘Agro’ vai impondo sua agenda violenta, repressiva e regressiva contra os povos da terra, das águas, das florestas e das cidades sem se incomodar e buscando não ser incomodado.

     

    Aos povos e seus aliados resta a luta contra as cercas, motosserras e espingardas, constantemente recarregadas, do ‘Agro’. Luta altiva dos povos em prol de uma sociedade mais justa, mais plural e mais democrática, onde a vida seja plena para todos. A pesar do contexto difícil, a luta e a esperança continuam. Quanto mais luta, maior a esperança.

     

     

     

    *Cleber Buzatto é Licenciado em Filosofia pela FAFIMC – RS.

    Referências: 
     

    1- 37 assassinatos desde 2015. http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2016/09/21/com-37-mortes-desde-2015-rondonia-vive-guerra-sangrenta-por-terras.htm

    2- 25 assassinatos desde 2015. http://smdh.org.br/wp-content/uploads/2016/10/Assassinatos-de-Defensores-2015-2016-monitoramento-SMDH.pdf 

    3-  645 assassinatos de 1985 a 2013. http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2015-02/para-concentra-38-dos-assassinatos-por-conflito-de-terra-no-pais 

    4- https://www.youtube.com/watch?v=slfJXEjQRA4

    5- http://www.cptnacional.org.br/index.php/component/jdownloads/send/41-conflitos-no-campo-brasil-publicacao/14019-conflitos-no-campo-brasil-2015?option=com_jdownloads ehttps://cimi.org.br/pub/relatorio2015/relatoriodados2015.pdf 

    6- file:///C:/Users/Usu%C3%A1rio/Downloads/Larissa_Mies_Bombardi_artigo_agrot%C3%B3xicos-1.pdf 

    7- http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/REPORTAGEM-ESPECIAL/476877-BRASIL-E-O-MAIOR-CONSUMIDOR-MUNDIAL-DE-AGROTOXICOS-BLOCO-1.html 

    8- http://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/29/politica/1430321822_851653.html 

    9- http://repositorio.caminhosdocuidado.org/bitstream/handle/62/2/rbso.S0303-76572007000200004.pdf ;http://www.scielo.br/pdf/csp/v21n2/27.pdf ; https://www.brasildefato.com.br/2016/10/05/estudos-relacionam-uso-de-agrotoxicos-com-suicidio-de-agricultores/ 

    10- http://www4.planalto.gov.br/consea/comunicacao/noticias/2016/estudos-apontam-relacao-entre-o-consumo-de-agrotoxicos-e-o-cancer ehttp://www1.inca.gov.br/inca/Arquivos/comunicacao/posicionamento_do_inca_sobre_os_agrotoxicos_06_abr_15.pdf 

    11- http://reporterbrasil.org.br/2006/07/desmatamento-e-poluicao-seguem-o-rastro-do-agronegocio/ ehttp://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2015/09/25/fronteiras-agricolas-sao-maiores-responsaveis-por-desmatamento-diz-ibge.htm 

    12- reporterbrasil.org.br/2013/09/agronegocio-brasileiro-contribui-para-o-aquecimento-global/

    13- http://www.extraclasse.org.br/edicoes/2010/08/a-destruicao-do-pampa-gaucho/ 

    14- http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-753X2012000200002

    15- http://brasilescola.uol.com.br/brasil/desmatamento-cerrado.htm

    16- http://www.portaldoservidor.go.gov.br/post/ver/212660/voce-sabia-que-o-rio-araguaia-pode-secar 

    17- http://g1.globo.com/goias/bom-dia-go/videos/v/rio-tocantins-esta-secando-no-trecho-que-passa-por-miracema-bancos-de-areia-se-acumulam/5076400/

    18- http://g1.globo.com/to/tocantins/noticia/2016/07/produtores-descumprem-acordo-para-desligar-bombas-e-rios-secam-no.html

    19- https://www.youtube.com/watch?v=hwADHPXRh9w

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