• 08/05/2017

    Repam denuncia violações de direitos indígenas em agenda internacional


    Equipe da REPAM integra  Grupo de Trabalho sobre Mineração Foto: Fernanda Moreira/Cimi

    Por Fernanda Moreira, Cimi Regional Norte II, de Nova York (EUA)

    Entre os dias 22 de abril a 5 de maio, membros da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), com apoio de outras organizações eclesiais, estiveram em Nova York (EUA) para o Fórum permanente da Organização das Nações Unidas (ONU) para questões indígenas. Além do encontro oficial, o grupo organizou uma série de atividades paralelas com autoridades internacionais, organizações não governamentais, universidades e lideranças indígenas da América do Norte.

    A comissão composta por lideranças dos povos Munduruku, Yanomami, Kanamary (Brasil) e Kukama (Peru) apresentou as perspectivas e desafios do bioma Amazônico, com o objetivo de “amazonizar” os debates internacionais. O evento encerrou na sexta-feira (5) e celebrou os dez anos da Declaração da ONU para os direitos dos povos indígenas. A Fian Brasil e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) integram as organizações de apoio na delegação da Repam. 

    Na terça-feira (25), juntamente com povos dos Estados Unidos, as lideranças indígenas do Brasil e Peru discutiram as violações dos direitos indígenas e as ameaças aos seus territórios e sítios sagrados. Além da delegação da Repam, estavam presentes Roberto Mukaro Borrero, do Conselho Internacional Indígena e das Confederações Unidas do povo Taíno, Chefe Sachem Perry, da Nação Ramaphoug Lenape e Chefe Sachem Hawk Storm, da Schaghticoke First Nations.

    Contaminação das terras indígenas pela Mineração

    No encontro organizado pelo Grupo de Trabalho sobre Mineração de Organizações Não-Governamentais, a comitiva denunciou as explorações minerais ilegais em territórios indígenas e a consequente destruição física e cultural de seus povos. Veronica Shivuya, do povo Kukama (Peru), relatou a contaminação por empresas petroleiras das águas onde vivem os ancestrais de seu povo.

    Armindo Goes, do povo Yanomami, alertou que seus parentes sentem os impactos da exploração mineral não apenas na natureza, mas também em seus corpos.A liderança recordou as altas taxas de mercúrio identificadas nas águas, apontadas em pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA).

    Em consonância com as denúncias trazidas pelo cacique Juarez Saw Munduruku, sobre a contaminação e o desmatamento no Tapajós provocados por garimpeiros e mineradoras, Armindo observa que os mais de três mil garimpeiros que invadem as terras Yanomami “são apenas operadores, na medida em que o próprio Governo Federal está interessado em explorar as terras indígenas reconhecidas”.  Armindo cita o Senador Romero Jucá como um dos principais articuladores das legislações que regulamentariam a atividade em seus territórios.

    Diante denúncias sobre a situação das terras indígenas e a presença de mineradoras e garimpeiros, Lyla June Johnson, do povo Dine, expressou, emocionada, sua conexão com as histórias trazidas pelos povos e convidou os presentes a refletirem sobre o impacto de seu consumo nos territórios e na vida dos povos e comunidades.  “Quando eu escuto a história de vocês, a luta de vocês, vejo que elas refletem a mesma luta dos Dine. E não posso deixar de notar que o que está por trás desse sofrimento é o consumismo”, comentou a educadora indígena. “Penso nos parentes mortos, retirados de sua terra, para que tudo que consumimos exista. Temos que pensar de onde vem nossas coisas, como podemos reduzir nosso consumo, porque são vidas que estão em jogo”.

    Na tarde da quinta-feira (26) a delegação da REPAM esteve presente no encontro “Não deixe ninguém atrás”, promovido pela Organização para o Desenvolvimento do 4º Mundo, do qual participou a liderança indígena e diretor Geral do Parlamento Sami, Rune Fjellheim. Na ocasião, Armindo Goes denunciou o aumento de grandes projetos e exploração ilegal de recursos em terras indígenas da Amazônia. “Há riquezas na Amazônia não somente em recursos naturais, mas em conhecimento, cultura, línguas que nós possuímos. Somos a referência para a arte em todo o mundo”, lembrou a liderança Yanomami. “Por isso chamaram o Brasil de multilinguístico, multiétnico, país plural. Mas somos impactados pela exploração de ouro, de petróleo, outros minerais, agronegócio. Avançam mais ainda projetos de hidrelétrica e hidrovias. Mudar a direção de um rio é acabar com a vida de um povo. E nada disso [desses projetos] vai trazer vida digna para os povos indígenas”.

    Fjellheim lembrou da luta de resistência do povo Sami contra o projeto hidrelétrico no rio Alta, nos anos 70 e 80, cuja construção foi efetivada após arrefecimento de intensas manifestações de indígenas e ativistas, que incluíram greve de fome, ocupação da obra, rompimento do povo indígena com o Governo Norueguês e a entrega de uma petição ao Papa. O caso trouxe um alerta às lideranças Munduruku, que lutam há anos contra a construção de hidrelétricas no Rio Tapajós.

    Unificar a luta dos povos indígenas

    Lyla June Johnson, indígena da América do Norte, reforçou a necessidade de estarem unidos para enfrentarem todas as formas de opressão. “Vocês estarem aqui compartilhando a história dos povos de vocês também me dá esperança. Porque eu vejo que, como indígenas, nós todos estamos sofrendo as mesmas coisas. Vendo que todos nós temos as mesmas experiências me mostra quão fortes seremos quando nos unirmos”, ressaltou. “Se um dono de escravo tem 100 escravos, ele vai querer que todos estejam isolados. Ele não vai querer que eles vejam sua luta comum, vai querer dividi-los. Porque sabe que no momento em que esses 100 escravos se juntarem e gritarem em uma só voz, a escravidão acaba. Obviamente isso vai dar trabalho. Mas eu estou honrada de começar a viver essa unidade hoje”.  

    Na sexta-feira (28) o grupo reuniu-se com Victoria Tauli-Corpuz, relatora especial da ONU para os direitos dos povos indígenas. Na ocasião reforçaram as denúncias apresentadas no documento entregue ao ministro Ricardo Monteiro, responsável pelos temas indígenas da Missão do Brasil na ONU.  Entre os assuntos abordados estava a demarcação da Terra Indígena Sawre Muybu, que aguarda a assinatura da Portaria Declaratória pelo Ministro da Justiça, Osmar Serraglio (PMDB-PR). A relatora se comprometeu a cobrar do Governo Brasileiro a conclusão das próximas etapas de reconhecimento da Terra Indígena.



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    elegação com Victoria Tauli-Corpuz, relatora especial da ONU para os direitos dos povos indígenas Foto: Fernanda Moreira/Cimi


    Kora Kanamary, cacique dos kanamary, falou sobre a situação dos povos em isolamento voluntário que circulam pelo Vale do Javari e pelos territórios sulamericanos e chamou atenção para a situação de vulnerabilidade em que vivem esses grupos, já que as explorações avançam sobre suas terras e o Estado não cumpre seu papel de fiscalização e proteção dessas áreas. Victoria Tauli-Corpuz garantiu que levará as informações ao encontro da ONU sobre povos em isolamento voluntário, que acontecerá em Lima, Peru, entre os dias 8 e 9 de junho.

    “Eu quero pedir que vocês não esqueçam da gente”

    O grupo também participou de encontros com estudantes e professores na Universidade St. John’s e na Universidade de Fordham, quando o cacique geral Arnaldo Kaba Munduruku lançou seu apelo: “vocês precisam ir ao Brasil ver o que está acontecendo lá na minha terra”. O indígena relatou como o garimpo ilegal está contaminando rios e igarapés e como a hidrelétrica de Teles Pires, já em funcionamento, impactou a vida dos Munduruku, destruindo um local sagrado de extrema importância para seu povo e provocando a diminuição de peixes até mesmo no Rio Tapajós. “Eu quero pedir que vocês não esqueçam da gente. Nós precisamos do apoio de todo o mundo, porque em 2017 o Governo piorou tudo”, completou.

    Na universidade de Fordham, os membros da Comunidade Cristã pela Vida (Christian Life Community), que possuem status consultivo na ONU, conversaram com as lideranças Munduruku e outros convidados. Os presentes compartilharam momentos de espiritualidade e refletiram sobre os caminhos possíveis para proteger a Amazônia, maior floresta do mundo e de fundamental importância para toda a humanidade. Maurício Lopez, secretário executivo da REPAM e Caritas Equador, lembrou que, além de fornecer 20% do oxigênio do mundo, a Amazônia abriga milhões de indígenas, que constroem e mantém a biodiversidade da região, com seus modos de vida tradicionais. Contudo, lembrou que esses povos se encontram cada vez mais ameaçados pelos grandes projetos ditos “desenvolvimentistas”.    
        
