• 03/05/2017

    “Ameaças e ataques anti-indígenas ocorrem nos três poderes do Estado”, denunciou Dom Roque Paloschi na Assembleia Geral dos Bispos

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    Durante a 55ª Assembleia Geral dos Bispos do Brasil. Dom Roque Paloschi denunciou violações dos direitos indígenas Foto: CNBB

    Em plenária realizada na tarde de ontem, terça-feira (2), durante a 55ª Assembleia Geral dos Bispos do Brasil, dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho (RO) e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), denunciou as violações dos direitos indígenas ocorridas nos três poderes do Estado brasileiro. Para o religioso, governo de Michel Temer é conduzido pela bancada ruralista, “setor que atua de modo articulado, sistemático e violento no ataque aos povos e direitos indígena”. Como consequência da atual conjuntura política nacional, “cria-se o caótico cenário político indigenista vivido no Brasil”.

    Para atender aos interesses dos financiadores das campanhas eleitorais e daqueles que conduziram o impeachment, “diferentes órgãos foram ocupados por pessoas com posicionamentos antagônicos aos povos indígenas, quilombolas, demais comunidades tradicionais e camponeses sem terra”. O pronunciamento de dom Roque para dezenas de bispos, em Aparecida (SP), assinala as concessões de cargos a ruralistas no governo Temer. Para aprovar medidas de “reformas”, o atual governo leiloou ao agronegócio inclusive o Ministério da Justiça, responsável pelas demarcações das terras indígenas. Osmar Serraglio (PMDB-PR), hoje Ministro da Justiça, “é o representante do núcleo duro da bancada ruralista, setor que atua de modo articulado, sistemático e violento no ataque aos povos e direitos indígenas”, aponta Dom Roque.

    Sob constantes ataques, os direitos indígenas são congelados e o que avança no Ministério da Justiça e na Câmara dos Deputados são ações “que visam a desconstrução dos direitos dos povos indígenas no Brasil”.  No Executivo Federal, demissões e cortes no orçamento na Fundação Nacional do Índio (Funai) – o que caracteriza desmonte da instituição – também assinalam os retrocessos contra os direitos dos povos tradicionais. “O enxugamento da máquina governamental configura a desproteção dos povos indígenas, perpetua situações de vulnerabilidade sócio cultural, conflitos e violências enfrentadas pelos povos […]. Também favorece a invasão, loteamento e apossamento ilegal de terras indígenas já demarcadas […]”.

    No Poder Judiciário, quando o assunto são os povos indígenas, o que vem em pauta é o marco temporal. Instrumento de grupos anti-indígenas, a tese jurídica propõe uma interpretação restritiva dos direitos indígenas, ao definir que só poderiam ser consideradas terras tradicionais aquelas que estivessem sob posse dos povos originários na data de 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.

    Ergue-se outra bandeira da bancada ruralista. Contudo, o pronunciamento do líder religioso adverte: “Eventual decisão majoritária do STF em favor dessa tese significará, na prática, a legalização e legitimação de todas as ações violentas, cometidas por forças privadas e pelo próprio Estado brasileiro, até aquela data, que resultaram em expulsões dos povos de suas terras”.

    Perseguições ao Cimi, seus membros e colaboradores
    Dom Roque Paloschi aponta no documento ações do poder legislativo que visam calar a voz profética do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Para ele, são “perseguição política, tentativa de criminalização e provocação de danos morais contra a organização, seus membros e colaboradores”.

    Na carta, o bispo ressalta as acusações infundadas que compunham a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Cimi no Mato Grosso do Sul (MS) e recorda que “tentativas de linchamento moral” contra o organismo não são inéditas, ao recordar as injúrias publicadas pelo jornal Estado de São Paulo no advento do processo Constituinte, em 1987. “As acusações desferidas por parte de representantes do agronegócio sul mato-grossense contra o Cimi, seus membros e colaboradores tinham exclusivo viés político-ideológico e se deram num contexto de perseguição”, afirma. O relatório da CPI MS foi arquivado por falta de provas.

    Para recordar a importância do trabalho do Cimi junto aos povos indígenas, além de mencionar as instâncias nacionais e internacionais de atuação do organismo, o arcebispo memora a atuação do salesiano Rodolfo Lunkenbein (1939-1976) e do jesuíta Vicente Cañas (1939-1987), ambos assassinados por defenderem a vida dos indígenas. “O martírio aponta para o núcleo da esperança de uma causa aparentemente perdida, de uma causa que na última instância e antecipadamente recebeu o veredito de Deus fiel e justo: ‘serás livre e tua causa viverá’”.

    Leia a carta na íntegra:

    CARTA DE DOM ROQUE NA 55ª ASSEMBLEIA GERAL DA CNBB
     “Felizes os mansos, porque receberão a terra em herança.” (Mt 5,5)

    O cenário político indigenista vivido no Brasil é caótico. O risco iminente de retrocessos contra os direitos indígenas, de modo especial ligados ao território, é alto. O agravamento das violações de direitos humanos dos povos indígenas no Brasil é evidente.


    As ameaças e ataques anti-indígenas ocorrem nos três poderes do Estado Brasileiro. Favorecidos com doações milionárias de grandes corporações, inclusive multinacionais, o ruralismo saiu ainda mais fortalecido das urnas, em 2014. O impeachment, de 2016, permitiu aumentar o ataque contra os povos indígenas em todo o território nacional.
     A bancada ruralista, que já exercia forte pressão sobre o governo Dilma, agora assumiu, por completo, a condução política do governo Temer. Diferentes órgãos foram ocupados por pessoas com posicionamentos antagônicos aos povos indígenas, quilombolas, demais comunidades tradicionais e camponeses sem terra.

    Até mesmo o Ministério da Justiça, que tem papel fundamental na condução dos procedimentos administrativos de demarcação das terras indígenas, foi assumido por um membro da bancada ruralista, o deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/00, principal instrumento legislativo contra os direitos territoriais dos povos indígenas no Brasil.

    O Ministro da Justiça destaca-se por ser um operador orgânico, empenhado nas ações que visam a desconstrução dos direitos dos povos indígenas no Brasil. Corporações empresariais ligadas ao agronegócio foram as principais financiadoras de sua campanha à Câmara dos Deputados. Como ministro do governo Temer, é o representante do núcleo duro da bancada ruralista, setor que atua de modo articulado, sistemático e violento no ataque aos povos e direitos indígenas.

    Pelo enxugamento de recursos e descompromisso político, o governo Temer paralisou os procedimentos administrativos de demarcação das terras indígenas. Desde que assumiu o governo, em maio de 2016, nenhuma terra indígena foi homologada pelo Presidente e sequer declarada pelo Ministro da Justiça.

    O Executivo federal também demitiu funcionários e cortou o orçamento da Fundação Nacional do Índio (Funai). Com isso, mais de cinquenta coordenações técnicas locais e ao menos cinco bases de proteção a povos isolados e de recente contato estão sendo fechadas pelo órgão indigenista.

    O enxugamento da máquina governamental configura a desproteção dos povos indígenas, perpetua situações de vulnerabilidade sócio cultural, conflitos e violências enfrentadas pelos povos, de modo especial nas regiões Sul, Sudeste, Nordeste e Noroeste do país. Também favorece a invasão, loteamento e apossamento ilegal de terras indígenas já demarcadas; ao mesmo tempo em que fortalece o risco de genocídio contra diversos povos isolados, de modo especial na região Amazônica.

    No Judiciário, de modo especial no Supremo Tribunal Federal (STF), há intensa disputa em torno da interpretação do atual texto constitucional. Os ruralistas e alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) defendem a tese político-jurídica do Marco Temporal, segundo a qual os povos somente teriam direito às terras nas quais estavam na posse em 05 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Brasileira. Naquele momento, muitos povos indígenas estavam encurralados em terras não demarcadas e impedidos de reivindicar seus territórios. Trata-se de matéria de profunda importância e gravidade. Eventual decisão majoritária do STF em favor dessa tese, significará, na prática, a legalização e legitimação de todas as ações violentas, cometidas por forças privadas e pelo próprio Estado brasileiro, até aquela data, que resultaram em expulsões dos povos de suas terras.

