• 21/11/2016

    MPF recomenda que Norte Energia pague em dez dias a verba de apoio aos ribeirinhos removidos por Belo Monte


    Ribeirinhos e indígenas durante audiência acompanhada pelo ex-presidente do Cimi, Dom Erwin Krautler. Crédito: Lilo Clareto/MPF-PA


    O Ministério Público Federal (MPF) deu prazo de dez dias para que a Norte Energia S.A regularize o pagamento da verba de apoio para os ribeirinhos removidos por Belo Monte. A verba é uma obrigação determinada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) desde 2015, quando uma investigação mostrou que os grupos beiradeiros do Xingu estavam sendo removidos compulsoriamente e privados de seus meios de produção e reprodução do modo de vida.

    A partir da constatação das irregularidades, o Ibama incluiu no licenciamento que fosse garantida a recomposição do modo de vida tradicional de todos os ribeirinhos e o pagamento imediato de verbas mensais de apoio durante todo o período em que as famílias tivessem que viver longe do rio, de onde tiram o sustento. “Esse recurso é devido a todos ribeirinhos que foram impactados pela remoção compulsória da usina de Belo Monte, independentemente do tratamento conferido ou da qualificação que a empresa definiu para retorno ao rio”, diz a recomendação assinada pela procuradora da República Thais Santi.

    O Ibama já se manifestou várias vezes sobre a questão da verba de apoio aos ribeirinhos. “Em junho de 2016, afirmou a necessidade de “disponibilização de verba de manutenção para aquelas [famílias] que, embora tenham sido atingidas ainda não foram objeto de tratamento finalizado”. Em agosto de 2016 reiterou a determinação de “imediato pagamento da verba de manutenção”. Em setembro de 2016 solicitou o encaminhamento do panorama do andamento do pagamento das “verbas (transição de manutenção) pagas e cronograma de pagamento”, enumera a recomendação do MPF.

    A própria Norte Energia S.A já fez compromisso público de que pagaria essa verba. Comunicou, em fevereiro de 2016, ao MPF, Ibama, Presidência da República e ribeirinhos que elaboraria um documento de declaração de intenção de retorno ao rio e iniciaria o pagamento. Mesmo assim, na audiência pública que discutiu a situação dos ribeirinhos expulsos por Belo Monte no último dia 11 de novembro, em Altamira, novamente os atingidos denunciaram a Norte Energia por não pagar a verba.


    A recomendação do MPF é para que o pagamento seja iniciado no prazo máximo de 10 dias, mediante assinatura apenas de um termo de declaração de intenção de retorno ao rio para recomposição da vida ribeirinha, independente de como a empresa classifique o atingido. A recomendação é o primeiro de muitos encaminhamentos feitos pelo MPF durante a audiência pública do dia 11 de novembro.

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  • 18/11/2016

    Participantes do II Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal divulgam carta compromisso


    Munduruku às margens do rio Tapajós. Foto: Helena Palmquist/MPF-PA


    A cidade de Belém (PA) recebeu, nos dias 14 a 16 de novembro, o II Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal. A iniciativa teve como proposta discutir a realidade política, social, econômica, cultural e religiosa da região, além de fazer uma análise geral de como está sendo desenvolvido o trabalho missionário, atualmente, no local. Participaram do encontro bispos, padres, leigos e assessores.

    Na ocasião, os participantes divulgaram uma carta compromisso com o objetivo de encorajar e dar ânimo aos representantes das dioceses e prelazias daquela região. No texto, eles afirmam que refletiram sobre a realidade social e eclesial atual, e que diante dessa perspectiva constataram que o processo de mudança deve ser constante.

    “É possível, urgente e vital participarmos ativa e responsavelmente da nova época que está surgindo para o planeta terra, para a humanidade inteira e também para a Amazônia. Somos semeadores de fé, esperança e amor. O semeador nunca desiste de semear, mesmo quando não sabe se verá os frutos maduros das sementes do bem e da justiça plantadas no chão e regadas com lágrimas, fadigas, corajosa perseverança e paciência evangélica”, diz um trecho da carta.

    Na carta, os participantes manifestam total apoio aos povos indígenas e aos que vivem dos frutos do campo, da floresta e dos rios. Eles denunciam como “imorais” as manobras legislativas que ameaçam os direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais. “Sentimos a necessidade de uma maior presença da Igreja junto às comunidades espalhadas nesta imensa Amazônia”, destaca a nota.

    Os participantes enfatizam, ainda, a importância da renovação dos ministérios ordenados e laicais, confiando na variedade dos carismas e na força da unidade e da comunhão. Eles também reconhecem a missão própria dos leigos, pois “são a Igreja presente no coração da sociedade, sal da terra, luz do mundo, sinais do Reino que cresce na história humana”.

    No final da carta, os participantes do Encontro agradecem ao papa Francisco pelo empenho, dedicação e documentos sobre a ecologia integral. Também proferem palavras de carinho à Igreja de Belém pela acolhida.

    Confira, abaixo, a carta na íntegra:

    II ENCONTRO DA IGREJA CATÓLICA NA AMAZÔNIA LEGAL

    Carta compromisso

    “Abençoai os que vos perseguem, abençoai e não amaldiçoeis

    Alegrai-vos com os que se alegram, chorai com os que choram” (Rm 12,14-15).

    Nós, bispos, padres, diáconos, religiosos, religiosas, assessores, leigos e leigas, reunidos em Belém do Pará, no II Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal, enviamos esta Carta Compromisso, de coragem e de esperança, aos irmãos e às irmãs das nossas Dioceses, Prelazias e a todos as pessoas que quiserem ouvir a nossa voz.

    Estamos vivendo um momento difícil da história do Brasil e da humanidade. A crise econômica, as pragas da guerra, da corrupção e da violência e o fenômeno das migrações forçadas são consequências de uma crise bem mais profunda, caraterizada pela perda de valores referenciais, tais como: a vida e dignidade humanas, o direito a existência das diferentes espécies vegetais e animais que sofrem a incontrolável destruição do maravilhoso jardim da criação, ainda visível em muitos recantos desta verde Amazônia. Os projetos predatórios que aqui se alastram, pelos rios e pelas matas, não levam em conta os direitos da natureza, dos povos indígenas e das comunidades tradicionais que, desde sempre, convivem em harmonia e respeito com o ambiente, na casa comum, dádiva milenar. O mito do progresso sem limites e do lucro a qualquer custo continuam prometendo o sonho do paraíso aqui na terra, ao alcance de todos. Na realidade, assistimos à exclusão social, à discriminação dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, ao inchaço das periferias pobres das nossas cidades. Unimos a nossa voz a tantos que denunciam que “este sistema exclui, destrói e mata” (Grito dos Excluídos 2016).

    Estamos conscientes da nossa responsabilidade de sermos testemunhas da alegria do Evangelho com as nossas vidas e com o compromisso de denunciar os males e de anunciar a esperança do reino de Deus: “reino eterno e universal, reino da verdade e da vida, reino da santidade e da graça, reino da justiça do amor e da paz” (Prefácio: Cristo, rei do universo). Lamentamos o distanciamento entre a Igreja e os movimentos populares. Pedimos perdão pelas vezes que ficamos calados e omitimos a nossa solidariedade aos pobres e sofredores, aos injustiçados e às vítimas do sistema destruidor que mercantiliza a vida. A Igreja em saída, que o Papa Francisco nos pede, deve ser, em primeiro lugar, uma Igreja samaritana, companheira de caminhada, que evangeliza com a compaixão e a misericórdia, confiante na presença viva e profética do Divino Espírito Santo.

    Refletindo sobre a realidade social e eclesial, à luz dos novos desafios que a história nos impõe, confirmamos e atualizamos alguns dos compromissos assumidos nos Encontros anteriores. O processo de mudança é constante e acontece de forma mais rápido que no passado. É possível, urgente e vital participarmos ativa e responsavelmente da nova época que está surgindo para o planeta terra para a humanidade inteira e também para a Amazônia.  Somos semeadores de fé, esperança e amor. O semeador nunca desiste de semear, mesmo quando não sabe se verá os frutos maduros das sementes do bem e da justiça plantadas no chão e regadas com lágrimas, fadigas, corajosa perseverança e paciência evangélica.

    Apoiamos o esforço dos povos indígenas e dos que vivem dos frutos do campo, da floresta e dos rios, pela proteção das terras e das águas que dão sustento às suas comunidades e às suas culturas. Denunciamos como imorais as manobras legislativas que ameaçam os direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais consagrados pela Constituição de 1988. A lição de harmonia, respeito e sustentabilidade destes povos vale para o planeta inteiro e para toda a humanidade. Desmascara os ídolos da ganância, do consumo e do desperdício.

