• 13/04/2017

    CPT lançará o relatório Conflitos no Campo Brasil 2016


    O relatório de 2016 destaca o maior número de assassinatos em conflitos no campo dos últimos 13 anos, 61 assassinatos – 11 a mais que no ano anterior

    No dia 17 de abril, próxima segunda-feira, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançará sua publicação anual, Conflitos no Campo Brasil 2016. É a 32ª edição do relatório que reúne dados sobre os conflitos e violências sofridas pelos trabalhadores e trabalhadoras do campo brasileiro, neles inclusos indígenas, quilombolas e demais povos tradicionais.

    O lançamento ocorrerá a partir das 14h30, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília (DF). Estarão presentes no lançamento, o presidente da CPT, Dom Enemésio Lazzaris, membros da coordenação executiva nacional da CPT, representantes da CNBB, o professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Marco Mitidiero, a filha da Nicinha, militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), assassinada em Rondônia, Divanilce Andrade, entre outros convidados.

    Assassinatos em conflitos no campo batem novo recorde em 2016
    O relatório de 2016 destaca o maior número de assassinatos em conflitos no campo dos últimos 13 anos, 61 assassinatos – 11 a mais que no ano anterior, quando foram registrados 50 assassinatos. 48 destes assassinatos ocorreram na Amazônia Legal. Além do aumento no número de assassinatos, houve aumento em outras violências. Ameaças de morte subiram 86% e tentativas de assassinato 68%. Os dados mostram 2016 como um dos anos mais violentos do período em que a CPT faz o registro desde 1985.

    Assassinatos e julgamentos: os números da impunidade
    Segundo os dados do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino da CPT, entre 1985 e 2016 foram 1.387 casos com 1.834 pessoas assassinadas em conflitos no campo. Deste total, apenas 112 casos foram julgados, e houve a condenação de apenas 31 mandantes destes assassinatos.

    Serviço:
    Lançamento do relatório Conflitos no Campo Brasil 2016
    Quando: 17 de abril (segunda-feira), a partir das 14h30.
    Onde: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – SE/SUL, Qd, 801, Conj. B, Brasília (DF).

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  • 13/04/2017

    Indígenas ocupam salas de cinema: Martírio, de Vincent Carelli, estreia hoje em 19 capitais


    Patrícia Bonilha, da Assessoria de Comunicação

    O filme Martírio, de Vincent Carelli, traz para o debate a resistência dos Guarani Kaiowá diante ao genocídio do seu povo. Com estreias marcadas para hoje,13, em 19 cidades do país, o documentário denuncia os sucessivos massacres e violências contra os povos indígenas. Com aproximadamente 50 anos de indigenismo, Vincent Carelli afirma que a resiliência secular dos povos nativos nos indica como resistir à atual conjuntura, além disso, eles nos oferecem referências para a construção de um outro futuro para a humanidade.


    A Assessoria de Comunicação do CIMI conversou com o cineasta. Na entrevista publicada originalmente no jornal Porantim, edição de outubro, dentre outros assuntos, Carelli fala também sobre o terceiro filme de sua trilogia, Adeus, Capitão, que já está em fase de produção.

    Os indígenas mostram o caminho

    Filho de pai brasileiro e mãe francesa, Vincent Carelli nasceu em Paris e veio para o Brasil com cinco anos. Criado em São Paulo, a primeira vez que teve contato com indígenas foi através de um vizinho que era missionário dominicano. Ele tinha 16 anos, e a experiência aconteceu no Pará, com o povo Xikrim. Fascinado por aquele primeiro convívio com os indígenas, desde então sua vida está profundamente vinculada aos povos nativos do Brasil. Vincent (que deve ser pronunciado “Vançant”) chegou a cursar Ciências Sociais por um ano, mas percebeu que a academia não era seu caminho e voltou pras aldeias. Após trabalhar na Fundação Nacional do Índio (Funai) por dois anos, fundou, em 1979, com um grupo de antropólogos a organização Centro de Trabalho Indigenista (CTI). Em 1986, criou o projeto Vídeo Nas Aldeias (VNA), que se tornou um importante instrumento de expressão das diversas identidades indígenas, além de reflexão sobre suas visões de mundo. Vinte anos depois, seu documentário Corumbiara obteve amplo reconhecimento. Prestes a completar 50 anos de indigenismo, seu último filme Martírio foi ovacionado no último Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em setembro de 2016. A partir de um amplo histórico fundamentado em dados oficiais, arquivos históricos e imagens produzidas por ele por mais de 10 anos, ele denuncia mais de um século de omissão diante do genocídio contemporâneo do povo Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul.

    Porantim – O que você observa de mais crucial nestes quase 50 anos de convivência com diversos povos indígenas no Brasil?

    Vincent Carelli – O Brasil mudou muito neste período, pra frente e pra trás. O movimento indígena cresceu, ganhou muito em protagonismo. Quando comecei, o controle da Funai sobre os índios era muito grande e o paternalismo autoritário extremamente desmobilizador politicamente. Ainda durante a ditadura, o engajamento da sociedade brasileira, do Cimi [Conselho Indigenista Missionário] e das ONGs trouxe para a pauta nacional a temática indígena. O movimento contra o decreto de “emancipação” foi um marco nesta história, que veio a ser coroado com a Constituinte de 88. Mesmo não tendo sido regulamentado até hoje, o Estatuto do Índio pelo menos colocou por terra o velho estatuto pelo qual o índio era considerado praticamente incapaz. A Constituinte estabeleceu, dentre outras coisas relevantes, a intermediação do Ministério Público em conflitos de interesse entre o Estado e as comunidades indígenas e o direito dos índios de terem representatividade jurídica. Apesar disso, a Funai demorou mais de uma década para aceitar a legitimidade das associações indígenas na representação de seus povos. A Funai sempre foi marcada pela sua herança autoritária militar, por pouco investimento e limitada autoridade. Além disso, os índios entenderam que precisavam assumir seu protagonismo e cuidar dos seus próprios interessses, e não ficar esperando que o Estado lhes concedesse algum direito. Hoje estamos vivendo novamente a destruição causada pelos grandes projetos, que vivemos na ditadura. Mas, atualmente, sem o recurso de empréstimos do Banco Mundial, do BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento], que foi muito importante em épocas passadas. Como o governo militar dependia dos empréstimos do Banco Mundial e do BID, isso permitia que pressionássemos estes bancos para exigir condicionantes e reparações frente aos impactos dos grandes projetos. Hoje, no entanto, o Brasil é que empresta dinheiro para estas instituições e esta estratégia perdeu sua eficácia.

    Porantim – Mesmo considerando a diversidade de povos, é possível afirmar que os indígenas têm um olhar particular, em relação aos não indígenas?

    Vincent Carelli – A narrativa baseada em uma visão de dentro, só eles podem ter. Esta perspectiva intimista, tanto do dia a dia como das lutas indígenas, tem toda uma memória, uma afetividade, uma emoção, que é só deles. Recentemente foi lançado um filme que mostra, em uma longa tomada, um índio no Mato Grosso do Sul em um amplo campo de soja, com apenas um pé de árvore, único. O índio fica tecendo considerações sobre o significado daquilo. E tudo na língua nativa. Os mais velhos só conseguem se expressar na sua própria língua, geralmente. Só eles têm esta memória e vivência. Isso já significa totalmente outra coisa. O que o Vídeo nas Aldeias almejou há 30 anos era isso: hoje tem indígena filmando no Brasil todo. O que a gente reclama é que estamos paralisados na formação. Temos índios fazendo registro e os primeiros cineastas indígenas que formamos ganharam muita visibilidade. Isso fez com que no Brasil haja muita gente interessada em apoiar produções indígenas e o cenário audiovisual brasileiro tem reconhecido a importância desta produção. Mas falta muita coisa, como um mapeamento nacional, um grande portal do cinema indígena, além de políticas públicas. Os índios não podem concorrer no mercado de editais da mesma forma porque dependem da escrita e não têm esse traquejo. Temos que formular outras vias de acesso a essa produção e aos processos de formação também, para que as produções cresçam com qualidade e possamos ampliar o escopo da difusão desses trabalhos, absolutamente necessários para povoar o imaginário brasileiro, tão distante da realidade indígena. Mas na conjuntura atual não dá nem pra pensar nisso.

