• 17/11/2016

    Organizações brasileiras defendem florestas fora do mercado de carbono conforme previsto no Acordo de Paris



    Grupo Carta de Belém – articulação que reúne movimentos sociais, sindicais, ONGs e populações tradicionais – lança documento no qual defende a manutenção da posição histórica brasileira nas negociações climáticas. Posição foi divulgada durante a COP 22, conferência sobre mudanças climáticas que está sendo realizada em Marrakesh, no Marrocos Representantes do Grupo Carta de Belém (GCB) presentes em Marrakesh seguem de perto as negociações relacionadas à implementação do Acordo de Paris, já ratificado por quase duas centenas de partes envolvidas, e levantam questões centrais para a defesa da integridade do regime climático e dos direitos.

    O grupo tem demonstrado preocupação com relação à pressão que vem sendo feita por setores do mercado para que o Estado brasileiro reveja sua posição histórica em relação à inclusão das florestas no mercado de carbono. Um documento neste sentido foi entregue pelas organizações ao ministro do Meio Ambiente Sarney Filho.

    Daniel Gaio, secretário nacional de Meio Ambiente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e membro do GCB, aponta que a partir da ratificação do Acordo de Paris, o Brasil passa agora para a etapa de debate da implementação de suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, sigla em inglês). “A implementação das NDCs deve ser primordialmente garantida por meio de financiamento público, com os países que historicamente mais contribuíram para as mudanças do clima assumindo suas respectivas responsabilidades”.

    O Grupo Carta de Belém espera que este processo seja discutido com ampla participação social no âmbito doméstico, em um processo interno de consulta e diálogo amplo e democrático. As NDCs devem ser um marco geral para articulação de políticas públicas para a mitigação e a adaptação e ações para promover direitos e garantir modos de vida.

    O Brasil vem desempenhando historicamente nas negociações internacionais de clima a posição de manter as florestas fora de mecanismos de offset (de carbono), posição que é respaldada por um amplo segmento da sociedade civil e que contou com atuação decisiva dos negociadores brasileiros na construção do arcabouço para florestas no Acordo de Paris.

    Para Camila Moreno, também membro do GCB, “este entendimento foi internalizado no Brasil por meio do decreto 8.576/15, onde se assegura coerência e centralidade do governo federal na coordenação das ações e na governança de REDD no país, excluindo a geração de créditos de qualquer natureza, evitando dupla contabilidade, entre outros impactos”.


    Marciano Silva, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), destaca que “se as florestas entrarem no mecanismo de desenvolvimento sustentável, que prevé os offsets, o uso dos seus recursos, bem como a manutenção dos modos de vida dos povos indígenas, comunidades tradicionais e dos próprios camponeses e pequenos agricultores serão profundamente impactados.”


    O Grupo Carta de Belém monitora as ações e busca influenciar, junto à delegação brasileira nas negociações internacionais do clima, desde 2009.

     

    Read More
  • 17/11/2016

    Monocultura não é floresta! Apoie a carta chamando a FAO a rever a sua definição de floresta


    Foto: Gilberto Vieira/Cimi


    A Conferência de Marrakesh sobre o Clima está acontecendo agora. O Acordo de Paris entrou em vigor no dia 4 de novembro, abrindo as portas para uma maior expansão das monoculturas de árvores. Isso é feito de diferentes formas, que vão desde a promoção de sumidouros de carbono até os chamados programas de reflorestamento ou restauração, e a promoção da madeira como fonte de energia para substituir os combustíveis fósseis. Uma das razões subjacentes a essa promoção é a definição de florestas da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). O Acordo de Paris – e a maioria dos países que o ratificaram – adota essa definição, que permite definir como floresta uma monocultura industrial de árvores.

    As plantações industriais de árvores criam enormes problemas para as comunidades locais e não são uma solução para a crise climática! É urgente que a FAO mude sua definição de floresta. Se você ainda não assinou, nós o convidamos a apoiar a carta abaixo. A carta chamando à revisão da definição será enviada à FAO em 21 de março, quando se comemora o Dia Internacional das Florestas.

    Envie um email para fao2017@wrm.org.uy e inclua o nome e o país da sua organização.

    Desde já, obrigado!

    Como a definição de Floresta da FAO prejudica pessoas e florestas?

    Carta aberta à FAO

    Lançada no dia 21 de setembro, Dia Internacional de Luta contra as

    Monoculturas de Árvores

    Em setembro de 2015, durante o XIV Congresso Florestal Mundial, milhares de pessoas foram às ruas de Durban, na África do Sul, para protestar contra a forma problemática em que a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) insiste em definir as florestas.(1) A definição da FAO basicamente considera as florestas apenas como “um monte de árvores”, enquanto ignora outros aspectos fundamentais, incluindo as suas muitas outras formas de vida, como outros tipos de plantas, animais e as comunidades humanas que dependem da floresta. Da mesma forma, a definição ignora a contribuição vital das florestas para os processos naturais que proporcionam solo, água e oxigênio. Além disso, ao definir “florestas” como sendo apenas uma área mínima de terra coberta por um número mínimo de árvores com um percentual mínimo de altura e copa, a FAO tem promovido ativamente o estabelecimento de muitos milhões de hectares de plantações industriais de árvores, principalmente de espécies não nativas e nos países do hemisfério Sul. Como consequência, apenas um determinado setor tem se beneficiado: a indústria de plantações de árvores. As plantações industriais de árvores têm sido a causa direta de muitos impactos negativos sobre as comunidades locais e suas florestas, os quais têm sido bem documentados. (2)

    Na marcha de protesto que aconteceu em Durban, as pessoas tinham cartazes dizendo Plantações não são florestas!, e a manifestação terminou em frente à sede do Congresso Florestal Mundial, que foi organizado pela FAO. Em resposta a um chamado de líderes da sociedade civil na marcha, um membro do WFC saiu do prédio onde ocorria o Congresso para receber um abaixo-assinado com mais de 100.000 assinaturas de pessoas e grupos de todo o mundo. O documento chamava a FAO a alterar urgentemente sua definição de floresta e reconhecer as florestas por seu verdadeiro significado. Mas, mais uma vez, a organização não alterou a sua definição.

    No entanto, algo novo aconteceu: ao contrário do silêncio diante das reivindicações anteriores para que a FAO mudasse sua definição equivocada de floresta, desta vez a organização reagiu ao protesto e enviou uma carta. Um ponto que consta da carta da FAO é particularmente interessante: “Na verdade, há mais de 200 definições nacionais de florestas que refletem uma variedade de interessados no tema...”. E continua: “… para facilitar a comunicação de dados…, é necessária uma categorização globalmente válida, simples e operacional das florestas”, que permita “comparações constantes, durante longos períodos, sobre o desenvolvimento e as mudanças florestais globais”. Ao escrever isto, a FAO tenta nos convencer de que o seu papel é apenas o de harmonizar as mais de 200 diferentes definições de florestas de diferentes países.

    Mas será que a definição atual de floresta da FAO não influencia a forma como as 200 definições nacionais foram formuladas? E a FAO está correta ao afirmar que as muitas definições nacionais de floresta refletem uma variedade de interessados nesses países, novamente menosprezando sua própria influência?

    Nós acreditamos no contrário. Para começo de conversa, a definição de floresta da FAO foi adotada há muito tempo, em 1948. De acordo com uma análise conjunta feita recentemente por diferentes autores de conceitos e definições florestais, “a definição da FAO, acordada por todos os seus membros [membros da ONU], é a primeira a ser usada por todos os países para fazer relatórios com padrões comuns; a definição de floresta adotada pela FAO continua sendo a mais usada hoje em dia”.(3)

    Um bom exemplo para ver se a definição da FAO está sendo usada é o Brasil, o país com a maior cobertura florestal no Sul global e, de acordo com fontes oficiais, com quase 8 milhões de hectares de plantações industriais de árvores, principalmente monoculturas de eucalipto. Em sua publicação Florestas do Brasil, de 2010 (4), o Serviço Florestal Brasileiro (SBF), que faz parte do Ministério do Meio Ambiente e é responsável por questões relacionadas a florestas, “(…) considera como floresta as tipologias de vegetação lenhosas que mais se aproximam da definição de florestas da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO)”. Como consequência lógica do fato de que sua definição se baseia no que a FAO já definiu, afirma que “o Brasil é um país (…) de florestas naturais e plantadas”, onde a expressão “florestas plantadas” se refere aos 8 milhões de hectares de monoculturas, em sua maioria de eucalipto. A forma como o governo brasileiro define floresta, portanto, não é resultado de um processo que “…reflete uma variedade de interessados no tema”. Pelo contrário, é resultado do que a FAO já havia determinado.

    Mas a influência da definição de floresta da FAO vai além de determinar as definições nacionais. Nestes tempos de mudanças climáticas, ela tem sido o principal ponto de referência para definir o que é uma floresta no âmbito da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU (UNFCCC). Ao adotar a definição estreita da FAO, baseada na madeira, a UNFCCC também promoveu uma visão da floresta como uma área de terra contendo apenas árvores. Para a UNFCCC, o mais importante em uma floresta são as árvores, por causa de sua capacidade de armazenar carbono à medida que crescem, e não as comunidades que dependem da floresta. Na maior parte, essas comunidades afetadas são impactadas negativamente pelas restrições impostas ao uso de recursos florestais por “projetos de compensação carbono florestal”, também chamados, muitas vezes, de projetos de REDD+ (5). Uma definição de florestas que trata apenas de árvores abre a porta para incluir “florestas plantadas” – leia-se: plantações industriais de árvores – uma forma completamente falsa de “redução do desmatamento e da degradação florestal” – como opção dentro da convenção de mudanças climáticas, através da qual o carbono pode supostamente ser sequestrado da atmosfera e armazenado permanentemente. Na prática, é apenas mais uma oportunidade para a indústria das plantações de árvores ganhar dinheiro e uma grande ameaça para as comunidades afetadas pela tendência de expansão dessas plantações como “sumidouros de carbono”.(6)

    Na sequência das últimas negociações da UNFCCC, os países têm revisto suas leis florestais recentemente, na esperança de atrair o chamado “financiamento para o clima”. Previsivelmente, as definições usadas têm por base a definição de florestas da FAO. Em Moçambique, por exemplo, em um seminário sobre REDD+, um consultor propôs uma nova definição de floresta para o país. Assim como a da FAO, ela também se baseia na presença de árvores, dizendo que uma floresta é uma área onde há “… Árvores com potencial para alcançar uma altura de 5 metros na maturidade (…)”. Também na Indonésia, a apresentação do Ministério do Meio Ambiente e Florestas à Conferência da ONU sobre o Clima em 2015 declarou que tinha “… adaptado a definição de floresta da FAO…” para definir suas florestas. Mais uma vez, é uma formulação que define e valoriza uma floresta somente através de suas árvores e divide “florestas” em um número de diferentes categorias, incluindo “floresta natural” e algo chamado de “florestas de plantação”.