    Constatamos o silêncio de grande parte dos Meios de Comunicação a respeito da crescente violência, perseguição e criminalização de lideranças camponesas, indígenas e de entidades que defendem os direitos humanos, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

    Sentimos a necessidade de uma maior presença da Igreja junto às comunidades espalhadas nesta imensa Amazônia. Preocupa-nos, em muitas delas, a ausência da celebração eucarística, memorial da vida doada de Cristo e da sua vitória sobre o mal e a morte. A realidade urbana desafia também a cada paróquia a se tornar verdadeira Comunidade de Comunidades. Precisamos renovar os ministérios ordenados, promover e valorizar os ministérios laicais, confiando na variedade dos carismas e na força da unidade e da comunhão. Reafirmamos a importância do ministério da Palavra para a missão evangelizadora, para a Iniciação à Vida Cristã e para a formação permanente. A promoção do ministério da coordenação ou do pastoreio pode dar ânimo e energia aos animadores e às animadoras de comunidades, de grupos e de pastorais. Como fruto do Ano da Misericórdia, somos chamados a promover o ministério do perdão, da reconciliação e da paz, também fora do sacramento da penitência, preparando agentes para favorecer o diálogo, o encontro e o perdão entre pessoas, famílias e comunidades.

    Comprometemo-nos a promover a formação dos candidatos ao ministério ordenado para que estejam a serviço das nossas comunidades, livres do mundanismo, do carreirismo, do clericalismo e do autoritarismo. Que saibam confiar nos leigos e nas leigas como sujeitos verdadeiramente responsáveis da ação evangelizadora da Igreja para colaborar com todas as pessoas de boa vontade “na construção do desenvolvimento social e cultural” (EG 67).

    Reconhecemos a missão própria dos leigos e das leigas na família, no trabalho, na cultura, nos meios de comunicação, na política, na universidade, na arte e no lazer. Eles e elas são a Igreja presente no coração da sociedade, sal da terra, luz do mundo, sinais do Reino que cresce na história humana.

    Alimentamos a esperança que a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), possa contribuir eficazmente com a resistência dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, incentive o diálogo e a colaboração entre as Igrejas na obra da evangelização, na defesa e cuidado com a casa comum e na promoção da fraternidade solidária.

    Agradecemos ao Papa Francisco, querido amigo da Amazônia, pelo seu empenho, dedicação, documentos e pronunciamentos, que nos encoraja a uma missão mais ousada em defesa da vida no horizonte de uma ecologia integral (LS 137).

    Nossa gratidão à Igreja de Belém que nos acolheu nestes dias e que celebra com alegria os 400 anos do início da Evangelização em terras amazônicas. A memória dos primeiros missionários nos ajuda a vencer o medo de abrir caminhos novos. Estes irmãos e irmãs que precederam tiveram esta coragem, porque acreditaram no único Senhor Jesus Cristo, Caminho rumo ao Pai, Verdade que nos liberta e Vida plena, dom gratuito do Espírito. Rogamos a Maria, nossa Senhora de Nazaré, padroeira da Amazônia e estrela da evangelização, que nos acompanhe sempre com a sua maternal proteção.

    Belém, 16 de novembro de 2016

    Os participantes do II Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal


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  • 18/11/2016

    TRF4 suspende execução de sentença que anulava demarcações indígenas na região de Joinville (SC)



    O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) suspendeu, no início do mês, a execução de sentença que havia anulado quatro portarias do Ministério da Justiça (Portarias nºs 2747/2009, 2813/2009, 2907/2009 e 953/2010) que reconheciam e demarcavam como terra indígena os aldeamentos de Piraí, Tarumã, Morro Alto e Pindoty, da etnia Guarani Mbyá, localizados na região norte de Santa Catarina.

    O pedido de suspensão foi impetrado pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Segundo a fundação, a execução provisória da decisão de primeira instância, favorável aos proprietários da região, coloca em risco a segurança pública. A Funai argumenta que poderá haver um acirramento da tensão social, com possibilidade de tentativa de expulsão dos índios e destruição dos aldeamentos.

    Conforme o presidente do tribunal, desembargador federal Luiz Fernando Wowk Penteado, responsável pela suspensão, os índios habitam a região desde as décadas de 70 e 80, e a anulação das portarias ministeriais que representavam o justo título possessório das comunidades indígenas, bem como todos os atos delas decorrentes, “legitimaria, ainda que de forma precária, a intervenção de terceiros não índios sobre uma realidade social que se encontrava temporalmente consolidada e devidamente regularizada junto aos órgãos públicos competentes”.

    Segundo Penteado, “a sentença ingressa no plano concreto desprovida de critérios para implementação de suas consequências, deixando ao livre arbítrio da parte até então vitoriosa a escolha pela forma de satisfação de seu suposto direito, seja através dos instrumentos legais disponíveis – desde a intermediação pela FUNAI até o ingresso de ações judiciais -, seja através de iniciativas eminentemente privadas tendentes à delimitação coercitiva das propriedades e à retirada dos indígenas da região”.


    O desembargador concluiu sua decisão refletindo a respeito do papel da Funai, que poderá cair em descrédito como instituição de proteção à população indígena, o que, segundo ele, “poderá elevar ainda mais a probabilidade de polarização do conflito e o aprofundamento da desordem social”.

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  • 17/11/2016

    Contra ‘Fundação Nacional dos Coronéis’, povo Terena completa uma semana de ocupação à sede da Funai


    Protesto na Rua Maracaju, em Campo Grande. Foto: Povo Terena


    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

    Em 1979, Mário Juruna sugeriu que a Fundação Nacional do Índio (Funai) passasse a se chamar Fundação Nacional dos Coronéis. Tempos de ditadura militar. A ocupação de indígenas do povo Terena à sede da Funai em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, completou uma semana tentando afastar do presente tal passado sombrio. Os indígenas se opõem à nomeação do coronel reformado do Exército Renato Vidal Sant’Anna ao cargo de coordenador do órgão indigenista.

    Nesta quinta-feira, 17, os Terena trancaram uma via de grande circulação, a Rua Maracaju, na região central da capital sul-mato-grossense, e um trecho da BR-262, que liga Campo Grande a Corumbá, na altura da Terra Indígena Taunay/Ipegue, em protesto com faixas contra a militarização da Funai. “Queremos o retorno do Evair (Borges, coordenador da Funai exonerado), que é indígena, e nada de militares”, frisa Elvis Terena.

    Para lideranças ouvidas, os protestos de hoje foram apenas um aviso. “Não vamos aceitar  esse absurdo. Sequer fomos consultados. O Conselho do Povo Terena não aceita essa decisão”. O escritório da Funai em Campo Grande atende as terras indígenas Água Limpa, Buriti, Buritizinho, Cachoeirinha, Guató, Kadiwéu, Lalima, Limão Verde, Nioaque, Nossa Senhora de Fátima, Ofayé-Xavante, Pilad Rebuá e Taunay/Ipegue.

    Durante essa semana, até esta sexta, 18, ocorre na aldeia Bananal (Taunay/Ipegue), município de Aquidauana, o 9º Hanaiti Ho’únevo Têrenoe – a Grande Assembleia do Povo Terena. Conforme os indígenas, caciques, lideranças de retomadas, rezadores, mulheres e a juventude se reúnem para discutir a luta pelo território tradicional, além de educação escolar, meio ambiente, saúde nas comunidades e demais políticas.

    “Tudo está ocorrendo e o povo Terena enxerga que é o momento de intensificarmos a nossa luta. A conjuntura não está fácil. Demarcações paralisadas, essa PEC (55) do congelamento dos gastos, a Funai desestruturada e o governo querendo colocar generais nela. A gente entende como uma ofensiva, um plano arquitetado pelo governo e pelos ruralistas, tanto que quem indicou o coronel aqui foi um ruralista”, diz Lindomar Terena.  

    Com o governo de Michel Temer, a defesa de militares em cargos da Funai passou a ocorrer com frequência. Em julho deste ano, o general Roberto Sebastião Peternelli, integrante do PSC, foi convidado e aceitou assumir a presidência do órgão. “Existe uma relação histórica de amizade entre os índios e os militares”, declarou o deputado federal Carlos Marum (PMDB/MS) – parlamentar que indicou o coronel Sant’Anna.


     

    BR-262 trancada pelos indígenas. Foto: Povo Terena

    Fundação Nacional dos Coronéis’  

    Desde o Napalm lançado sobre os Waimiri-Atroari aos reformatórios e fazendas de trabalhos forçados, os militares possuem um histórico de violência e extermínio contra os povos indígenas. Os militares nunca esconderam a opinião de que as terras indígenas são danosas à segurança nacional. No final da década de 1970, desejavam a completa integração dos indígenas à sociedade branca.

    "A ditadura militar, através do ministro do Interior, general Rangel Reis, elaborou um projeto visando a “emancipação dos índios”, através do qual pretendia resolver a questão declarando os índios emancipados, e suas terras disponibilizadas aos latifundiários. Desta forma, ao invés de demarcar todas as terras indígenas até 1978, como previa o Estatuto do Índio (Lei 6.001, vigente até hoje), resolveria o problema declarando 80% dos índios como não índios, não tendo direito, portanto, às suas terras, ou confinando-os a lotes do módulo rural”, lembra Egon Heck, do Secretariado Nacional do Cimi.