    Na segunda-feira (1º) assistiram à mesa de diálogo com a relatora Victoria Tauli-Corpuz, quando diversos povos denunciaram os ataques a indígenas e defensores dos direitos humanos e indígenas em seus países. No mesmo dia à tarde, em mesa de diálogo com Monsenhor Bernardito Auza, observador permanente da Santa Sé na ONU, Monsenhor Gustavo Rodriguez, presidente do departamento de Justiça e Paz da CELAM e Victoria Tauli-Corpuz, Mauricio Lopez (REPAM) reforçou as violências – assassinatos, perseguições e ameaças à vida – sofridas pelos povos indígenas e populações tradicionais nos oito países Amazônicos em que atuam, fazendo eco ao massacre do povo Gamela, que ocorreu um dia antes no Brasil.

    Juarez Saw, em sintonia com o que se passava no Brasil, contou a todos que as ofensivas do governo anti-indígena que se estabeleceu no país fizeram com que o povo Munduruku ocupasse a transamazônica, bloqueando a rota da soja do Mato Grosso aos portos de transbordo, em Miritituba (PA). Monsenhor Bernardito enfatizou o papel da Igreja e a responsabilidade de todos em defender a Casa Comum, a partir da visão da ecologia integral, expressa na encíclica Laudato Si do Papa Francisco, e se mostrou preocupado com os grandes projetos feitos às custas do sofrimento dos povos indígenas e tradicionais. Victoria Tauli-Corpuz expressou seu apoio ao povo Munduruku e os encorajou a continuarem a lutar pelos seus direitos. Veja o vídeo abaixo:

     
     

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  • 08/05/2017

    “Esse massacre recente é só uma faceta do etnocídio que assola o povo gamela”


                                                    Antropóloga Caroline Leal. Crédito da foto: Cimi/Divulgação



    Por Talita Bedinelli, El País | De Viana, MA


    A antropóloga Caroline Leal, professora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab-CE), coordena um grupo de estudos que pesquisa o território reivindicado pelos gamela. O trabalho está sendo feito a pedido do povo indígena e das entidades que o apoiam. O objetivo é entender como era a ocupação tradicional da área.

    Pergunta. Como está o trabalho?

    Resposta. Há um ano e meio foi apontada para a Funai a necessidade de criação de um grupo técnico [para realização dos estudos circunstanciados para demarcar a Terra Indígena] e até agora não se tomou nenhuma providência oficial. O que tenho feito é uma pesquisa sobre o modo de ocupação tradicional dos gamela, por demanda do povo gamela e das organizações de apoio a eles, exatamente para ir tentando levantar dados que possam dar subsídios para o grupo técnico e entender o que caracteriza a ocupação tradicional dos gamela naquela região, onde há uma malha fundiária tão definida há tanto tempo, já que o processo de invasão ali é muito antigo.

    P. É possível caracterizar a área como território gamela?

    R. Sim, é possível. A Constituição Federal de 1988 foi muito importante no direito territorial dos povos indígenas porque acabou com a perspectiva das terras imemoriais, que são aquelas que os índios habitam de forma linear e permanente por longos séculos, para que houvesse um outro entendimento sobre a ocupação, que é a tradicional. A ocupação tradicional não está focada necessariamente em uma temporalidade, mas no modo diferenciado como aquele povo habita e significa aquele território. Essa mudança aconteceu porque é fato que a situação de contato foi muito violenta e promoveu migrações forçadas. A Lei de Terras [primeira lei que tenta organizar a questão da propriedade no país, em 1850] legitimou toda uma malha fundiária para as oligarquias locais no final do século 19. Com todo o processo de colonização e esbulho das terras indígenas, como é possível dizer que existem territórios imemoriais? Claro, nos povos isolados e de pouco contato ainda é possível pensar essa linearidade da ocupação. Mas não é o caso da maioria dos povos indígenas do país. No que a Constituição define como terra de ocupação tradicional tem um quesito que é o da habitação permanente, que vai mostrar como eles ocupam, qual o critério de parentesco, como que isso repercute na espacialidade e também quando começou o processo de ocupação desse território e qual a origem dessa ocupação.

    P. E nas suas pesquisas já é possível apontar isso?

    R. As pesquisas que eu tenho feito ainda estão em um estágio inicial. Mas na minha última ida a campo, um mês e meio atrás, eu tive uma preocupação de entender a organização social e de parentesco e isso me trouxe informações sobre essa habitação permanente. Os gamela estão naquele território, e a memória coletiva deles informa isso, há mais de um século. Os mais velhos hoje têm muita clareza ainda do que foi a vivência do tempo dos seus pais e dos seus avós, do uso daquele território no que diz respeito ao meio ambiente, às áreas de caça, aos rituais com outros povos indígenas daquela região. Falam dos conflitos, da invasão do território, do processo de grilagem. É um povo que sofreu muita violência.

    P. Como vê a acusação de parte da população de que na região nunca teve índios e que, portanto, os gamela não são índios?

    R. Assim como os povos gamela, vários outros povos usaram essa estratégia de invisibilidade da identidade indígena. Especialmente em casos em que o contexto local não favorecia, principalmente antes da Constituição de 1988 quando não tinha uma legislação que assegurasse os direitos desses povos. Como eles iam se declarar indígenas sem qualquer amparo estatal? O que eu percebo nas narrativas dos mais velhos é que a invisibilidade da identidade tem muito a ver com o medo real de um extermínio. Dessa violência que inclusive é materializada com esse massacre que eles sofreram exatamente quando se autodeclaram indígenas. Ao longo dos anos eles se colocam em uma situação de subalternidade e invisibilizam essa identidade como uma estratégia de permanecer no seu território. Até que chegou um momento em que se sentiu fortalecido, com o apoio do movimento indígena e das organizações indigenistas, se organizou e fez o seu processo de insurgência, que não é nenhuma novidade. É um fenômeno político, social que acontece no mundo todo envolvendo os grupos étnicos. Os povos passam a se autoidentificar mediante uma série de conjunturas e de contextos. E o povo gamela avaliou que já estava insustentável. Que o nível de violência e de espólio do seu território estava chegando em um momento em que eles não iam ter mais condições de sobreviver ali. A acusação de parte da população de que ali nunca teve índios tem a ver com parte do processo histórico da nossa colonização.

    P. A população afirma ainda que eles não parecem índios fisicamente e, por isso, não são índios. Como vê isso?

    R. Essa fala tem a ver com a formação do imaginário brasileiro do que é o índio. Se fixou muito nesses elementos genéticos e de alto contraste cultural. O que é um equívoco do ponto de vista sociológico e antropológico. Primeiro porque não existe povo sem mistura. Os povos indígenas estão sempre em contato com outros povos. Do ponto de vista dos povos indígenas do Nordeste e dos gamela, o tipo de mistura que se realizou levou a uma mudança na aparência física. Eles são muito semelhantes ao povo camponês, ao povo negro. É muito comum se chamar esses povos indígenas de negro e se negar sua identidade.

    No caso dos gamela, esses processo de mistura tem a ver, claro, com esse processo de invisibilidade. Eles foram se articulando com os outros grupos sociais violentados como eles. O povo gamela é um povo indígena que se relacionou, acolheu e fez aliança com comunidades negras rurais, que hoje nós chamamos de quilombola. E não é só uma situação só dos gamela, isso é algo frequente em todo o Brasil. Como o território gamela foi invadido há muitos anos, eles estão ali numa situação de contato intenso, então é natural que isso aconteça.

    P. E como a antropologia entende a situação desses povos indígenas que não correspondem à representação esperada por uma parcela da sociedade?