    A definição de floresta da FAO também influencia as ações das instituições financeiras e de desenvolvimento que promovem atividades baseadas na madeira, como a extração industrial de madeira de florestas, as plantações industriais de árvores e a compensação de carbono por REDD+. O principal exemplo é o Banco Mundial (BM), o qual, como parte do conglomerado da ONU, tem feito parcerias com a FAO por décadas, em uma série de iniciativas relacionadas a florestas. Recentemente, eles uniram forças mais uma vez, em um dos planos mais ambiciosos lançados durante a COP 21 em Paris, a chamada Iniciativa para a Restauração da Paisagem Florestal Africana  (AFR100) (7).  A AFR100 visa cobrir com árvores 100 milhões de hectares de terras desmatadas e chamadas de “degradadas” em diferentes países africanos. O Banco Mundial vai disponibilizar um bilhão de dólares para o plano. Mas, para entender o que o Banco considera como “reflorestamento”, é crucial ver como ele próprio define uma floresta. Previsivelmente, sua definição também é emprestada da FAO, descrevendo uma floresta como “uma área de terra … com cobertura de copa de mais de 10% e que tenha árvores …”. (8) Ao definir florestas dessa forma, o Banco Mundial escancara as portas para que empresas de plantação da árvores expandam suas grandes monoculturas sobre os territórios comunitários na África e, assim, façam parte do ambicioso plano de “restauração” que ele está promovendo em conjunto com a FAO e outros parceiros. A proposta da AFR100 se parece muito com o fracassado Plano de Ação para a Silvicultura Tropical (TFAP) da década de 1980, que também foi idealizado pelo Banco Mundial em colaboração com a FAO.

    Considerações finais

    É urgente que a FAO pare de apresentar as plantações industriais de árvores como “florestas plantadas” ou “silvicultura”, pois governos nacionais, outras instituições da ONU e instituições financeiras, bem como os principais meios de comunicação, seguirão seu exemplo inadequado. Essa confusão deliberada de plantações de árvores com florestas está enganando as pessoas, porque as florestas em geral são vistas como algo positivo e benéfico. Afinal de contas, quem seria contra “florestas”?

    Acima de tudo, a FAO deve assumir total responsabilidade pela forte influência que sua definição de “floresta” tem sobre as políticas econômicas, ecológicas e sociais globais. O abaixo-assinado de 2015, que foi apresentado à FAO em Durban, afirma que ela se apresenta, em seus princípios fundamentais, como um “fórum neutro, onde todas as nações se reúnem como iguais”. Para corresponder a essa afirmação, entre outras coisas, a FAO deve rever urgentemente sua definição de floresta, passando de uma visão que reflete as preferências e perspectivas de empresas de madeira, celulose/papel, borracha e comércio de carbono, para uma que reflita as realidades ecológicas, bem como os pontos de vista dos povos que dependem da floresta. Em contraste com a atual influência dominante que as indústrias baseadas na madeira exercem através da FAO, um processo transparente e aberto para estabelecer definições novas e apropriadas para florestas e plantações de árvores também deve envolver efetivamente essas  mulheres e esses homens que dependem diretamente das florestas e por isso as protegem.

    1 –  “Terra com cobertura de copa (ou densidade equivalente) de mais de 10% e área de mais de 5 hectares (ha). As árvores devem ter potencial para atingir uma altura mínima de 5 metros na maturidade in situ”.

    2 – Veja mais em http://wrm.org.uy/pt/navegue-por-tema/plantacoes-de-arvores/

    3 – Chazdon, R. L., Brancalion, P. H. S., Laestadius, L. et al. Ambio (2016). doi:10.1007/s13280-016-0772-y. When is a forest  a forest? Forest concepts and definitions in the era of forest and landscape restoration (http://link.springer.com/article/10.1007/s13280-016-0772-y).

    4 – http://www.mma.gov.br/estruturas/sfb/_arquivos/livro_portugus_95.pdf.

    5 – Veja mais em http://wrm.org.uy/pt/livros-e-relatorios/redd-uma-colecao-de-conflitos-contradicoes-e-mentiras/

    6 – http://www.greenpeace.org/international/Global/seasia/Indonesia/pdf/FREL_Report.pdf

    7 –  http://www.wri.org/our-work/project/AFR100/about-afr100.

    8 – http://tinyurl.com/j5d6mbv

    Read More
  • 17/11/2016

    Papa Francisco chama movimentos sociais à missão de refundar a democracia, combater a desigualdade e ‘governos do dinheiro’



    Com a presença do ex-presidente do Uruguai, José Mujica, o Papa Francisco se dirigiu em pronunciamento aos participantes do 3º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Lideranças populares de todo o mundo ouviram Francisco no Vaticano, sede do encontro, no último dia 5 de novembro. O Sumo Pontífice apontou a continuidade da luta pelos três t’s: terra, teto e trabalho.

    "Vós, organizações dos excluídos e tantas organizações de outros setores da sociedade, estais chamados a revitalizar, a refundar as democracias que estão a atravessar uma verdadeira crise", convocou o Papa Francisco. "Quem governa? O dinheiro. Como governa? Com o chicote do medo, da desigualdade, da violência financeira, social, cultural e militar que gera cada vez mais violência numa espiral descendente que parece infinita", destacou.

    Leia o pronunciamento na íntegra:

    DISCURSO DO PAPA FRANCISCO

    AOS PARTICIPANTES NO 3º ENCONTRO MUNDIAL DOS MOVIMENTOS POPULARES

    Sala Paulo VI

    Sábado, 5 de novembro de 2016

    Boa tarde, irmãos e irmãs!

    Neste nosso terceiro encontro expressamos a mesma sede, a sede de justiça, o mesmo grito: terra, casa e trabalho para todos.

    Agradeço aos delegados que vieram das periferias urbanas, rurais e industriais dos cinco continentes, mais de 60 países, para debater mais uma vez sobre o modo de defender estes direitos que unem. Obrigado aos Bispos que vieram acompanhar-vos. Obrigado aos milhares de italianos e europeus que hoje se reuniram no final deste encontro. Obrigado aos observadores e aos jovens comprometidos na vida pública, que vieram com humildade para ouvir e aprender. Quanta esperança tenho nos jovens! Agradeço inclusive a Vossa Eminência, Cardeal Turkson, o trabalho que juntos realizastes no Dicastério; e gostaria de recordar também a contribuição do ex-Presidente uruguaio, José Mujica, aqui presente.

    No nosso último encontro, na Bolívia, com a maioria de latino-americanos, podemos falar da necessidade de uma mudança para que a vida seja digna, uma transformação de estruturas; além disso, do modo como vós, movimentos populares, sois semeadores de mudança, promotores de um processo para o qual convergem milhões de pequenas e grandes ações interligadas de modo criativo, como numa poesia; foi por isso que vos quis chamar «poetas sociais»; e também podemos enumerar algumas tarefas imprescindíveis para caminhar rumo a uma alternativa humana diante da globalização da indiferença: 1. pôr a economia ao serviço dos povos; 2. construir a paz e a justiça; 3. defender a Mãe Terra.

    Naquele dia, com a voz de uma «cartonera» e de um camponês, na conclusão foram lidos os dez pontos de Santa Cruz de la Sierra, onde a palavra mudança estava carregada de um grande conteúdo, ligada às coisas fundamentais que vós reivindicais: trabalho digno para quantos são excluídos do mercado do trabalho; terra para os camponeses e as populações indígenas; habitações para as famílias desabrigadas; integração urbana para os bairros populares; eliminação da discriminação, da violência contra as mulheres e das novas formas de escravidão; fim de todas as guerras, do crime organizado e da repressão; liberdade de expressão e de comunicação democrática; ciência e tecnologia ao serviço dos povos. Ouvimos também como vos comprometestes a abraçar um projeto de vida que rejeite o consumismo e recupere a solidariedade, o amor entre nós e o respeito pela natureza como valores essenciais. É a felicidade de «viver bem» aquilo que reclamais, a «vida boa», e não aquele ideal egoísta que enganosamente inverte as palavras e propõe a «boa vida».

    Nós que hoje estamos aqui, de diferentes origens, credos e ideias, talvez não estejamos de acordo acerca de tudo, certamente pensamos de modo diverso sobre muitas coisas, mas sem dúvida estamos de acordo sobre estes pontos.

    Sei também que foram realizados encontros e laboratórios em vários países, onde se multiplicaram os debates à luz da realidade de cada comunidade. Isto é muito importante porque as soluções reais para as problemáticas atuais não sairão de uma, três ou mil conferências: elas devem ser fruto de um discernimento coletivo que amadurece nos territórios juntamente com os irmãos, um discernimento que se torna ação transformadora «em conformidade com os lugares, os tempos e as pessoas», como dizia santo Inácio. Caso contrário, corremos o risco das abstrações, de certos «nominalismos declaracionistas (slogans), que são frases bonitas mas que não conseguem sustentar a vida das nossas comunidades» (Carta ao Presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina, 19 de março de 2016). São slogans! O colonialismo ideológico globalizador procura impor receitas supraculturais que não respeitam a identidade dos povos. Vós caminhais por outra vereda que é local e, ao mesmo tempo, universal. Um caminho que me recorda como Jesus pediu para dispor a multidão em grupos de cinquenta, para lhes distribbuir o pão (cf. Homilia na Solenidade do Corpus Christi, Buenos Aires, 12 de junho de 2004).

    Há pouco assistimos ao vídeo que apresentastes como conclusão deste terceiro encontro. Vimos os vossos rostos nos debates sobre o modo de enfrentar «a desigualdade que gera violência». Tantas propostas, muita criatividade e grande esperança na vossa voz, que talvez tivesse mais motivos para se queixar, permanecer emudecida nos conflitos, cair na tentação do negativo. E no entanto vós olhais para a frente, pensais, debateis, propondes e agis. Congratulo-me convosco, acompanho-vos e peço-vos que continueis a abrir caminhos e a lutar. Isto dá-me força, isto dá-nos força. Acho que este nosso diálogo, que se acrescenta aos esforços de muitos milhões de pessoas que trabalham diariamente pela justiça no mundo inteiro, começa a ganhar raízes.

    Gostaria de abordar alguns temas mais específicos, que me sugeristes, que me levaram a refletir e que agora volto a apresentar-vos neste momento.

    1. O terror e os muros

    No entanto esta germinação, que é lenta — aquela à qual eu me referia — e que tem os seus tempos, como todas as germinações, é ameaçada pela velocidade de um mecanismo destruidor que age em sentido contrário. Existem forças poderosas que podem neutralizar este processo de amadurecimento de uma mudança, que seja capaz de mudar o primado do dinheiro e pôr novamente no centro o ser humano, o homem e a mulher. Aquele «fio invisível» do qual pudemos falar na Bolívia, aquela estrutura injusta que une todas as exclusões que vós padeceis, pode consolidar-se e transformar-se num chicote, num chicote existencial que, como no Egito do Antigo Testamento, escraviza, rouba a liberdade, golpeia sem misericórdia certas pessoas e ameaça constantemente outras, para abater todos como reses, até onde o dinheiro divinizado quiser .