    As políticas indigenistas da ditadura militar instalaram um forte aparato militar na Funai, a partir do Conselho de Segurança Nacional e Serviço Nacional de Informação, "visando o controle e repressão dos povos indígenas e seus aliados. Instalaram cadeias nos postos e presídios indígenas regionais e nacional, como o Krenak, em Minas Gerais. Foi criada a Guarda Rural Indígena (GRIN) e a Assessoria de Segurança e Informação (ASI)”, completou Heck – indigenista desde o início da década de 1970.


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  • 17/11/2016

    Juiz solicitou à Funai retirada de famílias Pataxó sob multa revertida à empresa autora da ação


    Povo Pataxó protesta em Brasília. Foto: Egon Heck/Cimi


    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

    O juiz em exercício da 12ª Vara Federal de Eunápolis (BA), Ávio Mozar José Ferraz de Novaes, determinou, no último dia 25 de outubro, que a Fundação Nacional do Índio (Funai) retirasse – num prazo de dez dias – 500 famílias Pataxó de seis aldeias dispostas em 3 mil hectares da Terra Indígena Coroa Vermelha, entre os municípios de Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro.   

    Caso não cumprisse a determinação, a Funai deveria pagar multa diária de R$ 10 mil a ser revertida para a empresa autora da ação de despejo, a Goes Cohabita Administração, Consultoria e Planejamento, LTDA – além da utilização de força policial para despejar os Pataxó. O prazo se encerrou no dia 4 de novembro, mas na segunda-feira, 14, a juíza da 4ª Vara Federal, Roberta Dias do Nascimento Gaudenzi, prorrogou o prazo em 20 dias.

    Nesta sexta-feira, 18, uma mesa de diálogo está convocada pela mesma Justiça Federal de Eunápolis envolvendo os Pataxó, o coordenador regional Funai e os representantes da Coes Cohabita. Para as lideranças indígenas de Coroa Vermelha, a decisão do juiz não leva em consideração que o Estado reconhece o território como tradicional e ainda obriga a Funai a entregar dinheiro público à empresa.

    “Fomos surpreendidos (pelo despejo) porque a mesa de diálogo foi marcada antes da decisão de reintegração. O juiz titular da comarca de Eunápolis saiu de férias, e ele estava acompanhado a situação, e o juiz substituto deu o despejo”, explica o presidente da Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia, cacique Aruã Pataxó.

    O uso de força policial para retirar as famílias das aldeias Morapé 1 e 2, Nova Coroa, Tapororoca, Txica Mayruá e Novos foi determinado pelo juiz em vista da Funai não ter cumprido a determinação judicial. Os Pataxó realizaram manifestações em Cabrália e Porto Seguro, além de trancar alguns trechos da BR-367. Em Brasília e Salvador, lideranças do povo estiveram com representantes dos governos federal e estadual.

    As seis aldeias ocupam 3 mil hectares dos 5 mil reivindicados pelo povo Pataxó como parte da revisão de limites da Terra Indígena Coroa Vermelha. Com uma população de 1.546 indígenas, conforme censo do povo, vivendo em 1.493 hectares, a demarcação deixou de fora a demanda territorial que aguarda a publicação do relatório circunstanciado pelo Ministério da Justiça e sofre com a corrente ação de despejo.


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  • 17/11/2016

    Conferência Episcopal Austríaca: é preciso usar “todos os meios diplomáticos e políticos disponíveis” para defender direitos indígenas


    foto: Tiago Miotto/Cimi

    A Conferência Episcopal Austríaca, instituição que congrega os bispos da Áustria, manifestou-se na semana passada em defesa dos direitos dos povos indígenas do Brasil, denunciando a “violência desrespeitosa” que ainda acomete as populações indígenas na atualidade. A manifestação da entidade cita a situação do povo Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, afirmando que “os seus territórios que estão sendo cada vez mais fortemente ameaçados pelo fenômeno ‘landgrabbing’”, termo em inglês para grilagem.

    “Pedimos encarecidamente que o Governo Austríaco e as instituições europeias usem todos meios diplomáticos e políticos disponíveis para proteger os povos indígenas e defender os seus direitos, recorrendo-se para isso a mecanismos internacionais dos Direitos Humanos convencionados pela ONU [Organização das Nações Unidas]”, afirma a nota à imprensa divulgada pelos bispos da Áustria, que reivindicam também a criação de regulamentações nacionais e internacionais para impedir e punir a violação de Direitos Humanos causadas por empresas transnacionais.

    Em setembro, por ocasião da apresentação do relatório da assessora especial para direitos dos povos indígenas da ONU, Victoria Tauli-Corpuz, representantes de povos indígenas realizaram uma série de agendas na Europa, buscando trazer visibilidade e denunciar as violações de seus direitos no Brasil, fato também citado na nota da Conferência Episcopal Austríaca.

    Leia, abaixo, a nota na íntegra:

    Para os Direitos dos Povos Indígenas do Brasil

    A violência desrespeitosa contra os povos indígenas ainda é uma realidade chocante. As comunidades Guarani-Kaiowa que habitam o Estado Brasileiro do Mato Grosso do Sul sofrem, desde o século XIX, todo tipo de violência e de expulsão. Há mais de 40 anos as comunidades deste povo lutam para ganhar de volta os seus territórios que estão sendo cada vez mais fortemente ameaçados pelo fenômeno “landgrabbing” (apropriação de terras).  Os processos de regularização de terras indígenas estão paralisados de fato desde 2011. Esta situação não é um caso isolado, declara o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) da CNBB, cujo ex-presidente, o austro-brasileiro Dom Erwin Kräutler, vem cooperando desde há muito tempo com instituições da Igreja Austríaca.

    Nestes últimos meses, representantes dos povos indígenas do Brasil tem procurado chamar pessoalmente a atenção das autoridades políticas da Áustria e da Europa sobre a situação deles. A Conferência Episcopal Austríaca se solidariza com as exigências fundamentais destes povos e apoia seu engajamento por justiça. Por isso os bispos austríacos apelam às autoridades políticas austríacas que tomem providências junto ao Governo Brasileiro quanto à retomada das demarcações das terras indígenas para evitar novas ondas de violência, sofrimento e tentativas de expulsão destes povos.

    Pedimos encarecidamente que o Governo Austríaco e as instituições europeias usem todos meios diplomáticos e políticos disponíveis para proteger os povos indígenas e defender os seus direitos, recorrendo-se para isso a mecanismos internacionais dos Direitos Humanos convencionados pela ONU. Além disso, o Parlamento Europeu deverá engajar-se ativamente na defesa dos direitos dos povos indígenas. Mais que até o presente momento a proteção dos Direitos Humanos deverá ser ancorada nos Acordos Comerciais e de Investimentos. Há uma necessidade premente de estabelecer regulamentações nacionais e internacionais que impeçam e punam a violação dos Direitos Humanos causadas por empresas transnacionais e de garantir o acesso a indenizações para vitimas por danos causados.

    Nota original aqui

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  • 17/11/2016

    Organizações brasileiras defendem florestas fora do mercado de carbono conforme previsto no Acordo de Paris



    Grupo Carta de Belém – articulação que reúne movimentos sociais, sindicais, ONGs e populações tradicionais – lança documento no qual defende a manutenção da posição histórica brasileira nas negociações climáticas. Posição foi divulgada durante a COP 22, conferência sobre mudanças climáticas que está sendo realizada em Marrakesh, no Marrocos Representantes do Grupo Carta de Belém (GCB) presentes em Marrakesh seguem de perto as negociações relacionadas à implementação do Acordo de Paris, já ratificado por quase duas centenas de partes envolvidas, e levantam questões centrais para a defesa da integridade do regime climático e dos direitos.

    O grupo tem demonstrado preocupação com relação à pressão que vem sendo feita por setores do mercado para que o Estado brasileiro reveja sua posição histórica em relação à inclusão das florestas no mercado de carbono. Um documento neste sentido foi entregue pelas organizações ao ministro do Meio Ambiente Sarney Filho.

    Daniel Gaio, secretário nacional de Meio Ambiente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e membro do GCB, aponta que a partir da ratificação do Acordo de Paris, o Brasil passa agora para a etapa de debate da implementação de suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, sigla em inglês). “A implementação das NDCs deve ser primordialmente garantida por meio de financiamento público, com os países que historicamente mais contribuíram para as mudanças do clima assumindo suas respectivas responsabilidades”.

    O Grupo Carta de Belém espera que este processo seja discutido com ampla participação social no âmbito doméstico, em um processo interno de consulta e diálogo amplo e democrático. As NDCs devem ser um marco geral para articulação de políticas públicas para a mitigação e a adaptação e ações para promover direitos e garantir modos de vida.

    O Brasil vem desempenhando historicamente nas negociações internacionais de clima a posição de manter as florestas fora de mecanismos de offset (de carbono), posição que é respaldada por um amplo segmento da sociedade civil e que contou com atuação decisiva dos negociadores brasileiros na construção do arcabouço para florestas no Acordo de Paris.

    Para Camila Moreno, também membro do GCB, “este entendimento foi internalizado no Brasil por meio do decreto 8.576/15, onde se assegura coerência e centralidade do governo federal na coordenação das ações e na governança de REDD no país, excluindo a geração de créditos de qualquer natureza, evitando dupla contabilidade, entre outros impactos”.