    A mera possibilidade de legitimação dos esbulhos de terras indígenas cometidos até outubro de 1988, tem servido para insuflar a prática de novas invasões, loteamentos e apossamentos ilegais de terras indígenas já demarcadas, práticas que estão em curso especialmente nos estados de Rondônia e Pará.

    Perseguições ao Cimi, seus membros e colaboradores: A CPI do Cimi no Mato Grosso do Sul e a CPI da Funai/Incra na Câmara dos Deputados.

    No advento dos 45 anos completados no último dia 23 de abril, o Cimi tem a alegria de informar sobre o arquivamento, por parte do Ministério Público Estadual (MPE) e Ministério Público Federal (MPF), do Relatório produzido pela CPI do Cimi no Mato Grosso do Sul. A Comissão Parlamentar de Inquérito criada e conduzida por parlamentares ruralistas invadiu a vida institucional do Cimi, de membros e colaboradores da organização durante oito meses, no período de setembro de 2015 a maio de 2016.

    Ao longo de todo esse tempo, acusações marcadamente falaciosas foram amplamente divulgadas como se verdade fossem por diferentes veículos de comunicação, inclusive pela TV pública da própria Assembleia Legislativa daquele estado. Imagens de missionários e seus familiares e crianças foram divulgadas sem o menor respeito.

    O arquivamento do Relatório da CPI do Cimi pelos órgãos de controle do Estado brasileiro demonstra que a luta por direitos e em defesa da Vida no Brasil não é e não pode ser tratada como crime em nosso país. Com o arquivamento do citado Relatório, fica novamente demonstrado, mais uma vez, que o Cimi, seus membros e colaboradores atuam, única e exclusivamente, dentro dos marcos político-legais vigentes no Estado brasileiro.

    A motivação central do arquivamento do Relatório da CPI, a saber, por falta de provas, materializa o fato de que as acusações desferidas por parte de representantes do agronegócio sul mato-grossense contra o Cimi, seus membros e colaboradores tinham exclusivo viés político-ideológico e se deram num contexto de perseguição, tentativa de criminalização e na intenção de provocar danos morais  contra uma organização  reconhecida, nacional e internacionalmente, pelo compromisso com a vida dos povos indígenas e de uma sociedade plural e democrática.

    Nesse contexto, o Cimi chama a atenção para o fato de que o referido Relatório, devidamente arquivado pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal no Mato Grosso do Sul, foi requerido e pode estar sendo ‘requentado’ pelos ruralistas no âmbito da CPI da Funai/Incra na Câmara dos Deputados. O relatório desta nova CPI provavelmente será aprovado ainda neste mês de maio de 2017.

    Por evidente, eventual menção e retomada, pela CPI da Funai/Incra, de acusações dirigidas ao Cimi, a seus membros e colaboradores que foram arquivadas junto com o Relatório da CPI do Cimi no Mato Grosso do Sul, significará prática recorrente, de modo consciente e deliberado, por parte de seus autores, de perseguição política, tentativa de criminalização e provocação de danos morais contra a organização, seus membros e colaboradores.

    Cumpre lembrar que estas estratégias de acusações infundadas e tentativas de linchamento moral contra o Cimi não são inéditas. No advento do processo Constituinte, em 1987, na tentativa de desqualificar a luta dos povos indígenas pela garantia de seus direitos no texto Constitucional, o Cimi também sofreu um duro processo de acusações públicas feitas por meio do Jornal Estado de São Paulo. As acusações desembocaram numa Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso Nacional. Na ocasião, ao longo do funcionamento da CPI foi comprovado o caráter totalmente fraudulento dos documentos que embasavam as acusações contra o Cimi. Composta por maioria contrária ao Cimi e à causa indígena, a CPI finalizou sem a votação do relatório que necessariamente inocentaria o Cimi.

    Incidência junto a Organismos Multilaterias em defesa da causa indígena no Brasil

    Diante do caos vivido no Brasil quanto às violações de direitos humanos provadas por representantes dos interesses do agronegócio, bem como, do absoluto controle político das estruturas legislativas e de governo no Estado brasileiro pelo mesmo setor, a atuação política junto a organismos multilaterais em defesa dos direitos e da vida dos povos indígenas ganha ainda mais importância.

    Neste sentido, o Cimi tem mantido presença, por meio de seus missionários, e contribuído para garantir a participação de lideranças indígenas em diferentes espaços de incidência internacional, tais como: o Fórum Permanente da ONU sobre Povos Indígenas, o Conselho de Direitos Humanos da ONU, as representações diplomáticas do Brasil junto à ONU e à OEA; a Relatoria Especial da ONU para Povos Indígenas, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ligadas à Organização dos Estados Americanos (OAE).
    Destacamos, neste contexto, a atuação do Cimi, por meio de suas assessorias e missionários, no Caso Xucuru, que está em julgamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, e a apresentação de denúncia formal sobre violações e violências sofridas pelos Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em conjunto com organizações parceiras, em 2016.

    Importante salientar ainda, que, em 2016, o Cimi obteve o Status Consultivo Especial no Conselho Econômico e Social da ONU. O fato atesta o reconhecimento da Organização das Nações Unidas relativamente à atuação do Cimi em defesa da Vida e dos direitos dos povos indígenas no Brasil e fortalece a missão e a responsabilidade do Organismo de Pastoral junto a instâncias multilaterais.

    A visita ao Brasil e o Relatório produzido pela Relatora Especial da ONU sobre povos indígenas, Victoria Tauli Corpus, em 2016, em que constam informações sobre violações e violências cometidas, especialmente, contra povos indígenas no Mato Grosso do Sul, Bahia e Pará, bem como as recomendações feitas pela mesma , atestam a  gravidade da situação vivida pelos povos indígenas em nosso país.

    Os ataques violentos feitos por milicianos de modo organizado e com requintes de crueldade, desferidos após a visita da Relatora Especial da ONU e já no contexto do Governo Temer, especialmente nos casos do conhecido “Massacre de Caarapó”, contra os Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul em junho de 2016, e o ataque contra os Gamela, neste domingo 30 de abril de 2017, no Maranhão, demonstram o agravamento da situação e a total desconsideração às normas legais vigentes no Brasil e às recomendações de organismos internacionais por parte de representantes do agronegócio no Brasil.

    Parece-nos fortemente paradoxal e não razoável o fato de que uma notícia, por exemplo, sobre a ocorrência de eventual caso de febre aftosa em um boi numa determinada região do Brasil provoque restrição, suspensão e até mesmo o fechamento dos mercados à importação de carne bovina brasileira, ao mesmo tempo em que notícias como o massacre de Eldorado do Carajás, ocorrido no Pará, em 1997, o Massacre de Caarapó, no Mato Grosso do Sul, em 2016, e o Massacre de Colniza, no Mato Grosso, em 2017, não tenham consequências, tais como, de restrição, suspensão ou fechamento nestes mesmos mercados à importação de commodities produzidas pelo agronegócio nessas regiões.

    A Avides como motivação dos ataques anti-indígenas

    Em momentos de crise no sistema capitalista, as grandes corporações intensificam suas iniciativas na perspectiva de manter e ampliar as taxas de lucro, potencializando a concentração de capital no mundo . Para tanto, atuam fortemente em todos os níveis, para flexibilizar os direitos conquistados pelos trabalhadores, para se apropriar de bens estatais por meio de privatizações e para expandir a posse e a exploração de bens naturais.
    O acesso, a exploração e a transformação de bens naturais em mercadoria comercializável é um mecanismo de geração de lucro fácil e rápido. O movimento expansionista vigente em toda a América Latina, e no Brasil em especial, dá-se nessa perspectiva. As terras que estão na posse dos povos indígenas e de outras populações tradicionais são ricas em bens naturais. Por isso, essas áreas estão sob permanente assédio e o direito sobre elas estão sob intenso ataque.

    Os Povos Conscientes e em luta na defesa de seus direitos e projetos de vida.