    Porantim – Fale um pouco sobre a produção feita por não indígenas…

    Vincent Carelli – A produção feita por não indígenas tem de tudo, tem coisas muito boas e também tem outras equivocadas. Mas não podemos entrar nessa de coibi-la. Este tipo de apropriação cultural vem sendo muito discutido no Canadá recentemente. A própria produção indígena é fruto de uma parceria entre indígenas e não indígenas. Acho que o desconhecimento da realidade indígena é tão grande e o desinteresse sobre ela tão amplo que quanto mais produções indígenas ou sobre os indígenas forem feitas melhor. Não cabe um apartheid, um julgamento global sobre o fenômeno. Acho bastante positivo o interesse, principalmente, das novas gerações. Outra dimensão fundamental é levar esta produção pras salas de aula. Desde 2009 o VNA trabalha com esta dimensão de levar as diversas realidades dos povos para as escolas.

    Porantim – E como você avalia o chamado “cinema de índio”?

    Vincent Carelli – Sem dúvida ele traz uma inversão nesta perspectiva de exotizar os índios, do “nossa, que estranho!”, explicitando um estranhamento. O olhar indígena humaniza os índios. Ele é intimista, coloca as coisas que nos parecem estranhas no seu devido lugar e contexto. E qualquer público é capaz de perceber isso. Desde o começo, nos primeiros filmes de oficina do VNA o que chamava muita atenção era justamente a clara surpresa do público no sentido de reconhecer e explicitar que nunca tinha tido acesso à realidade indígena com um olhar de dentro. E isso toca muito as pessoas, cria empatia.


    "Há um grande empatia do público com o filme devido a este retrato atual da situação do país. O filme mostra que os indígenas resistem há mais de 500 anos, e é isso que precisamos fazer agora” Foto: : Wilson Dias/Agência Brasil

    Porantim – Os filmes atuais têm contribuído para dar visibilidade à realidade dos povos, especialmente as violações e violências sofridas por eles no Brasil?

    Vincent Carelli – Sabemos que a realidade é brutal e a grande questão por trás dos dos interesses e jogos que geram e mantêm o preconceito e a discriminação contra os povos  é a disputa por recursos naturais, especialmente a terra. O desafio de quem se dedica a dar visibilidade a esta realidade e seus contextos é ampliar o público e ser visto não só pelos amantes dos índios, que já estão do nosso lado. Ampliar o universo de difusão deste material. Na medida em que se consegue isso, se potencializa o efeito. E para isso, repito, o envolvimento das escolas é muito importante. Fazer com que os jovens em formação tenham este contato amigável, sedutor com a realidade indígena. E, nesse sentido, tem que haver a preocupação de que a produção não pode ser um panfleto chato, e de que tem que ter qualidade cinematográfica. Se não tiver esta dimensão, não atravessa fronteiras, fica num circuito muito fechado e tem pouca eficácia. Mesmo quando os indígenas fazem um cinema de dimensão mais cultural também é um cinema político. Para as minorias, a questão da identidade – não a genérica, “do índio”, mas a específica, dos povos -, a identidade étnica cultural é a mais política que tem. Não é porque está retratando o dia a dia, o xamã, os aspectos daquela comunidade que não é um gesto político. Ao contrário, pode ter até mais eficácia que o panfleto porque tem capacidade de gerar empatia, interesse, seduz, causa curiosidade. Está havendo uma nova valorização dos povos nativos, não só no Brasil. É um fenômeno mundial, e está relacionado com esta catástrofe ambiental anunciada, com a crise civilizatória do capitalismo. O contraponto de vida dos povos nativos, quaisquer que sejam eles, tornou-se uma referência para gerar uma reflexão crítica sobre a crise pela qual a gente tá passando. Este é o principal motivo deste interesse renovado pelos povos nativos e por seus modos de vida.

    Porantim – Há possibilidades de Martírio ser exibido também em salas do circuito comercial?

    Vincent Carelli – Pela primeira vez foi aberta esta possibilidade, mas estou em dúvida porque é um processo que demora e eu teria que ficar segurando o filme enquanto há uma demanda grande das pessoas para ver e conhecer o filme. Por outro lado, seria uma ótima oportunidade ampliar para um público que, normalmente, não assistiria a um filme “de índio”. Temos que pensar o que vale mais a pena. Agora, certamente vai para a TV. O Canal Curta sempre esteve interessado. Talvez, como o filme é longo, seja preciso adaptá-lo em um formato de minissérie de cinco capítulos. Outra possibilidade é este circuito de festivais. Depois da repercussão do festival de Brasília, notícias sobre Martírio estão sendo publicadas em quase todas as capitais. Os movimentos sociais já estão pedindo pra gente liberar o filme e, além disso, a atual conjuntura demanda uma ampla divulgação. Estamos também trabalhando com o Mestre e o Divino, mas é difícil levar às pessoas, já que não temos uma máquina de divulgação na mão, como é próprio dos filmes comerciais. Temos que aproveitar a repercussão de Martírio pela urgência e importância de levar este tema a frente. Vamos fazer um lançamento na Aty Guasu, em Dourados, e teremos pelos menos mil cópias para os índios, também vamos distribuir pra militância, pro Cimi. Temos que consolidar as convicções e os argumentos da militância em relação ao genocídio, irmos à raiz do problema, às questões centrais, que são, primeiro, o golpe jurídico que o marco temporal representa em relação às demarcações das terras indígenas. As expulsões dos povos indígenas de suas terras tradicionais constituem um crime de humanidade, que não prescreve. Não há como zerar a história dos índios, os crimes cometidos que fizeram com que a maioria dos Guarani-Kaiowá, por exemplo, não estivesse nas suas áreas em 1988. Quem não estava, era porque tinha sido expulso, e eles não podem ser punidos porque tinham sido expulsos. A segunda questão central é que o Estado precisa assumir a sua própria responsabilidade. Se tivesse coragem de admitir os erros, como fez a Austrália, o Canadá, alguns países nórdicos, isso modificaria o rumo de todos os processos judiciais que estão correndo. Teria uma enorme repercussão no campo jurídico… Mas o Brasil não conseguiu fazer nem uma Comissão Nacional da Verdade real, um ajuste de contas com a ditadura e os crimes ocorridos nela, então, dificilmente vai reconhecer a necessidade de assumir a sua própria responsabilidade em relação aos povos indígenas. Nesse sentido, as denúncias internacionais que os Guarani-Kaiowá têm feito na Europa são fundamentais, já que eles compram nossa soja e nosso bife. O caso Guarani-Kaiowá merece um tribunal internacional.

    Porantim – No filme você destaca a religiosidade dos Guarani e Kaiowá no processo da resistência. Fale um pouco mais sobre isso.

    Vincent Carelli – Os povos nativos vivem com intensidade a sacralização, consideram-se parte da natureza. No caso Guarani-Kaiowá, o que mantém a resistência deles é justamente a força religiosa. É daí que vem a força, onde está o segredo, o motor da sua histórica resiliência. A dimensão da espiritualidade na vida deles é realmente impressionante e me marcou profundamente.

    Porantim – Adeus, capitão, o último filme da trilogia está em fase de produção?

    Vincent Carelli – Sim. A ideia é que esses três filmes proponham uma reflexão sobre a complexa realidade indígena através da minha trajetória indigenista, dos casos emblemáticos da política indigenista brasileira que acompanhei, colaborei, trabalhei. Há quem ame e há quem odeie os índios no Brasil, mas, geralmente, ambos os mitificam. Por isso é importante aprofundar e tentar entender toda a sua complexidade. A primeira filmagem de Corumbiara [que retrata o massacre de índios no sul de Rondônia] foi em 1986; a de Martírio, em 1988; e a primeira filmagem de Adeus, Capitão foi também em 1986. Neste último caso, trata-se da realidade de um povo que foi quase extinto, os Gavião Parkatêjê, do Pará. Eles conseguem se recuperar, ganham autonomia pra gerenciar seus castanhais mas, posteriormente, são devastados pelos grandes projetos da Amazônia, como a Hidrelétrica Tucuruí e a Ferrovia de Carajás. Esta questão é muito atual hoje. O Brasil investe muito pouco na Funai, mas quando tem interesses econômicos envolvidos, derramam dinheiro. Muito é usado no sentido de cooptar, de quebrar a resistência dos povos, pra garantir a construção de hidrelétricas, por exemplo. Isso desorganiza avassaladoramente, e coloca muitas dificuldades pra comunidade. O filme aborda a forte entrada do capitalismo, do dinheiro, do consumo numa sociedade igualitária. Ouvimos os Gavião, o que eles pensam. É uma reflexão e complexificação sobre essas mudanças históricas no Brasil e, novamente, sobre a relação do Estado Brasileiro com os povos indígenas.