    Marciano Silva, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), destaca que “se as florestas entrarem no mecanismo de desenvolvimento sustentável, que prevé os offsets, o uso dos seus recursos, bem como a manutenção dos modos de vida dos povos indígenas, comunidades tradicionais e dos próprios camponeses e pequenos agricultores serão profundamente impactados.”


    O Grupo Carta de Belém monitora as ações e busca influenciar, junto à delegação brasileira nas negociações internacionais do clima, desde 2009.

     

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  • 17/11/2016

    Monocultura não é floresta! Apoie a carta chamando a FAO a rever a sua definição de floresta


    Foto: Gilberto Vieira/Cimi


    A Conferência de Marrakesh sobre o Clima está acontecendo agora. O Acordo de Paris entrou em vigor no dia 4 de novembro, abrindo as portas para uma maior expansão das monoculturas de árvores. Isso é feito de diferentes formas, que vão desde a promoção de sumidouros de carbono até os chamados programas de reflorestamento ou restauração, e a promoção da madeira como fonte de energia para substituir os combustíveis fósseis. Uma das razões subjacentes a essa promoção é a definição de florestas da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). O Acordo de Paris – e a maioria dos países que o ratificaram – adota essa definição, que permite definir como floresta uma monocultura industrial de árvores.

    As plantações industriais de árvores criam enormes problemas para as comunidades locais e não são uma solução para a crise climática! É urgente que a FAO mude sua definição de floresta. Se você ainda não assinou, nós o convidamos a apoiar a carta abaixo. A carta chamando à revisão da definição será enviada à FAO em 21 de março, quando se comemora o Dia Internacional das Florestas.

    Envie um email para fao2017@wrm.org.uy e inclua o nome e o país da sua organização.

    Desde já, obrigado!

    Como a definição de Floresta da FAO prejudica pessoas e florestas?

    Carta aberta à FAO

    Lançada no dia 21 de setembro, Dia Internacional de Luta contra as

    Monoculturas de Árvores

    Em setembro de 2015, durante o XIV Congresso Florestal Mundial, milhares de pessoas foram às ruas de Durban, na África do Sul, para protestar contra a forma problemática em que a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) insiste em definir as florestas.(1) A definição da FAO basicamente considera as florestas apenas como “um monte de árvores”, enquanto ignora outros aspectos fundamentais, incluindo as suas muitas outras formas de vida, como outros tipos de plantas, animais e as comunidades humanas que dependem da floresta. Da mesma forma, a definição ignora a contribuição vital das florestas para os processos naturais que proporcionam solo, água e oxigênio. Além disso, ao definir “florestas” como sendo apenas uma área mínima de terra coberta por um número mínimo de árvores com um percentual mínimo de altura e copa, a FAO tem promovido ativamente o estabelecimento de muitos milhões de hectares de plantações industriais de árvores, principalmente de espécies não nativas e nos países do hemisfério Sul. Como consequência, apenas um determinado setor tem se beneficiado: a indústria de plantações de árvores. As plantações industriais de árvores têm sido a causa direta de muitos impactos negativos sobre as comunidades locais e suas florestas, os quais têm sido bem documentados. (2)

    Na marcha de protesto que aconteceu em Durban, as pessoas tinham cartazes dizendo Plantações não são florestas!, e a manifestação terminou em frente à sede do Congresso Florestal Mundial, que foi organizado pela FAO. Em resposta a um chamado de líderes da sociedade civil na marcha, um membro do WFC saiu do prédio onde ocorria o Congresso para receber um abaixo-assinado com mais de 100.000 assinaturas de pessoas e grupos de todo o mundo. O documento chamava a FAO a alterar urgentemente sua definição de floresta e reconhecer as florestas por seu verdadeiro significado. Mas, mais uma vez, a organização não alterou a sua definição.

    No entanto, algo novo aconteceu: ao contrário do silêncio diante das reivindicações anteriores para que a FAO mudasse sua definição equivocada de floresta, desta vez a organização reagiu ao protesto e enviou uma carta. Um ponto que consta da carta da FAO é particularmente interessante: “Na verdade, há mais de 200 definições nacionais de florestas que refletem uma variedade de interessados no tema...”. E continua: “… para facilitar a comunicação de dados…, é necessária uma categorização globalmente válida, simples e operacional das florestas”, que permita “comparações constantes, durante longos períodos, sobre o desenvolvimento e as mudanças florestais globais”. Ao escrever isto, a FAO tenta nos convencer de que o seu papel é apenas o de harmonizar as mais de 200 diferentes definições de florestas de diferentes países.

    Mas será que a definição atual de floresta da FAO não influencia a forma como as 200 definições nacionais foram formuladas? E a FAO está correta ao afirmar que as muitas definições nacionais de floresta refletem uma variedade de interessados nesses países, novamente menosprezando sua própria influência?

    Nós acreditamos no contrário. Para começo de conversa, a definição de floresta da FAO foi adotada há muito tempo, em 1948. De acordo com uma análise conjunta feita recentemente por diferentes autores de conceitos e definições florestais, “a definição da FAO, acordada por todos os seus membros [membros da ONU], é a primeira a ser usada por todos os países para fazer relatórios com padrões comuns; a definição de floresta adotada pela FAO continua sendo a mais usada hoje em dia”.(3)

    Um bom exemplo para ver se a definição da FAO está sendo usada é o Brasil, o país com a maior cobertura florestal no Sul global e, de acordo com fontes oficiais, com quase 8 milhões de hectares de plantações industriais de árvores, principalmente monoculturas de eucalipto. Em sua publicação Florestas do Brasil, de 2010 (4), o Serviço Florestal Brasileiro (SBF), que faz parte do Ministério do Meio Ambiente e é responsável por questões relacionadas a florestas, “(…) considera como floresta as tipologias de vegetação lenhosas que mais se aproximam da definição de florestas da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO)”. Como consequência lógica do fato de que sua definição se baseia no que a FAO já definiu, afirma que “o Brasil é um país (…) de florestas naturais e plantadas”, onde a expressão “florestas plantadas” se refere aos 8 milhões de hectares de monoculturas, em sua maioria de eucalipto. A forma como o governo brasileiro define floresta, portanto, não é resultado de um processo que “…reflete uma variedade de interessados no tema”. Pelo contrário, é resultado do que a FAO já havia determinado.

    Mas a influência da definição de floresta da FAO vai além de determinar as definições nacionais. Nestes tempos de mudanças climáticas, ela tem sido o principal ponto de referência para definir o que é uma floresta no âmbito da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU (UNFCCC). Ao adotar a definição estreita da FAO, baseada na madeira, a UNFCCC também promoveu uma visão da floresta como uma área de terra contendo apenas árvores. Para a UNFCCC, o mais importante em uma floresta são as árvores, por causa de sua capacidade de armazenar carbono à medida que crescem, e não as comunidades que dependem da floresta. Na maior parte, essas comunidades afetadas são impactadas negativamente pelas restrições impostas ao uso de recursos florestais por “projetos de compensação carbono florestal”, também chamados, muitas vezes, de projetos de REDD+ (5). Uma definição de florestas que trata apenas de árvores abre a porta para incluir “florestas plantadas” – leia-se: plantações industriais de árvores – uma forma completamente falsa de “redução do desmatamento e da degradação florestal” – como opção dentro da convenção de mudanças climáticas, através da qual o carbono pode supostamente ser sequestrado da atmosfera e armazenado permanentemente. Na prática, é apenas mais uma oportunidade para a indústria das plantações de árvores ganhar dinheiro e uma grande ameaça para as comunidades afetadas pela tendência de expansão dessas plantações como “sumidouros de carbono”.(6)

    Na sequência das últimas negociações da UNFCCC, os países têm revisto suas leis florestais recentemente, na esperança de atrair o chamado “financiamento para o clima”. Previsivelmente, as definições usadas têm por base a definição de florestas da FAO. Em Moçambique, por exemplo, em um seminário sobre REDD+, um consultor propôs uma nova definição de floresta para o país. Assim como a da FAO, ela também se baseia na presença de árvores, dizendo que uma floresta é uma área onde há “… Árvores com potencial para alcançar uma altura de 5 metros na maturidade (…)”. Também na Indonésia, a apresentação do Ministério do Meio Ambiente e Florestas à Conferência da ONU sobre o Clima em 2015 declarou que tinha “… adaptado a definição de floresta da FAO…” para definir suas florestas. Mais uma vez, é uma formulação que define e valoriza uma floresta somente através de suas árvores e divide “florestas” em um número de diferentes categorias, incluindo “floresta natural” e algo chamado de “florestas de plantação”.