    Diante disso tudo, por óbvio, os povos indígenas não ficariam de “braços cruzados”. O ataque sistemático e violento aos seus direitos e às suas vidas faz com que se mobilizem em todas as regiões do país. Nas aldeias, nas estradas, nas retomadas, nas autodemarcações, nas incidências e mobilizações, no Brasil e em instâncias multilaterais, continuam fazendo as denúncias contra os projetos de morte do agronegócio e anunciando, em alto e bom som, que estão vivos e que darão suas vidas pelo direito à Vida e ao futuro de sus gerações em seus territórios demarcados e protegidos.
    Continuidade e audácia do nosso compromisso com os povos indígenas

    Eu trago do 14º Acampamento “Terra Livre”, de Brasília, os gritos dos povos indígenas para essa nossa assembleia da CNBB: “demarcação já!”, “respeito aos territórios demarcados!”, “respeito à vida dos povos indígenas”. O Relatório de Violência contra os povos indígenas no Brasil nos obrigou, novamente, de divulgar uma realidade triste. Dentre outras violências graves, mais de 650 casos de omissão e morosidade na regularização de terras, cerca de 600 óbitos de crianças de 0 a 5 anos, e dezenas de assassinados no ano de 2015 foram registrados.
    Até hoje, a defesa dos povos indígenas é uma luta pela vida e contra a morte. Pecado não é apenas “matar índios”. “Pecado” significa também, indiferença diante das ameaças de sua causa pelos três poderes, ingenuidade de parcerias e indigenismo de gabinete.

    Faz 10 anos que se realizou, aqui em Aparecida, a Va Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. Lhes asseguro, caros colegas no ministério episcopal, que as missionárias e os missionários do Cimi têm “um compromisso com a realidade” (DAp 491), como o Documento de Aparecida (DAp) nos recomendou e que esse compromisso “nasce do amor apaixonado por Cristo que acompanha o Povo de Deus na missão de inculturar o Evangelho na história” (DAp 491). Mas esse compromisso do testemunho pascal levou o Cimi, muitas vezes, aos limites entre vida e morte. Celebramos este ano o jubileu de dois mártires do Cimi: o salesiano Rodolfo Lunkenbein (1939-1976) e o jesuíta Vicente Cañas (1939-1987), Rodolfo assassinado, faz 40 anos, porque defendeu o território dos Bororo, Vicente, faz 30 anos, porque defendeu o território dos Enawenê Nawê. Rodolfo era conselheiro do Cimi, Vicente sua consciência inquieta. Mas os primeiros mártires da causa indígena foram os próprios índios.

    Por fim, agradeço profundamente o apoio, o envolvimento e o empenho da Presidência da CNBB em relação à causa indígena no Brasil e, de modo particular, ao Cimi. Estou convicto de que se não fosse isso, a situação descrita neste pronunciamento seria muito mais grave.

    Quero terminar essa comunicação com um breve testemunho de Dom Aldo Mongiano, meu antecessor de Roraima. Ao despedir-se da diocese, em 1996, D. Aldo escreveu uma Carta Pastoral que poderia ser do apóstolo Paulo: “Fui espionado, sofri ameaças, insultos, falsos testemunhos. […] Durante vinte anos, políticos, jornais e rádios locais alvejaram atirando contra a Igreja de Roraima, lançando contra mim e contra os missionários da Consolata as críticas mais venenosas e as calúnias mais infames. […] Quando parti para Roraima, tinha comigo só o passaporte, a passagem e o documento de Roma, no qual tinha sido nomeado bispo. Quando fui embora, nem isso tinha” (Mongiano, Aldo. Roraima entre profecia e martírio, Diocese de Roraima, 2011). Mas lutar não foi em vão. Eis a nossa esperança também hoje. Faz tempo que o território dos povos indígenas de Roraima e dos Bororo e dos Enawenê Nawê do Mato Grosso foram demarcados. O martírio aponta para o núcleo da esperança de uma causa aparentemente perdida, de uma causa que na última instância e antecipadamente recebeu o veredito de Deus fiel e justo: “serás livre e tua causa viverá”. Vivemos de esperança em esperança, porque acreditamos: “Felizes os mansos, porque receberão a terra em herança.” (Mt 5,5).

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  • 01/05/2017

    Munduruku seguem com bloqueio na BR-230 e afirmam: só saem com medidas atendidas pelo governo federal


    foto: Mauricio Torres

    Desde a última quarta-feira (26), a BR-230 (rodovia Transamazônica) está bloqueada próximo ao distrito de Miritituba, no município de Itaituba-PA. A ação, protagonizada por 130 indígenas do povo Munduruku e por beiradeiros da comunidade de Montanha e Mangabal, traz exigências diretamente consoantes com os principais problemas sociais em pauta hoje no país – seja entre índios, seja entre não-índios. Trata-se da reversão do desmonte da política indigenista na região do Tapajós e em todo o país; a consulta referente à reforma da Previdência Social e a demarcação da Terra Indígena (TI) Sawré Muybu.

    Enquanto não houver um posicionamento do governo acerca dessas exigências, o trecho bloqueado não será liberado, afirmam os Munduruku. Estendendo a seu modo a greve geral deflagrada no dia 28, os indígenas ocuparam uma ponte da Transamazônica a 25 quilômetros dos portos de Miritituba, operados por grandes tradings como Bunge, Amaggi e Cargil, o principal destino da soja colhida no norte de Mato Grosso. A interdição bate diretamente no bolso do agronegócio.

    Na última sexta-feira, segundo informações das empresas de transporte, havia 3,5 mil caminhões parados, o que corresponderia a uma fila de 35 km. A tensão cresce na região do bloqueio.

    Em carta divulgada nas redes sociais, anexa a este release, os índios explicam cada uma das suas exigências, evidenciando o caráter crítico da situação vivenciada por eles ao longo de todo o curso do rio Tapajós. Por isso seguem dispostos a manter o bloqueio até que o governo se manifeste. Caso haja demora nessa manifestação, um conflito pode estourar na região do bloqueio, tendo em vista a crescente tensão no local.

    É importante lembrar que entre os dias 24 e 28, durante mais um encontro do Fórum Permanente de Assuntos Indígenas das Nações Unidas, em Nova Iorque, foram debatidas as pautas apresentadas pelos índios que bloqueiam a rodovia. A situação vivida na região do Tapajós tem chamado a atenção de agentes e organismos internacionais nos últimos anos. Nesse sentido, destaca-se a avaliação de Victoria Tauli-Corpuz acerca da gravidade da realidade encarada pelos índios Munduruku, e da necessidade premente de que o governo federal tome medidas concretas em relação a esses problemas.


    foto: Mauricio Torres

    Pauta de Reivindicação dos Munduruku

    Nós do povo Munduruku do alto e médio Tapajós por meio desta manifestamos o nosso repúdio contra as medidas do governo federal que afetam diretamente a questão dos direitos indígenas e que trazem grandes impactos na vida dos indígenas.

    Exigimos:

    1.    A demarcação da Terra Indígena Sawre Muybu no Médio Tapajós, que tem o Estudo de Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação publicado no Diário Oficial da União no dia 19 de abril de 2016 e que está parado.

    2.    A Consulta prévia em todos os empreendimentos que queiram fazer e que nos tragam impactos.

    3.    Revitalizar o quadro de servidores da FUNAI. Antes das medidas do governo já tinha muito pouca gente na Funai e agora não tem mais quase ninguém, só 3 funcionários. A exoneração dos funcionários impossibilitou o funcionamento efetivo da administração que deveria ser dado aos Munduruku.

    4.    Exigimos ser ouvidos na questão da Reforma da Previdência Social que o governo está adotando, isso causa impacto para nós Munduruku e de modo nenhum aceitamos essas novas propostas.

    5.    Exigimos que não reduzam o número de funcionários da Sesai e o governo aumente o recurso da Sesai e o número de funcionários.

    6.    Exigimos que o Município reconheça a nossa Educação Indígena diferenciada. Não queremos uma imposição contrária pelo sistema de educação do governo que não dá prioridade a esse processo de aprendizagem dentro do nosso espaço cultural cotidiano.