    R.  O que determina são as construções sociais, políticas, econômicas e espirituais e não o vínculo sanguíneo. Até porque os critérios que os povos indígenas estabelecem para dizer quem é ou não membro de seu povo não passam necessariamente pelos critérios biológicos, mas por critérios de várias ordens: de ritual, de iniciação, de comprometimento com a organização social do povo. Cada um vai criar os seus critérios. Desde o século 20, Max Weber diz que não são os vínculos consanguíneos que determinam uma comunidade étnica, mas as relações sociais, políticas, a crença de uma origem comum. Há um grande desconhecimento de todo o Brasil quando se questiona a identidade indígena a partir desses critérios objetivos. Há uma expectativa que se coloca de que a cultura dos povos indígenas seja uma cultura cristalizada. E quando há qualquer alteração e mudança no modo de vida desse povo eles passam a ser visto como menos índios e deslegitimados: os indígenas passam a ter veículos, mudam as suas habitações, têm celular, acesso à tecnologia, como os ashaninka, no Acre, que são cineastas, então pronto: deixaram de ser índios. É uma exigência muito injusta de que os povos indígenas cristalizem a sua cultura quando eles estão sendo o tempo todo violados na sua cultura e no seu modo de ser. Se exige que os gamela correspondam a um estereótipo quando todo modo de vida e território do povo gamela foi violentado. E por mais que os gamela correspondessem a esse estereótipo, diante do nível de conflito e violência que se estabelece ali há muitos anos, ainda assim a identidade deles ia ser negada. Os guajajara, um povo no Maranhão, têm frequentemente sua identidade negada e eles estão muito mais próximos a esse imaginário. No Alto Rio Negro, os povos indígenas que são de menos contato, também têm a sua identidade negada. É uma realidade que está posta no Brasil, por desinformação, por ignorância, por uma série de fatores. A sociedade brasileira é muito desinformada sobre o que é um povo indígena, sobre quais são os elementos definidores da identidade de um povo indígena.

    P. Qual a saída possível para resolução desse conflito?

    R. Não existe outra resolução que não a do Estado brasileiro restituir o povo gamela do seu direito ao território e do seu direito a ser povo. E, assim, assegurar o futuro do povo gamela como povo indígena. A Funai precisa instituir o grupo de trabalho para o estudo de identificação do território tradicional desse povo. E isso passa pelas indenizações das benfeitorias de boa fé e do reassentamento das populações camponesas que não são indígenas e não se identificam como indígenas e querem sair do território. A violência cresce por conta da omissão do Estado em relação ao reconhecimento do direito territorial do povo gamela. O Estado precisa se fazer presente. Ele permitiu ao longo desses séculos todo o espólio desse território, a violência contra esse povo. Esse massacre recente é só uma faceta de um etnocídio que vem assolando o povo gamela, se a gente entende o etnocídio não só como um extermínio físico, mas também como a violência de todas as formas. A começar pela violência de negar a eles essa possibilidade de ser povo e de viver segundo a sua cosmovisão e a sua cosmopolítica.


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  • 06/05/2017

    Feridos e hospitalizados chegam a 22 depois de ataque a indígenas Gamela no Maranhão


    foto: Ana Mendes/Cimi

    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi | De Viana, Maranhão

    Apuração realizada durante esta semana revelou que o número de feridos entre o povo Gamela, atacado no último dia 30 em uma área retomada no Povoado das Baías, município de Viana (MA), é ainda maior: 17 Gamela sofreram algum tipo de ferimento – entre estes indígenas, duas crianças e um pré-adolescente. Somados aos cinco baleados, chega a 22. O dado anterior a esta verificação dava conta de 13, sem os cinco Gamela feridos a tiros – três seguem internados no Hospital Central, em São Luís.

    Dentre os não feridos a tiros, Dilma Cotrim Meireles Gamela é o caso que apresentou maior gravidade médica. Durante o ataque sofrido pelos Gamela numa área de retomada, Dilma levou pauladas e pedradas na cabeça. Passou a ter vômitos, tontura, desorientação. Na quarta-feira, 2, a indígena precisou realizar exames no Hospital Central e terminou internada, recebendo alta no início da noite desta sexta-feira, 5. Dois filhos de Dilma – J.M.S, de 14 anos, e N.M.S, de 12 anos – também acabaram feridos durante o ataque.

    Os ferimentos apresentados pelos 17 Gamela não atingidos por armas de fogo foram causados por facões, pauladas, pedradas e escoriações ocorridas durante a fuga. I. D, de 10 anos, teve uma arma apontada contra a cabeça. “Ela ficou parada, parecendo em estado de choque. Não se mexia. Teve de ser arrastada no meio dos tiros e sofreu uns arranhões”, explica Maria das Dores Gamela, uma das feridas – levou uma paulada nas costas e cortes na perna esquerda no momento em que passava por uma cerca de arame farpado.

    Conforme o Governo do Maranhão, só houve cinco feridos entre os indígenas. Isso porque os dados oficiais se limitam aos Gamela que deram entrada em alguma unidade hospitalar. De acordo com os indígenas, representantes do governador Flávio Dino não apuraram feridos entre o povo que por motivos de segurança – medo de represálias – decidiram não seguir para atendimento médico na região de Viana. “O governador quer reduzir a gravidade da situação a todo custo”, diz Diassis Gamela.

    No entanto, dados da própria Polícia Civil contradizem os números martelados pelo Governo do Maranhão nos veículos de comunicação. O delegado Jorge Pacheco afirmou que até quinta-feira, 4, seis exames de corpo de delito foram realizados por indígenas Gamela. Pacheco admitiu que a tensão na região tem deixado os indígenas receosos. Afirmou ainda que o número de feridos, do ponto de vista da oficialidade institucional, pode ser maior e garantiu segurança aos que desejam realizar a perícia.

    “O Poder Público, mais especificamente o Governo do Maranhão, parece desconhecer o que ocorre no campo brasileiro. Se trata de uma realidade, como a que vemos no ataque contra os Gamela, que envolve o Estado diretamente, as suas instituições, no caso a polícia, e a delegacia e o hospital não são locais seguros se é possível evitá-los”, explica o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Maranhão, Rafael Silva. O advogado acompanhou na região o desdobrar dos fatos após o ataque do último domingo.

    O Governo do Maranhão também segue em militância midiática negando de forma oficial que as mãos dos indígenas Aldenir de Jesus Ribeiro e José Ribamar Mendes tenham sido decepadas, ou amputadas – em termo mais técnico. Fotos sacadas por populares, que circulam nas redes sociais e blogs, mostram um dos Gamela com as duas mãos amputadas, seguras apenas por um fio de pele. Testemunhas, indígenas e não-indígenas ouvidas pela reportagem, afirmam que a intenção dos agressores foi ouvida em bom som: “Arrancar as mãos dos ladrões de terra”.

    “Nos causa estranheza e revolta a insistência do governador Flávio Dino em negar o que fotos e imagens que correm o mundo mostram. Decepamento a golpes de facão se transformou em fratura exposta sem causa para o governador. Incitada à barbárie, uma turba tenta arrancar as mãos de dois indígenas e o governo se detém a uma discussão mórbida de manipulação da opinião pública. Chegamos ao ponto do Estado ser tão cruel quanto os agressores”, critica o Secretário Executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto.

    Os indígenas tiveram as mãos reconstituídas, de acordo com posicionamento médico oficial, em procedimento cirúrgico realizado com sucesso. Estão se recuperando e por enquanto não é possível se ter certeza se os movimentos serão restabelecidos plenamente. O quadro de ambos é estável e não estão mais no Centro de Tratamento Intensivo (CTI).

    Leia na íntegra a lista de feridos e baleados:

    1 – Benedito Lourenço Baía Filho;
    2- Leonete Mendonça dos Santos;
    3- João Pereira Silva;
    4- Raimundo Pereira Meireles;
    5- Ademir Meirelles;
    6- Carla Pereira;
    7- Maria Raimundo;
    8- Dilma Cotrim Meireles;
    9- J.M.S, de 14 anos;
    10- N.M.S, de 12 anos;
    11 – Ronilson (sobrenome não localizado);
    12 – João dos Santos;
    13- I.D, de 10 anos;
    14- Laércio Mendonça Reis;
    15- Jacineva (sobrenome não localizado);
    16- Jaudo Gamela;
    17- José Oscar Mendonça.

    Baleados e mãos amputadas:

    1.Aldenir de Jesus Robeiro – baleado e duas mãos amputadas; 
    2. José Ribamar Mendes – baleado e mão direita amputada;
    3. José André Ribeiro – baleado;

    Com alta médica:

    4. Francisco Jansen – baleado;
    5. Inaldo Cerejo – baleado.

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  • 05/05/2017

    Lideranças do povo Apinajé emitem nota e denunciam retrocessos nos direitos indígenas

    Com informações Cimi/Tocantins


    Caciques e lideranças indígenas do povo Apinajé reunidos em Tocantinópolis (TO) manifestam descontentamento e preocupação frente as reformas que geram retrocessos nos direitos das populações tradicionais. Em nota divulgada ontem (4) no fim do encontro que reuniu mais de 100 indígenas, expressam inquietação devido a atuação dos três poderes do Estado para “legalizar o genocídio e extermínio dos povos indígenas”.