    A definição de floresta da FAO também influencia as ações das instituições financeiras e de desenvolvimento que promovem atividades baseadas na madeira, como a extração industrial de madeira de florestas, as plantações industriais de árvores e a compensação de carbono por REDD+. O principal exemplo é o Banco Mundial (BM), o qual, como parte do conglomerado da ONU, tem feito parcerias com a FAO por décadas, em uma série de iniciativas relacionadas a florestas. Recentemente, eles uniram forças mais uma vez, em um dos planos mais ambiciosos lançados durante a COP 21 em Paris, a chamada Iniciativa para a Restauração da Paisagem Florestal Africana  (AFR100) (7).  A AFR100 visa cobrir com árvores 100 milhões de hectares de terras desmatadas e chamadas de “degradadas” em diferentes países africanos. O Banco Mundial vai disponibilizar um bilhão de dólares para o plano. Mas, para entender o que o Banco considera como “reflorestamento”, é crucial ver como ele próprio define uma floresta. Previsivelmente, sua definição também é emprestada da FAO, descrevendo uma floresta como “uma área de terra … com cobertura de copa de mais de 10% e que tenha árvores …”. (8) Ao definir florestas dessa forma, o Banco Mundial escancara as portas para que empresas de plantação da árvores expandam suas grandes monoculturas sobre os territórios comunitários na África e, assim, façam parte do ambicioso plano de “restauração” que ele está promovendo em conjunto com a FAO e outros parceiros. A proposta da AFR100 se parece muito com o fracassado Plano de Ação para a Silvicultura Tropical (TFAP) da década de 1980, que também foi idealizado pelo Banco Mundial em colaboração com a FAO.

    Considerações finais

    É urgente que a FAO pare de apresentar as plantações industriais de árvores como “florestas plantadas” ou “silvicultura”, pois governos nacionais, outras instituições da ONU e instituições financeiras, bem como os principais meios de comunicação, seguirão seu exemplo inadequado. Essa confusão deliberada de plantações de árvores com florestas está enganando as pessoas, porque as florestas em geral são vistas como algo positivo e benéfico. Afinal de contas, quem seria contra “florestas”?

    Acima de tudo, a FAO deve assumir total responsabilidade pela forte influência que sua definição de “floresta” tem sobre as políticas econômicas, ecológicas e sociais globais. O abaixo-assinado de 2015, que foi apresentado à FAO em Durban, afirma que ela se apresenta, em seus princípios fundamentais, como um “fórum neutro, onde todas as nações se reúnem como iguais”. Para corresponder a essa afirmação, entre outras coisas, a FAO deve rever urgentemente sua definição de floresta, passando de uma visão que reflete as preferências e perspectivas de empresas de madeira, celulose/papel, borracha e comércio de carbono, para uma que reflita as realidades ecológicas, bem como os pontos de vista dos povos que dependem da floresta. Em contraste com a atual influência dominante que as indústrias baseadas na madeira exercem através da FAO, um processo transparente e aberto para estabelecer definições novas e apropriadas para florestas e plantações de árvores também deve envolver efetivamente essas  mulheres e esses homens que dependem diretamente das florestas e por isso as protegem.

    1 –  “Terra com cobertura de copa (ou densidade equivalente) de mais de 10% e área de mais de 5 hectares (ha). As árvores devem ter potencial para atingir uma altura mínima de 5 metros na maturidade in situ”.

    2 – Veja mais em http://wrm.org.uy/pt/navegue-por-tema/plantacoes-de-arvores/

    3 – Chazdon, R. L., Brancalion, P. H. S., Laestadius, L. et al. Ambio (2016). doi:10.1007/s13280-016-0772-y. When is a forest  a forest? Forest concepts and definitions in the era of forest and landscape restoration (http://link.springer.com/article/10.1007/s13280-016-0772-y).

    4 – http://www.mma.gov.br/estruturas/sfb/_arquivos/livro_portugus_95.pdf.

    5 – Veja mais em http://wrm.org.uy/pt/livros-e-relatorios/redd-uma-colecao-de-conflitos-contradicoes-e-mentiras/

    6 – http://www.greenpeace.org/international/Global/seasia/Indonesia/pdf/FREL_Report.pdf

    7 –  http://www.wri.org/our-work/project/AFR100/about-afr100.

    8 – http://tinyurl.com/j5d6mbv

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  • 17/11/2016

    Papa Francisco chama movimentos sociais à missão de refundar a democracia, combater a desigualdade e ‘governos do dinheiro’



    Com a presença do ex-presidente do Uruguai, José Mujica, o Papa Francisco se dirigiu em pronunciamento aos participantes do 3º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Lideranças populares de todo o mundo ouviram Francisco no Vaticano, sede do encontro, no último dia 5 de novembro. O Sumo Pontífice apontou a continuidade da luta pelos três t’s: terra, teto e trabalho.

    "Vós, organizações dos excluídos e tantas organizações de outros setores da sociedade, estais chamados a revitalizar, a refundar as democracias que estão a atravessar uma verdadeira crise", convocou o Papa Francisco. "Quem governa? O dinheiro. Como governa? Com o chicote do medo, da desigualdade, da violência financeira, social, cultural e militar que gera cada vez mais violência numa espiral descendente que parece infinita", destacou.

    Leia o pronunciamento na íntegra:

    DISCURSO DO PAPA FRANCISCO

    AOS PARTICIPANTES NO 3º ENCONTRO MUNDIAL DOS MOVIMENTOS POPULARES

    Sala Paulo VI

    Sábado, 5 de novembro de 2016

    Boa tarde, irmãos e irmãs!

    Neste nosso terceiro encontro expressamos a mesma sede, a sede de justiça, o mesmo grito: terra, casa e trabalho para todos.

    Agradeço aos delegados que vieram das periferias urbanas, rurais e industriais dos cinco continentes, mais de 60 países, para debater mais uma vez sobre o modo de defender estes direitos que unem. Obrigado aos Bispos que vieram acompanhar-vos. Obrigado aos milhares de italianos e europeus que hoje se reuniram no final deste encontro. Obrigado aos observadores e aos jovens comprometidos na vida pública, que vieram com humildade para ouvir e aprender. Quanta esperança tenho nos jovens! Agradeço inclusive a Vossa Eminência, Cardeal Turkson, o trabalho que juntos realizastes no Dicastério; e gostaria de recordar também a contribuição do ex-Presidente uruguaio, José Mujica, aqui presente.

    No nosso último encontro, na Bolívia, com a maioria de latino-americanos, podemos falar da necessidade de uma mudança para que a vida seja digna, uma transformação de estruturas; além disso, do modo como vós, movimentos populares, sois semeadores de mudança, promotores de um processo para o qual convergem milhões de pequenas e grandes ações interligadas de modo criativo, como numa poesia; foi por isso que vos quis chamar «poetas sociais»; e também podemos enumerar algumas tarefas imprescindíveis para caminhar rumo a uma alternativa humana diante da globalização da indiferença: 1. pôr a economia ao serviço dos povos; 2. construir a paz e a justiça; 3. defender a Mãe Terra.

    Naquele dia, com a voz de uma «cartonera» e de um camponês, na conclusão foram lidos os dez pontos de Santa Cruz de la Sierra, onde a palavra mudança estava carregada de um grande conteúdo, ligada às coisas fundamentais que vós reivindicais: trabalho digno para quantos são excluídos do mercado do trabalho; terra para os camponeses e as populações indígenas; habitações para as famílias desabrigadas; integração urbana para os bairros populares; eliminação da discriminação, da violência contra as mulheres e das novas formas de escravidão; fim de todas as guerras, do crime organizado e da repressão; liberdade de expressão e de comunicação democrática; ciência e tecnologia ao serviço dos povos. Ouvimos também como vos comprometestes a abraçar um projeto de vida que rejeite o consumismo e recupere a solidariedade, o amor entre nós e o respeito pela natureza como valores essenciais. É a felicidade de «viver bem» aquilo que reclamais, a «vida boa», e não aquele ideal egoísta que enganosamente inverte as palavras e propõe a «boa vida».

    Nós que hoje estamos aqui, de diferentes origens, credos e ideias, talvez não estejamos de acordo acerca de tudo, certamente pensamos de modo diverso sobre muitas coisas, mas sem dúvida estamos de acordo sobre estes pontos.

    Sei também que foram realizados encontros e laboratórios em vários países, onde se multiplicaram os debates à luz da realidade de cada comunidade. Isto é muito importante porque as soluções reais para as problemáticas atuais não sairão de uma, três ou mil conferências: elas devem ser fruto de um discernimento coletivo que amadurece nos territórios juntamente com os irmãos, um discernimento que se torna ação transformadora «em conformidade com os lugares, os tempos e as pessoas», como dizia santo Inácio. Caso contrário, corremos o risco das abstrações, de certos «nominalismos declaracionistas (slogans), que são frases bonitas mas que não conseguem sustentar a vida das nossas comunidades» (Carta ao Presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina, 19 de março de 2016). São slogans! O colonialismo ideológico globalizador procura impor receitas supraculturais que não respeitam a identidade dos povos. Vós caminhais por outra vereda que é local e, ao mesmo tempo, universal. Um caminho que me recorda como Jesus pediu para dispor a multidão em grupos de cinquenta, para lhes distribbuir o pão (cf. Homilia na Solenidade do Corpus Christi, Buenos Aires, 12 de junho de 2004).