    Então, quem governa? O dinheiro. Como governa? Com o chicote do medo, da desigualdade, da violência financeira, social, cultural e militar que gera cada vez mais violência numa espiral descendente que parece infinita. Quanta dor e quanto medo! Existe — como eu disse recentemente — um terrorismo de base que provém do controle global do dinheiro na terra, ameaçando a humanidade inteira. É deste terrorismo de base que se alimentam os terrorismos derivados, como o narcoterrorismo, o terrorismo de Estado e aquele que alguns erroneamente chamam terrorismo étnico ou religioso. Mas nenhum povo, nenhuma religião é terrorista! É verdade, existem pequenos grupos fundamentalistas em toda a parte. Mas o terrorismo começa quando «se expulsa a maravilha da criação, o homem e a mulher, colocando no seu lugar o dinheiro» (Conferência de imprensa no voo de regresso da Viagem Apostólica à Polónia, 31 de julho de 2016). Este sistema é terrorista.

    Há quase cem anos, Pio xi previu o afirmar-se de uma ditadura global da economia, à qual ele chamou «imperialismo internacional do dinheiro» (Carta Encíclica Quadragesimo anno, 15 de maio de 1931, n. 109). Refiro-me ao ano de 1931! A sala onde agora nos encontramos chama-se «Paulo vi», e foi Paulo vi que denunciou, há quase cinquenta anos, a «nova forma abusiva de domínio económico nos planos social, cultural e até político» (Carta Apostólica Octogesima adveniens, 14 de maio de 1971, n. 44). No ano de 1971! São palavras duras mas justas dos meus predecessores que perscrutaram o futuro. A Igreja e os profetas dizem há milénios aquilo que tanto escandaliza que o Papa repita neste tempo, no qual tudo isto alcança expressões inéditas. Toda a doutrina social da Igreja e o magistério dos meus predecessores estão revoltados contra o ídolo dinheiro, que reina em vez de servir, tiraniza e aterroriza a humanidade.

    Nenhuma tirania se sustém sem explorar os nossos medos. Esta é uma chave! Por isso, cada tirania é terrorista. E quando este terror, que foi semeado nas periferias com massacres, saques, opressões e injustiças, eclode nos centros sob várias formas de violência, até com atentados hediondos e infames, os cidadãos que ainda conservam alguns direitos são tentados pela falsa segurança dos muros físicos ou sociais. Muros que encerram alguns e exilam outros. Por um lado, cidadãos murados, apavorados; e por outro, excluídos, exilados, ainda mais aterrorizados. É esta a vida que Deus, nosso Pai, deseja para os seus filhos?

    O medo é alimentado, manipulado… Porque, além de ser um bom negócio para os comerciantes de armas e de morte, o medo debilita-nos, desestabiliza-nos, destrói as nossas defesas psicológicas e espirituais, anestesia-nos diante do sofrimento do próximo e no final torna-nos cruéis. Quando sentimos que se festeja a morte de um jovem que talvez tenha errado o caminho, quando vemos que se prefere a guerra à paz, quando vemos que se propaga a xenofobia, quando constatamos que propostas intolerantes ganham terreno; por detrás de tal crueldade, que parece massificar-se, sopra o frio vento do medo. Peço-vos que rezeis por todos aqueles que têm medo; oremos a fim de que Deus lhes infunda coragem e que neste Ano da misericórdia os nossos corações possam sensibilizar-se. A misericórdia não é fácil, não é fácil… exige coragem! É por isso que Jesus nos diz: «Não tenhais medo!» (Mt 14, 27), porque a misericórdia é o melhor antídoto contra o medo. É muito melhor do que os remédios antidepressivos e tranquilizantes. Muito mais eficaz do que os muros, as grades, os alarmes e as armas. E é grátis: uma dádiva de Deus.

    Caros irmãos e irmãs, todos os muros ruem. Todos! Não nos deixemos enganar. Como vós mesmos dissestes: «Continuemos a trabalhar para construir pontes entre os povos, pontes que nos permitam derrubar os muros da exclusão e da exploração» (Documento conclusivo do segundo encontro mundial dos movimentos populares, 11 de julho de 2015, Santa Cruz de la Sierra, Bolívia). Enfrentemos o terror com o amor!

    O segundo ponto que desejo abordar é: Amor e pontes

    Num dia como este, num sábado, Jesus fez duas coisas que, como nos diz o Evangelho, apressaram a conspiração para o matar. Passava com os seus discípulos por um campo de semeadura. Os discípulos tinham fome e comeram algumas espigas. Nada se diz acerca do «dono» daquele campo… o que lhe está subjacente é o destino universal dos bens. Certamente, diante da fome Jesus deu prioridade à dignidade dos filhos de Deus, sobre uma interpretação formalista, conciliante e interessada pela norma. Quando os doutores da lei se queixaram com indignação hipócrita, Jesus recordou-lhes que Deus quer amor, não sacrifícios, e explicou que o sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado (cf. Mc 2, 27). Enfrentou o pensamento hipócrita e presunçoso com a inteligência humilde do coração (cf. Homilia no I Congreso de evangelización de la cultura, Buenos Aires, 3 de novembro de 2006), que dá sempre a prioridade ao homem e não aceita que determinadas lógicas impeçam a sua liberdade de viver, amar e servir o próximo.

    Em seguida, naquele mesmo dia, Jesus fez algo «pior», uma coisa que irritou ainda mais os hipócritas e os soberbos que o observavam, porque procuravam uma desculpa para o capturar. Curou a mão atrofiada de um homem. A mão, um sinal tão forte de ação, de trabalho. Jesus restituiu àquele homem a capacidade de trabalhar e, com ela, a sua dignidade. Quantas mãos atrofiadas, quantas pessoas desprovidas da dignidade do trabalho! Porque para defender sistemas injustos, os hipócritas opõem-se a tais curas. Às vezes penso que quando vós, pobres organizados, inventais o vosso trabalho, criando uma cooperativa, recuperando uma fábrica falida, reciclando os descartes da sociedade consumista, enfrentando a inclemência do tempo para vender numa praça, reivindicando um pequeno pedaço de terra para cultivar e alimentar quem tem fome, quando fazeis isto imitais Jesus porque procurais curar, mesmo que seja só um pouco e de modo precário, esta atrofia do sistema socioeconómico imperante que é o desemprego. Não me surpreende que inclusive vós, por vezes, sois controlados ou perseguidos, e também não me causa admiração que os soberbos não se interessem por aquilo que vós dizeis.

    Naquele sábado Jesus arriscou a sua vida porque, depois de ter curado a mão, os fariseus e os herodianos (cf. Mc 3, 6), dois partidos opostos entre si, que temiam o povo e também o império, fizeram os seus cálculos e conspiraram para o matar. Sei que muitos de vós arriscam a vida. Sei — e desejo recordá-lo, quero recordá-la — que hoje alguns não estão aqui porque apostaram a sua vida… Por isso, não há maior amor do que dar a própria vida. É isto que Jesus nos ensina.

    Os «3 t», o vosso grito que faço meu, têm algo daquela inteligência humilde mas ao mesmo tempo vigorosa e purificadora. Um projeto-ponte dos povos diante do projeto-muro do dinheiro. Um programa que visa o desenvolvimento humano integral. Alguns sabem que o nosso amigo, Cardeal Turkson, agora preside ao Dicastério que tem o seguinte nome: Desenvolvimento Humano Integral. O contrário do desenvolvimento, poder-se-ia dizer, é a atrofia, a paralisia. Temos o dever de ajudar a curar o mundo da sua atrofia moral. Este sistema atrofiado é capaz de fornecer algumas «próteses» cosméticas que não constituem verdadeiros desenvolvimentos: crescimento da economia, progressos tecnológicos, maior «eficiência» para produzir coisas que se compram, se usam e se abandonam, englobando-nos todos numa vertiginosa dinâmica do descarte… Mas este mundo não permite o desenvolvimento do ser humano na sua totalidade, o desenvolvimento que não se reduz ao consumo, que não se limita ao bem-estar de poucos, que inclui todos os povos e as pessoas na plenitude da sua dignidade, desfrutando fraternalmente da maravilha da criação. Este é o desenvolvimento do qual nós temos necessidade: humano, integral, respeitador da criação, desta casa comum.

    Outro ponto é: Falência e resgate

    Estimados irmãos, quero compartilhar convosco algumas reflexões sobre outros dois temas que, juntamente com os «3 t» e com a ecologia integral, estiveram no centro dos vossos debates dos últimos dias, e são fulcrais nestes período histórico.

    Sei que dedicastes um dia ao drama dos migrantes, dos refugiados e dos deslocados. Como agir diante desta tragédia? No Dicastério do qual é responsável o Cardeal Turkson há uma secção que se ocupa destas situações. Decidi que, pelo menos durante um certo tempo, tal setor dependa diretamente do Pontífice, porque se trata de uma situação infamante, que só posso descrever com uma palavra que me brotou espontaneamente em Lampedusa: vergonha!

    Ali, assim como em Lesbos, pude sentir de perto o sofrimento de numerosas famílias expulsas da sua terra por motivos ligados à economia ou por violências de todos os tipos, multidões exiladas — eu disse-o diante das autoridades do mundo inteiro — por causa de um sistema socioeconómico injusto e das guerras que não foram procuradas nem criadas por aqueles que hoje padecem a dolorosa erradicação da sua pátria, mas ao contrário por muitos daqueles que se recusam a recebê-los.

    Faço minhas as palavras do meu irmão, o Arcebispo Hieronymos da Grécia: «Quem fita os olhos das crianças que encontramos nos campos de refugiados é capaz de reconhecer imediatamente, na sua totalidade, a “falência” da humanidade» (Discurso no campo de refugiados de Moria, Lesbos, 16 de abril de 2016). O que acontece com o mundo de hoje que, quando se verifica a falência de um banco, imediatamente aparecem quantias escandalosas para o salvar, mas quando ocorre esta falência da humanidade praticamente não aparece nem uma milésima parte para salvar aqueles irmãos que sofrem tanto? E assim o Mediterrâneo tornou-se um cemitério, e não apenas o Mediterrâneo… muitos cemitérios perto dos muros, muros manchados de sangue inocente. Nos dias deste encontro — sois vós que o dizeis no vídeo — quantos são os mortos no Mediterrâneo?

    O medo endurece o coração e transforma-se em crueldade cega, que se recusa a ver o sangue, a dor, a face do próximo. Quem o disse foi o meu irmão, o Patriarca Bartolomeu: «Quem tem medo de vós não vos fitou nos olhos. Quem tem receio de vós não viu os vossos rostos. Quem tem medo não vê os vossos filhos, esquece-se que a dignidade e a liberdade transcendem o medo e superam a divisão. Esquece-se que a migração não é um problema do Médio Oriente e da África setentrional, da Europa e da Grécia. Trata-se de um problema do mundo» (Discurso no campo de refugiados de Moria, Lesbos, 16 de abril de 2016).