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  • 12/04/2017

    Ato Inter-religioso em Brasília (DF) fará memória dos 20 anos do assassinato do indígena Galdino Pataxó Hã-Hã-Hãe


    Pataxó Hã-Hã-Hãe fazem ato em memória a Galdino na Praça Compromisso, em Brasília. Foto Renato Santana/CIMI

    Acontecerá no dia 20 de abril de 2017, às 18 horas na Praça do Compromisso, Brasília, DF, o Ato Inter-religioso em memória dos 20 anos do assassinato de Galdino Jesus dos Santos. Liderança do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, presente no sul da Bahia, Galdino foi queimado na madrugada do dia 20 de abril de 1997, quando dormia em uma parada de ônibus da W3 Sul, zona central da capital federal.

    O Ato Inter-religioso, que fará memória a história e vida de Galdino Pataxó Hã-Hã-Hãe e denunciará toda forma de racismo e violação de direito aos povos originários, é organizado pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, Conselho Indigenista Missionário, Rede Ecumênica da Juventude, Conselho Indígena do Distrito Federal, Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília , Comissão Brasileira Justiça e Paz e  Fórum Ecumênico ACT – Brasil. Estarão presentes indígenas relembrando a resistência e luta diante as violações dos direitos constitucionais e das políticas anti-indígenas do Estado brasileiro.

    Informações sobre o Ato Inter-religioso em memória de Galdino Pataxó Hã-Hã-Hãe.

    Quando: 20 de abril de 2017
    Horário: 18 horas
    Onde: Praça do Compromisso, entre as Quadras 703 e 704 Asa Sul do Plano Piloto – Brasília (DF)
    O que: o ato contará com apresentações culturais, depoimentos de lideranças da causa indígena e caminhada

    “Por que fizeram isso comigo?”

    Galdino Pataxó Hã-Hã-Hãe viajou à capital no dia 18 de abril de 1997 para debater com representações do poder público sobre a situação da terra do seu povo, a área de Caramuru/Paraguassu, sul da Bahia. Após reuniões e de participar de comemorações que marcavam o Dia do Índio, evento organizado pela Funai, Galdino não conseguiu voltar a pensão onde estava hospedado. Dormiu em um ponto de ônibus na Asa Sul, onde foi queimado por um grupo de cinco jovens de classe média.

    Socorrido, foi levado a um hospital de Brasília. Completamente cego, devido as queimaduras nas córneas, mas ainda consciente, identificou-se à equipe médica e indicou a localização de seus parentes indígenas. Antes de entrar em coma, perguntou repetidas vezes: “Por que fizeram isso comigo?”. Com queimaduras em 95% do corpo, Galdino não resistiu e faleceu na madrugada de 21 de abril.

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  • 11/04/2017

    Uma cerca a menos, um dia a mais: de pé, o povo Gamela luta pelo chão sagrado e pela existência

    Caminhada Gamela no município de Viana (MA). Divulgação das fotos: Povo Gamela


    Por Kum’tum Gamela, povo Gamela


    Com nossos Ancestrais, no último dia 6 marchamos sobre a cidade de Viana, aqui no Maranhão, em defesa do direito à existência e ao nosso território. Éramos homens e mulheres Gamela; guerreiros e guerreiras, alguns com poucos meses de vida. O sol brilhava forte e em cada um de nós havia um sentimento profundo da urgência da luta. Vivemos tempos difíceis.

    Um dos nossos guerreiros foi intimado a comparecer à delegacia de Polícia Civil sob a acusação de cortar cercas de arame farpado. Os povos indígenas sabem o que significam essas cercas: ameaçam nossos caminhos, mas, sobretudo, pretendem apagar nossa história, nossa memória.

    Há anos um invasor aprisionou um pequizeiro e um bacurizeiro centenários, com cerca de arame farpado. Ambos guardam em seus galhos e frutos parte de nossa memória. Jamais vamos aceitar que aprisionem o que somos. Ainda mais dentro do território tradicional. Conflitos assim sempre terminam com acusações contra nossa gente, nosso povo.

    Não somos um indivíduo. Somos um Povo! Nós cantamos: “Pisa ligeiro… Quem não pode com formiga não assanha o formigueiro”. Tomamos a decisão, apesar da oposição dos delegados, que todos e todas entrariam no prédio da delegacia. Também decidimos que não aceitaríamos ser intimados para discutir com a polícia o direito ao nosso território.  

    Adentramos ao prédio convidando o povo da cidade a se levantar para ver a (in)Justiça no Maranhão que manda prender índio e preto e manda soltar fazendeiro.

    Houve desacordo entre os delegados. Um disse não saber que a denúncia envolvia comunidade indígena; o outro gentilmente disse que os dois sabiam dos conflitos envolvendo o direito territorial indígena e que esta questão extrapola a competência da Polícia Civil. Uma vez reconhecida a incompetência da polícia, decidimos sair do prédio, deixando para trás delegados e fazendeiros-grileiros que nos tinham denunciado.

    Em resposta a esta tentativa de intimidação e imobilização, cantamos forte: “Quem deu esse nó / não soube dar…”.

    Mas há mais cercas a serem derrubadas. Em assembleia decidimos tomar em nossas mãos a educação escolar indígena diferenciada. Estamos dando passos agora possíveis. Em 31 de março, a Secretaria Municipal de Educação assumiu, em reunião com nossas lideranças, que as aulas se iniciariam no dia 3 de abril. Entretanto, no dia 5 de abril, fomos comunicados por meio de professores que as aulas não teriam prazo para serem iniciadas em função de pendências.

    Que pendências? A efetivação do direito à educação conforme legislação em vigor?

    Educação é um Direito e tem que ser do nosso jeito. Não admitimos negociar direitos. Fomos ao Ministério Público Estadual denunciar a arbitrariedade da Prefeitura de Viana. Vamos aguardar o início das aulas até o dia 10 de abril. Caso não comece, ocupamos a Secretaria Municipal de Educação. Fizemos uma roda de cantoria. Fomos ao gabinete do secretário. Deixamos nosso recado.



    Rituais marcaram as ações pacíficas dos Gamela em Viana

    Pelo direito de ter Gamela no nome

    A nossa caminhada seguiu para o Fórum da Comarca de Viana para denunciar à Justiça que o tabelião do Cartório do 2º Ofício está negando o Registro Civil de Nascimento aos nossos filhos e às nossas filhas recém nascidos.

    A conduta do oficial é uma afronta à Constituição Federal, à Convenção 169/OIT, e à Resolução Conjunta Nº 03, de 19 de abril de 2012, publicada pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Conselho Nacional do Ministério Público.

    Nós temos direito ao nome em nossa língua, à etnia como sobrenome, à inclusão das nossas aldeias na Certidão de Nascimento. O direito ao nome é um direito que faz com que a pessoa seja reconhecida no mundo humano. Negar nosso nome é ferir nosso lugar na vida.

    A juíza responsável pelo Cartório assumiu o compromisso de estudar a legislação pertinente, bem como consultar outros juízes e juízas para, em seguida, encaminhar uma solução. Aguardamos que o direito à nossa visibilidade étnica seja assegurada em nossos documentos.

    Sob as sombras das árvores sagradas

    Novamente tivemos que enfrentar a despreparo e a truculência da polícia. Tentaram interromper nossa caminhada, ameaçaram reter veículos, conduzir-nos coercitivamente à delegacia. Mas nós seguimos de cabeça erguida com a certeza de que lutar não é crime.