    7.    O atual ministro da justiça Osmar Serraglio falou que terra não enche barriga. Ele deve comer coisas plantadas nas nuvens. Exigimos que ele peça desculpas a todos os parentes. Exigimos que o ministro da justiça seja trocado por alguém que respeite as pessoas.

    Então segue as reivindicações dos Munduruku durante o manifesto que começamos no dia 26 de abril de 2017. Que as reivindicações feitas sejam dada prioridade assim o governo federal nos atendam e cumpra a constituição federal e que temos o direito de reivindicar quando nos sofremos desrespeito.

    – Demarcação da TI Sawre Muybu – Ministério da Justiça
    – Revitalização da Funai – urgência/emergência – Ministério da Justiça
    – Reforma da Previdência Social – Ministério da Previdência Social
    – Saúde Indígena – Ministério da Saúde
    – Educação Indígena – Ministério da Educação
    – Pedido de desculpas e substituição do ministro da justiça – Ministério da Justiça

    Itaituba, 27 de abril de 2017.

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  • 01/05/2017

    Indígenas Gamela tiveram membros do corpo decepados durante ataque no MA; sobe o número de baleados e feridos


    Um dos Gamela feridos que tiveram o primeiro atendimento na
    na cidade de Vitória do Mearim. Foto: Ana Mendes/Cimi


    Por Equipe de Comunicação – Cimi

    Depois de uma madrugada de tensão pelo receio de novos atos de violência contra as aldeias Gamela, além da angústia sobre o estado de saúde dos feridos no ataque deste domingo, 30, contra a retomada dos indígenas no Povoado das Bahias, município de Viana (MA), informações consolidadas dão conta do massacre envolvendo a amputação de membros do corpo de dois indígenas: cinco baleados, sendo que dois tiveram também as mãos decepadas, e chega a 13 o número de feridos a golpes de facão e pauladas. Não há, até o momento, a confirmação de mortes.

    Os dados seguem sendo parciais, os números de baleados e feridos podem aumentar, e isso se deve ao fato de que os Gamela se espalharam após a investida dos fazendeiros e seus capangas, entre 16h30 e 17 horas. Os criminosos estavam reunidos para atacar os indígenas ao menos desde o início da tarde, nas proximidades do Povoado da Bahias, numa área chamada de Santero, conforme convocação realizada pelas redes sociais e em programas de rádio locais – inclusive com falas de apoio do deputado federal Aluisio Guimarães Mendes Filho (PTN/MA).

    Cinco indígenas foram transferidos durante a noite de ontem e madrugada de hoje para o Hospital Socorrão 2, Cidade Operária, na capital São Luís. Todos baleados em várias partes do corpo e dois chegaram à unidade com membros decepados: um teve as mãos retiradas a golpes de facão, na altura do punho (foto ao lado); outro, além das mãos, teve os joelhos cortados nas articulações.

    Na manhã desta segunda-feira, 1o de maio, Dia dos Trabalhadores, dois Gamela receberam alta: um levou um tiro de raspão na cabeça e teve apenas uma das mãos machucadas e o segundo levou um tiro no rosto e outro no ombro, mas sem prejuízos para os órgãos vitais. Os demais seguem internados: dois  em estado grave, correndo risco de morte, e sem alternativa passaram por intervenções cirúrgicas.

    "Um deles levou dois tiros, uma bala está alojada na coluna e a outra na costela, teve as mãos decepadas e joelho cortados. O irmão dele levou um tiro no peito. Outro teve as mãos decepadas", relata integrante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) que esteve com os Gamela hospitalizados em São Luís. Carros de apoiadores dos Gamela, inclusive, tiveram que cuidar de algumas locomoções de feridos pela falta de ambulâncias.  

    Em Viana e nos municípios do entorno, os feridos receberam atendimento médico com cortes de facão pelo corpo e lesões diversas. Relatos de áudio, ao menos de três moradores e moradoras da cidade, circulam trazendo informações de que boatos correram ainda à noite, horas após a ofensiva contra os Gamela, sobre ataques a serem realizados contra os indígenas na unidade de pronto-atendimento, fazendo com que muitos saíssem do local após os primeiros socorros.  

    "Tememos novos ataques a qualquer momento. A concentração de jagunços segue estimulada e organizada no Santero, o mesmo lugar de onde saíram ontem pra fazer essa desgraça com o povo da gente. A polícia tá dizendo que não foi ataque, mas confronto. Não é verdade, fomos pegos de tocaia enquanto a gente saía da retomada. Mal podemos nos defender, olha aí o que aconteceu", diz um Gamela que não identificamos por razões de segurança.    

    O Governo do Estado do Maranhão, por intermédio das secretarias de Segurança Pública e Direitos Humanos, está informado dos fatos. A Fundação Nacional do Índio (Funai) também foi notificada e a intenção é envolver o governo federal na garantia dos direitos humanos e de proteção aos Gamela – sobretudo porque a avaliação dos indígenas é de que as polícias Militar e Civil são próximas dos principais opositores da pauta do povo, que na região sobre com racismo e preconceito sendo constantemente taxados de falsos índios.

    O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e a 6a Câmara de Coordenação e Revisão, que cuida dos assuntos ligados aos povos indígenas e quilombolas na Procuradoria-Geral da República (PGR), estão analisando formas de intervenção na situação. A Relatora da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, será comunicada nas próximas horas sobre o ataque contra os Gamela. Em Nova York (EUA), o Fórum Permanente de Assuntos Indígenas das Nações Unidas está reunido desde a semana passada e conta com uma delegação do Brasil de indígenas Munduruku, Yanomami, Baré e Kanamary, além da Repam, Cimi e Fian.

    Não é o primeiro ataque sofrido pelo povo Gamela, que luta para que a Funai instale um Grupo de Trabalho para a identificação e demarcação do território tradicional. Devido a morosidade quanto a quaisquer encaminhamentos pelo órgão indigenista, os Gamela decidiram recuperar áreas tradicionais reivindicadas. Em 2015, um ataque a tiros foi realizado contra uma destas áreas. Em 26 de agosto de 2016, três homens armados e trajando coletes à prova de bala invadiram outra área e foram expulsos pelos Gamela, que mesmo sob a mira de armas de fogo os afastaram da comunidade.

     

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  • 01/05/2017

    Ataque a tiros e facadas fere cerca de uma dezena de indígenas Gamela e deixa três baleados; não há confirmação de mortes

    Por Equipe de Comunicação – Cimi

    Um grupo Gamela acabou brutalmente atacado na tarde deste domingo, 30, no Povoado de Bahias, município de Viana (MA). Os indígenas decidiram se retirar de uma área tradicional retomada, antevendo a violência iminente, e enquanto saíam sofreram uma investida de dezenas de homens armados de facões, paus e armas de fogo. Pouco puderam fazer em defesa própria a não ser correr para a mata. Na foto ao lado, estrada que leva à retomada atacada. Ao fundo, um carro de polícia junto ao grupo de fazendeiros e capangas antes da ação violenta.

    Às 22h30, apurações parciais com quatro fontes distintas – policial e indígena – confirmavam três indígenas feridos por armas de fogo, sendo dois em estado grave e transferidos de Viana para a capital São Luís. Ao menos uma dezena de Gamela foram feridos a golpes de facão e pauladas: em alguns casos, com ferimentos mais severos. Hospitais de Viana, Matinha, Olinda Nova do Maranhão e Penalva os receberam. Não há confirmação de óbitos.  

    "Estavam bêbados. Já tínhamos nos retirado da casa, estávamos tomando o caminho de volta. Chegaram atirando e dando com pau e facão. Foi muito rápido, muito rápido", diz um indígena ouvido pela equipe de comunicação do Cimi – os nomes serão omitidos porque se tratam de testemunhas oculares da agressão. Com dedos fraturados e a cabeça atingida possivelmente por um facão, o Gamela estava ao lado de um outro indígena também com ferimentos de arma de fogo no rosto e no braço.