    É verdadeiramente um problema do mundo. Ninguém deveria ver-se obrigado a fugir da sua pátria. Mas o mal é duplo quando, diante destas circunstâncias terríveis, os migrantes se veem lançados nas garras dos traficantes de pessoas, para atravessar as fronteiras; e é triplo se, chegando à terra na qual julgavam encontrar um porvir melhor, são desprezados, explorados e até escravizados! Pode-se ver isto em qualquer recanto de centenas de cidades. Ou simplesmente não os deixam entrar.

    Peço-vos que façais tudo o que for possível; e que nunca vos esqueçais que inclusive Jesus, Maria e José experimentaram a condição dramática dos refugiados. Peço-vos que exerçais aquela solidariedade tão singular que existe entre quantos sofreram. Vós sabeis recuperar fábricas das falências, reciclar aquilo que outros abandonam, criar postos de trabalho, cultivar a terra, construir habitações, integrar bairros segregados e reclamar de modo incessante, como a viúva do Evangelho que pede justiça insistentemente (cf. Lc 18, 1-8). Talvez com o vosso exemplo e a vossa insistência, alguns Estados e Organizações internacionais abram os olhos e adotem medidas adequadas para acolher e integrar plenamente todos aqueles que, por um motivo ou por outro, procuram refúgio longe de casa. E também para enfrentar as profundas causas pelas quais milhares de homens, mulheres e crianças são expulsos cada dia da sua terra natal.

    Dar o exemplo e reclamar é um modo de fazer política, e isto leva-me ao segundo tema que debatestes no vosso encontro: a relação entre povo e democracia. Uma relação que deveria ser natural e fluida, mas que corre o perigo de se ofuscar, até se tornar irreconhecível. O fosso entre os povos e as nossas atuais formas de democracia alarga-se cada vez mais, como consequência do enorme poder dos grupos económicos e mediáticos, que parecem dominá-las. Sei que os movimentos populares não são partidos políticos, e permiti-me dizer-vos que, em grande parte, é nisto que se encontra a vossa riqueza, porque exprimis uma forma diferente, dinâmica e vital de participação social na vida pública. Mas não tenhais medo de entrar nos grandes debates, na Política com letra maiúscula, e volto a citar Paulo vi: «A política é uma maneira exigente — mas não é a única — de viver o compromisso cristão ao serviço do próximo» (Carta Apostólica Octogesima adveniens, 14 de maio de 1971, n. 46). Ou então esta frase, que repito muitas vezes e sempre me confundo, não sei se é de Paulo vi ou de Pio xii: «A política é uma das formas mais altas da caridade, do amor».

    Gostaria de frisar dois riscos que giram em volta da relação entre movimentos populares e política: o risco de se deixar arquivar e o risco de se deixar corromper.

    Primeiro, não se deixar amarrar, porque alguns dizem: a cooperativa, o refeitório, a horta agroecológica, as microempresas, o projeto dos planos assistenciais… até aqui tudo bem. Enquanto vos mantiverdes na divisória das «políticas sociais», enquanto não puserdes em questão a política económica ou a Política com «p» maiúsculo, sois tolerados. Aquela ideia das políticas sociais concebidas como uma política para os pobres, mas nunca com os pobres, nunca dos pobres e muito menos inserida num projeto que reúna os povos, às vezes parece-se com uma espécie de carro mascarado para conter os descartes do sistema. Quando vós, da vossa afeição ao território, da vossa realidade diária, do bairro, do local, da organização do trabalho comunitário, das relações de pessoa a pessoa, ousais pôr em questão as «macrorrelações». quando levantais a voz, quando gritais, quando pretendeis indicar ao poder uma organização mais integral, então deixais de ser tolerados, não sois muito tolerados porque estais a sair da divisória, estais a deslocar-vos para o terreno das grandes decisões que alguns pretendem monopolizar em pequenas castas. Assim a democracia atrofia-se, torna-se um nominalismo, uma formalidade, perde representatividade, vai-se desencantando porque deixa fora o povo na sua luta diária pela dignidade, na construção do seu destino.

    Vós, organizações dos excluídos e tantas organizações de outros setores da sociedade, estais chamados a revitalizar, a refundar as democracias que estão a atravessar uma verdadeira crise. Não caiais na tentação da divisória que vos reduz a agentes secundários ou, pior, a meros administradores da miséria existente. Nestes tempos de paralisia, desorientação e propostas destruidoras, a participação como protagonistas dos povos que procuram o bem comum pode vencer, com a ajuda de Deus, os falsos profetas que exploram o medo e o desespero, que vendem fórmulas mágicas de ódio e crueldade, ou de um bem-estar egoísta e uma segurança ilusória.

    Sabemos que «enquanto não forem radicalmente solucionados os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando as causas estruturais da desigualdade social, não se resolverão os problemas do mundo e, em definitivo, problema algum. A desigualdade é a raiz dos males sociais» (Exortação Apostólica Evangelii gaudium, n. 202). Por isso, disse e repito-o, «o futuro da humanidade não está unicamente nas mãos dos grandes dirigentes, das grandes potências e das elites. Está fundamentalmente nas mãos dos povos; na sua capacidade de se organizarem e também nas suas mãos que regem, com humildade e convicção, este processo de mudança» (Discurso no segundo encontro mundial dos movimentos populares, Santa Cruz de la Sierra, 9 de julho de 2015). Também a Igreja pode e deve, sem pretender ter o monopólio da verdade, pronunciar-se e agir especialmente face a «situações nas quais se tocam as chagas e os sofrimentos dramáticos, e nas quais estão envolvidos os valores, a ética, as ciências sociais e a fé» (Intervenção no encontro de juízes e magistrados contra o tráfico de pessoas e o crime organizado, Vaticano, 3 de junho de 2016). Este é o primeiro risco: o risco de se deixar encaixar e o convite a entrar na grande política.

    O segundo risco, dizia-vos, é deixar-se corromper. Assim como a política não é uma questão de «políticos», também a corrupção não é um vício exclusivo da política. Há corrupção na política, há corrupção nas empresas, há corrupção nos meios de comunicação, há corrupção nas igrejas e há corrupção também nas organizações sociais e nos movimentos populares. É justo dizer que há uma corrupção radicada nalguns âmbitos da vida económica, em particular na atividade financeira, e que faz menos notícia do que a corrupção diretamente relacionada com o âmbito político e social. É justo dizer que muitas vezes se utilizam os casos de corrupção com más intenções. Mas também é justo esclarecer que quantos escolheram uma vida de serviço têm uma obrigação ulterior que se acrescenta à honestidade com a qual qualquer pessoa deve agir na vida. A medida é muito alta: é preciso ter a vocação para servir com um forte sentido de austeridade e humildade. Isto é válido para os políticos mas também para os dirigentes sociais e para nós pastores. Disse «austeridade» e gostaria de esclarecer ao que me refiro com a palavra austeridade, porque pode ser uma palavra equívoca. Pretendo dizer austeridade moral, austeridade no modo de viver, austeridade na maneira como levo por diante a minha vida, a minha família. Austeridade moral e humana. Porque em âmbito científico, científico-económico, se quiserdes, ou das ciências do mercado, austeridade é sinónimo de adaptação… Não me refiro a isto, não estou a falar disto.

    A qualquer pessoa que seja demasiado apegada às coisas materiais ou ao espelho, a quem ama o dinheiro, os banquetes exuberantes, as casas sumptuosas, roupas de marca, carros de luxo, aconselharia que compreenda o que está a acontecer no seu coração e que reze a Deus para que o liberte destes laços. Mas, parafraseando o ex-presidente latino-americano que está aqui, todo aquele que seja apegado a estas coisas, por favor, que não entre na política, não entre numa organização social ou num movimento popular, porque causaria muitos danos a si mesmo, ao próximo e sujaria a nobre causa que empreendeu. Taopouco entre no seminário!

    Diante da tentação da corrupção, não há remédio melhor do que a austeridade, a austeridade moral, pessoal: e praticar a austeridade é, ainda mais, pregar com o exemplo. peço-vos que não subestimeis o valor do exemplo porque tem mais força do que mil palavras, mil panfletos, mil «gosto», mil retweets, mil vídeos no youtube. O exemplo de uma vida austera ao serviço do próximo é o modo melhor para promover o bem comum e o projeto-ponte dos «3 t». Peço a vós dirigentes que não vos canseis de praticar esta austeridade moral, pessoal, e peço a todos que exijam dos dirigentes esta austeridade, que — de resto — os fará sentir-se muito felizes.

    Queridos irmãos e irmãs, a corrupção, a soberba e o exibicionismo dos dirigentes aumentam o descrédito coletivo, a sensação de abandono e alimenta o mecanismo do medo que apoia este sistema iníquo. Para concluir, gostaria de vos pedir que continueis a contrastar o medo com uma vida de serviço, solidariedade e humildade a favor dos povos e sobretudo dos que sofrem. Podereis errar muitas vezes, todos erramos, mas se perseverarmos neste caminho, cedo ou tarde, veremos os frutos. O amor cura tudo. Alguns sabem que depois do Sínodo sobre a família escrevi um documento que tem como título Amoris laetitia — «A alegria do amor» — um documento sobre o amor nas famílias, mas também naquela outra família que é o bairro, a comunidade, o povo, a humanidade. Um de vós pediu-me para distribuir um fascículo que contém um fragmento do quarto capítulo deste documento. Penso que vo-lo entregarão à saída. Portanto, com a minha bênção. Nele encontram-se alguns «conselhos úteis» para praticar o mandamento mais importante de Jesus.

    Na Amoris laetitia cito um saudoso líder afro-americano, Martin Luther King, o qual sabia escolher sempre o amor fraterno até nos meio das piores preocupações e humilhações. Quero recordá-lo hoje convosco: «Quando te elevas ao nível do amor, da sua grande beleza e poder, a única coisa que procuras derrotar são os sistemas malignos. Amas as pessoas que caíram na armadilha daquele sistema, mas procuras derrotar aquele sistema […] Ódio por ódio só intensifica a existência do ódio e do mal no universo. Se eu te firo e tu me feres, e restituo-te a pancada e tu restituis-me a pancada, e assim por diante, é evidente que se continua sem fim. Simplesmente nunca acaba. Nalguma parte, deve haver alguém que tem um pouco de bom senso, e aquela é a pessoa forte. A pessoa forte é aquela que é capaz de cortar a cadeia do ódio, a cadeia do mal» (n. 118; Sermão na igreja batista de Dexter Avenue, Montgomery, Alabama, 17 de novembro de 1957). Disse isto em 1957.

    Agradeço-vos de novo o vosso trabalho, a vossa presença. Desejo pedir a Deus nosso Pai que vos acompanhe e vos abençoe, que vos encha do seu amor e vos defenda no caminho dando-vos em abundância a força que nos mantém em pé e nos dá a coragem para cortar a cadeia do ódio: aquela força é a esperança. Peço-vos por favor que rezeis por mim, e aos que não podem rezar, sabei-lo, pensai bem de mim e mandai-me uma boa onda. Obrigado!