    O texto questiona a postura do governo brasileiro, refém dos ruralistas, junto aos povos indígenas. “É inaceitável que autoridades dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que poderiam zelar pela ordem, pela paz e pela segurança de nossa população, estejam utilizando-se de suas influências, poderes e da máquina estatal para promover a violência, a opressão e o terrorismo institucional contra comunidades indígenas, minoritárias e vulneráveis”.

    Entre os questionamentos presentes no manifesto está a presença do deputado Osmar Serraglio (PMDB – PR) – “um ruralista radical, hostil e agressivo” – como Ministro da Justiça. “Ressaltamos que esse ruralista tem lado e sempre tem atuado de forma intensiva contra os direitos dos indígenas no Brasil”.

    Leia abaixo o texto na íntegra:

    MANIFESTO DO POVO APINAJÉ
    Não ao golpe, nenhum direito a menos!

    Nós caciques e lideranças Apinajé, incluindo jovens estudantes, professores, conselheiros, mulheres e idosos reunidos nos dias 02, 03 e 04 de maio de 2017 na aldeia Prata, T.I. Apinajé no município de Tocantinópolis – TO no Norte de Tocantins, somando mais de 100 pessoas viemos a público manifestar contra qualquer reforma e retrocesso conduzidos pelo governo Michel Temer que estejam comprometendo nossas conquistas e ameaçando nossos direitos sociais, ambientais e territoriais garantidos na Constituição Federal do Brasil.

    Consideramos que esse governo, junto com a maioria dos parlamentares do Senado e da Câmara e parte do Judiciário têm atuado de forma agressiva para retirar nossos direitos constitucionais. Nos últimos anos estamos sendo violentamente ignorados e agredidos por setores empresarias e políticos articulados dentro dos três poderes da República.

    Com a finalidade de roubar nossos territórios, esses parlamentares tentam de todos as formas alterar a Constituição Federal e assim legalizar o genocídio e extermínio dos povos indígenas através de propostas como as PEC 215/2000 que propõe transferir para o Congresso Nacional as prerrogativas de demarcação de terras indígenas, a PEC 237/2013 que propõe liberar as Terras Indígenas para o arredamento, o PL 1610 da mineração e o PLP 227/2012, cria Lei Complementar que autoriza implantação de grandes projetos dentro das terras indígenas.

    É inaceitável que governo Michel Temer de forma intencional e abusiva ainda mantenha o Deputado Osmar Serraglio, um ruralista radical, hostil e agressivo, no Ministério da Justiça – MJ, no qual a FUNAI está vinculada. Ressaltamos que esse ruralista tem lado e sempre tem atuado de forma intensiva contra os direitos dos indígenas no Brasil, sendo ainda autor e principal articulador da PEC 215/2000 no Congresso Nacional.

    Assim atendendo as ordens da bancada ruralista, o governo Michel Temer tende a desmontar e esvaziar totalmente a Fundação Nacional do Índio – FUNAI, de tal modo que nas últimas semanas foram extintas 51 Coordenações Técnicas Locais -CTLs em todo o País, e servidores estão sendo exonerados.

         
    Essa postura do governo brasileiro com relação aos povos indígenas é um presente a determinados grupos do agronegócio, dispostos a recorrer às práticas de constrangimentos, ameaças, intimidações e violência extrema, que podem resultar em assassinatos, como as ações que ocorreram na última semana contra o povo Gamela no Estado Maranhão. Assim, de forma sutil e indireta, esse governo repassa seu recado para os indígenas e quilombolas do Brasil. Considerando que em 2015, 137 lideranças indígenas foram assassinadas em conflitos pela terra no País.

    Repudiamos essa campanha do ódio perpetrada por determinados setores políticos e empresariais cuja finalidade é se apropriar das terras indígenas com apoio do governo, do Congresso e parte do Judiciário. Não concordamos que tantos retrocessos, violações de direitos e insegurança jurídica motivada pela ganância, prepotência e intolerância venham causar mais transtornos, instabilidades e prejuízos à vida das presentes e futuras gerações.

    É inaceitável que autoridades dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário que poderiam zelar pela ordem, a paz e a segurança de nossa população, estejam utilizando-se de suas influencias, poderes e da máquina estatal para promover a violência, a opressão e o terrorismo institucional contra comunidades indígenas minoritárias e vulneráveis.

    Entendemos que essa atitude (opção) política do governo brasileiro está contrariando a Convenção 169 da OIT e a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, acordos dos quais o país é signatário. A própria Constituição Federal do Brasil está sendo descumprida e afrontada. Portanto, é necessário que também a opinião pública nacional e internacional (juristas, artistas, jornalistas, ambientalistas, ativistas dos Direitos Humanos e a imprensa independente) intensifiquem campanhas contra essa situação que ocorre no Brasil.

    Diante do exposto, requeremos da Organização dos Estados Americanos – OEA, da Organização Internacional do Trabalho – OIT e da própria Organização das Nações Unidas – ONU medidas cabíveis no sentido de questionar judicialmente o governo brasileiro para que o mesmo observe as recomendações e cumpra os acordos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil. É fundamental ainda que o governo brasileiro respeite os Art. 231 e 232 da Constituição Federal, dando condições para a FUNAI demarcar, proteger e garantir as terras indígenas e assim fazer cessar a onda de violências contra nossos povos no país.

    Terra Indígena Apinajé, 04 de maio de 2017.

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  • 05/05/2017

    Ex-presidente da Funai afirma que foi exonerado “por ser defensor da causa indígena diante de um ministro ruralista”


    Foto: Funai/divulgação

    por Tiago Miotto, da assessoria de comunicação

    Em entrevista coletiva dada nesta sexta (5), após sua exoneração, o agora ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Antônio Fernandes Toninho Costa, criticou a atuação parcial do ruralista Osmar Serraglio (PMDB-PR) à frente do Ministério da Justiça (MJ) e afirmou que a bancada ruralista “não só assumiu o controle das questões indígenas, mas também no Congresso Nacional”.

    Costa afirmou que a Funai vive uma ditadura e que a atuação do ministro ruralista, contrária aos direitos indígenas, vem inviabilizando o cumprimento das atribuições do órgão. Ele também ressaltou que o fato de não ter aceitado nomear indicados políticos do PSC foi determinante para sua exoneração.

    “Ele [Serraglio] não está sendo ministro da Justiça, porque ele está sendo ministro de uma causa que ele defende no parlamento. Isso é muito ruim para as políticas brasileiras, principalmente para as minorias. Os povos indígenas precisam de um ministro que faça Justiça”, disse Costa.

    Serraglio foi autor do relatório da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 aprovada em comissão especial na Câmara dos Deputados em 2015. A proposta, considerada inconstitucional, prevê a transferência das demarcações do Executivo para o Legislativo e insere uma série de dispositivos que dilapidam os direitos territoriais dos povos indígenas e quilombolas, como o marco temporal. Na prática, a PEC 215 pretende inviabilizar demarcação de terras, abrir a possibilidade de revisão de terras já demarcadas e legalizar a exploração das terras demarcadas por não índios.

    Questionado sobre o ataque contra os Gamela no Maranhão, o ex-presidente da Funai também disse que a situação pode se agravar em função da perspectiva do ministro. “A partir de agora, com essa posição do atual ministro, esses conflitos poderão ser acirrados, porque há uma proteção por parte de alguns segmentos políticos que estão dando cobertura a isso”.

    Costa também se manifestou sobre a paralisação das demarcações de terras, apontando que os técnicos da Funai nunca deixaram de trabalhar, “mas todo o processo está enterrado em decisões do MJ. Eu não creio que daqui para a frente haverá evolução nesse sentido”.

    No relatório Violência contra os Povos Indígenas – 2015, publicado pelo Cimi em setembro do ano passado, foram contabilizadas 47 terras indígenas aguardando a publicação de Portaria Declaratória, atribuição direta do MJ, e outras 523 dependendo de providências da Funai, subordinada ao ministério. Apesar das suas atribuições legais, Serraglio, já ministro, afirmou que “terras não enchem barriga de ninguém”.

    Pela manhã, o presidente exonerado havia afirmado à imprensa que foi demitido por não se submeter ao ministro ruralista e não aceitar as indicações do  Partido Social Cristão (PSC) à Funai. O próprio Serraglio afirmou, em abril, que “a Funai é do PSC, do deputado André Moura”, líder do governo Temer no Congresso.

    “[Fui exonerado] Por não ter atendido o pedido do líder do governo André Moura, que queria colocar 20 pessoas na Funai que nunca viram índios em suas vidas. Estou sendo exonerado por ser honesto e não compactuar com o malfeito e por ser defensor da causa indígena diante de um ministro ruralista”, declarou Costa.