    Ambos ainda não tinham conseguido chegar ao hospital porque a estrada estava tomada de pistoleiros. "Tentaram tocaiar quem da gente tentou passar", afirma o indígena. Dispersos pelas matas da região da contenda, os Gamela estão tendo dificuldades de acessar os hospitais e sob risco de novos ataques também nas aldeias que estão nas proximidades.  

    No momento do ataque, de acordo com os Gamela, a Polícia Militar já estava no local e não interveio. Por volta das 20h30, o delegado de plantão da Delegacia Regional da Polícia Civil de Viana, Mário, que atendeu a ocorrência, afirmou por telefone à equipe do Cimi não saber ao certo o número de feridos Gamela por entender que na região eles não são vistos como indígenas.

    "Tem uma questão aqui, que eles (Gamela) não são aceitos pela população local como sendo indígenas. Tem uma grande questão aqui sobre isso, eu mesmo não sei se eles são indígenas ou não são, até agora a gente não sabe, entendeu?", disse o delegado Mário. O Governo do Estado foi informado do ataque contra Gamela por intermédio da Secretaria Estadual de Direitos Humanos.

    Não é o primeiro ataque sofrido pelo povo. Em 2015, um ataque a tiros foi realizado contra uma área retomada. Em 26 de agosto de 2016, três homens armados e trajando coletes à prova de bala invadiram outra área e foram expulsos pelos Gamela que mesmo sob a mira de armas de fogo os afastaram da comunidade.

    Ação premeditada

    De acordo com farto material público divulgado em redes sociais e mídia, apoiadores do povo Gamela e as lideranças indígenas afirmam que o ataque foi premeditado. "Fazendeiros e gente até de fora aqui da região passaram o dia reunidos, fazendo churrasco e bebendo. O encontro foi convocado dias antes, logo após a nossa última retomada", diz uma liderança Gamela.  



    Na última sexta-feira, 28, os Gamela retomaram uma área (na foto acima) contígua à aldeia Cajueiro Piraí localizada no interior do território tradicional reivindicado pelo povo. Logo cedo os Gamela trancaram a rodovia MA-014, em apoio à Greve Geral e em sincronia com o 14o Acampamento Terra Livre (ATL), que ocorria em Brasília. Em seguida, retomaram a área incidente na terra indígena, localizada ao fundo da aldeia Nova Vila, usada para a criação de búfalos e gado.

    "Nossos pés em dança reafirmaram o Direito à Terra dos Encantados à qual pertencemos. À tarde seguimos em RETOMADA para libertar mais um pedaço do nosso Território aprisionado por fazendeiros. A resposta dos nossos Encantados veio em forma de chuva generosa e abundante. Nossos rios e igarapés transbordaram; açudes construídos sobre Lugares Sagrados foram rompidos. Águas se encontraram. Teremos peixe e pássaros em abundância", diz trecho da nota divulgada pelos Gamela.

    A reação foi imediata. Pelo WhatsApp, um texto passou a circular em diversos grupos de Viana, Matinha, Santero: "Comunicado, venho através deste comunicar a sociedade de Matinha que ainda pouco tivemos uma reunião no Santero, que foi tratado a questões dos que se intitulam (indios)que naverdade são bando de ladrões, invasores de propriedades alheias, eles estão metendo terror na comunidade de são Miguel próximo ao santeiro, são Pedro ,estrada de Penalva e chulanga estão cortando arame , ameacando os moradores matando porco, galinha e gado e comendo. estão querendo realmente se apropriar de todas as propriedades ente itaquaritiua a Matinha ,Santero são Miguel e outras. e agora não só as grandes, as menores também, dizendo que vão invadir meter o panico. Diante isso tamos também nus organizando, unindo forças pra enfrentar esses ladrões, no dia 30 deste mês 14:00 horas terá outra reunião pra tratarmos desse assunto ,quem tiver interesse compareça lá, vamos nus unirmos pra defender o que eh de direito seu, hoje somos nois ,amanhã poderá se vc, não estamos livres desses bando de ladrões que se intitulam ( índios) compareça e divulgue a reunião acontecerá dia 30 deste mês no Santero as 14:00 horas (SIC)".  

    Parlamentar envolvido

    O deputado federal Aluisio Guimarães Mendes Filho (PTN/MA), que foi assessor presidencial de José Sarney e secretário de Segurança Pública na última gestão do governo de Roseana Sarney, concedeu entrevista a uma rádio local, após a retomada de sexta-feira, 28, e se referiu aos Gamela de forma racista, os chamando de arruaceiros e em diversos momentos o conteúdo de sua opinião era de incitação à violência. Num trecho o parlamentar percebe os excessos e tentar baixar o tom (ouça o programa abaixo).



    "Botou gasolina na fogueira que acenderam pra queimar o nosso povo. Não teve responsabilidade com as nossas vidas. As notícias que chegavam era de uma concentração cada vez maior de fazendeiros pra nos atacar. Mobilizaram por celular e pelas rádios. Pegaram gente de outras regiões. Pensávamos que seria na (aldeia) Cajueiro, mas quando percebemos que seria no Povoado das Bahias, não tinha como ficar lá com tão pouca gente. Olha, foi um massacre", destaca um outro Gamela presente na hora do ataque e que sofreu apenas escoriações.

    A equipe de comunicação do Cimi teve acesso a áudios de ligações telefônicas, que serão encaminhadas às autoridades públicas, onde policiais afirmam que os indígenas "estavam invadindo fazendas e a polícia tava largando o pau mesmo e parece que balearam dois, viu (…) os índio tá botando bem curtinho. Vai dar morte ali. Já foi hoje já". Em outro, o policial afirma "que não sabe se dá pra mandar gente lá (local do conflito) porque é a população contra os índios mesmo".

    Os fazendeiros também têm se revoltado com o movimento de "corta de arame" empreendido pelos Gamela por todo o território tradicional. A cada cerca levantada, os indígenas vão e cortam seus arames.


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  • 28/04/2017

    “Foi desesperador estar em Nova York e ver mais de 3 mil indígenas sendo massacrados em Brasília”, diz indígena Baré na ONU

    Por Fernanda Moreira, Cimi Regional Norte II, de Nova York (EUA)

    Lideranças indígenas que participam do Fórum Permanente das Nações Unidas (ONU), em Nova York, reuniram-se nesta sexta-feira, 28, pela manhã, com o ministro Ricardo Monteiro (na foto), responsável pelos temas indígenas da Missão do Brasil na ONU. Os povos Munduruku, Yanomami e Kanamary fazem parte da delegação da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) do Brasil. O embaixador do país na ONU, Mauro Vieira, participou durante cinco minutos do encontro com uma fala protocolar e demonstrando pouca sensibilidade e apoio às denúncias levadas pelos indígenas. A postura pouco receptiva do embaixador não é novidade aos povos indígenas.

    A delegação da Repam entregou um documento denunciando as violações de direitos dos povos indígenas no Brasil, em consonância com a 14a declaração do Acampamento Terra Livre (ATL) e o documento entregue por organizações indígenas e indigenistas em Genebra, no fim de março e início abril. As incidências internacionais dos povos indígenas e aliados visam, inclusive, a documentação das violações. A Fian Brasil e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) integram as organizações de apoio na delegação da Repam.

    Reforçaram o não cumprimento das recomendações da Relatora Especial sobre os Direitos dos Povos Indígenas da ONU, Victoria Tauli-Corpuz, ao governo brasileiro, divulgada em relatório em setembro 2016, após sua visita em missão ao país. Representantes Kanamary, habitantes do Vale do Javari (AM), levaram denúncias envolvendo violações aos direitos dos povos isolados.  

    Rayanne Cristine Máximo França, do povo Baré, que está em Nova York com o apoio da ONU Mulheres, se deteve ao exposto no documento Recomendações da Juventude Indígena Brasileira – Resultado da Reunião preparatória, etapa Brasil para a 16a Sessão do Fórum Permanente para as Questões Indígenas da ONU.