    Read More
  • 16/11/2016

    Em memória de Antônio Cechin: querido amigo, enfim chegando à Terra Sem Males!


    O marista Antônio Cechin, um dos criadores das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) no Rio Grande do Sul, faleceu na manhã desta quarta-feira (16), em Porto Alegre (RS), aos 89 anos. Cechin influenciou diversas gerações de militantes e agentes pastorais no Rio Grande do Sul e teve papel importante na criação da Romaria da Terra, da Romaria das Águas, além de idealizar a missa em honra ao líder Guarani São Sepé Tiaraju. Chegou a ser perseguido pela ditadura militar, preso e torturado.

    Cechin foi, ainda, assessor do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), enquanto esse estava ligado às Comunidades Eclesiais de Base. Com base em sua experiência em movimentos sociais, escreveu o livro “Empoderamento Popular: uma pedagogia de libertação”, publicado em 2010 pela editora Estef. Mais recentemente, vinha atuando como Agente de Pastoral em diversas periferias da região metropolitana de Porto Alegre junto a comunidades de catadores e recicladores.

    Nos últimos dez anos, o irmão Cechin atuou de forma decisiva para a realização do evento Sepé Tiaraju, já tradicional encontro dos Guarani Mbya, no qual este povo – junto de outras populações Guarani do Brasil, Argentina, Bolívia e Paraguai, e também dos Kaingang – se reúne anualmente no mesmo local onde Sepé foi morto numa emboscada, há 260 anos, no município de São Gabriel (RS). Além disso, foi um impulsionador das bicicletadas, na qual percorre-se anualmente, no interior do Rio Grande do Sul, os caminhos que Sepé Tiaraju fazia no século XVIII, denominados hoje de "caminhos de São Sepé".

    O irmão marista sempre acompanhou de perto a atuação do Cimi e a realidade dos povos indígenas no Sul do país. A primeira Romaria da Terra organizada por ele, ainda na década de 1970, teve como tema a situação dos povos indígenas no Brasil e sua luta por suas terras tradicionais.

    Leia, abaixo, homenagem do Cimi ao irmão Antônio Cechin.

    Querido amigo, enfim chegando na Terra Sem Males!

    Irmão Antônio,
    Profeta dos catadores e carroceiros
    Profeta da ecologia, das CEBS, dos Sem Terra
    Apaixonado pelas causas dos excluídos
    Seguiu para a morada celestial!

    Lá confraternizará, com lutadores e lutadoras, a vida doada
    Será acariciado e acolhido com o carinho eterno
    Estará com outros profetas
    Que, assim como você, deram testemunhos de vida
    Ofertadas exclusivamente às lutas por justiça e dignidade.

    Lá estará com os torturados, os exilados, os perseguidos, os desaparecidos
    Reencontrará os mártires da caminhada
    As mulheres e homens das CEB’s, os catadores, ecologistas
    Os indígenas, quilombolas, camponêses, sem teto
    Lá estará com Sepé Tiaraju líder, santo e guia na busca da terra sem males.

    Lá será um SER DE LUZ, um ENCANTADO
    A interceder pelos que aqui permanecem
    Lutando contra a intolerância, o preconceito, a discriminação
    Contra a criminalização, a exploração e a exclusão
    Combatendo a devastação, a contaminação, a concentração dos bens da terra.

    Permaneceremos pelos caminhos que ajudou a construir
    Por uma sociedade plena de justiça e solidariedade
    Respeitosa nas diferenças e igualitária em direitos
    Por um outro mundo possível
    Pelo BEM VIVER.

    ATÉ O REENCONTRO, querido Amigo!

    Brasília, 16 de novembro de 2016
    Conselho Indigenista Missionário

    Read More
  • 16/11/2016

    Nota da Apib: Pela continuidade da nossa luta em defesa da saúde diferenciada


    Às lideranças das organizações e povos indígenas do Brasil

    Prezad@s parentes,

    É com muita satisfação que manifestamos a todos e todas o nosso Parabéns em razão do sucesso das mobilizações que protagonizamos na última semana em Brasília para fazer valer o direito dos nossos povos e comunidades ao atendimento diferenciado que com muita luta conquistamos nos últimos anos com a criação do Subsistema de Saúde Indígena, especialmente a criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

    Com as mobilizações realizadas nas distintas regiões do país e na capital federal, os nossos povos e organizações demonstraram de forma contundente ao atual governo a sua capacidade de articulação e pressão para conseguir reverter o retrocesso que pretendia aplicar à saúde indígena.

    Contra a sua vontade o governo não só foi obrigado a revogar as Portarias com que pretendia esvaziar a Sesai e a autonomia dos DSEIs, mas teve que atender a nossa pauta de reivindicações, que entre outras questões envolviam: a continuidade dos serviços de saúde, por meio da prorrogação dos convênios até dezembro de 2017; o fortalecimento da SESAI e DSEIs, restabelecendo as suas competências administrativas; a homologação dos Planos Distritais de Saúde Indígena para que as diretrizes, metas e ações da saúde indígena sejam devidamente implementadas; a constituição de grupo de trabalho com nossa participação para pensar o aprimoramento do modelo de atenção à saúde indígena; a realização de seminários de consultas junto aos nossos povos nas distintas regiões para discutir a saúde indígena.

    Derrubamos assim a pretensão do ministro de saúde, Ricardo Barros, de querer municipalizar ou terceirizar a saúde indígena, ou que a gestão fosse implementada por Organizações Sociais (OS).

    Contudo, tão logo encerramos a nossa mobilização e enquanto comemorávamos essa conquista, o governo Temer e seu ministro, publicaram o Decreto No. 8.901 de 10 de novembro de 2016, que “Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Ministério da Saúde, remaneja cargos em comissão e funções gratificadas e substitui cargos em comissão do Grupo Direção e Assessoramento Superiores – DAS por Funções Comissionadas do Poder Executivo – FCPE.”

    O Decreto que suprime da nova estrutura o Fórum de Condisis entra em vigor em 8 de dezembro de 2016.

    Tudo isso no dia em que ocorria no Ministério Público Federal uma audiência pública que debatia as recomendações da relatoria especial da ONU para os povos indígenas a respeito das graves violações constatadas por ela durante sua visita ao Brasil no mês de março último e apresentadas ao Conselho de Direitos Humanos da entidade em 20 de setembro do corrente. As denúncias reiteradas pelas lideranças indígenas presentes ao ato, foram corroboradas por medidas adotadas pelo Governo e outros órgãos do Estado: a nomeação do coronel do Exército Renato Vidal Sant’Anna, fazendeiro, para a coordenação regional da Funai em Campo Grande, Mato Grosso do Sul; o fechamento de CTLs da Funai que agravam as ameaças contra os povos indígenas voluntariamente isolados; o contínuo e acelerado desmatamento da TI Cachoeira Seca no Pará, cenário que se estenderá para outros estados com o Projeto MATOPIBA e outros empreendimentos (hidrelétricas, mineração etc.); a eleição de um ruralista para o presidência da CPI da Funai / Incra;  o iminente despejo por ordem judicial do Povo Pataxó de sua terra tradicional na Bahia;

    No entanto, apesar desse quadro tenebroso, os nossos povos já demonstraram que permanecem unidos e determinados a não desistir de sua luta para assegurar os seus direitos consagrados pela Constituição Federal e pelos tratados internacionais assinados pelo Brasil.

    Nenhum direito a menos. Resistir unidos para continuar existindo!

    Fraternalmente.

    COORDENAÇÃO EXECUTIVA DA APIB

    (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil)

    Brasília, 14 de novembro de 2016


    Read More
  • 16/11/2016

    Retomada Aty Jovem: “A terra vermelha depende da pele vermelha”


    texto por Ana Mendes (MS)
    fotos e vídeo por Ana Mendes e Pablo Albarenga

    Dezenas de jovens reunidos em quase completo silêncio. Apenas um de cada vez, no centro do círculo, fala. Depoimentos contundentes de quem, aos 20 anos, já experimentou muito. São os filhos de lideranças assassinadas, meninos e meninas que passaram a infância nas beiras de estrada, sobreviventes de ataques, trabalhadores da cana, vítimas de chuva de agrotóxico. Eles compõem o Conselho do Coletivo Retomada Aty Jovem (RAJ), formado há seis meses sob o signo da luta pela terra. “Hoje, trabalharemos até as 22h”, avisa um deles, revelando a extensa pauta para dois dias de reunião.

    O Conselho do RAJ, composto por cerca de 40 jovens das etnias Guarani e Kaiowá, reuniu-se entre os dias 5 e 6 de novembro no tekoha Jaguapiru, em Dourados, no Mato Grosso do Sul, para debater os temas relativos à juventude indígena de todo o estado. Representantes de diferentes localidades imbuídos da tarefa de relatar casos particulares e apontar planos coletivos, em longo prazo. Debaixo de um pé de árvore ou dentro da Casa de Reza exercendo o poder de fala e de escuta se passaram os dias.

    “Os karai [brancos] dizem que tenho que estudar filosofia, história, ciências sociais. Os meus professores são esses aqui e eu sou a própria história. Muitos morreram para eu ter um pouquinho de respeito no supermercado”, fala Fábio Turibo, de 20 anos, mencionando o preconceito sofrido nas cidades, por onde os jovens circulam para ter acesso às tecnologias, aos estudos e aos espaços de diálogo e reivindicação.  “A terra vermelha depende da pele vermelha. Todos nós aqui somos guerreiros e somos jovens. Vamos batalhar e se for preciso, vamos morrer nessa terra. Somos Guarani e Kaiowá, somos de um povo que resiste há 516 anos. E vamos querer permanecer nessa terra”, defendeu o indígena.



    O estado de tensão social, provocado pelo conflito territorial, no Mato Grosso do Sul, está matando, principalmente, os jovens indígenas. Segundo os dados do Relatório da Violência contra os Povos Indígenas no Brasil de 2015, dos 36 homicídios ocorridos no estado, 36% das vítimas tinha entre 20 e 29 anos. Simeão Vilhalva assassinado em agosto de 2015, na Terra Indígena Ñhanderu Marangatu, tinha 24 anos. Clodiodi Aquileu de Souza, agente indígena, assassinado em junho de 2016, tinha 26. Nesse sentido, o genocídio contra a etnia Guarani e Kaiowá, que conta com a marca de mais de 700 suicídios nos últimos 15 anos, é denominado também como ‘juvenicídio’ no relatório de 2015. Sabendo disso, Janio Avalo, de 20 anos, faz um apelo às autoridades: “Eu quero pedir pra parar com o genocídio dos povos indígenas. Porque a gente não quer mais sofrimento, a gente não quer mais derramamento de lágrimas, porque nós estamos sendo muito massacrados. A terra pra gente é a nossa alma. Tupã Marangatu deixou a terra pra gente cultivar”.