    Ao retornar ao nosso território, assumimos o compromisso – sob a sombra refrescante do bacurizeiro e do pequizeiro – que lutaremos para que eles sigam livres, sem cercas, e para que seus frutos sejam de todos nós que pertencemos a este chão sagrado.

    Este dia marcou nossas vidas em luta para defender o território às futuras gerações, às nossas florestas, aves, animais, às nossas nascentes, aos nossos rios sob a proteção e guia dos nossos Encantados.


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  • 11/04/2017

    Pataxó denunciam retirada de madeira no Parque Nacional do Descobrimento, incidente sobre terra indígena


    Fotos de madeira no interior do Parque Nacional do Descobrimento, registradas pelos Pataxó.

    Por Tiago Miotto, da Assessoria de Comunicação

    Desde o dia 11 de março, os Pataxó ocupam o Parque Nacional do Descobrimento, unidade de conservação sobreposta à Terra Indígena (TI) Comexatibá, no extremo sul da Bahia, município de Prado. Os Pataxó decidiram ocupar o Parque para reivindicar o andamento da demarcação da TI Comexatibá, que aguarda a publicação da Portaria Declaratória pelo Ministério da Justiça desde 2015, e exigir que o  Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela gestão da unidade, retire a ação de reintegração de posse movida contra suas comunidades.

    Enquanto os Pataxó são perseguidos pela gestão da unidade e sofrem com a possibilidade de uma reintegração de posse, situações graves parecem passar despercebidas ao órgão ambiental. Durante a ação, os indígenas encontraram estacas e pranchas de madeira serrada pelo parque e, na base avançada do ICMBio depararam-se com cadeiras de madeira recém-produzidas e materiais de serraria.

    “Com a nossa ocupação, vimos que a problemática está muito mais grave, porque praticamente os chefes do Parque estão com uma marcenaria montada dentro da base avançada do ICMBio, onde estavam desfiando madeira verde na produção de cadeira, mesa, tiraram muita prancha de macanaíba e outras árvores para fazer coisas que a gente não sabe ainda a dimensão”, denuncia Mandỹ Pataxó, uma das lideranças da TI Comexatibá que participam da ocupação.


    Registro dos Pataxó dos materiais encontrados na base avançada do ICMBio durante a ocupação

    Os Pataxó encontraram pilhas de madeira no parque, identificada por eles como oriundas de árvores típicas da Mata Atlântica – muitas em extinção e bastante cobiçadas por madeireiros. Os achados foram registrados em fotos.

    “Descobrimos esse madeiramento todo serrado, com pranchas de braúna, inhaíba e macanaíba, madeira de lei, árvores que não se encontra mais como havia 20 ou 30 anos atrás”, afirma.

    O parque e a terra indígenas são cercados por fazendas, onde sobressaem-se especialmente o cultivo de gado, eucalipto e café, com muita pressão sobre a mata da região. Por isso, as estacas de madeira encontradas no interior do parque intrigaram os indígenas.

    “Tem estacas também, que acreditamos que podem ser passadas para fazendeiros. Muitos não têm cerca com a mata do parque e acabam entrando, e eles [direção do parque] fazendo vista grossa e deixando isso acontecer”, critica o Pataxó.


    Indígenas na ocupação do Parna Descobrimento. foto: Domingos Andrade/Cimi Leste

    Reintegração de posse

    Um ano atrás, no mês de março, a tensão tomou conta da TI Comexatibá. Policiais federais e militares já estavam reunidos em Prado para executar a reintegração de posse em favor do ICMBio e despejar cerca de 300 indígenas da área de sobreposição com o parque.

    Sob pressão e com a memória recente de um despejo violento na mesma terra indígena, na aldeia Cahy, os Pataxó afirmaram que resistiriam e se prepararam para a guerra. No último instante, com base numa ação do Ministério Público Federal (MPF), o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) suspendeu a execução da reintegração de posse.

    Apesar disso, a liminar da Justiça Federal de Eunápolis em favor do ICMBio continua valendo. A decisão do TRF-1 apenas suspendeu sua execução até que o mérito da ação do MPF, que pede a suspensão definitiva da reintegração de posse, seja julgado.

    “Ainda temos a assombração da liminar da reintegração de posse feita pelo ICMBio. E tem muito crime ambiental no entorno da unidade, como plantio de eucalipto, desmatamento da Mata Atlântica do parque e descargas de agrotóxico na região”, explica Mandỹ Pataxó.

    A ação de reintegração de posse do ICMBio tramitou por cerca de dez anos até a decisão liminar, e o órgão não aceitou abrir mão dela nem depois que o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (Rcid) da TI Comexatibá foi publicado pela Fundação Nacional do Índio (Funai), em 27 de julho de 2015.

    Em entrevista ao ISA, em 2016, o então presidente do ICMBio, Cláudio Maretti, afirmou que o a TI Comexatibá ainda não poderia ser reconhecida como terra indígena, pois seu processo administrativo não estava concluído.

    Adelar Cupsinski, assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), aponta que essa é uma interpretação equivocada.

    “A Constituição Federal diz que são reconhecidos os direitos dos povos indígenas às suas terras tradicionalmente ocupadas”, explica. “Trata-se do reconhecimento de um direito originário, pré-existente, de modo que o trabalho administrativo cuida apenas de identificar e formalizar os limites dessas áreas, com a finalidade de preservar os direitos desses povos. O reconhecimento independe da formalização ou de atos constitutivos, portanto não é só a partir da homologação que uma terra indígena passa a ser reconhecida como tal”.


    Indígenas denunciam a presença de armadilhas nas trilhas de animais e de um mirante construído com madeira nativa em um santuária. Fotos: indígenas Pataxó

    Mirante em santuário e armadilhas pelo parque

    Em suas rondas pelo parque durante a ocupação, os Pataxó encontraram um mirante construído num local que, para seu povo, é um santuário.

    “Fizeram uma torre com um mirante alto na represa do Sonovô, lugar sagrado para os Pataxó. Madeira nativa, todo de macanaíba verde. Também abriram um roçado muito grande por baixo. Ali é um santuário onde ficam os porcos-queixada, muita onça, muita paca. Só que os animais estão acuados, se afugentaram daquela localidade”, relata Mandỹ.

    “O nome Sonovô vem de ‘só não vou’, por causa das onças. É um lugar sagrado para nós, porque é uma região antiga de moradia de nosso povo, onde ele vivia equilibrado e em harmonia antes de ser expulso pela [madeireira] Brasil Holanda, em 1970. Então, estamos muito tristes e preocupados”, continua.

    Além disso, os indígenas registraram também armadilhas cavadas em áreas que eles apontam como de passagem de porcos-queixada e antas (fotos abaixo).

    Eventos no interior da unidade

    A ocupação dos Pataxó no Parque Nacional do Descobrimento também resultou no cancelamento de uma atividade do evento Prado Moto Rock 2017 que ocorreria no interior da unidade de conservação. Estavam programados um passeio e um show no Parque.“Até pouco tempo, não existia visitação dentro do parque. Agora, já estão colocando passeios de ciclistas, cavalgadas e até eventos de moto, sem nenhuma preocupação”, afirma Mandỹ.

    O Parque Nacional do Descobrimento é uma unidade de conservação cujo regime de proteção é integral. Segundo a definição do próprio órgão, são unidades que tem como finalidade “preservar a natureza, livrando-as o quanto possível da interferência humana”.

    Esse tipo de unidade também prevê a “recreação em contato com a natureza, turismo ecológico, pesquisa científica, educação e interpretação ambiental”. Chama atenção, entretanto, a diferença de trato conferida pela gestão do parque a indígenas e não-indígenas.

    Nos autos do processo que resultou na liminar de reintegração de posse contra os Pataxó, é citada uma manifestação do então presidente do ICMBio, segundo o qual “a preservação do Parque Nacional do Descobrimento exige o reconhecimento da inviabilidade ambiental de qualquer forma de ocupação humana”.