    "Em alguns momentos eu me perguntava: O que estou fazendo na ONU? Para mim foi desesperador estar em Nova York e ver mais de 3 mil indígenas sendo massacrados pela polícia em Brasília", disse Rayanne Baré referindo-se à repressão ocorrida essa semana durante o ATL/2017. "Queremos nosso direito de participação social sem violência. Somos atacados todos os dias em nossas comunidades. Só queremos o direito de existir e de exigir nossos direitos de ser indígena", completa.

    Nesta tarde, às 16h, a delegação se reunirá com Victoria Tauli-Corpuz. O objetivo da comitiva é reforçar para a relatora da ONU o não cumprimento das recomendações feitas pela ONU ao Brasil, além de entregar os mesmos documentos. Novas situações de violências serão encaminhadas à Victoria com o intuito de que a Relatora se mantenha informada da insistente postura anti-indígena do governo brasileiro.



    Crédito da foto: Fernanda Moreira/Cimi


    Povos Isolados

    Segundo Armindo Góes Yanomami  a questão envolvendo os povos em situação de isolamento voluntário é de "urgência ou emergência, já que eles estão mais vulneráveis, não possuem imunidade para as doenças que os brancos trazem e não acessam mecanismos que protegem seus direitos". Com o governo pós-impeachment, seis Frentes de Proteção Etnoambiental dos povos isolados foram fechadas.

    Kora Kanamary reforçou a situação do Vale do Javari, uma das regiões que concentram mais indígenas isolados do mundo, e a importância de estar na ONU demonstrando que esses povos são livres, independentes, mas estão em risco. Legislações internacionais, das quais o Brasil é signatário, e nacional são taxativas com relação às obrigações do Estado de proteção a estas populações.   

    Arnaldo Kaba Munduruku expôs a situação dos povos indígenas no Brasil e de seu povo. Indagou qual seria o papel da ONU para impedir tantas violações de direitos: "Não chegamos aqui com alegria, só trazemos tristezas. Meu povo me indicou como cacique e por isso eu sou sofredor. Como é que o governo brasileiro pode deixar os povos sofrerem assim? E eu pergunto a vocês: onde eu vou achar o poder para ajudar meu povo no Brasil?".

    Leia o documento entregue pela delegação na íntegra:

    New York, 27 de abril de 2016

    À Missão Permanente do Governo Brasileiro para as Nações Unidas em Nova Iorque,

    De acordo com as recomendações do Relatório da missão ao Brasil da Relatora Especial sobre os direitos dos povos indígenas, em consonância com o informe entregue à ONU por organizações indígenas e indigenistas no dia 31 de março de 2017 e com a Declaração do 14º  Acampamento Terra Livre, do qual participaram mais de 4 mil indígenas, em Brasília, de 24 a 28 de abril de 2017, queremos fazer chegar ao Governo Brasileiro as seguintes considerações e exigências:

    1. No que concerne ao direito à vida, contra a violência e a discriminação racial, muitos povos indígenas do Brasil vêm sendo assassinados por invasores de suas terras ou sofrem ameaças de madeireiros, garimpeiros, fazendeiros, grileiros, sem poderem contar com programas culturalmente apropriados de proteção a ameaçados ou com a punição dos assassinos. Lideranças Munduruku foram ameaças por um madeireiro dentro de seu próprio território, os Yanomami vivem sob ameaça dos garimpeiros invasores e os Guarani Kaiowa continuam sendo intimidados por pistoleiros e policiais. Denunciamos também o abuso e a violência com que foram tratados pela polícia legislativa os povos indígenas quando do exercício de seu direito à livre manifestação no acampamento Terra Livre, em Brasília, no dia 25 de abril de 2017.

    Portanto, exigimos do Governo Brasileiro que assegure o acesso efetivo de todas as lideranças ameaçadas a um programa especial de proteção aos povos indígenas e que os policiais e servidores do Estado que cometem abuso de autoridade e violência sejam punidos.

    1. Sobre os direitos territoriais, centenas de processos de demarcação de Terras Indígenas encontram-se paralisados e o Governo vem propondo diversas medidas administrativas e legislativas que representam enormes retrocessos ao direito originário à terra garantido na Constituição Federal de 1988. No caso do Tapajós, a Terra Indígena Sawre Muybu, ameaçada por empreendimentos hidrelétricos e minerários aguarda desde 28 de novembro de 2016 a assinatura da Portaria Declaratória pelo Ministro da Justiça e está sendo contestada por instituições governamentais, empresariais e entidades industriais com base na tese do Marco Temporal. Mesmo as Terras Indígenas já demarcadas são alvos de recorrentes invasões e não contam com a fiscalização dos órgãos competentes, como é o caso dos mais de 5000 garimpeiros que se instalaram no território Yanomami.  

    Portanto, exigimos do Governo Brasileiro o cancelamento definitivo das Propostas de Emenda Constitucional e revogação de todas as medidas legislativas ou administrativas que visam a alterar e impedir os processos demarcatórios (como a PEC 215, a Portaria MJ 80/2017).

    Também exigimos a restrição do Marco Temporal apenas ao caso da TI Raposa Serra do Sol ou a autorizar exploração econômica de nossas terras (como a PEC 187/2016 e o PL 1610/1996). Exigimos o cumprimento do artigo 231 da CF 88 também no que tange ao usufruto exclusivo dos recursos naturais dos nossos territórios, a partir da implementação de políticas públicas de fiscalização territorial e proteção ambiental, como a PNGATI.

    1. Sobre o acesso à justiça, há testemunho de que mesmo com as recorrentes denúncias de diversos povos indígenas (Yanomami, por exemplo) de invasões territoriais e ameaças, não são instaurados processos criminais e os exploradores não são punidos.

    Portanto, exigimos que o judiciário seja também fiscalizado por um organismo específico em seus atos discriminatórios das populações indígenas.   

    1. Em relação ao direito à auto-determinação e ao consentimento livre, prévio e informado, medidas legislativas e administrativas, grandes obras e projetos de desenvolvimento continuam sendo concebidos e implementados sem a consulta aos povos indígenas, como se verifica, por exemplo, com a Reforma da Previdência, que impacta a aposentadoria rural da qual dependem muitas famílias indígenas. Como exemplos de projetos concebidos e discutidos pelo Governo sem consulta prévia dos povos indígenas estão Concessão Florestal no entrono da Terra Indígena Sawre Muybu, a hidrovia Teles Pires – Tapajós – Juruena.  

    Portanto, exigimos que os povos em isolamento voluntário, como os que se encontram no Vale do Javari e na TI Yanomami, sejam protegidos em seu direito de permanecerem a viver de suas próprias formas, conforme preveem os artigos artigo 5 e 231 da CF e que haja mecanismos jurídicos que garantam a fiscalização e penalização para o não cumprimento destes princípios constitucionais.

    Ademais, exigimos respeito ao Protocolo Munduruku do Alto e Médio Tapajós, Waiãpi, Munduruku e Apiaká de Baixo Tapajós e a todos os Protocolos de Consulta que se venham a constituir, bem como a participação dos povos indígenas na definição de um projeto socioeconômico macro para suas regiões.

    1. Em relação ao impacto dos grandes projetos, as medidas de reparação não estão sendo implementadas de forma apropriada, como se pode observar a partir do caso da hidrelétrica de Belo Monte, do complexo hidrelétrico do Rio Madeira, que afetou povos em isolamento voluntário, das Estações de Transbordo de Cargas em Itaituba que afetam territórios Munduruku e suas fontes alimentares, sem que haja nenhuma medida compensatória ou indenizatória.    

    Portanto, exigimos que o Governo siga cancelando grandes projetos com impactos irreversíveis aos povos indígenas, como o fez com o licenciamento da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, que cancele as pesquisas para projetos hidrelétricos no Tapajós e que indenizem todos os povos que tiveram seus direito violados e locais sagrados destruídos, como ocorreu com o povo Munduruku em Teles Pires e São Manuel, com medidas e indenizações definidas por eles mesmos.