    A perda eminente de direitos dos povos indígenas que se desenha no atual cenário político do Brasil também preocupa os jovens conselheiros da RAJ e para manifestar-se contra o ‘pacote de ações antí-indigenas’ que corre a passos largos no judiciário e no legislativo Brasileiro, realizaram um ato de repúdio às PEC 215 e 241/55, aos cortes no orçamento da FUNAI, ao Marco Temporal e a Portaria 303 (vídeo abaixo). “Demarcação já!”, bradaram todos, no encerramento do encontro.

    Read More
  • 14/11/2016

    Audiência pública discutiu recomendações da ONU sobre direitos indígenas no Brasil


    Por Tiago Miotto (DF), com informações do MPF

    Durante quase dez horas, mais de 400 indígenas de diversos povos e regiões do Brasil debateram, junto com autoridades, membros do Ministério Público Federal (MPF) e de organizações da sociedade civil as recomendações da relatora especial sobre os Direitos dos Povos Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU), Victoria Tauli-Corpuz, para o Estado brasileiro, após sua visita ao Brasil, em março deste ano. A discussão ocorreu durante a audiência pública realizada no auditório da Procuradoria-Geral da República, em Brasília, na última quinta-feira (10).

    Em meio a tantas urgências e violações de direitos e numa semana movimentada pela forte mobilização dos povos indígenas em Brasília, os temas abordados pela relatora misturaram-se a denúncias mais recentes e a pautas apresentadas pelas diversas lideranças presentes. A falta de recursos na Funai, a preocupação com uma iminente reintegração de posse contra o povo Pataxó, no extremo sul da Bahia, e a indignação com a recente nomeação de um coronel reformado e fazendeiro para a coordenação da Funai em Campo Grande (MS) foram motivos de protesto dos indígenas durante o evento, assim como a lembrança, pelo povo Krenak, da passagem de um ano do crime ambiental da Samarco no Vale do Rio Doce.

    Membros dos ministérios do Meio Ambiente, da Justiça e da Cidadania e da Casa Civil, além de secretários de governos estaduais, também participaram da mesa e prestaram esclarecimentos acerca de políticas voltadas aos povos indígenas e tiveram suas colocações, em muitos casos, questionadas frontalmente pelos próprios indígenas.

    Foi o caso das observações do assessor especial do Ministro da Casa Civil, Renato Rodrigues Vieira, sobre a possibilidade de se “rediscutir” os procedimentos de demarcação de terras indígenas, cuja paralisação foi apontada por Victoria Tauli-Corpuz como uma das violações mais graves em relação aos direitos dos povos indígenas no país.

    “O problema da demarcação das terras indígenas não é questão de procedimento, e sim de recursos. Existe uma perspectiva de retirar cargos e extinguir Coordenações Técnicas Locais e Coordenações Regionais. Se fizer isso, quem vai sofrer vão ser as aldeias”, criticou o indígena Dinamam Tuxá, que participou de uma das mesas de discussão.

    A liderança questionou também a fala do presidente interino da Funai, Agostinho do Nascimento Netto, que, apesar de reconhecer a falta de recursos, afirmou que não haveria uma política de sucateamento do órgão. “Eu convido o presidente a ir visitar as aldeias e ver se há ou não uma política de enfraquecimento da nossa instituição. Porque ela [Funai] é nossa”, propôs o indígena.

    As recomendações presentes no relatório de Tauli-Corpuz dividem-se em alguns eixos principais: direito à vida, violência e discriminação racial; autodeterminação, dever de consultar e consentimento livre, prévio e informado; impactos de projetos de desenvolvimento; acesso à Justiça; capacidade dos órgãos governamentais e direitos territoriais, ligados especialmente à demarcação e proteção dos territórios tradicionais dos povos indígenas.

    Funai sem recursos, demarcações paralisadas

    A demora na demarcação das terras indígenas e a falta de recursos para que a Funai realize os trabalhos de identificação, delimitação e fiscalização dos territórios tradicionais dos povos originários foram itens apontados como causas centrais para os conflitos e a violência envolvendo os povos indígenas no Brasil.

    Atualmente, há pelo menos 348 terras indígenas sem nenhuma providência por parte da Funai e outras 175 em meio ao processo de identificação e delimitação, primeira etapa para da demarcação e que depende diretamente de estudos realizados pela Funai. Conforme aponta o relatório Violência contra os povos indígenas no Brasil – dados de 2015, apenas 35% das terras indígenas do Brasil já tiveram seu processo demarcatório concluído.

    Mesmo estas terras, entretanto, não se encontram sob segurança: conforme explicou o Diretor de Proteção Territorial da Funai, Walter Coutinho, em 2016 o órgão dispôs de apenas R$ 4,5 milhões para realizar a proteção e fiscalização de cerca de 1200 terras indígenas – entre terras demarcadas, em processo de demarcação ou ainda sem providências da Funai para sua delimitação.

    O recurso esgotou-se no meio do ano, e verbas de outras áreas, como a destinada para a regularização das demarcações, tiveram que ser remanejadas – mesmo assim, o orçamento foi zerado novamente em novembro. O baixo contingente orçamentário, que deve ser o menor dos últimos dez anos em 2017, soma-se à falta de pessoal para cumprir as funções básicas do órgão indigenista oficial e acaba por emperrar demarcações e colocar indígenas em risco.

    “É evidente que a demarcação de terras indígenas é necessária, e para isso é preciso que se cumpra aquilo que está na legislação. Não há necessidade de mudar o que está previsto nas normas legais do nosso país. O que é necessário é que haja recursos financeiros e humanos necessários para que os procedimentos avancem”, afirmou em sua fala o Secretário Executivo do Cimi, Cleber Buzatto.

    “No Brasil, é perigoso ser liderança indígena”

    O secretário executivo do Cimi também destacou como pontos importantes do relatório de Victoria a recomendação de que o Estado brasileiro adote medidas para proteger a vida de lideranças indígenas e puna os responsáveis pela violência e pelos assassinatos de indígenas. “No Brasil, é perigoso ser liderança indígena”, afirmou Buzatto.

    A atividade foi acompanhada, do início ao fim, pelo representante do Escritório de Prevenção ao Genocídio e Responsabilidade de Proteger da ONU, Davide Zaru, que também destacou a falta de confiança que os povos indígenas do Brasil têm no Estado e na polícia, em muitos casos envolvida diretamente nas violações e na violência contra comunidades em ações de despejo ou de repressão.


    Saúde indígena

    A forte mobilização dos povos em defesa da saúde indígena e contra o desmonte da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) também foi uma das pautas da audiência. Após mais uma semana de forte mobilização em torno deste tema, o Ministro da Saúde, Ricardo Barros, anunciou  durante a audiência a criação de um Grupo de Trabalho que vai contar com membros do Ministério da Saúde, das organizações indígenas e dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (Condisi), colegiados regionais de controle social e fiscalização da saúde indígena.

    Recentemente, Barros havia editado uma portaria que retirava a autonomia da Sesai e, na prática, inviabilizava sua atuação. Depois de intensas manifestações dos povos indígenas no Brasil inteiro, a portaria foi revogada.

    Comissão Nacional da Verdade sobre povos indígenas

    Em sua fala, o procurador da República no Mato Grosso do Sul, Marco Antônio Delfino, citou uma série de notícias da década de 1980 que mostravam a expulsão de indígenas de suas terras. As notícias demonstram a incoerência da tese do marco temporal, utilizada pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) para anular demarcações de terras indígenas, segundo a qual só poderiam ser demarcadas as terras sob posse dos indígenas no ano de 1988.

    A tese foi aplicada pela primeira vez no julgamento do caso Raposa-Serra do Sol e é também criticada no relatório de Victoria Tauli-Corpuz. Uma das recomendações da relatora da ONU é assegurar que todas as cortes tenham uma clara e uniforme interpretação das limitações” deste julgamento e de sua inaplicabilidade para adeterminação de ordens de despejos dos povos indígenas ou para a paralização dos processos de demarcação”.

    “O impedimento de se punir de forma adequada esse tipo de violação faz com que ela seja permanentemente repetida”, afirmou Delfino, referindo-se às expulsões e violências ocorridas antes da Constituinte de 1988. Para o procurador, é necessário instaurar uma Comissão Nacional da Verdade sobre as violações de direitos indígenas, “para que não tenhamos mais o STF desconhecendo violências que foram cometidas sistematicamente em relação aos povos indígenas e dando a esses crimes que aconteceram um tratamento menor”.


    Conflitos no Mato Grosso do Sul

    A situação aguda de conflitos e de violência contra os povos indígenas no Mato Grosso do Sul, decorrente da morosidade na demarcação das terras indígenas, foi destacada por Davide Zaru que merecem especial atenção das autoridades brasileiras.

    Elson Canteiro Gomes, liderança Guarani Kaiowá que participou da mesa de debate, defendeu a legitimidade das retomadas realizadas pelos indígenas no Mato Grosso do Sul e exigiu urgência nos processos de demarcação, para evitar novas mortes e massacres como o acontecido recentemente em Caarapó, do qual ele é um dos sobreviventes.

    “Chega de criminalizar as áreas de retomada, as lideranças. Nossa luta é por justiça verdadeira”, afirmou a liderança Kaiowá. “O governo tem que cumprir as leis que eles mesmos criaram. A demarcação é um direito nosso. Anos atrás a gente iniciou a retomada de nossos tekoha [lugar onde se é], e continuaremos fazendo a retomada de nossos territórios, pois é a única forma de garantir a vida e o futuro de nossas crianças. Se esperar a boa vontade do governo, a gente nunca vai ver isso acontecer”.

    Mecanismos de acompanhamento

    A relatora de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma Dhesca Brasil, Érika Yamada, ressaltou que é “preciso transformar o relatório em ações reais e concretas”, por meio do monitoramento das violações ligadas “à demarcação de terras, ao racismo, à violência, à perseguição e criminalização das lideranças indígenas e das pessoas que trabalham com povos indígenas”.

    “Esta audiência foi germinal, um ponto de partida”, afirmou o coordenador da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (Sexta Câmara) do MPF e subprocurador-geral da República Luciano Mariz Maia. Segundo Maia, a Sexta Câmara criará um mecanismo de monitoramento e um sistema de indicadores para acompanhar a implementação das recomendações da ONU a respeito dos direitos dos povos indígenas no Brasil.

    “A Sexta Câmara vai realizar o monitoramento da implementação das recomendações por meio dos grupos de trabalho existentes, ou com indicação de relatores temáticos, onde se fizer necessário, e dará continuidade ao diálogo pela efetiva realização, em consulta direta às comunidades indígenas, e às instituições locais”, afirmou o subprocurador-geral da República.


    Em luta contra a PEC 55

    No mesmo dia da audiência, pela manhã, lideranças indígenas de vários estados do país haviam realizado um ato em frente ao Ministério do Planejamento em protesto contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241/55 (foto acima), que pretende congelar os investimentos sociais do governo por 20 anos e pode impactar gravemente a capacidade de atuação da Funai e a implementação de outras políticas públicas voltadas aos povos indígenas, como as da área da saúde e da educação.