    Há pouco assistimos ao vídeo que apresentastes como conclusão deste terceiro encontro. Vimos os vossos rostos nos debates sobre o modo de enfrentar «a desigualdade que gera violência». Tantas propostas, muita criatividade e grande esperança na vossa voz, que talvez tivesse mais motivos para se queixar, permanecer emudecida nos conflitos, cair na tentação do negativo. E no entanto vós olhais para a frente, pensais, debateis, propondes e agis. Congratulo-me convosco, acompanho-vos e peço-vos que continueis a abrir caminhos e a lutar. Isto dá-me força, isto dá-nos força. Acho que este nosso diálogo, que se acrescenta aos esforços de muitos milhões de pessoas que trabalham diariamente pela justiça no mundo inteiro, começa a ganhar raízes.

    Gostaria de abordar alguns temas mais específicos, que me sugeristes, que me levaram a refletir e que agora volto a apresentar-vos neste momento.

    1. O terror e os muros

    No entanto esta germinação, que é lenta — aquela à qual eu me referia — e que tem os seus tempos, como todas as germinações, é ameaçada pela velocidade de um mecanismo destruidor que age em sentido contrário. Existem forças poderosas que podem neutralizar este processo de amadurecimento de uma mudança, que seja capaz de mudar o primado do dinheiro e pôr novamente no centro o ser humano, o homem e a mulher. Aquele «fio invisível» do qual pudemos falar na Bolívia, aquela estrutura injusta que une todas as exclusões que vós padeceis, pode consolidar-se e transformar-se num chicote, num chicote existencial que, como no Egito do Antigo Testamento, escraviza, rouba a liberdade, golpeia sem misericórdia certas pessoas e ameaça constantemente outras, para abater todos como reses, até onde o dinheiro divinizado quiser .

    Então, quem governa? O dinheiro. Como governa? Com o chicote do medo, da desigualdade, da violência financeira, social, cultural e militar que gera cada vez mais violência numa espiral descendente que parece infinita. Quanta dor e quanto medo! Existe — como eu disse recentemente — um terrorismo de base que provém do controle global do dinheiro na terra, ameaçando a humanidade inteira. É deste terrorismo de base que se alimentam os terrorismos derivados, como o narcoterrorismo, o terrorismo de Estado e aquele que alguns erroneamente chamam terrorismo étnico ou religioso. Mas nenhum povo, nenhuma religião é terrorista! É verdade, existem pequenos grupos fundamentalistas em toda a parte. Mas o terrorismo começa quando «se expulsa a maravilha da criação, o homem e a mulher, colocando no seu lugar o dinheiro» (Conferência de imprensa no voo de regresso da Viagem Apostólica à Polónia, 31 de julho de 2016). Este sistema é terrorista.

    Há quase cem anos, Pio xi previu o afirmar-se de uma ditadura global da economia, à qual ele chamou «imperialismo internacional do dinheiro» (Carta Encíclica Quadragesimo anno, 15 de maio de 1931, n. 109). Refiro-me ao ano de 1931! A sala onde agora nos encontramos chama-se «Paulo vi», e foi Paulo vi que denunciou, há quase cinquenta anos, a «nova forma abusiva de domínio económico nos planos social, cultural e até político» (Carta Apostólica Octogesima adveniens, 14 de maio de 1971, n. 44). No ano de 1971! São palavras duras mas justas dos meus predecessores que perscrutaram o futuro. A Igreja e os profetas dizem há milénios aquilo que tanto escandaliza que o Papa repita neste tempo, no qual tudo isto alcança expressões inéditas. Toda a doutrina social da Igreja e o magistério dos meus predecessores estão revoltados contra o ídolo dinheiro, que reina em vez de servir, tiraniza e aterroriza a humanidade.

    Nenhuma tirania se sustém sem explorar os nossos medos. Esta é uma chave! Por isso, cada tirania é terrorista. E quando este terror, que foi semeado nas periferias com massacres, saques, opressões e injustiças, eclode nos centros sob várias formas de violência, até com atentados hediondos e infames, os cidadãos que ainda conservam alguns direitos são tentados pela falsa segurança dos muros físicos ou sociais. Muros que encerram alguns e exilam outros. Por um lado, cidadãos murados, apavorados; e por outro, excluídos, exilados, ainda mais aterrorizados. É esta a vida que Deus, nosso Pai, deseja para os seus filhos?

    O medo é alimentado, manipulado… Porque, além de ser um bom negócio para os comerciantes de armas e de morte, o medo debilita-nos, desestabiliza-nos, destrói as nossas defesas psicológicas e espirituais, anestesia-nos diante do sofrimento do próximo e no final torna-nos cruéis. Quando sentimos que se festeja a morte de um jovem que talvez tenha errado o caminho, quando vemos que se prefere a guerra à paz, quando vemos que se propaga a xenofobia, quando constatamos que propostas intolerantes ganham terreno; por detrás de tal crueldade, que parece massificar-se, sopra o frio vento do medo. Peço-vos que rezeis por todos aqueles que têm medo; oremos a fim de que Deus lhes infunda coragem e que neste Ano da misericórdia os nossos corações possam sensibilizar-se. A misericórdia não é fácil, não é fácil… exige coragem! É por isso que Jesus nos diz: «Não tenhais medo!» (Mt 14, 27), porque a misericórdia é o melhor antídoto contra o medo. É muito melhor do que os remédios antidepressivos e tranquilizantes. Muito mais eficaz do que os muros, as grades, os alarmes e as armas. E é grátis: uma dádiva de Deus.

    Caros irmãos e irmãs, todos os muros ruem. Todos! Não nos deixemos enganar. Como vós mesmos dissestes: «Continuemos a trabalhar para construir pontes entre os povos, pontes que nos permitam derrubar os muros da exclusão e da exploração» (Documento conclusivo do segundo encontro mundial dos movimentos populares, 11 de julho de 2015, Santa Cruz de la Sierra, Bolívia). Enfrentemos o terror com o amor!

    O segundo ponto que desejo abordar é: Amor e pontes

    Num dia como este, num sábado, Jesus fez duas coisas que, como nos diz o Evangelho, apressaram a conspiração para o matar. Passava com os seus discípulos por um campo de semeadura. Os discípulos tinham fome e comeram algumas espigas. Nada se diz acerca do «dono» daquele campo… o que lhe está subjacente é o destino universal dos bens. Certamente, diante da fome Jesus deu prioridade à dignidade dos filhos de Deus, sobre uma interpretação formalista, conciliante e interessada pela norma. Quando os doutores da lei se queixaram com indignação hipócrita, Jesus recordou-lhes que Deus quer amor, não sacrifícios, e explicou que o sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado (cf. Mc 2, 27). Enfrentou o pensamento hipócrita e presunçoso com a inteligência humilde do coração (cf. Homilia no I Congreso de evangelización de la cultura, Buenos Aires, 3 de novembro de 2006), que dá sempre a prioridade ao homem e não aceita que determinadas lógicas impeçam a sua liberdade de viver, amar e servir o próximo.

    Em seguida, naquele mesmo dia, Jesus fez algo «pior», uma coisa que irritou ainda mais os hipócritas e os soberbos que o observavam, porque procuravam uma desculpa para o capturar. Curou a mão atrofiada de um homem. A mão, um sinal tão forte de ação, de trabalho. Jesus restituiu àquele homem a capacidade de trabalhar e, com ela, a sua dignidade. Quantas mãos atrofiadas, quantas pessoas desprovidas da dignidade do trabalho! Porque para defender sistemas injustos, os hipócritas opõem-se a tais curas. Às vezes penso que quando vós, pobres organizados, inventais o vosso trabalho, criando uma cooperativa, recuperando uma fábrica falida, reciclando os descartes da sociedade consumista, enfrentando a inclemência do tempo para vender numa praça, reivindicando um pequeno pedaço de terra para cultivar e alimentar quem tem fome, quando fazeis isto imitais Jesus porque procurais curar, mesmo que seja só um pouco e de modo precário, esta atrofia do sistema socioeconómico imperante que é o desemprego. Não me surpreende que inclusive vós, por vezes, sois controlados ou perseguidos, e também não me causa admiração que os soberbos não se interessem por aquilo que vós dizeis.

    Naquele sábado Jesus arriscou a sua vida porque, depois de ter curado a mão, os fariseus e os herodianos (cf. Mc 3, 6), dois partidos opostos entre si, que temiam o povo e também o império, fizeram os seus cálculos e conspiraram para o matar. Sei que muitos de vós arriscam a vida. Sei — e desejo recordá-lo, quero recordá-la — que hoje alguns não estão aqui porque apostaram a sua vida… Por isso, não há maior amor do que dar a própria vida. É isto que Jesus nos ensina.