    1. Em relação à capacidade dos órgãos Governamentais, contrariamente ao recomendado pela relatora, testemunhamos o enfraquecimento da FUNAI e demais órgãos responsáveis pelos cumprimentos dos direitos e políticas indígenas. O fechamento de seis Frentes de Proteção de Povos Isolados, de Coordenações Técnicas Locais, como no caso de duas que atendiam povos da TI Yanomami e uma em Jacareacanga, bem como o estado de inoperância em que se encontram Coordenações Regionais como a de Itaituba (que atualmente conta com apenas cinco servidores dos 16 previstos), impedem que o órgão indigenista cumpra suas funções finalísticas.

    Portanto, exigimos que seja garantido à FUNAI e à SESAI orçamento apropriado para que cumpra suas atividades finalísticas e que se revogue o decreto 9.010/2017.

      

    Atenciosamente,

    Povo Kanamary

    Povo Munduruku

    Povo Yanomami


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  • 28/04/2017

    Indígenas reforçam posição contra o marco temporal a ministros do STF


    Lideranças indígenas com a ministra Rosa Weber. Foto Mídia Ninja/MNI


    Uma comitiva de cerca de 30 indígenas participou de audiências com ministros e assessores do Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde desta quinta (27). A comitiva, composta por lideranças e advogados indígenas, entregou documentos e firmou sua posição contra o marco temporal ao ministro Dias Toffoli, à ministra Rosa Weber e aos assessores dos ministros Marco Aurélio de Mello e Luís Roberto Barroso.

    A presença dos advogados e advogadas indígenas foi marcada presencial e juridicamente: Luiz Henrique Eloy, indígena Terena e assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Joênia Batista, advogada Wapichana, Ricardo Weibe, advogado indígena Tapeba, participaram das audiências.  Junto com eles, o advogado indígena Dinamam Tuxá, assinou um documento que foi entregue em nome da Apib aos ministros e assessores.

    Em argumentação jurídica assinada pelos quatro advogados indígenas, o documento manifesta a posição dos povos indígenas do Brasil pela demarcação de suas terras. Pede ainda que o STF faça prevalecer “os direitos fundamentais territoriais dos povos indígenas, respeitando-se o princípio fundamental da vedação do retrocesso a direitos fundamentais”.

    Também acompanharam a comitiva os advogados e advogadas do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), do Instituto Socioambiental (ISA) e da Fian Brasil.

    “O STF é a instância máxima do nosso país, é muito importante que ele tome decisões conforme a Constituição Federal de 1988. Nenhum direito a menos, é isso que nós estamos esperando dessa casa”, afirma Joênia de Carvalho. A advogada foi a primeira indígena a fazer uma sustentação oral no STF, no ano de 2009, durante o julgamento a respeito da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (PET 3388/RR), em Roraima.

    Sua presença no STF, junto às lideranças e demais advogados indígenas, foi também simbólica: uma das principais ameaças aos direitos dos povos indígenas na atualidade, a tese do “marco temporal” foi pela primeira vez aplicada no julgamento que admitiu a demarcação contínua de Raposa Serra do Sol.

    “O Supremo acertou quando disse que o modelo de demarcação de terras indígenas no Brasil é o modelo de área contínua, ao reconhecer a demarcação conforme os critérios constitucionais. Por outro lado, a gente vem aqui protestar junto com todas as lideranças indígenas do Brasil contra algumas das condicionantes [do julgamento de Raposa Serra do Sol], e contra a má interpretação do marco temporal”, afirma Joênia.

    Contra as indicações do próprio acórdão da decisão de Raposa, que dizia que a aplicação do marco temporal não deveria se estender a outras terras indígenas, ministros da Segunda Turma do STF anularam duas demarcações de terras indígenas em 2014. Com base numa interpretação equivocada e restritiva do marco temporal, as decisões afetaram os processos das TIs Guyraroka, do povo Guarani e Kaiowá, e Limão Verde, do povo Terena.

    Segundo a tese do marco temporal, conforme adotada pela Segunda Turma do STF, os indígenas só teriam direito às terras que estivessem ocupando em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

    “A tese é totalmente inconstitucional, a Constituição reconheceu o direito indígena como direito originário e anterior a qualquer outro. Ela não está consolidada, é o posicionamento de alguns ministros. No entanto,  magistrados de primeira e segunda instância estão aplicando o marco temporal, determinando o despejo de comunidades inteiras e anulando processos de demarcação já consolidados”, afirma Luiz Henrique Eloy.

    Preocupação das comunidades

    Além dos advogados e advogadas indígenas e das organizações de apoio, lideranças indígenas de todas as regiões do Brasil também tiveram espaço para falar aos ministros.

    “Estamos vivendo numa situação muito difícil lá no Mato Grosso do Sul por causa da não demarcação das nossas terras. Nós vivemos de violência, de massacre, sendo expulsos de nossas terras por causa deste marco temporal, que não está valendo como lei mas que na prática está funcionando”, afirmou à ministra Rosa Weber o Guarani Kaiowá Elizeu Lopes.

    Outro ponto abordado nas falas e documentos foi a questão do acesso à justiça para os indígenas, um direito assegurado na Constituição Federal mas que, na prática, é negado em grande parte dos processos que resultam em decisões contrárias as comunidades.

    “Vários magistrados não estão admitindo a participação das comunidades indígenas nos processos sob a alegação de que são tuteladas ou que não têm legitimidade para estar em juízo. É uma flagrante inconstitucionalidade, a Constituição Federal já reconheceu o direito dos povos indígenas de estar em juízo e os povos têm seus próprios advogados”, afirma Eloy.

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  • 27/04/2017

    Governo indica envolvida em violação de direitos indígenas para cargo de confiança na Funai

    O ministro da Justiça, Osmar Serraglio (PMDB-PR), indicou uma socióloga envolvida em denúncias de violação dos direitos de população indígena para a Diretoria de Proteção Territorial da Fundação Nacional do Índio (Funai), cargo responsável por todo o processo de demarcação de território no órgão.

    Azelene Inácio, líder indígena Kaingang, e seu marido, Ubiratan de Souza Maia, constam em uma ação civil pública, de 2008, do Ministério Público Federal, que trata da construção do complexo portuário Porto Brasil, no litoral sul de São Paulo. Souza Maia ainda foi condenado neste ano em outro caso de arrendamento de terras indígenas em Santa Catarina.

    A reportagem de CartaCapital teve acesso ao documento que oficializa a indicação, encaminhado pelo Ministério da Justiça ao Palácio do Planalto no último dia 19 de abril. A nomeação ainda não foi registrada no Diário Oficial da União pois o posto, um DAS 5, é o segundo mais alto em remuneração da esfera pública e precisa receber o aval da Casa Civil para ser confirmado. Se for nomeada, de fato, Azelene ganhará o salário bruto de 12,4 mil reais por mês.

    Documento com indicação de Azelene Inácio para nomeação

    A socióloga é servidora de carreira da Funai. Em 2007, ela ocupava o cargo de coordenadora-geral de Defesa dos Direitos Indígenas do órgão. Foi exonerada deste posto, no entanto, após ajudar a empresa LLX, então propriedade do empresário Eike Batista, a convencer indígenas Piaçaguera, no município de Peruíbe (SP), a assinarem um documento em que desistiriam da posse de suas terras. Em troca, eles receberiam uma fazenda, carros e salários da empresa.

    Segundo o Ministério Público Federal, o caso se deu com participação do marido de Azelene, que também tem origem indígena. Acompanhado de um antropólogo próximo aos índios, Ubiratan de Souza Maia se apresentou a uma liderança Piaçaguera como advogado da Funai.

    Na época, a dupla teria apresentado uma série de documentos a essa líder para convencê-la de que a aldeia teria perdido suas terras de modo definitivo, inclusive por decisão do Supremo Tribunal Federal. A partir disso, Ubiratan e o antropólogo introduziram, na avaliação do MPF, a “generosa” proposta da LLX.

    Para os procuradores, Azelene usou o cargo de “alta credibilidade perante aos índios”, sem autorização da Funai, para influenciar na negociação. Ela chegou a afirmar aos indígenas que eles não deveriam confiar na Funai, “um órgão que só enganava os índios”. Apesar do envolvimento, apenas a LLX e o Estado de São Paulo foram apontados como réus na ação do MPF. Atualmente, Azelene Inácio ocupa o cargo de  coordenadora social da Funai em Chapecó (SC).