    Em meio a um cenário de falta de recursos e de ataques contra os direitos dos povos originários, a PEC 241/55 foi mencionada, em vários momentos da audiência pública na PGR, como uma das preocupações atuais dos povos indígenas.

    “Viemos lutar contra essa PEC 241, que vem detonando com nossos direitos, não só dos povos indígenas, mas de toda a população também. Estamos fazendo nossa parte como indígenas, porque sabemos que essa PEC é muito prejudicial para nós. Conquistamos uma vitória com a revogação da portaria que acabava com a saúde indígenas, mas se essa PEC for aprovada, continuamos no mesmo barco, afundando. Só vamos nos ver livres se conseguirmos derrubar esta PEC também”, afirmou o cacique Xakriabá Domingos Nunes de Oliveira, liderança de um dos povos que participaram da manifestação.

    Read More
  • 14/11/2016

    V Congresso da Cáritas abre com painel sobre solidariedade e Cimi leva Prêmio Odair Firmino 2016


    Foto: Francielle Oliveira/Cáritas


    O painel “Cáritas: 60 anos de solidariedade” marcou o início do V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira nesta quarta-feira, dia 9 de novembro, no Santuário de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, em Aparecida (SP). A mesa contou com a participação de dom Demétrio Valentini, bispo emérito de Jales (SP) e ex-presidente da Cáritas Brasileira – esteve à frente da entidade por 16 anos; Michel Roy, secretário-geral da Caritas Internationalis; Cristina França, voluntária da Rede Cáritas Ceará na Arquidiocese de Fortaleza; e Leon Patrick, assessor nacional da Cáritas Brasileira para a ação em Infância, Adolescência e Juventudes. O painel foi mediado pela vice-presidente da Cáritas Brasileira, irmã Lourdes Staudt Dill.

    Dom Demétrio Valentini percorreu a ação da Cáritas, fazendo memória do momento privilegiado do nascimento da entidade no Brasil, ainda na década de 1950, quando o pessimismo e a amargura da última guerra mundial davam lugar a tempos de esperança e otimismo. Também enfatizou a sintonia da Cáritas Brasileira com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a resposta de convocação da sociedade que a Cáritas sempre manteve, em especial nos momentos políticos mais delicados, como o atual. “Tenho certeza que a Cáritas nunca se deparou em seus 60 anos com uma crise tão profunda como essa que vivemos agora”, declarou.

    “O que aconteceu esta noite nos Estados Unidos (com a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais) e o que tem acontecido em outros países é consequência direta de um modelo de desenvolvimento que marginaliza a grande maioria e beneficia poucos”, apontou, por sua vez, Michel Roy em sua fala. Para o secretário-geral da Caritas Internationalis, é necessário encontrar os caminhos para renovar o espírito missionário e enfrentar os desafios desta época de profundas mudanças. Ele compreende que não é possível para a Cáritas fazer isto sozinha, mas ressaltou que os primeiros e importantes passos são a unidade de ação de toda a rede como uma única família, a congregação com as diversas pastorais sociais e a construção de sinergia com outras igrejas e outras religiões. “Temos o papel enorme de reumanizar, reinspirar este mundo”, defendeu Michel Roy.

    Cristina França, agente da Cáritas Arquidiocesana de Fortaleza (CAF), do Regional Ceará, e voluntária da rede desde 2007, rememorou a história da Cáritas nas periferias de Fortaleza e no semiárido cearense. Em registros de vários períodos da ação da CAF em vídeo exibido durante sua apresentação e a partir do seu depoimento de vida, Cristina deu a dimensão do trabalho de pastoralidade e transformação social que pôde testemunhar e fazer parte como agente: no trabalho junto com catadoras e catadores de materiais recicláveis; nas primeiras ações de convivência com o Semiárido, garantindo acesso à água a milhares de cearenses em períodos extensos de estiagem; nas formações e mobilizações em torno de políticas públicas, e tantas outras. Nas palavras dela: “A Cáritas, por todas essas ações, nos mostra a que veio. Veio para a vivência do amor, do respeito, da caridade, da justiça, da vida. Porque cada projeto desses é na perspectiva de oferecer uma vida melhor. Isto é amor”.

    Finalizando o painel, Leon Patrick representou a expressão jovem da Rede Cáritas. Da sua memória afetiva, lembrou, ainda menino, dos agentes Cáritas em ação na comunidade Vila Maria, em Buritizeiro (MG). Contou que foi afetado por esta ação e se deixou afetar pela Cáritas, sendo acompanhado pelo então Programa Criança e Adolescentes. Hoje, assume a missão de afetar os outros, como agente Cáritas que se tornou. E demonstra que sabe o caminho: “A dimensão maior da nossa ação é o afeto, o cuidado e o encontro. Precisamos nos movimentar pelo amor e pela paixão. Não perder essa paixão, para que outros também, como eu, se tornem apaixonados. E as novas gerações que estão chegando, as juventudes, crianças e adolescentes, precisam desse testemunho corporal nosso para que eles também se apaixonem e construam junto conosco a Cáritas para os próximos anos”.

    Cáritas entrega Prêmio Odair Firmino de Solidariedade

    O primeiro dia do V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira, na quarta-feira, dia 9 de novembro, se encerrou com a entrega do Prêmio Odair Firmino de Solidariedade. Na edição deste ano, foram agraciadas com o prêmio 60 entidades de todo o país, premiadas por sua atuação no desenvolvimento sustentável, solidário e territorial e na garantia de direitos humanos, sociais e de políticas públicas.

    A cerimônia ocorreu no subsolo do Santuário Nacional de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, no município de Aparecida (SP). O objetivo do prêmio é estimular ações de disseminação e valorização de experiências de caráter coletivo que defendam e promovam os direitos humanos. O tema desta edição foi “Pastoralidade e Transformação Social”, que é o tema do V Congresso Nacional da Cáritas.

    Durante sua fala na cerimônia, dom João Costa, presidente da Cáritas Brasileira, reforçou a importância das iniciativas tomadas pelas entidades membros da Rede Cáritas e pelas entidades que tiveram o seu trabalho reconhecido na premiação deste ano: “Temos que dar bons exemplos, assim como Jesus nos deu. Por isso esse reconhecimento é justo, para que possamos difundir coisas boas que essas entidades estão realizando”.

    Além da entrega do Prêmio Odair Firmino de Solidariedade, a noite contou com homenagens aos vencedores do concurso comemorativo Imagem, ritmo e história da Cáritas Brasileira. Um dos mais animados na noite de premiação era Francisco Silva, da Cáritas de Caicó, no Rio Grande do Norte. Mais conhecido como Maguila, o educador social venceu o concurso na modalidade literatura. O cordel em sextilha escrito por ele também serviu de inspiração, junto com a canção apresentada por Dirceu Pereira da Silva, Marcos da Matta e Cristiane da Matta, para a criação do hino oficial dos 60 anos.

    Para Maguila, a homenagem foi um momento único: “Mais do que o reconhecimento, [esse prêmio] é a representação do trabalho que estamos fazendo com os jovens em situação de risco. É isso que esse prêmio representa. Além disso, um pequeno trecho do nosso trabalho vai ser gravado para sempre no hino [dos 60 anos]”. Andréia Marçal Queiroz, do município de Governador Valadares, em Minas Gerais, que venceu na modalidade design gráfico, também foi homenageada. A cerimônia foi finalizada com uma apresentação do Coral Municipal de Jovens, de Aparecida.

    Semana da Solidariedade

    A entrega do Prêmio Odair Firmino ocorre durante a Semana da Solidariedade, que é promovida todos os anos pela Cáritas Brasileira próximo à data de fundação da entidade — 12 de novembro. Este ano, a Semana foi realizada entre os dias 1º e 7 de novembro. O prêmio é uma homenagem a Odair Firmino, vice-presidente da Cáritas entre os anos de 1999 e 2007 e trabalhador incansável em prol dos mais necessitados.

    Para mais informações sobre a Semana da Solidariedade e para acesso ao Mapa da Solidariedade, clique aqui. Para outras informações sobre o concurso comemorativo Imagem, ritmo e história da Cáritas Brasileira, acesse aqui. Para demais informações sobre o V Congresso Nacional da Cáritas Brasileira, durante o qual serão comemorados os 60 anos da entidade, veja aqui.

    Confira a lista de entidades que receberam o Prêmio Odair Firmino 2016:

    Conselho Indigenista Missionário (CIMI)

    Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

    Centro Cultural de Brasília (CCB)

    Comissão Pastoral da Terra (CPT)

    Fórum Brasileiro de Economia Solidária

    Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea)

    Pastoral do Menor

    Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do Brasil

    Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP)

    Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)

    Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE)

    Rede Um Grito Pela Vida

    Articulação SemiÁrido Brasileiro (ASA)

    Misturando Arte

    Associação Costumes Artes

    Cáritas Paroquial de Ivinhém

    Troféus de Reconhecimento e Agradecimento:

    Dom Luiz Demétrio Valentini

    Cardeal Raimundo Damasceno de Assis

    Grito dos/as Excluídos/as

    Misereor

    Cáritas Internationalis

    Cáritas Colombiana

    Cáritas do Peru

    Pastoral Social Cáritas do Chile

    Ganhadores do concurso comemorativo Imagem, ritmo e história da Cáritas Brasileira:

    Andréia Marçal Queiroz (design gráfico)

    Dirceu Pereira da Silva, Marcos da Matta e Cristiane da Matta (música)

    Francisco das Chagas e Silva – Maguila (literatura)


    Read More
  • 14/11/2016

    Justiça Federal determina o despejo de 500 famílias Pataxó em benefício de empresa do setor imobiliário


    Povo Pataxó em Brasília durante ritual. Foto: Egon Heck/Cimi


    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

    Os Pataxó vivem sob uma ofensiva de reintegrações de posse articulada pelo mercado imobiliário, no litoral baiano. Menos de um mês depois do despejo de 30 famílias da aldeia Aratikum, a Justiça Federal de Eunápolis determinou o uso de força policial para retirar 500 famílias das aldeias Morapé 1 e 2, Nova Coroa, Tapororoca, Txica Mayruá e Novos. A decisão é de 25 de outubro, mas a Fundação Nacional do Índio (Funai) só foi comunicada na última terça-feira.

    Assista: Despejo da aldeia Aratikum (Desinformémonos)

    As seis aldeias ocupam 3 mil hectares dos 5 mil reivindicados pelo povo Pataxó como parte da revisão de limites da Terra Indígena Coroa Vermelha, entre os municípios de Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro. Com uma população de 1.546 indígenas, conforme censo do povo, vivendo em 1.493 hectares, a demarcação deixou de fora a demanda territorial que aguarda a publicação do relatório circunstanciado pelo Ministério da Justiça.  