    Os «3 t», o vosso grito que faço meu, têm algo daquela inteligência humilde mas ao mesmo tempo vigorosa e purificadora. Um projeto-ponte dos povos diante do projeto-muro do dinheiro. Um programa que visa o desenvolvimento humano integral. Alguns sabem que o nosso amigo, Cardeal Turkson, agora preside ao Dicastério que tem o seguinte nome: Desenvolvimento Humano Integral. O contrário do desenvolvimento, poder-se-ia dizer, é a atrofia, a paralisia. Temos o dever de ajudar a curar o mundo da sua atrofia moral. Este sistema atrofiado é capaz de fornecer algumas «próteses» cosméticas que não constituem verdadeiros desenvolvimentos: crescimento da economia, progressos tecnológicos, maior «eficiência» para produzir coisas que se compram, se usam e se abandonam, englobando-nos todos numa vertiginosa dinâmica do descarte… Mas este mundo não permite o desenvolvimento do ser humano na sua totalidade, o desenvolvimento que não se reduz ao consumo, que não se limita ao bem-estar de poucos, que inclui todos os povos e as pessoas na plenitude da sua dignidade, desfrutando fraternalmente da maravilha da criação. Este é o desenvolvimento do qual nós temos necessidade: humano, integral, respeitador da criação, desta casa comum.

    Outro ponto é: Falência e resgate

    Estimados irmãos, quero compartilhar convosco algumas reflexões sobre outros dois temas que, juntamente com os «3 t» e com a ecologia integral, estiveram no centro dos vossos debates dos últimos dias, e são fulcrais nestes período histórico.

    Sei que dedicastes um dia ao drama dos migrantes, dos refugiados e dos deslocados. Como agir diante desta tragédia? No Dicastério do qual é responsável o Cardeal Turkson há uma secção que se ocupa destas situações. Decidi que, pelo menos durante um certo tempo, tal setor dependa diretamente do Pontífice, porque se trata de uma situação infamante, que só posso descrever com uma palavra que me brotou espontaneamente em Lampedusa: vergonha!

    Ali, assim como em Lesbos, pude sentir de perto o sofrimento de numerosas famílias expulsas da sua terra por motivos ligados à economia ou por violências de todos os tipos, multidões exiladas — eu disse-o diante das autoridades do mundo inteiro — por causa de um sistema socioeconómico injusto e das guerras que não foram procuradas nem criadas por aqueles que hoje padecem a dolorosa erradicação da sua pátria, mas ao contrário por muitos daqueles que se recusam a recebê-los.

    Faço minhas as palavras do meu irmão, o Arcebispo Hieronymos da Grécia: «Quem fita os olhos das crianças que encontramos nos campos de refugiados é capaz de reconhecer imediatamente, na sua totalidade, a “falência” da humanidade» (Discurso no campo de refugiados de Moria, Lesbos, 16 de abril de 2016). O que acontece com o mundo de hoje que, quando se verifica a falência de um banco, imediatamente aparecem quantias escandalosas para o salvar, mas quando ocorre esta falência da humanidade praticamente não aparece nem uma milésima parte para salvar aqueles irmãos que sofrem tanto? E assim o Mediterrâneo tornou-se um cemitério, e não apenas o Mediterrâneo… muitos cemitérios perto dos muros, muros manchados de sangue inocente. Nos dias deste encontro — sois vós que o dizeis no vídeo — quantos são os mortos no Mediterrâneo?

    O medo endurece o coração e transforma-se em crueldade cega, que se recusa a ver o sangue, a dor, a face do próximo. Quem o disse foi o meu irmão, o Patriarca Bartolomeu: «Quem tem medo de vós não vos fitou nos olhos. Quem tem receio de vós não viu os vossos rostos. Quem tem medo não vê os vossos filhos, esquece-se que a dignidade e a liberdade transcendem o medo e superam a divisão. Esquece-se que a migração não é um problema do Médio Oriente e da África setentrional, da Europa e da Grécia. Trata-se de um problema do mundo» (Discurso no campo de refugiados de Moria, Lesbos, 16 de abril de 2016).

    É verdadeiramente um problema do mundo. Ninguém deveria ver-se obrigado a fugir da sua pátria. Mas o mal é duplo quando, diante destas circunstâncias terríveis, os migrantes se veem lançados nas garras dos traficantes de pessoas, para atravessar as fronteiras; e é triplo se, chegando à terra na qual julgavam encontrar um porvir melhor, são desprezados, explorados e até escravizados! Pode-se ver isto em qualquer recanto de centenas de cidades. Ou simplesmente não os deixam entrar.

    Peço-vos que façais tudo o que for possível; e que nunca vos esqueçais que inclusive Jesus, Maria e José experimentaram a condição dramática dos refugiados. Peço-vos que exerçais aquela solidariedade tão singular que existe entre quantos sofreram. Vós sabeis recuperar fábricas das falências, reciclar aquilo que outros abandonam, criar postos de trabalho, cultivar a terra, construir habitações, integrar bairros segregados e reclamar de modo incessante, como a viúva do Evangelho que pede justiça insistentemente (cf. Lc 18, 1-8). Talvez com o vosso exemplo e a vossa insistência, alguns Estados e Organizações internacionais abram os olhos e adotem medidas adequadas para acolher e integrar plenamente todos aqueles que, por um motivo ou por outro, procuram refúgio longe de casa. E também para enfrentar as profundas causas pelas quais milhares de homens, mulheres e crianças são expulsos cada dia da sua terra natal.

    Dar o exemplo e reclamar é um modo de fazer política, e isto leva-me ao segundo tema que debatestes no vosso encontro: a relação entre povo e democracia. Uma relação que deveria ser natural e fluida, mas que corre o perigo de se ofuscar, até se tornar irreconhecível. O fosso entre os povos e as nossas atuais formas de democracia alarga-se cada vez mais, como consequência do enorme poder dos grupos económicos e mediáticos, que parecem dominá-las. Sei que os movimentos populares não são partidos políticos, e permiti-me dizer-vos que, em grande parte, é nisto que se encontra a vossa riqueza, porque exprimis uma forma diferente, dinâmica e vital de participação social na vida pública. Mas não tenhais medo de entrar nos grandes debates, na Política com letra maiúscula, e volto a citar Paulo vi: «A política é uma maneira exigente — mas não é a única — de viver o compromisso cristão ao serviço do próximo» (Carta Apostólica Octogesima adveniens, 14 de maio de 1971, n. 46). Ou então esta frase, que repito muitas vezes e sempre me confundo, não sei se é de Paulo vi ou de Pio xii: «A política é uma das formas mais altas da caridade, do amor».

    Gostaria de frisar dois riscos que giram em volta da relação entre movimentos populares e política: o risco de se deixar arquivar e o risco de se deixar corromper.

    Primeiro, não se deixar amarrar, porque alguns dizem: a cooperativa, o refeitório, a horta agroecológica, as microempresas, o projeto dos planos assistenciais… até aqui tudo bem. Enquanto vos mantiverdes na divisória das «políticas sociais», enquanto não puserdes em questão a política económica ou a Política com «p» maiúsculo, sois tolerados. Aquela ideia das políticas sociais concebidas como uma política para os pobres, mas nunca com os pobres, nunca dos pobres e muito menos inserida num projeto que reúna os povos, às vezes parece-se com uma espécie de carro mascarado para conter os descartes do sistema. Quando vós, da vossa afeição ao território, da vossa realidade diária, do bairro, do local, da organização do trabalho comunitário, das relações de pessoa a pessoa, ousais pôr em questão as «macrorrelações». quando levantais a voz, quando gritais, quando pretendeis indicar ao poder uma organização mais integral, então deixais de ser tolerados, não sois muito tolerados porque estais a sair da divisória, estais a deslocar-vos para o terreno das grandes decisões que alguns pretendem monopolizar em pequenas castas. Assim a democracia atrofia-se, torna-se um nominalismo, uma formalidade, perde representatividade, vai-se desencantando porque deixa fora o povo na sua luta diária pela dignidade, na construção do seu destino.

    Vós, organizações dos excluídos e tantas organizações de outros setores da sociedade, estais chamados a revitalizar, a refundar as democracias que estão a atravessar uma verdadeira crise. Não caiais na tentação da divisória que vos reduz a agentes secundários ou, pior, a meros administradores da miséria existente. Nestes tempos de paralisia, desorientação e propostas destruidoras, a participação como protagonistas dos povos que procuram o bem comum pode vencer, com a ajuda de Deus, os falsos profetas que exploram o medo e o desespero, que vendem fórmulas mágicas de ódio e crueldade, ou de um bem-estar egoísta e uma segurança ilusória.

    Sabemos que «enquanto não forem radicalmente solucionados os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando as causas estruturais da desigualdade social, não se resolverão os problemas do mundo e, em definitivo, problema algum. A desigualdade é a raiz dos males sociais» (Exortação Apostólica Evangelii gaudium, n. 202). Por isso, disse e repito-o, «o futuro da humanidade não está unicamente nas mãos dos grandes dirigentes, das grandes potências e das elites. Está fundamentalmente nas mãos dos povos; na sua capacidade de se organizarem e também nas suas mãos que regem, com humildade e convicção, este processo de mudança» (Discurso no segundo encontro mundial dos movimentos populares, Santa Cruz de la Sierra, 9 de julho de 2015). Também a Igreja pode e deve, sem pretender ter o monopólio da verdade, pronunciar-se e agir especialmente face a «situações nas quais se tocam as chagas e os sofrimentos dramáticos, e nas quais estão envolvidos os valores, a ética, as ciências sociais e a fé» (Intervenção no encontro de juízes e magistrados contra o tráfico de pessoas e o crime organizado, Vaticano, 3 de junho de 2016). Este é o primeiro risco: o risco de se deixar encaixar e o convite a entrar na grande política.