    O próprio Costa chegou à Funai por indicação do PSC, em janeiro, e antes disso trabalhava como assessor técnico do PSC em comissões do Congresso. Questionado na coletiva sobre a diferença entre a sua nomeação e a dos demais indicados pelo PSC, ele respondeu: “eu não sou filiado a esse partido, e esperava que ele pudesse honrar o seu slogan, ‘o ser humano em primeiro lugar’. Eu vim muito mais para defender as populações indígenas do que um partido político. Talvez isso tenha contrariado o modelo que estamos vivendo hoje”, afirmou.

    Em nota, MJ defende violação de direitos indígenas

    Em nota publicada pelo Ministério da Justiça, Serraglio acabou por reforçar as denúncias apresentadas pelo presidente exonerado. A nota critica o ex-presidente por não haver implementado um linhão de energia em terras indígenas no estado de Roraima – o que seria uma grave violação dos direitos constitucionais dos indígenas e da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabelece o direito dos indígenas à Consulta Livre, Prévia e Informada sobre qualquer projeto que afete suas vidas e territórios.

    “O que se viu foi, não só a ausência de qualquer ação, como evidente ofensa ao princípio hierárquico, uma vez que o ex-presidente da Funai publicamente reclamou da incumbência”, afirma a nota do MJ, que caracteriza a gestão de Costa como pouco “ágil e eficiente”.

    Na coletiva de imprensa, Costa questionou as declarações do ministro sobre sua demissão, que teria se dado por “falta de competência”.

    “Incompetência é desse governo que quebrou o país, que faz cortes de 44% no orçamento [da Funai] porque não teve competência de arrecadar recursos. Incompetência é desse governo que é incapaz de convocar os 220 concursados, incompetência é desse governo que faz cortes de funcionários e servidores na instituição”, criticou, fazendo referência ao concurso para a Funai realizado em 2016.

    O ex-presidente ainda disse que a Funai vive uma ditadura que não permite a Funai executar as políticas institucionais”. “Nós estamos prestes a ver se instalar nesse país uma ditadura, que a Funai já está vivendo, criticou.

    Até a tarde desta sexta (5), não havia informações sobre quem seria o novo presidente da Funai – que deve ser indicado, como atestou Serraglio, pelo PSC e chancelado pela bancada ruralista. Até lá, responderá interinamente pelo órgão o general do general do Exército Franklimberg Rodrigues de Freitas, ligado ao PSC, conforme divulgou o jornal El País.

    Ano passado, o movimento indígena levantou-se contra a possibilidade de nomeação do militar para a presidência da Funai. Ainda assim, em janeiro deste ano, o militar foi nomeado para o cargo de Diretor de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da instituição, responsável, entre outras coisas, pela atuação em processos de licenciamento ambiental em projetos que afetem povos indígenas.

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  • 05/05/2017

    Nota de entidades, pastorais, movimentos sociais e lideranças da sociedade Civil em apoio ao povo Gamela


    Indígenas Gamela em reunião pós ataque que feriu 13 pessoas do povo. Foto: Ana Mendes / Cimi

    Entidades, pastorais da Igreja, movimentos sociais e lideranças do Maranhão solidarizam-se com o povo indígena Gamela pelo brutal ataque sofrido no último domingo, 30, no município de Viana (MA). Em nota divulgada ontem (4), mais de 60 organizações e apoiadores exigem apurações nas investigações e regularização urgente e imediata do território Gamela.

    O texto denuncia o racismo institucional de entidades dos Governos Federais e do Maranhão, que ao referirem-se ao povo gamela, intitula-os de em “supostos indígenas”. “Para nós este tipo de colocação reacionária, que nega a identidade indígena, transita entre a ignorância e a má fé. São afirmações de quem não compreende a luta histórica desses povos”, ressalta a nota. Leia abaixo o texto completo.

    Nota de entidades, pastorais, movimentos sociais e lideranças da sociedade civil em apoio ao povo Gamela 

    Nós, entidades, pastorais, movimentos sociais, articulações e lideranças da sociedade civil, apoiadores do povo indígena Akroá Gamela, manifestamos nossa indignação e repúdio ao golpe violento contra sua autonomia desferido na tarde do dia 30 de abril de 2017, durante mais uma retomada de seu território tradicional. Comandado por fazendeiros, um deputado federal e religiosos fascistas, um grupo armado, que incluía jagunços, desferiu golpes com armas de fogo, armas brancas, paus e pedras, contra os indígenas, produzindo feridos em estado grave, cinco deles baleados.

    Enfatizamos a necessidade de regularização urgente e imediata do território Gamela, como forma sanar o conflito e garantir o Bem Viver. O Estado, por meio da Fundação Nacional do Índio (Funai) é responsável por todo esse processo regularização, mas por conta da configuração política atual – de predomínio dos ruralistas, anti indígenas convictos – seu trabalho técnico vem sendo negligenciado pelo governo e a instituição enfraquecida.

    Repudiamos todas as tentativas de criminalização dos Akroá Gamela e do legitimo movimento que eles tem feito pela retomada de uma terra que é deles. Repudiamos todos aqueles que falam em “supostos indígenas” e “suposto território indígena”, tanto por parte do governo federal quanto do governo do Estado do Maranhão. Para nós este tipo de colocação reacionária, que nega a identidade indígena, transita entre a ignorância e a má fé. São afirmações de quem não compreende a luta histórica desses povos. Os Gamela são os primeiros indígenas brasileiros a receberem da coroa portuguesa uma sesmaria, no século XVIII, em 1784.

    Reafirmamos que no dia 30 de abril de 2017, no município de Viana, não houve confronto entre indígenas e pessoas ligadas aos fazendeiros. O que houve foi um massacre contra os Gamelas, com tentativas de execução e linchamento, numa ação que é parte de um processo genocida.

    Queremos ainda dar visibilidade à denúncia em que é dito que o aparato de segurança estadual – a maioria da Polícia Civil e Militar na região de Viana e nos municípios vizinhos – funciona de maneira inaceitável, em favor dos fazendeiros e contra os indígenas. Essa é uma situação que precisa ser resolvida urgentemente pelo governo do Estado, pois é público e notório que hoje existem lideranças Gamelas marcadas para morrer.

    A luta do povo Akroá Gamela é legítima, frente aos séculos de espoliação e violência. Diante do descaso e/ou parcialidade do Estado Democrático de Direito, consideramos absolutamente legitimo que os indígenas não esperem mais pelo caminho institucional, tomando a rédea do processo de retomada da terra.

    Assim, responsabilizamos o Estado brasileiro por essa ação violenta sofrida pelo povo Gamela, fruto da morosidade e omissão na regularização, além da insegurança que predomina na região. Reafirmamos nosso apoio incondicional ao povo Akroá Gamela, nos solidarizando com sua dor, expressando aqui nossa sede e fome de justiça contra a violência desmedida aos povos originários.

    “Todo arame e porteira merecem corte e fogueira são frutos da maldição.”