    Na última semana, os Pataxó realizaram manifestações em Cabrália e Porto Seguro, além  de trancar alguns trechos da BR-367, que liga os dois municípios. Em Brasília e Salvador, lideranças do povo estiveram com representantes dos governos federal e estadual. As pressões surtiram efeito e o despejo marcado para o dia 11 não ocorreu. Na sexta-feira, 18, uma mesa de diálogo com os autores do pedido de despejo deverá acontecer.

    “Fomos surpreendidos porque essa mesa de diálogo, mediada pela Justiça Federal, foi marcada antes da decisão de reintegração. O juiz titular da comarca de Eunápolis saiu de férias, e ele estava acompanhado a situação, e o juiz substituto deu o despejo”, explica o presidente da Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia, cacique Aruã Pataxó.   

    Tal como na reintegração imposta aos Pataxó da aldeia Aratikum, os autores do pedido de despejo são ligados ao setor imobiliário. A empresa Gois Cohabita alega ser proprietária da área ocupada pelas seis aldeias da Terra Indígena Coroa Vermelha. Depois da passagem da seleção da Alemanha pela região na Copa do Mundo de 2014, o mercado imobiliário foi insuflado visando a construção de grandes empreendimentos turísticos.   

    “O que pedimos à Funai e ao Ministério da Justiça é que publiquem o relatório de demarcação porque a morosidade traz insegurança jurídica e permite todas essas reintegrações. São famílias que vivem de forma plena em terras tradicionais, e que de repente estão com a polícia em suas portas mandando que elas saiam. A Funai nos informou que até o relatório fundiário já está pronto”, diz cacique Aruã.

    Conforme o Banco de Terras do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), atualizado semanalmente, na Bahia existem 34 terras indígenas: dez encontram-se com o procedimento demarcatório inconcluso, parado em alguma etapa, e sete estão sem nenhuma providência administrativa de demarcação. Outras dez estão registradas, última etapa do processo, seis reservadas (adquiridas pelo governo) e uma dominial.

    Vida plena

    A aldeia Nova Coroa possui escola, água encanada, atendimento de saúde e recebe recursos assistenciais diversos do governo federal. O que possibilitou, ao lado das práticas tradicionais do povo, como a agricultura e a pesca, uma vida plena durante os dez anos em que os Pataxó retomaram a área. Assim ocorre com as outras cinco aldeias, estabelecidas também durante a última década.  

    Cacique Aruã Pataxó ressalta que os 5 mil hectares reivindicados na revisão sempre foram compreendidos pelos indígenas como tradicional. “Está no relato de nossos antigos, faz parte da gente”. Para a liderança, se deseja retirar 500 famílias de uma condição digna e tradicional de vida para lançá-las no confinamento da porção registrada da Terra Indígena Coroa Vermelha ou para as margens da BR-367.

    “Vemos um país totalmente dominado pela elite. As bancadas da Bala, do Boi e da Bíblia atuam no Congresso Nacional diretamente para desfazer direitos fundamentais. Aliado a isso temos o sucateamento da Funai, que vai piorar ainda mais com a PEC 241 (agora 55 no Senado Federal) de congelamento dos gastos primários. Temos um cenário de perigo aos direitos constitucionais dos povos indígenas”, analisa cacique Aruã.


    Read More
  • 14/11/2016

    Violações aos direitos indígenas são debatidos no Médio Solimões


                                              Povo Kanamari. Foto: J. Rosha/Cimi Norte I


    Assessoria de Comunicação – Cimi/Tefé 

    Acontece nos dias 17 e 18 de novembro, na aldeia Porto Praia/Tefé, Amazonas, o lançamento do Projeto “Garantindo a defesa de direitos e a cidadania dos povos indígenas do Médio Rio Solimões e Afluentes”. O projeto recebe apoio financeiro da Agência Católica para o Desenvolvimento no Exterior – CAFOD-Brasil, da Inglaterra e País de Gales, e da União Europeia.

    Com duração de três anos, várias atividades estão previstas em três eixos temáticos: formação político-jurídica, proteção e incidência e fortalecimento institucional. Dentre as atividades previstas estão a articulação e mobilização nas aldeias; oficinas de formação; Mutirões de Direitos; encontros regionais, troca de experiências, estudos de caso, audiências com o poder público e campanhas de sensibilização social nos municípios de Tefé, Japurá, Maraã, Itamarati e Carauari.
     

    Desde 2014, a Cáritas de Tefé e o CIMI vêm realizando consultas nas aldeias a fim de identificar os casos de violações dos direitos dos povos Kambeba, Maku Nadeb, Kanamari, Miranha, Kokama, Ticuna, Maku Nadeb, Mayoruna e Madja Kulina. Com este diagnóstico, as lideranças e organizações indígenas ampliarão seus conhecimentos e poderão, elas mesmas, debater e pleitear perante os órgãos competentes, reparações das violações sofridas e medidas preventivas para protejer as comunidades e seus membros das ameaças que lhes incidem.

    Destaca-se, para esse resultado, os Mutirões de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, que reunirão diferentes órgãos públicos, federais e municipais, com poderes de incidência e/ou resolução dos problemas de violação de direitos.
     

    Concretamente, os resultados vão incidir sobre um universo de mais de 3.660 pessoas (1882 homens e 1.778 mulheres), das 27 aldeias visitadas e seis organizações indígenas dos cinco municípios do Médio rio Solimões e afluentes. Indiretamente, serão mais de 22 mil pessoas (49,6% mulheres) alcançadas, sendo 19.145 pessoas pertencentes dos 14 povos indígenas, 40 representantes de órgãos públicos e sociedade civil e 3 mil pessoas do público geral impactados pelas ações.
     

    Durante o lançamento do projeto acontecerá o 1º Mutirão de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas. Vários órgãos públicos estão convidados, entre eles a Prefeitura de Tefé, Secretaria Especial de Saúde Indígena – SESAI, Conselho Tutelar de Tefé e Secretaria de Segurança Pública. Também estará presente a  representante da CAFOD-Brasil, Esther Gillingham e a assessora jurídica do projeto, Dra. Chantelle Teixeira.
     

    Abaixo segue a programação detalhada. Para outras informações, o projeto conta com uma assessora de comunicação. Agradecemos a atenção e a divulgação.

     

    Contatos/Imprensa: 

    Coordenação Geral: Raimundo Freitas – (97) 99214-1858 / (97) 3343-2544

    Assessoria de comunicação: Lígia Kloster Apel – (86) 99909-8797

     

    Seminário de Lançamento do Projeto “Garantindo a defesa de direitos e a cidadania dos povos indígenas do Médio Rio Solimões e Afluentes” 

     

    MUTIRÃO DE DIREITOS

    Local: Aldeia Porto Praia / Tefé

    Data: 17 e 18 de novembro de 2016

    Objetivo: Apresentar para a sociedade de Tefé e iniciar os diálogos para as ações do projeto "Garantindo a defesa de direitos e a cidadania dos povos indígenas do Médio Rio Solimões e Afluentes"   

    Programação

    1º DIA
     

    7:30 – Saída de Tefé

    8:00 – Recepção dos participantes e boas vindas com café da manhã 

    8:30 – Mesa de Abertura – com representantes das instituições ligadas ao projeto: Garantindo a defesa de direitos e a cidadania dos povos indígenas do Médio Rio Solimões e Afluentes: Anilton Brás/tuxaua da comunidade Porto Praia; André Cruz/ coordenador geral da UNIPI-MSA; Raimundo Freitas/coordenador do projeto pelo CIMI Tefé; Mirian Carla Castro/secretária executiva da Cáritas; Tomé Cruz/representante da FUNAI; Esther Gillingham/representante da CAFOD no Brasil.

    9:15 – Apresentação sobre a atual conjuntura local em relação à efetivação dos direitos civis, políticos, sociais e indígenas – Raimundo Freitas/coordenador do projeto pelo CIMI Tefé e Dra. Chantelle Teixeira/assessora jurídica do projeto.

    10:00 – intervalo

    10:15 – Apresentação do projeto "Garantindo a defesa de direitos e a cidadania dos povos indígenas do Médio Rio Solimões e Afluentes" –  Raimundo Freitas/coordenador do projeto pelo CIMI Tefé.

    Mutirão de direitos:

    10:45 – Palestra sobre direitos civis, políticos, sociais e indígenas e seu amparo na legislação nacional e internacional – Dra. Chantelle Teixeira/ assessora jurídica do projeto.

    11:30 – Perguntas da plenária

    12:00 – almoço

    14:00 – Apresentação sobre os casos de violações de direitos indígenas apurados na 1ª Oficina de Formação Jurídico-Política em Tefé – Dra. Chantelle Teixeira/assessora jurídica do projeto.

    14:30 – Construção de um painel e formação de Grupos de Trabalho para complementação e análise dos casos apresentados 

    15:00 – Apresentação sobre casos de violação de direitos acompanhados pela UNIPI-MSA – André Cruz/ coordenador geral da UNIPI-MSA.

    15:30 – Construção de um painel e formação de Grupos de Trabalho para complementação e análise dos casos apresentados (idem)

    16:00 – intervalo

    16:30 – Plenária – apresentação das discussões realizadas nos grupos e leitura do Painel.

    17:00 – Encerramento

     

    2º DIA
     

    7:00 – Café da manhã

    8:00 – Apresentação dos órgãos e instituições presentes acerca do trabalho que realizam com os povos indígenas na região. Instituições e Órgãos públicos convidados: UNIPI (confirmado), SEMED, SESAI (confirmado), SEMASC, Justiça Federal, MPE, Conselho Tutelar (confirmado), Secretaria de Segurança Pública, Cartório de Registros Públicos e Prefeitura de Tefé (confirmado).

    9:30 – Perguntas da plenária

    10:00 – intervalo

    10:15 – Palestra com a FUNAI sobre a atuação da CTL em Tefé.

    10:45 – Perguntas da plenária

    11:00 –  Fala do Movimento de Mulheres de Tefé.

    11:30 – Fala do representante  da Articulação Nacional das Juventudes de Povos e Comunidades Tradicionais.

    11:30 – Perguntas da plenária

    12:00 – Almoço

    14:00 – Leitura do painel – Apresentação das discussões realizadas no dia anterior sobre os casos de violação de direitos indígenas.

    14:30 – Diálogo com o poder público – formação de uma mesa com representantes dos órgãos públicos presentes para que comentem os casos apresentados.

    15:30 – Plenária – considerações acerca dos comentários apresentados

    16:00 – Intervalo

    16:15 – Diálogo com o poder público II – encaminhamentos: propostas dos órgãos públicos presentes para a solução dos casos de violações de direitos apresentados

    16:45 – Plenária – considerações acerca das propostas apresentadas

    17:00 – Leitura e assinatura de documento para estabelecer compromisso entre os órgãos públicos e os povos indígenas da região de Tefé

    17:30 – Encerramento com apresentação cultural dos alunos indígenas da escola da comunidade.

    Read More
Page 364 of 1205