    Gestão compartilhada e guarda indígena

    Embora os Pataxó reivindiquem e reconheçam toda a extensão do Parque como parte de seu território tradicional, são 19,6% da área do Parque Nacional do Descobrimento que estão sobrepostos ao perímetro reconhecido à TI Comexatibá pela Funai em 2015.

    “Os Pataxó nunca deixaram de reivindicar esta área, mesmo após sua expulsão dela pela empresa madeireira Brasil Holanda, na década de 1970. Eles já lutavam pela demarcação da terra indígena antes da criação do parque e, nos anos 2000, frente à morosidade do Estado, partiram para a retomada de novas partes do território. Aí que veio a reação do ICMBio e de fazendeiros”, explica Domingos Andrade, missionário do Cimi – Regional Leste que atua junto aos Pataxó.

    Um decreto de ampliação do Parque, publicado em 2012, previu sua dupla afetação, ou seja, a possibilidade de gestão compartilhada da unidade em caso de sobreposição com terras indígenas. O Ministério Público Federal (MPF), em ação civil pública, também recomendou a gestão compartilhada do parque como forma de garantir os direitos dos povos indígenas e a preservação da Mata Atlântica na região.

    Apesar disso, o ICMBio tem mantido a exigência de reintegração de posse contra os indígenas e se negou a discutir o assunto, abandonando inclusive instâncias de negociação com a Funai.

    Após a ocupação, os Pataxó estiveram em Brasília apresentando suas denúncias à presidência do ICMBio e à Sexta Câmara da Procuradoria-Geral da República, que ficou de averiguar a situação.

    Uma reunião com a presidência do ICMBio e o MPF chegou a ser marcada para os dias 12 e 13 de abril, para discutir uma possível resolução para a questão. Na última semana, ela acabou sendo remarcada para o início de maio. Até lá, os indígenas, que não aceitam mais que a atual direção seja mantida no parque, seguem ocupando a área.


    Madeira serrada no interior do parque, registrada pelos Pataxó

    “Temos a proposta de criação de uma fiscalização ambiental federal Pataxó, para ter mais autonomia na fiscalização do território”, explica Mandỹ Pataxó. “Eles estão interpretando a gente como praticamente terrorista, criminalizando a nossa luta. Enquanto isso, estão secando nossas veias, que são os rios, matando a nossa carne, que é nossa terra, e destruindo nosso espírito, que é a floresta. Não aceitamos isso mais e não vamos arredar o pé de lá antes do governo reconhecer toda essa situação criminosa e favorecer o que seja de melhor pra unidade e pra vida dos povos indígenas e de todos os seres vivos ali”.

    Questionado sobre as denúncias dos Pataxó, o ICMBio não se manifestou até o fechamento da reportagem nem retornou os pedidos feitos pela assessoria de comunicação do Cimi.

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  • 10/04/2017

    Organizações fazem alerta sobre as crescentes ameaças aos direitos indígenas no Brasil


    Sônia Guajajara e Davi Kopenawa entregam documento à ONU. Foto: Divulgação/Apib


    Um ano após a visita de Victoria Tauli-Corpuz ao Brasil, Relatora Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, organizações indígenas, indigenistas, socioambientalistas e defensores dos direitos humanos alertam o Alto Comissariado da ONU sobre as crescentes ameaças aos direitos constitucionais e dos povos indígenas no Brasil.

    Em carta assinada pela APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil em conjunto com cerca de 30 organizações, denúncias sobre o não cumprimento por parte do governo brasileiro de compromissos assumidos no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, e que ao invés de avanços, os últimos meses foram marcados pela forte escalada de vários retrocessos preocupantes são focos do documento.

    Entre eles, ataque aos direitos territoriais, através de medidas legislativas como a PEC 215; o desmantelamento das políticas públicas de Saúde, Educação e outras; o desmonte de instituições governamentais indigenistas, tais como a FUNAI e a SESAI; a tentativa de criminalização de lideranças indígenas e organizações que os apoiam; ameaças e até assassinatos de lideranças indígenas, além da ausência de qualquer diálogo, participação e consulta com os representantes indígenas.

    Ao fim do documento, as organizações solicitam que a Relatoria siga com o monitoramento da situação no Brasil e que, se possível, considere a pertinência de alertas urgentes e questione o Estado sobre quais as razões para os fatos apontados.

    O informe original pode ser acessado neste link e a tradução para o português pode ser conferida a seguir:

    Estimada Señora Victoria Tauli-Corpuz

    Relatora de la ONU sobre los Derechos

    Estimado Señor Joaquín Alexander Embajador

    Presidente del Consejo

    Estimado Señor Zeid Ra’ad Al Hussein

    Alto Comisariado de Derechos Humanos

    Estimado Señor Amerigo Incalterra

    Representante de la Oficina del para América del Sur

    Cc.: Estimado Señor Luciano Mariz

    Coordinador da 6ª Cámara do Ministerio Público Federal

    No mês de março de 2017 completamos um ano desde a visita ao Brasil da Relatora Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, enquanto o Brasil completa seu terceiro mês como membro do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

    Como já havíamos afirmado no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, o informe da missão e as recomendações da Relatora Especial Victoria Tauli-Corpuz coincide com nossas principais preocupações ante a violação e negação dos direitos humanos dos povos e das pessoas indígenas no Brasil. Por exemplo, a Relatora apresenta muito bem a conexão existente entre o persistente racismo institucional, a falta de capacidade dos órgãos governamentais e as principais violações e retrocessos no campo das políticas e leis que protegem os direitos dos povos indígenas, em especial o direito à terra, à vida, a não discriminação e proteção dos líderes defensores dos direitos humanos. Em seu informe, a relatora assinala que as propostas de redução do orçamento e de funcionários do instituto indigenista (Fundação Nacional do Índio – FUNAI) ia contra as demandas dos povos indígenas e as recomendações do Relator Especial anterior, James Anaya, que já destacavam a necessidade de fortalecer a Funai para que o Estado possa cumprir suas obrigações legais de proteção aos direitos dos povos indígenas.

    Em reação ao informe independente, o governo brasileiro afirmou, na sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU em setembro de 2016, que se comprometia a fortalecer a Funai e a proteger o direito constitucional de reconhecimento das terras indígenas, ameaçado por propostas legislativas como a Proposta de Emenda Constitucional conhecida como PEC 215.

    Ocorre que, realmente, estamos assistindo exatamente o contrário. FUNAI e outros importantes órgãos para a implementação de direitos indígenas estão sofrendo intenso desmonte, da mesma forma que as políticas específicas conquistadas nos últimos 30 anos, como por exemplo as de demarcação de terras, de proteção de povos voluntariamente isolados, de assistência diferenciada à saúde educação bilíngue, intercultural, diferenciada. Projetos de lei que buscam prejudicar e discriminar ainda mais os povos indígenas (como o que condena a prática do infanticídio como se fosse uma prática comum e generalizada somente entre os indígenas) andam junto com propostas de mudanças legislativas para diminuir o controle dos povos indígenas sobre suas terras e territórios, tudo isso sem nenhum processo de consulta livre, prévia e informada. Depois de sua visita, e diante do contexto de mudanças políticas, a Relatora assinalou preocupação com o fato da concentração do poder político e econômico nas mãos de um pequeno segmento da sociedade brasileira, situação que levou à exploração abusiva de terras e recursos dos povos indígenas sem considerar seus direitos.

    De fato, diante do quadro político e dos casos de corrupção do governo atual, os povos indígenas e seus direitos seguem ainda mais ameaçados, incluindo a sua integridade física. As constantes mudanças de ministros, secretários e da presidência da FUNAI atendem a estes setores abertamente contrários aos interesses e direitos dos povos indígenas e contribuem para o agravamento de situações de violência e impunidade no campo. Neste último ano aumentou o retrocesso dos direitos fundamentais dos povos indígenas, incluindo a suspensão da demarcação de terras indígenas.