    1. Conselho Indigenista Missionário do Maranhão
    2. Cáritas Brasileira Regional Maranhão
    3. Grupo de Estudos Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente –
    GEDMMA/UFMA
    4. Pastoral da Criança do Maranhão
    5. Associação de Proteção ao Meio Ambiente – APROMAC, Paraná
    6. TOXISPHERA – Associação de Saúde Ambiental, Paraná
    7. Fórum dos Atingidos pela Indústria do Petróleo e Petroquímica nas Cercanias da
    Baía de Guanabara – FAPP-BG
    8. Central Sindical e Popular CSP CONLUTAS
    9. Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior- ANDES-SN
    10. Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal e MPU no Maranhão –
    Sintrajufe/MA
    11. Associação dos Professores da UFMA- APRUMA
    12. Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e
    Tecnológica – Sinasefe (Seção Monte Castelo)
    13. Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e
    Tecnológica – Sinasefe (Seção Maracanã)
    14. Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado- PSTU
    15. Quilombo Raça e Classe
    16. Sindicato dos Bancários do Maranhão- SEEB/MA
    17. Movimento Quilombola do Maranhão- MOQUIBOM
    18. Comunidades Eclesiais de Base do Maranhão (Coordenação Estadual)
    19. Tania Pacheco – Blog Combate Racismo Ambiental
    20. Daniela Félix – Advogada, membro do Grupo de Pesquisa e Estudos em Direito,
    Gênero e Feminismos/ Santa Catarina
    21. Ana Maria Marques – Advogada, Mestra em Políticas Públicas e Coordenadora do
    Curso de Direito do Instituto Florence de Ensino Superior
    22. Martha Bispo – Diretora Nacional do CEBI
    23. Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – MA
    24. CNBB – Regional Nordeste 5
    25. Sindicato dos Servidores da Assembléia Legislativa do Maranhão – SINDSALEM
    26. Comissão Pastoral da Terra/MA
    27. Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão
    28. Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares do Maranhão
    29. Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares
    30. Frente Maranhão de Juristas pela Democracia
    31. Núcleo de Estudos sobre Reforma Agrária – NERA/UFMA
    32. Movimento de Defesa da Ilha
    33. Associação Nacional Indigenista – ANAÍ
    34. Núcleo de Extensão e Pesquisa com Populações e Comunidades Rurais, Negras
    Quilombolas e Indígenas – NURUNI/UFMA
    35. Jornal Vias de Fato – Jornalismo a Serviço da Causa Popular
    36. Conselho Nacional de Igrejas Cristãs – CONIC
    37. Associação Agroecológica Tijupá
    38. Sociedade Maranhense dos Direitos Humanos – SMDH
    39. Centro de Estudos e Pesquisa Ruy Mauro Marini, DF
    40. Fórum Carajás
    41. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST/MA
    42. Sinpaf Solos Rio
    43. Igor Thiago Silva de Sousa – Antropólogo e Mestre em Antropologia Social
    44. Laboratório e Grupo de Estudos em Relações Interétnicas – LAGERI, Departamento
    de Antropologia, UNB
    45. Instituto Autonomia, DF
    46. Terra de Direitos
    47. Iterei Iguassu CR MCPA Florestas e Montanhas
    48. Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental – PROAM
    49. Coletivo de Entidades Ambientalistas de São Paulo
    50. Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE
    51. Centro de Documentação Indígena dos Missionários da Consolata, Boa Vista – RR
    52. Cosmopolíticas – Núcleo de Antropologia da Universidade Federal Fluminense
    53. Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu- MIQCB
    54. Central dos Movimentos Populares – CMP
    55. União por Moradia Popular – UMP/MA
    56. Comissão Justiça e Paz do Maranhão – CBPJ
    57. Cecília Amin Castro – Secretaria Executiva da Comissão Justiça e Paz da
    Arquidiocese de São Luis
    58. Irmãs de Notre Dame de Namur, São Luis
    59. Linhas do Horizonte – Bordadeiras por Justiça, MG
    60. João Alfredo Telles Melo – Professor de Direito Ambiental e Mestre em Direito pela
    UFC
    61. Movimento de Saúde dos Povos do Maranhão
    62. Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, SP
    63. Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva – CEDEFES

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  • 05/05/2017

    Índios fecham Transamazônica e conquistam vitória com apoio de caminhoneiros

     


    Munduruku interditam a Transamazônica para protestar contra a inépcia do governo brasileiro em demarcar terras indígenas. Foto: Mauricio Torres

    Por Mauricio Torres e Sue Branford

    Diante da onda impetuosa de políticas anti-indígenas implementadas a toque de caixa pelo Congresso, com ampla complacência do governo Temer, o presidente da Funai, Antônio Fernandes Toninho Costa, foi exonerado nesta sexta-feira (5). Enquanto em Brasília se davam as movimentações para que ele deixasse o cargo “por ser defensor da causa indígena diante de um ministro ruralista”, segundo definiu, no Pará, guerreiros do povo Munduruku, armados com bordunas e arcos e flechas, interditavam uma ponte na rodovia Transamazônica em um ponto-chave para o escoamento da produção de soja para os portos no rio Tapajós. O protesto gerou uma fila de mais de 40 km de caminhões por mais de uma semana e só terminou na tarde de quinta-feira (4), com o desbloqueio da rodovia.


    Viajando de Santarém para Itaituba para uma reunião com colonos da região, o pesquisador Mauricio Torres acabou ficando acidentalmente preso no trânsito. Ao chegar ao bloqueio, foi reconhecido pelos Munduruku, com quem tem contato há anos, e os índios pediram a sua colaboração na redação de suas notas. Ele acabou  ficando no ato até o final, na tarde desta quinta-feira, dia 4, oito dias depois.

    Caminhoneiros presos no bloqueio falaram em atropelar os Munduruku para desobstruir a pista. Com espantosa tranquilidade, ao ouvirem as ameaças, os índios gritam “Sawe” – uma saudação de apoio, algo como “Muito bom! Isso mesmo!” – e avisaram que, caso fossem atacados, ateariam fogo à ponte.
    Mas a hostilidade que marcou o início do protesto deu lugar a um apoio mútuo quando os dois lados se reconheceram como vítimas das políticas do atual governo.

    Os motivos da manifestação eram a recusa do governo em demarcar terras indígenas, conforme está previsto na Constituição de 1988, e o desmonte da Funai. A interdição foi também um claro protesto contra a bancada ruralista, que domina o Congresso e que pressionou o Executivo para que fossem implementadas iniciativas contra os direitos dos índios aos seus territórios.

    Mundurukus bloqueiam a Transamazônica

    Em 26 de abril, 130 índios Munduruku, apoiados por ribeirinhos de Montanha e Mangabal, comunidades à beira do rio Tapajós, interditaram a rodovia Transamazônica e ocuparam uma ponte 25 quilômetros a leste do porto de Miritituba (PA), ponto-chave da principal rota de escoamento de grãos pelo Norte, onde estão localizados os terminais de transbordo de gigantes transnacionais, como a Bunge e a Cargill.


    Um caminhoneiro ameaçou passar por cima dos índios, mas outros se solidarizaram com as queixas dos Munduruku ao atual governo. Foto: Mauricio Torres

    Depois de dois dias com a rodovia totalmente obstruída nos dois sentidos, no dia 28 o bloqueio adotou uma intermitência, liberando o fluxo a cada 12 horas. Mas, a partir da manhã do dia 3, a interrupção voltou a ser total, barrando inclusive viaturas de polícia e abrindo exceções apenas a ambulâncias.

    Liderança política da Terra Indígena Sawre Muybu, Antonio Munduruku, 35, falou a The Intercept Brasil sobre os dois motivos do bloqueio: “Queremos que os funcionários da Funai que estavam trabalhando conosco voltem às suas funções. Precisamos deles. Eles são nossa ferramenta mais poderosa na luta pela demarcação das nossas terras. E não vamos sair de mãos vazias. O [então] presidente da Funai nos disse, na sexta-feira, que ele iria resolver isso. Mas não acreditamos mais em palavras. Queremos que a recondução deles seja publicada no Diário Oficial”.

    Ele continua: “Em segundo lugar, queremos que a terra indígena Sawre Muybu seja demarcada direito. É nossa terra, mas nada acontece. Madeireiros continuam a derrubar árvores”.

    O velho cacique Vicente Saw, que percorreu mais de 400 quilômetros de estradas de terra para chegar ao protesto, afirmou que interditar o tráfego da rodovia é uma medida efetiva: “O coração do governo está aqui nessa estrada”.

    Os Munduruku não foram hostis aos caminhoneiros. A liderança indígena Tomas Manhuary Munduruku afirma: “Somos a favor dos caminhoneiros. Eles também precisam de apoio. Não está certo o governo cortar a aposentadoria deles”.
    O mais surpreendente é que, mesmo afetados pelo protesto, parte dos caminhoneiros tenham passado a apoiar os índios. “Essa estrada é fundamental para o Brasil, e o protesto precisa acabar. Só que os direitos dos índios não estão sendo respeitados, assim como os nossos também não estão. Mas a gente está aqui carregando o Brasil nas costas. Não dá para parar. Precisamos que o governo resolva isso. Nenhum de nós merece ser tratado desse jeito”, diz o caminhoneiro Mário Nascimento.


    Os Munduruku têm uma forte tradição guerreira e estão fazendo frente às políticas anti-indígenas do Executivo e do Legislativo.Foto: Mauricio Torres

    Outro caminhoneiro preso no bloqueio, que não quis revelar seu nome, como é comum nessa violenta região, por temor de represálias, afirma: “Eles [os índios] estão certos. Não dá para negar. E se tiver gente querendo me linchar porque estou dizendo isso, então que me linchem”.

    Tanto os caminhoneiros quanto os índios acusaram várias vezes o governo de não escutá-los: “O maior problema é o governo”.

    Havia uma preocupação de que a fome, a sede e o calor amazônico afetassem os índios e os caminhoneiros – e, com isso, os humores também esquentassem. Um caminhoneiro que não quis se identificar chegou a ameaçar: “Vamos passar por cima dos índios, um por um, com nossos caminhões. Se esse governo horroroso não conseguir acabar com o bloqueio, é que vamos fazer”.