    O segundo risco, dizia-vos, é deixar-se corromper. Assim como a política não é uma questão de «políticos», também a corrupção não é um vício exclusivo da política. Há corrupção na política, há corrupção nas empresas, há corrupção nos meios de comunicação, há corrupção nas igrejas e há corrupção também nas organizações sociais e nos movimentos populares. É justo dizer que há uma corrupção radicada nalguns âmbitos da vida económica, em particular na atividade financeira, e que faz menos notícia do que a corrupção diretamente relacionada com o âmbito político e social. É justo dizer que muitas vezes se utilizam os casos de corrupção com más intenções. Mas também é justo esclarecer que quantos escolheram uma vida de serviço têm uma obrigação ulterior que se acrescenta à honestidade com a qual qualquer pessoa deve agir na vida. A medida é muito alta: é preciso ter a vocação para servir com um forte sentido de austeridade e humildade. Isto é válido para os políticos mas também para os dirigentes sociais e para nós pastores. Disse «austeridade» e gostaria de esclarecer ao que me refiro com a palavra austeridade, porque pode ser uma palavra equívoca. Pretendo dizer austeridade moral, austeridade no modo de viver, austeridade na maneira como levo por diante a minha vida, a minha família. Austeridade moral e humana. Porque em âmbito científico, científico-económico, se quiserdes, ou das ciências do mercado, austeridade é sinónimo de adaptação… Não me refiro a isto, não estou a falar disto.

    A qualquer pessoa que seja demasiado apegada às coisas materiais ou ao espelho, a quem ama o dinheiro, os banquetes exuberantes, as casas sumptuosas, roupas de marca, carros de luxo, aconselharia que compreenda o que está a acontecer no seu coração e que reze a Deus para que o liberte destes laços. Mas, parafraseando o ex-presidente latino-americano que está aqui, todo aquele que seja apegado a estas coisas, por favor, que não entre na política, não entre numa organização social ou num movimento popular, porque causaria muitos danos a si mesmo, ao próximo e sujaria a nobre causa que empreendeu. Taopouco entre no seminário!

    Diante da tentação da corrupção, não há remédio melhor do que a austeridade, a austeridade moral, pessoal: e praticar a austeridade é, ainda mais, pregar com o exemplo. peço-vos que não subestimeis o valor do exemplo porque tem mais força do que mil palavras, mil panfletos, mil «gosto», mil retweets, mil vídeos no youtube. O exemplo de uma vida austera ao serviço do próximo é o modo melhor para promover o bem comum e o projeto-ponte dos «3 t». Peço a vós dirigentes que não vos canseis de praticar esta austeridade moral, pessoal, e peço a todos que exijam dos dirigentes esta austeridade, que — de resto — os fará sentir-se muito felizes.

    Queridos irmãos e irmãs, a corrupção, a soberba e o exibicionismo dos dirigentes aumentam o descrédito coletivo, a sensação de abandono e alimenta o mecanismo do medo que apoia este sistema iníquo. Para concluir, gostaria de vos pedir que continueis a contrastar o medo com uma vida de serviço, solidariedade e humildade a favor dos povos e sobretudo dos que sofrem. Podereis errar muitas vezes, todos erramos, mas se perseverarmos neste caminho, cedo ou tarde, veremos os frutos. O amor cura tudo. Alguns sabem que depois do Sínodo sobre a família escrevi um documento que tem como título Amoris laetitia — «A alegria do amor» — um documento sobre o amor nas famílias, mas também naquela outra família que é o bairro, a comunidade, o povo, a humanidade. Um de vós pediu-me para distribuir um fascículo que contém um fragmento do quarto capítulo deste documento. Penso que vo-lo entregarão à saída. Portanto, com a minha bênção. Nele encontram-se alguns «conselhos úteis» para praticar o mandamento mais importante de Jesus.

    Na Amoris laetitia cito um saudoso líder afro-americano, Martin Luther King, o qual sabia escolher sempre o amor fraterno até nos meio das piores preocupações e humilhações. Quero recordá-lo hoje convosco: «Quando te elevas ao nível do amor, da sua grande beleza e poder, a única coisa que procuras derrotar são os sistemas malignos. Amas as pessoas que caíram na armadilha daquele sistema, mas procuras derrotar aquele sistema […] Ódio por ódio só intensifica a existência do ódio e do mal no universo. Se eu te firo e tu me feres, e restituo-te a pancada e tu restituis-me a pancada, e assim por diante, é evidente que se continua sem fim. Simplesmente nunca acaba. Nalguma parte, deve haver alguém que tem um pouco de bom senso, e aquela é a pessoa forte. A pessoa forte é aquela que é capaz de cortar a cadeia do ódio, a cadeia do mal» (n. 118; Sermão na igreja batista de Dexter Avenue, Montgomery, Alabama, 17 de novembro de 1957). Disse isto em 1957.

    Agradeço-vos de novo o vosso trabalho, a vossa presença. Desejo pedir a Deus nosso Pai que vos acompanhe e vos abençoe, que vos encha do seu amor e vos defenda no caminho dando-vos em abundância a força que nos mantém em pé e nos dá a coragem para cortar a cadeia do ódio: aquela força é a esperança. Peço-vos por favor que rezeis por mim, e aos que não podem rezar, sabei-lo, pensai bem de mim e mandai-me uma boa onda. Obrigado!


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  • 16/11/2016

    Em memória de Antônio Cechin: querido amigo, enfim chegando à Terra Sem Males!


    O marista Antônio Cechin, um dos criadores das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) no Rio Grande do Sul, faleceu na manhã desta quarta-feira (16), em Porto Alegre (RS), aos 89 anos. Cechin influenciou diversas gerações de militantes e agentes pastorais no Rio Grande do Sul e teve papel importante na criação da Romaria da Terra, da Romaria das Águas, além de idealizar a missa em honra ao líder Guarani São Sepé Tiaraju. Chegou a ser perseguido pela ditadura militar, preso e torturado.

    Cechin foi, ainda, assessor do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), enquanto esse estava ligado às Comunidades Eclesiais de Base. Com base em sua experiência em movimentos sociais, escreveu o livro “Empoderamento Popular: uma pedagogia de libertação”, publicado em 2010 pela editora Estef. Mais recentemente, vinha atuando como Agente de Pastoral em diversas periferias da região metropolitana de Porto Alegre junto a comunidades de catadores e recicladores.

    Nos últimos dez anos, o irmão Cechin atuou de forma decisiva para a realização do evento Sepé Tiaraju, já tradicional encontro dos Guarani Mbya, no qual este povo – junto de outras populações Guarani do Brasil, Argentina, Bolívia e Paraguai, e também dos Kaingang – se reúne anualmente no mesmo local onde Sepé foi morto numa emboscada, há 260 anos, no município de São Gabriel (RS). Além disso, foi um impulsionador das bicicletadas, na qual percorre-se anualmente, no interior do Rio Grande do Sul, os caminhos que Sepé Tiaraju fazia no século XVIII, denominados hoje de "caminhos de São Sepé".

    O irmão marista sempre acompanhou de perto a atuação do Cimi e a realidade dos povos indígenas no Sul do país. A primeira Romaria da Terra organizada por ele, ainda na década de 1970, teve como tema a situação dos povos indígenas no Brasil e sua luta por suas terras tradicionais.

    Leia, abaixo, homenagem do Cimi ao irmão Antônio Cechin.

    Querido amigo, enfim chegando na Terra Sem Males!

    Irmão Antônio,
    Profeta dos catadores e carroceiros
    Profeta da ecologia, das CEBS, dos Sem Terra
    Apaixonado pelas causas dos excluídos
    Seguiu para a morada celestial!

    Lá confraternizará, com lutadores e lutadoras, a vida doada
    Será acariciado e acolhido com o carinho eterno
    Estará com outros profetas
    Que, assim como você, deram testemunhos de vida
    Ofertadas exclusivamente às lutas por justiça e dignidade.

    Lá estará com os torturados, os exilados, os perseguidos, os desaparecidos
    Reencontrará os mártires da caminhada
    As mulheres e homens das CEB’s, os catadores, ecologistas
    Os indígenas, quilombolas, camponêses, sem teto
    Lá estará com Sepé Tiaraju líder, santo e guia na busca da terra sem males.

    Lá será um SER DE LUZ, um ENCANTADO
    A interceder pelos que aqui permanecem
    Lutando contra a intolerância, o preconceito, a discriminação
    Contra a criminalização, a exploração e a exclusão
    Combatendo a devastação, a contaminação, a concentração dos bens da terra.

    Permaneceremos pelos caminhos que ajudou a construir
    Por uma sociedade plena de justiça e solidariedade
    Respeitosa nas diferenças e igualitária em direitos
    Por um outro mundo possível
    Pelo BEM VIVER.

    ATÉ O REENCONTRO, querido Amigo!

    Brasília, 16 de novembro de 2016
    Conselho Indigenista Missionário

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