    Abaixo seguem as principais violações concretizadas somente neste último ano, e depois do envio do informe dos povos indígenas ao Exame Periódico Universal das Nações Unidas. As medidas adotadas pelo Estado brasileiro contradizem suas recomendações assim como os compromissos e obrigações com os Direitos Humanos no campo internacional e, em especial, com a declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Solicitamos que a Relatoria siga com o monitoramento da situação no Brasil e, se possível, considere a pertinência de alertas urgentes e questione o Estado sobre quais os motivos para estes fatos:

    1) Apesar de sua recomendação para que os escritórios regionais da FUNAI tivessem recursos adequados para oferecer os serviços que os povos indígenas, incluindo os isolados, necessitam, em outubro de 2016 o governo reduziu drasticamente o orçamento da instituição, que já estava trabalhando com apenas 36% da capacidade de funcionários. E em março de 2017 foram realizadas mudanças estruturais para a extinção de 347 cargos de coordenação e assessoria (incluindo técnicos de campo) da FUNAI, afetando especialmente a atenção local para as comunidades indígenas, o setor de acompanhamento de licenciamento ambiental e de proteção aos povos indígenas em isolamento.

    2) O corte de postos na FUNAI foi encomendado pelo ministro da Justiça, Osmar Serraglio (no cargo desde fevereiro de 2017). Antes ele era deputado federal pelo estado do Rio Grande do Sul, um dos promotores da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) contra as atividades da FUNAI e do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Esta CPI continua o seu trabalho sem justificação técnica ou jurídica suficiente, depois de ter sido anteriormente arquivado sem conclusões, mas continua a intimidar os organismos públicos e seus servidores, assim como, para criminalizar as organizações indígenas e da sociedade civil que defendem os direitos indígenas. O atual ministro da Justiça, ao qual está subordinada a FUNAI, também foi o relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215) que tenta transferir a demarcação das terras indígenas para decisões políticas do Congresso Nacional, composto majoritariamente por grandes fazendeiros, proprietários de terras e produtores rurais, o que impediria conclusões favoráveis aos povos indígenas. De fato, em uma de suas primeiras entrevistas a jornais nacionais, o ministro afirmou que “o que os povos indígenas precisam não são suas terras tradicionais porque (“terra não enche barriga de índio”).

    3) Neste março de 2017 também foi aprovada pelo Congresso a prorrogação do prazo para o funcionamento da CPI contra FUNAI e INCRA por supostas ações irregulares dos órgãos públicos na demarcação de terras indígenas e comunidades negras rurais (quilombolas), mas na realidade o que está em jogo é a criminalização de lideranças indígenas e de organizações que os apoiam, disseminando suspeitas infundadas que buscam atacar seu prestígio com a divulgação de informações sigilosas ou privadas de pessoas e instituições da sociedade civil.

    4) O ex-ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, que a partir de março de 2017 assume como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e participará de julgamento de casos constitucionais. Ele teve sua candidatura muito criticado pela sociedade civil, entre outras razões, pela manobra realizada pelo governo e Congresso Nacional para minimizar os impactos de casos de corrupção envolvendo seus colegas do governo e políticos apoiadores que foram a julgamento na Supremo Corte. Da mesma forma, questões como a demarcação de terras indígenas que estavam diretamente sob sua autoridade agora passam a ser analisados pelo próprio, à partir da mais alta autoridade do Judiciário, afetando até mesmo o direito de acesso dos povos indígenas à Justiça em virtude de privilegiar interesses políticos anti-indígenas.

    5) Poucos meses antes de sua indicação para o Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes ainda como ministro da Justiça, acabava de tentar alterar o processo de demarcação de terras indígenas, através de legislação chamada Portaria MJ 68. Essa legislação criou uma instância de pressão política no processo de demarcação, diminuiu o papel da Funai e de informações técnicas especializadas e incluiu possibilidades inconstitucionais para justificar a negação de direitos à terra dos povos indígenas. Depois de fortes protestos do movimento indígena e do Ministério Público Federal, e também de segmentos da sociedade civil, a norma foi substituída pela Portaria 80, de conteúdo similar entrelinhas.

    6) Todas essas mudanças estão sendo feitas sem qualquer diálogo, participação ou consulta dos representantes indígenas. Mesmo o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), órgão paritário entre representantes indígenas e governamentais, criado para o diálogo com os povos indígenas, passou a ser desvalorizado e desde 2016 não realiza suas reuniões. Em seu relatório, a Relatora Especial recomendou que o CNPI deveria participar das indicações da FUNAI, buscando competência técnica e independência política para cumprir o mandato do órgão, além condições de funcionamento garantidos.

    7) As ameaças não dizem respeito apenas aos direitos territoriais. A nível federal, os povos indígenas estão lutando contra o fim das políticas que foram construídas com muito empenho pelos indígenas como, por exemplo, as políticas de atenção diferenciada à Saúde Indígena, implementadas pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) do Ministério da Saúde e políticas de Educação intercultural bilíngue coordenadas pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade, Inclusão e Diversidade do ministério da Educação (SECADI), instituições indicadas pelo relator especial como importantes e dignas de fortalecimento.

    8) No caso da saúde, também foram editados normativas que mudaram o funcionamento dos serviços de Saúde e espaços de controle social, e logo depois revogadas, em resposta aos protestos indígenas. Foi criado um Grupo de Trabalho com a participação indígena, e o Ministério da Saúde se comprometeu de realizar pelo menos 05 seminários regionais de consulta que logo se reduziram a reuniões dos 34 Distritos de Saúde Especial Indígena (ADIS), mas até agora não tiveram efeito, e mudanças na estrutura do ministério estão ocorrendo por interesse político e sem consulta.

    9) As tentativas de mudanças normativas e estruturais de importantes órgãos como a FUNAI e SESAI vem acompanhadas por mudanças em suas diretorias, a partir de indicações políticas e, muitas vezes, sem compromisso com os direitos dos povos indígenas. Em janeiro de 2017, foi nomeado um novo presidente da FUNAI, Sr. Antonio Toninho Costa, um pastor evangélico que anteriormente assessorava parlamentares do Partido Social Cristão (PSC), um dos mais ativos nas proposta de iniciativas e discursos anti-indígenas no Congresso Nacional. Em uma de suas primeiras entrevistas, e sem considerar as recomendações da ONU sobre a necessidade de olhar para as situações específicas dos povos indígenas ao falar de programas de geração de renda, o novo presidente da FUNAI afirmou que as demandas para demarcação de territórios a solução seria fazer que os indígenas produzam, sem deixar clara a obrigação do Estado de cumprir as demarcações. Ele sinalizou a necessidade de reforçar a FUNAI e justificou que não foi informado sobre as iniciativas do ministério para reduzir o papel da Funai nas demarcações.

    10) Alguns meses antes, outro pastor evangélico e de carreira militar foi nomeado diretor da área responsável pelo acompanhamento de licenciamento de obras que impactam as terras indígenas, assim como, as políticas de assistência social e econômica para povos. Há uma grande preocupação de que o órgão indigenista seja usado para legitimar mega-projetos que podem inviabilizar o meio ambiente, a vida indígena e suas culturas, bem como um instrumento de evangelização e de assimilação dos povos indígenas, suas culturas e terras.

    11) Agora, em março de 2017, circularam informações de que o ex-secretário de Saúde Indígena, Rodrigo Rodrigues, também apoiado pelo bloco ruralista, será o novo diretor da FUNAI para a área responsável pela demarcação e proteção das terras indígenas, incluindo os territórios dos povos isolados. Em entrevista, ele afirmou que a terra indígena Marãiwatsédé, da aldeia Xavante, no estado do Mato Grosso, homologada depois de muitas décadas de conflitos provocados ​​por ruralistas e políticos, não seria uma terra indígena. A declaração fez com que a FUNAI escrevesse uma nota pública.

    12) Nesse sentido, também, sem a observação do direito de consulta e consentimento livre, prévio e informado, avançam os mega projetos como o de mineração da canadense Belo Sun, na mesma região do impacto da barragem de Belo Monte, que afetará a saúde e territórios dos povos Juruna e Arara; a linha de transmissão de energia Manaus-Boa Vista a ser construído dentro da terra indígena Waimiri-Atroari; a conclusão do desvio do rio São Francisco na região nordeste; a implantação de hidrovias e hidrelétricas na Bacia de Tapajós; a construção de estradas no Mato Grosso como a MT-242 e BR-158; Projetos de Lei para abrir terras indígenas à mineração; entre outros.