    Em tom de deboche, outro caminhoneiro afirma: “Está ficando insuportável para todo mundo. Não tomo banho há mais de 24 horas, nesse calor. Estou com vontade de jogar minha cueca no rio. Aí vai matar os peixes. E aí os índios não vão ter peixe para comer, e a gente também não”.

    Como a fila de caminhões se estendia por muitos quilômetros, era difícil medir o humor dos caminhoneiros. Mas, na tarde de quarta-feira, houve uma reviravolta. Um grupo significativo deles se reuniu com os índios sobre o leito da rodovia. Os dois lados expressaram apoio mútuo, reafirmando que a principal queixa de ambos é em relação ao atual governo.

    Apesar de não ser unanimidade entre os caminhoneiros, essa é a visão de um número representativo deles – o que é uma novidade extraordinária pois, no passado, ações indígenas como o bloqueio de estradas causavam indignação, principalmente por parte desses trabalhadores. Um sintoma da altíssima taxa de rejeição ao atual governo por eleitores dos mais diferentes tipos. O presidente Temer tem o apoio de apenas 9% da população, uma marca inédita.

    Violência no Maranhão

    Em 30 de abril, jagunços comandados por fazendeiros atacaram índios do povo Gamela, que ocupavam uma parte de sua Terra indígena (não demarcada pelo governo) que estava ilegalmente ocupada por fazendeiros. O massacre aconteceu no município de Viana, a 214 quilômetros de São Luís, no Maranhão, estado dominado há décadas por grileiros e latifundiários, liderados pela família Sarney (um dos membros do clã é José Sarney Filho, atual ministro do Meio Ambiente).

    Trata-se de um território que era tradicionalmente dos Gamela, que foram expulsos pela ditadura militar. Fazendeiros ocuparam a área e derrubaram a floresta para criar gado e não demorou para que começassem a se arrogar como legítimos donos da terra.

    No entanto, cerca de 300 famílias Gamela permaneceram na região, determinadas a retomar o território apesar dos riscos aí implicados. A despeito da legitimidade de sua reivindicação, os índios não conseguiram que as autoridades cumprissem suas obrigações constitucionais: demarcar a terra indígena. Pressionada pelos fazendeiros, a Funai se recusou a dar início ao processo de demarcação das fronteiras do território Gamela.


    Índio Gamela ferido no hospital. Foto: Ana Mendes/Cimi

    Há três anos, os índios entraram na Justiça para obrigar os fazendeiros a abdicar do território, mas o caso não andou por conta de atrasos burocráticos. As condições de vida foram piorando ano após ano, e os Gamela se convenceram de que só sobreviveriam se o povo reagisse. Eles deram então início a uma série de ações de retomada da terra que era tradicionalmente deles.

    Essa última ocupação foi feita para coincidir com os protestos em Brasília e com a primeira Greve Geral em 21 anos, organizada pelas centrais sindicais contra as severas medidas de austeridade do governo Temer. Entretanto, como diziam os velhos caciques que comandavam a ação, “para índio Munduruku a Greve Geral só acaba quando a gente resolve o problema”.

    Era uma estratégia arriscada, tendo em vista o forte anti-indigenismo vigente em Brasília e que ecoa, potencializando a violência nos campos mais remotos. Os fazendeiros locais responderam rapidamente. De acordo com um relato, eles trocaram mensagens via WhatsApp e convocaram colegas e pistoleiros a se reunir perto do acampamento.
    Mensagens de apoio aos fazendeiros inundaram a mídia. Em entrevista a uma rádio local, o deputado federal Aluisio Mendes Filho (PTN/MA), secretário de Segurança Pública do Maranhão no governo Roseana Sarney, acusou os Gamela de serem “arruaceiros” e estimulou a violência contra eles.

    “Ele botou gasolina na fogueira”, definiu um dos índios.

     

    Os fazendeiros fizeram um churrasco, beberam muito álcool e foram ficando agressivos ao falar dos índios. Estava claro que um ataque estava sendo planejado. Mas quando ele de fato aconteceu, a política militar (que tinha chegado mais cedo ao local) não interveio.

    Os índios estavam em minoria e, ao serem atacados por homens empunhando rifles e facões, não puderam fazer muito mais do que fugir para a floresta.

    De acordo com o Conselho Indígena Missionário (Cimi), treze índios ficaram feridos. Cinco foram baleados, dois deles tiveram as mãos decepadas, outros foram espancados, um teve traumatismo craniano. Kum ‘Tum Gamela, ex-padre que já recebeu inúmeras ameaças de morte, também ficou ferido.

    A vontade de resistir
    Os Munduruku ficaram chocados, mas não surpresos, com o que o aconteceu com os Gamela: “Eles são de uma etnia diferente, mas são nossos irmãos, do mesmo sangue”, afirma Jairo Saw Munduruku. “O governo parou de demarcar terras indígenas, as que existem não são fiscalizadas e estão destruindo a Funai. O resultado só pode ser esse mesmo. Nós lutamos hoje para que não aconteça com a gente o que aconteceu hoje com os Gamela.”

    Jairo é bastante consciente do que importa ao branco em suas terras: “O governo tem que demarcar nosso território. Se não, grandes madeireiras, grandes mineradoras vão invadir. E vão dar início a conflitos, vão nos atacar, assassinar nossos líderes. É o que o governo quer, mas precisamos impedir que isso aconteça. Não temos ninguém para falar por nós no Congresso. Nós mesmos temos que nos defender”. Ao longo das últimas semanas, The Intercept Brasil tentou contato com o governo brasileiro para comentar o caso, mas não obteve resposta.

    Na tarde do dia 4, os Munduruku obtiveram de Paulo de Tarso Oliveira, procurador da República em Itaituba, a notícia de que a exoneração do responsável pela coordenação da Funai na região, Ademir Macedo da Silva, havia sido revertida. Todo o trâmite estava encaminhado e a publicação no diário Oficial da União seria questão de tempo. Em função da grande confiança do grupo no procurador, o bloqueio foi desmobilizado após as danças de guerra que celebram a vitória do grupo.

    Poucas horas depois, publicam mais uma nota, bem direcionada e contundente:
    “Essa ocupação foi só uma demonstração do que a força guerreira do povo Munduruku pode fazer. Continuamos tendo nossas reivindicações e já avisamos que iremos voltar se não nos ouvirem. Vamos novamente retornar para interditar a estrada e com maior grupo de guerreiros Munduruku e também seguiremos à capital do Brasil.”

    Em nota à imprensa, o ministro da Justiça, Osmar Serraglio, prometeu investigar “o incidente envolvendo pequenos agricultores e supostos indígenas no povoado de Bahias”. O termo “supostos” gerou uma onda de indignação por parte dos indígenas e foi rapidamente retirado da nota. Logo depois, o termo “pequenos agricultores”, criticado por se tratar de um eufemismo para milícias armadas pagas por fazendeiros, também foi apagado. No fim das contas, a nota se resumiu a dizer que o ministério iria investigar um “conflito agrário”. A Comissão de Direitos Humanos da OAB deve pedir ajuda à Anistia Internacional para resolver a disputa.

    Uma divergência crescente

    Protestos no Maranhão e no Pará não são casos isolados. De 24 a 28 de abril, o Acampamento Terra Livre reuniu em Brasília mais de 4 mil lideranças indígenas na maior manifestação, em números de participantes, do país. Os índios exigiam que o governo voltasse atrás e atendesse às demandas indígenas. Os manifestantes foram recebidos com gás lacrimogêneo.

    Por todo o território brasileiro, índios expressam seu medo do futuro. Paulo Marubo, índio do Vale do Javari (AM), região próxima à fronteiro com o Peru, diz que a Funai, dizimada por cortes orçamentários, terá de fechar muitas das Bases de Proteção Etnoambiental, as Bapes, que têm um papel fundamental no monitoramento do território ocupado por índios isoladas.

    “Se as equipes de proteção forem desativadas, vai ser que nem antes, quando os índios eram massacrados e morriam de novas doenças. Se os madeireiros se instalarem, vão fazer contato com os índios isoladas, vão espalhar doenças e matá-los”, conta Marubo à Survival International.

    O governo federal parece estar dando as costas às demandas indígenas. Após 55 dias no cargo, o ministro da Justiça, Osmar Serraglio, não teve sequer uma reunião com um índio. Mas achou espaço na agenda para se encontrar a portas fechadas com 100 proprietários de terras e executivos acusados de corrupção na Operação Lava Jato.