    13) O contexto nacional de ataques a instituições e leis que minimamente protegem os direitos dos povos indígenas no Brasil no último ano, vimos um aumento dos casos de ameaças e até assassinatos de líderes indígenas, por exemplo, no Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, objeto de alerta do Representante do Alto Comissariado de Direitos Humanos na região e da relatoria especial sobre defensores de Direitos Humanos da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Também se somam a isso o uso indevido da força com forte carga de racismo institucional por determinação judicial e a realização de despejos em caráter provisório, em nome de indivíduos e contra o direito originário dos povos indígenas sobre suas terras como nos casos Tapeba, Pataxó, Terena e Guarani-Kaiowá.

    Por estas razões e preocupados com a destruição das instituições de defesa e proteção dos direitos dos povos indígenas no Brasil, bem como o aprofundamento da negação dos seus direitos, além do não cumprimento das recomendações dos Direitos Humanos emitidas pelos Relatores Especiais das Nações Unidas, do Sistema Interamericano e no Exame Periódico Universal, pedimos sua atenção e manifestação junto ao Estado, de modo a evitar um novo ciclo de extermínio dos povos indígenas e suas culturas no Brasil.

    APIB – Associação dos Povos Indígenas do Brasil

    APOINME – Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo

    Conselho Terena

    Comissão Guarani Yvyrupá

    ARPINSUDESTE – Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste

    ARPINSUL – Articulação dos Povos Indígenas do Sul

    ATY GUASSU – Grande Assembleia do Povo Guarani

    COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira

    ATIX – Associação Terra Indígena Xingu

    AMAAIC – Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre

    APINA – Conselho das Aldeias Wajãpi

    FOIRN – Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro

    HAY – Associação Yanomami

    CIR – Conselho Indígena de Roraima

    OPIAC – Organização dos Professores Indígenas do Acre

    Wyty-Catë – Associação Wyty-Catë dos Povos Indígenas Timbira do Maranhão e Tocantins

    OGM – Organização Geral Mayuruna

    ABA – Associação Brasileira de Antropologia

    CIMI – Conselho Indigenista Missionário

    Conectas Direitos Humanos

    CTI – Centro de Trabalho Indigenista

    CPI-AC – Comissão Pró-Índio do Acre

    CPI-SP – Comissão Pró-Índio de São Paulo

    IEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil

    Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena

    ISA – Instituto Socioambiental

    Greenpeace

    RCA – Rede de Cooperação Amazônica

    Plataforma de Direitos Humanos – DHesca Brasil


    Nas fotos: Reunião entre as lideranças indígenas Sonia Guajajara e Davi Kopenawa Yanomami com representantes do Alto Comissariado da ONU, Juan Nuez e Melanie Santizo. Acompanham o encontro representantes da RCA e DHESCA, Luis Donisete Benzi Grupioni e Erika Yamada. Genebra, 05/04/2017.

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  • 10/04/2017

    #ABRILindígena: oficina “Os Povos Indígenas e os Direitos Originários” está com inscrições abertas

    Estão abertas, até 20 de abril, as inscrições da oficina “Os Povos Indígenas e os Direitos Originários”. O evento é uma das realizações do Ministério Público Federal para o #ABRILindígena. A oficina acontece no dia 25 de abril, das 9h às 13h, no Auditório JK, na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília. Para garantir sua participação, envie e-mail para o endereço pgr-treinamento@mpf.mp.br. As inscrições são gratuitas.

    A primeira mesa da programação terá como tema as Terras Indígenas nas constituições brasileiras. O debate será presidido pelo subprocurador-geral da República Luciano Mariz Maia, coordenador da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR/MPF), realizadora do evento. A procuradora federal dos Direitos do Cidadão do MPF, Deborah Duprat, e o constitucionalista Daniel Sarmento debaterão a temática.

    Etnografia nas terras indígenas será o assunto da segunda mesa, que contará com a mediação de Luiz Eloy, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e participação dos antropólogos João Pacheco e Fabio Mura como debatedores. A cientista política e ativista indigenista Dalee Dorough (University of Alaska) participa da terceira mesa, cujo tema é Terras indígenas na Jurisprudência do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Indígenas.

    A oficina é uma iniciativa da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF, com o apoio do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Instituto Socioambiental (Isa), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Plataforma Dhesca.

    Confira a programação no site do MPF.

    SERVIÇO
    “Os Povos Indígenas e os Direitos Originários” – Oficina
    ***Inscrições pelo e-mail: pgr-treinamento@mpf.mp.br
    Quando: 25 de abril, das 9h às 13h
    Onde: Auditório JK, sede da Procuradoria-Geral da República (SAF Sul Quadra 4 Conjunto C Brasília/DF)
    Mais informações: (61) 3105-6051 ou 3105-6052

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  • 07/04/2017

    Semana dos Povos Indígenas: Territórios e biomas como expressões de luta e vida

    O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), neste simbólico mês da resistência secular indígena, lançou a tradicional campanha Semana dos Povos Indígenas. Por todo o país, missionários e missionárias percorrem escolas, universidades, sindicatos, órgãos públicos, Legislativo e Judiciário, além das aldeias discutindo um tema previamente selecionado. Acesse aqui o material da campanha na íntegra.

    Para este ano, o Cimi convida a reflexões sobre "Povos indígenas, Territórios e Biomas: Berços de Vida, Lutas e Esperança". O tema vincula-se ao proposto pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para a Campanha da Fraternidade de 2017. Partindo das reflexões da Encíclica Ladauto Si, do Papa Francisco, o texto da campanha analisa:

    "São inúmeros os problemas gerados por um modelo exploratório, que vê converter tudo em mercadoria e subjuga os seres vivos aos imperativos de lucratividade e de concorrência do sistema capitalista. Dentro dessa lógica, os povos indígenas e populações tradicionais são vistos como obstáculos e suas distintas maneiras de pensar e de viver são caracterizadas como ultrapassadas, anacrônicas, obsoletas".

    A campanha reflete sobre os conhecimento tradicionais dos povos indígenas e comunidades tradicionais como vitais para as espécies do Planeta. "Esta é uma capacidade desenvolvida a partir de seus modos próprios de viver e de entender as relações entre os seres, na terra. Para viver, e não meramente sobreviver, é preciso ver nos outros – pessoas, animais, plantas – não um inimigo ou um concorrente, e sim um elemento que integra a trama da vida e que tem, nela, o seu lugar".

    Desse modo, garantir os territórios tradicionais a estas populações é a face de uma luta contra toda uma ordem econômica e política geradora de misérias, desigualdades, esbulhos e genocídio.

    "A relação dos povos indígenas com a terra é explicada pelo antropólogo Eduardo Viveiros de Castro (2016, s/p) nos seguintes termos: A terra é o corpo dos índios, os índios são parte do corpo da terra. A relação entre terra e corpo é crucial. A separação entre a comunidade e a terra tem como sua face paralela, sua sombra, a separação entre as pessoas e seus corpos, outra operação indispensável executada pelo Estado para criar populações administradas".  

    Justamente por conta de tal capacidade dos povos indígenas e comunidades tradicionais de desobedecer à "criação de populações administradas", a Semana é também um espaço de denúncia. "A demarcação e proteção das terras é um direito dos povos indígenas estabelecido pela Constituição Federal, Art. 231, no qual se afirma que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

    Biomas

    Não há quem melhor proteja um bioma do que o povo que nele vive de forma integrada com as diversas formas de vida ali presentes. Há que se destacar que a presença dos povos indígenas e demais comunidades tradicionais como os quilombolas, os coletores de iscas, os ribeirinhos, os caiçaras e os pescadores artesanais ajudam a preservar os biomas. Tal relação é outro aspecto que a Semana pretende abordar. Exemplos não faltam.

    "Para se ter uma ideia inclusive do potencial de reavivamento de áreas degradadas nestes biomas, os Pataxó que lutam por suas terras tradicionais na Bahia, exatamente no local da invasão portuguesa ao Brasil, plantaram mais de 20 mil mudas de árvores nativas da Mata Atlântica nos últimos anos. Os Ka’apor, entre 2013 e 2016, fecharam 14 ramais de retirada ilegal de madeira da Terra Indígena Alto Turiaçu, no Maranhão. Os Munduruku conseguiram impedir a destruição da Terra Indígena Sawré Muybu, no Pará, barrando a construção do Complexo Hidrelétrico do Rio Tapajós – o que por conseguinte inundaria milhares de hectares de Floresta".