    Durante a grande manifestação em Brasília, Serraglio e o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, demoraram para propor uma reunião aos índios, que recusaram o convite. Os dois ministros são conhecidamente responsáveis por traçar a estratégia anti-indígena do governo. Sem nenhuma possibilidade de acordo sobre a mesa de negociações, os líderes indígenas não viram razão para se encontrar com eles.

    Esse ataque aos direitos dos índios é o mais grave desde o fim da ditadura militar, em 1985. O Instituto Socioambiental (ISA) afirma que, desde que Temer assumiu o governo, observa-se “um aumento exponencial da violência no campo”: “A circunstância de estar Ministério da Justiça ocupado por [Osmar Serraglio,] um militante da injustiça reforça essa sinistra sinalização”, avalia a entidade.

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  • 04/05/2017

    Cimi e Unila promovem segunda edição do curso de extensão em Histórias e Culturas Indígenas

    O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Universidade da Integração Latino Americana (Unila) realizarão, em julho de 2017, a segunda edição do curso de extensão em Histórias e Culturas Indígenas. O curso é gratuito e voltado especialmente para movimentos e pastorais sociais, professores (as) de educação básica, pedagogos (as) e diretores (as) de escola, educadores (as) populares e tem a finalidade de qualificar as pessoas para a abordagem, em seus contextos de atuação, de questões ligadas aos Povos Indígenas.

    O curso tem 50 vagas disponíveis e será ministrado entre os dias 10 a 28 de julho no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO). A carga horária será de 188h horas, sendo 140 horas de aulas presenciais e 48 horas de atividades complementares. As inscrições estão abertas até o dia 01 de junho de 2017. No dia 8 de junho será divulgada a primeira chamada de selecionadas (os) e, no dia 15, a segunda chamada.

    O Cimi oferece acomodações no Centro de Formação Vicente Cañas, local do curso. Para os que desejarem, será cobrado um valor de contribuição referente a hospedagem e alimentação.

    Para Clovis Antonio Brighenti, coordenador do curso, a segunda edição é organizada devido ao número de inscrições recebidas no ano passado. A formação, para o professor da Unila, busca compreender as relações indígenas e apontar novos caminhos para a sociedade moderna, assumindo uma lógica menos predatória e perversa. “Os povos indígenas apontam caminhos, perspectivas diferentes de soluções para os desafios dos limites da sociedade ocidental, seja na relação com a terra, na convivência religiosa, nas formas simples de viver”, comenta. “Os povos originários são sujeitos históricos das transformações e devem inspirar os processos contemporâneos para uma sociedade do Bem Viver”.

    Entre os tópicos abordados no cronograma do curso, estão:
    – História e Resistência Indígena;
    – Antropologia Indígena – marcos conceituais referentes à diversidade sociocultural;
    – Terra, Território e Territorialidade e sua relação com práticas e saberes ambientais;
    – Direitos Indígenas: legislação e mobilização política dos Povos Indígenas;
    – Projetos de Bem viver como crítica radical ao capitalismo;
    – Conjuntura Político Indigenista, espaços de controle social e protagonismo;
    – Orientação metodológica do ensino da História indígena.

    Ao final do curso, como atividade complementar, é pedida a elaboração de um artigo, para o qual os (as) participantes contam com a orientação dos (as) professores(as).

    SERVIÇO – Curso de extensão em Histórias e Culturas Indígenas
    Realização: Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Universidade Federal da Integração Latino Americana (Unila)
    Data: de 10 a 28 de julho
    Local: Centro de Formação Vicente Cañas,  Luziânia (GO)
    Inscrições: até dia 01 de junho, responder inscrição abaixo
    Caso tenha problema com a inscrição, enviar e-mail para curso.indigenismo@cimi.org.br ou extensao.indigenismo@unila.edu.br
    Hospedagem: O Cimi oferece hospedagem no Centro de Formação Vicente Cañas. Quem desejar, pode fazer contato pelo telefone (61) 99696 4843 ou pelo email curso.indigenismo@cimi.org.br.
    Custo: o curso é gratuito. Será cobrado um valor de contribuição referente a hospedagem e alimentação. O deslocamento do Aeroporto de Brasília (DF) para a localidade do curso é responsabilidade de cada participante. O trajeto é de aproximadamente 50 km e conta com transporte público.
    Mais informações: Cimi: (61) 2106­1650 ­ ou  ­ curso.indigenismo@cimi.org.br
                                     UNILA: (45) 9807­6716 ou ­ extensao.indigenismo@unila.edu.br

    Clique aqui para acessar o cronograma completo do curso

    Inscrições abaixo:

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  • 04/05/2017

    Em Porto Velho (RO), indígenas ocupam Dsei por melhoria na saúde


    Indígenas protestantam há três dias e ocupam Dsei em Porto Velho (RO). Foto: Cimi Porto Velho


    Com informações de Laura Vicunã Manso / Cimi Rondônia

    Aproximadamente 70 indígenas ocupam o prédio do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) em Porto Velho (RO). Indígenas dos povos Karitiana, Karipuna, Amondawa, Uru Eu Wau Wau, Zoró, Cassupá, Tenharin, Oro Mon, Oro Waram permanecem no local há três dias e denunciam os constantes ataques aos direitos dos povos originários.

    Para os indígenas, o governo não atende as orientações da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante o direito dos povos indígenas de definir suas próprias prioridades, por consulta prévia, na medida em que condizem sobre suas vidas, crenças, instituições, valores espirituais e a próprias terras que ocupam. A falta de atenção a essa medida gera um atendimento falho e ineficiente a saúde dos povos indígenas.

    "Ao atender interesses políticos partidários, governo faz da Dsei moeda de troca e negligencia o atendimento à saúde indígena”, afirma liderança local. 

    O movimento se une a todos os povos que estão na luta pela defesa da vida, dos direitos e dos territórios e se solidarizam com o povo Gamela, que foram atacados covardemente no último domingo, 30, no Povoado de Bahias, município de Viana (MA).

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  • 04/05/2017

    Aliança inédita entre caminhoneiros e índios sela uma semana de Ocupação Munduruku na Transamazônica


    Assessoria de Comunicação do Cimi, com informações da Associação Indígena Pariri

    “É uma causa que não é nossa, mas nós vamos apoiar. Nós vamos fechar o resto da estrada em apoio aos índios”. Com essas palavras foi selada uma verdadeira reviravolta na ocupação do km 25 da Transamazônica, bloqueado por índios Munduruku desde a quarta passada (26/04). Até a tarde desta quarta (3), o clima era de tensão crescente entre indígenas e caminhoneiros, mas gradativamente o descontentamento com o Governo Federal aproximou os dois grupos. Agora, estão determinados a seguir conjuntamente com a interdição da rodovia até que as exigências dos índios sejam atendidas pelo poder público.

    Com o bloqueio, iniciado na última quarta-feira, 26, os Munduruku exigem que o desmonte da política indigenista na região do Tapajós e em todo o país seja revertido; rejeitam as reformas propostas pelo governo Temer e demandam celeridade no processo de demarcação da Terra Indígena (TI) Sawré Muybu. Além disso, condenam com veemência as recentes declarações do ministro Osmar Serraglio acerca dos direitos territoriais indígenas, demandando que o MJ seja comandado “por alguém que respeite as pessoas”. O repúdio se estende, ainda, ao massacre sofrido pelo povo indígena Gamela, na terça-feira, 30, e às infames palavras de Serraglio acerca do caso. Para o ministro, os Gamela seriam “supostos índios” apenas, termo mencionado em nota do MJ e posteriormente retirado.

    A ação dos Munduruku está diretamente ligada aos principais problemas sociais em pauta hoje no país – seja entre índios, seja entre não-índios. Além disso, interfere diretamente em uma das maiores forças contrárias às lutas indígenas: o agronegócio. Com o bloqueio do km 25, na região dos portos de Miritituba, no município de Itaituba-PA, os Munduruku fecharam também uma ponte estratégica para gigantes como Bunge, Amaggi e Cargil. Assim, a interdição bate diretamente no bolso do agronegócio.

    Apoio internacional

    A relatora da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, prestou seu apoio à luta dos Munduruku na última segunda (1º). Após encontro do cacique-geral do povo Munduruku, Arnaldo Kaba, e do cacique da aldeia Sawre Muybu, Juarez Saw, com a relatora, o representante da Santa Sé na ONU, Monsenhor Bernardito Auza, e o presidente do Departamento de Justiça e Solidariedade do Conselho Episcopal Latinoamericano (Celam), em Nova York, Tauli-Corpuz encorajou os Munduruku a continuar afirmando e reivindicando os seus direitos, considerando a gravidade das ameaças correntes à cultura e à subsistência dos indígenas.

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