    Pouco a sociedade envolvente a estes povos é informada pela mídia hegemônica sobre o que representa para todos e todas os indígenas e comunidades vivendo nos territórios tradicionais. Ao contrário, a mídia apenas reproduz o modelo que tem nos levado a situações de vulnerabilidade e morte, caso do agronegócio (grande destruidor de biomas e populações), negando, inclusive, a informação de que 70% dos alimentos que acessamos diariamente vêm da agricultura familiar.


    "Demarcar e respeitar os limites dos territórios indígenas é uma das formas de reconhecermos que há outros povos com propriedade e sabedoria para resguardar a diversidade ecológica que existe em nosso país. É também um modo de dar visibilidade a outros pontos de vista sobre o mundo, e a concepções que não cabem nos limites de nossa tradição ocidental".

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  • 07/04/2017

    Após 28 anos, acusados de matar indígena no Mato Grosso são condenados em júri popular

    Os réus Sadi Francisco Tremea e Antônio Lopes da Silva foram condenados a 18 anos e nove meses de prisão em regime fechado, cada um, por homicídio doloso qualificado contra o indígena de 70 anos Yaminerá Suruí, ocorrido em 16 de outubro de 1988, na Reserva Indígena Zoró, localizada no Município de Aripuanã, região noroeste de Mato Grosso. A condenação foi resultado do júri popular realizado nesta quarta-feira (5), em Cuiabá (MT), pela Justiça Federal de Mato Grosso (JFMT), e anunciada após 10 horas de embates calorosos entre a defesa e acusação. Os acusados estão foragidos.

    Julgamento – A sessão teve início por volta das 9h30 com o sorteio dos sete jurados que compuseram o júri. Em seguida, foram reproduzidos em vídeo os depoimentos de três testemunhas ouvidas por carta precatória. Os primeiros a serem ouvidos foram dois servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) que afirmaram que o indígena havia sido assassinado devido a disputa de terra, pois colonos estavam invadindo os limites da área indígena dos Zoró. Uma das testemunhas afirmou que só foi possível localizar o corpo do indígena, que estava em boa parte carbonizado, graças ao depoimento dado por um dos acusados que estava preso em Cuiabá. Essa testemunha também afirmou que Yaminerá foi morto pois, sendo idoso, não conseguiu correr para dentro da mata, fugindo dos tiros como os outros indígenas fizeram.

    A terceira testemunha a ser ouvida foi o indígena Celso Natin Suruí, sobrinho da vítima. Ele contou que estava caminhando próximo a estrada com o pai, o indígena Yaminerá e o balseiro “Osvaldo”, quando os acusados passaram de caminhonete e começaram a atirar. Os outros índios e o balseiro conseguiram correr para a mata, mas Yaminerá não conseguiu correr por causa da idade. “Ele foi morto a queima roupa. Meu pai ainda chegou a ser atingido de raspão no braço, mas conseguiu fugir”, afirmou em depoimento.

    Ministério Público – Não houve leitura das cartas precatórias de outras testemunhas, e então iniciou-se a fase dos debates. Representando o Ministério Público Federal em Mato Grosso (MPF/MT), o procurador da República Vinícius Alexandre Fortes de Barros enfatizou que havia provas suficientes para a condenação, porém, mais que condenar os réus, a questão era a de se fazer justiça depois de 28 anos, acabando com a sensação de impunidade. “O MPF tem o papel não de condenar, mas de defender a sociedade, e é isto que queremos fazer aqui”, afirmou.

    Durante o seu discurso, o procurador lembrou que o indígena havia sido assassinado 11 dias depois da promulgação da Constituição Federal, que traz em seu artigo 230 a garantia da vida das pessoas idosas, e o artigo vizinho, o de número 231, que trata sobre o reconhecimento dos indígenas, suas crenças e costumes, e direito de demarcação de terras. “A vítima teve ceifados dois de seus direitos reconhecidos pela Constituição Federal recém promulgada”, completou.

    Em seguida, a palavra foi passada para a procuradora da República Marianne Cury Paiva, que leu alguns depoimentos dados pelos réus, confirmando terem sido convidados para fazer parte da chamada "caravana da morte" e que todos estavam armados e em duas caminhonetes. Nos depoimentos, os acusados deixaram claro que o grupo teria atacado quatro vezes os indígenas, sendo que no terceiro ataque o indígena Yaminerá Surui foi morto. Ela apontou que os réus não negaram o crime em seus depoimentos.

    Já o procurador da República Ricardo Pael Ardenghi tratou de explicar aos jurados os quesitos que seriam usados no julgamento e enfatizou que, além de condenar os acusados, um dos principais objetivos do júri era o de acabar com a sensação de impunidade. “Absolver os dois acusados será como deixar um vazio, assim como está a cadeira dos réus aqui hoje, vazia. Basta dessa sensação de impunidade. É preciso que sejamos justos”, ressaltou Pael, que enfatizou a situação de como se deu o crime e a impossibilidade de reação por parte da vítima idosa. A acusação usou as duas horas e meia a que tinha direito.

    Defesa – Após a suspensão do júri por uma hora para o almoço, foi a vez da defesa retomar o debate. O defensor público da União, João Paulo Rodrigues de Castro, tentou convencer os jurados que os invasores da terra indígena eram fazendeiros e agiram em legítima defesa, pois dois dias antes do assassinato do indígena alguns índios teriam ido até o local onde os posseiros estavam e feito ameaças de morte caso eles não se retirassem das terras Zoró.

    O defensor também usou a tese de que o indígena assassinado também teria participado do ataque feito pelos indígenas no acampamento dos posseiros, e que o motivo do crime não teria sido fútil, desqualificando o crime. Além disso, afirmou que não houve uma “caravana da morte” e que a vítima não foi alvejada pelas costas, e muito menos em um terceiro ataque feito pelos posseiros. Para o defensor, a vítima teria sido atingida por um tiro durante intenso tiroteiro entre os posseiros e indígenas, em uma batalha campal. A defesa também usou as duas horas e meia.

    Ainda foram usadas a réplica por parte da acusação e a tréplica por parte da defesa, ambos sustentando as suas versões.

    Votação – Por volta das 17 horas os jurados se retiraram para a sala secreta, onde fizeram a votação de acordo com os quatro critérios colocados pelo juiz: o primeiro, a materialidade do caso, ou seja, se o crime havia ocorrido; o segundo sobre a autoria, se os réus teriam concorrido de alguma forma para a morte da vítima; caso positivo, o terceiro quesito era que, mesmo tento participado de alguma forma, os jurados os absolveriam; e o quarto quesito era quanto a qualificadora, ou seja, por motivo fútil e indefensável.

    A sentença foi lida pelo juiz federal Francisco Moura Júnior, que presidiu a sessão. Os jurados reconheceram a culpabilidade dos réus e também a qualificadora, ou seja, que o crime foi cometido por motivo fútil, condenando assim os réus. A pena aplicada foi a de 18 anos e nove meses para cada réu. Como eles já haviam sido presos em 1989, houve uma redução de aproximadamente quatro meses para cada um. O juiz, na dosimetria da pena, considerou o fato mais reprovável e aumentou a pena base por ser um ataque contra integrantes de uma comunidade indígena, indiscriminadamente, tão somente por serem indígenas. A defesa irá recorrer da decisão.

    Os réus são considerados foragidos desde 1989, quando tiveram a prisão preventiva decretada e posteriormente a liberdade provisória, tendo mudado de endereço sem prévia autorização, não sendo mais localizados.

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  • 07/04/2017

    Provocar rupturas, construir o Reino. Vicente Cañas SJ: Fragmentos de seu martírio

    O colaborador do Reino, necessariamente, será um provocador de rupturas. Vicente Cañas foi este colaborador da causa maior do Reino, que irrompeu de sua opção pela causa dos povos indígenas.
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