    Marido condenado

    Recentemente, Ubiratan de Souza Maia ainda foi condenado por prática ilegal de arrendamento de terras indígenas. Em ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal em Chapecó, a Justiça Federal decidiu que o marido de Azelene e sua empresa deveriam indenizar a comunidade da Terra Indígena (TI) Xapecó, nos municípios de Ipuaçu e Entre Rios (SC). Também foram condenados na mesma ação o ex-cacique Gentil Belino e Júlio Cesar Inácio.

    Segundo apurado na investigação, os indígenas eram obrigados a liberar áreas para a exploração direta por produtores rurais vizinhos, o que era classificado como uma “parceria” entre agricultores não-indígenas e as poucas famílias de índios na região. Os reús teriam cobrado comissão sobre os ganhos dos produtores na terra.

    De acordo com a decisão judicial, Ubiratan de Souza Maia, Júlio Cesar Inácio e a empresa JM Consultoria Ambiental LTDA deveriam ressarcir os indígenas no valor de 119 mil reais. Já Gentil Belino teria que devolver R$ 27,5 mil àquela comunidade. Apesar da condenação, o próprio MPF recorreu da decisão de primeiro grau por requer indenização de mais de R$ 240 mil.

    Nos últimos meses, o próprio Ubiratan chegou a ser cotado para a coordenador-geral de licenciamento da Funai, mas acabou não sendo indicado ao cargo. Por meio de nota, o MPF manifestou preocupação com essa possibilidade. A reportagem tentou contato com os envolvidos, sem sucesso. O espaço está aberto caso eles queiram se manifestar.


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  • 27/04/2017

    280 mil indígenas Guarani vivem em quatro países da América do Sul, diz pesquisa que será apresentada hoje no ATL


                                           Tekoha Arroio Conde, Guarani Mbya (RS). Foto: Cimi Regional Sul


    Você sabe quantos indígenas Guarani existem no mundo? Segundo o Mapa Guarani Continental, ao menos 280 mil pessoas, ao longo de 1,4 mil comunidades em quatro países diferentes – Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai – compartilham uma língua e cultura comuns: o Guarani. O resultado deste trabalho será apresentado nesta quinta-feira, 27, às 19 horas, no 14º Acampamento Terra Livre (ATL), que termina amanhã, em Brasília.

     

    Em três anos de pesquisa, uma equipe voluntária de mais de duzentos indígenas, indigenistas e acadêmicos realizou o levantamento fundiário e demográfico da maior população indígena das terras baixas da América do Sul.

     

    O resultado da investigação virá à apreciação pública em dois formatos: uma publicação  – impressa do Mapa trilíngue – português, espanhol e guarani -, acompanhado de um livro, e uma versão digital do material em português.

     

    As mais de 280 mil pessoas Guarani estão distribuídas em 1461 comunidades, aldeias, bairros urbanos ou núcleo familiares nos quatro países. A maior parte da população Guarani – 85 mil pessoas – vive no Brasil, seguidos de 83 mil na Bolívia, 61 mil no Paraguai e 54 mil na Argentina. Segundo a pesquisa, nos últimos vinte anos, os Guarani estão em processo de crescimento populacional, envolvendo altos níveis de fecundidade.

     

    Utilizando dados atualizados, os mapas indicam onde vivem, como se denominam os locais onde habitam, quantos são, e quais são os ecossistemas naturais em que vivem as populações Guarani.

     

    Para os organizadores do Mapa, a pesquisa ajuda a compreender a "extraordinária capacidade demonstrada pelos vários povos guarani para seguir sendo Guarani, depois de cinco séculos de intensa pressão colonial". Transitando desde o litoral do Atlântico até a região pré-andina, os Guarani permanecem vivos, "como protagonistas do presente e construtores do futuro", atualizando e desenvolvendo novos modelos de assentamento em seus territórios ancestrais, hoje cortados pelas fronteiras atuais de diferentes Estados nacionais.

     

    Nesse sentido, o Mapa evidencia as condições em que vivem os Guarani em relação aos Estados, tendo como extremos a severa realidade de espoliação e conflito com produtores de soja, cana e gado no Brasil, e as experiências na Bolívia, onde os Guarani conquistaram o reconhecimento legal da maior parte de seus territórios tradicionais.

     

    A pesquisa também servirá como ferramenta para os indígenas Guarani em suas demandas por territórios e políticas públicas que respeitem sua autonomia como povos que vivem em diferentes países, unidos por vínculos de língua, cosmovisão, história e cultura.

     

    Para o antropólogo e editor do livro do Mapa Guarani Continental, Bartolomeu Melià, a pesquisa visa "fortalecer a resistência dos Guarani e reafirmar a sua dignidade perante aqueles que querem os excluir", referindo-se à violência cíclica da sociedade não-indígena aos povos Guarani.

     

    Ainda, Melià defende que "a cultura e a economia Guarani são propostas concretas para outro tipo de sociedade", e que a sociedade colonial pode aprender com os indígenas: "afinal, os não-guarani também podem viver um Ñande Reko – um novo modo de ser, mais justo e igualitário, mais pacífico e livre".


    Realização


    Argentina: Endepa e Unsa

    Bolívia: APG, Cipca, Cerdet e Ilc

    Brasil: Aty Guasu, Yvy Rupa, Cimi

    Cti, Isa, Faind, Unila e Funai

    Paraguai: Conapi

    Continental: Ccnagua

    Apoio: Embaixada da Noruega, Misereor e DKA



     

    SERVIÇO

     

    O quê? Apresentação do Mapa Guarani

     

    Onde? Acampamento Terra Livre, na Praça do Ipê, ao lado do Teatro nacional, em Brasília.

     

    Horário? A partir das 19 horas.

     

    Contato para imprensa: Tiago Miotto (55) 99644-2300

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  • 27/04/2017

    Declaração do 14º Acampamento Terra Livre: Pela garantia dos direitos originários dos nossos povos!

    A plenária da manhã da 14ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL) selou a unificação da luta dos povos indígenas em defesa de seus direitos. O documento final da mobilização, aprovado pela plenária, condena os ataques e ameaças aos direitos originários de forma contundente.

    “Denunciamos a mais grave e iminente ofensiva aos direitos dos povos indígenas desde a Constituição Federal de 1988, orquestrada pelos três Poderes da República em conluio com as oligarquias econômicas nacionais e internacionais”, diz o documento (leia a carta na íntegra abaixo).

    O documento final do ATL será protocolado em vários ministérios e no Palácio do Planalto, na tarde de hoje (27/4), durante mais uma marcha dos indígenas na Esplanada dos Ministérios. Também está prevista a visita de uma comitiva de líderes indígenas a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). À noite, à partir das 19h, segue a programação cultural do acampamento, com uma a apresentação musical e a exibição do filme “Martírio”, de Vincent Carelli.

    Mais de quatro mil indígenas participam do acampamento. A expectativa inicial da organização era que um pouco mais de 1,5 mil pessoas estivessem na mobilização. A 14ª edição do ATL é a maior da história e segue até esta sexta (28/4).

    DECLARAÇÃO DO 14º ACAMPAMENTO TERRA LIVRE

    Nós, povos e organizações indígenas do Brasil, mais de quatro mil lideranças de todas as regiões do país, reunidos por ocasião do XIV Acampamento Terra Livre, realizado em Brasília/DF de 24 a 28 de abril de 2017, diante dos ataques e medidas adotadas pelo Estado brasileiro voltados a suprimir nossos direitos garantidos pela Constituição Federal e pelos Tratados internacionais ratificados pelo Brasil, vimos junto à opinião pública nacional e internacional nos manifestar.

    Denunciamos a mais grave e iminente ofensiva aos direitos dos povos indígenas desde a Constituição Federal de 1988, orquestrada pelos três Poderes da República em conluio com as oligarquias econômicas nacionais e internacionais, com o objetivo de usurpar e explorar nossos territórios tradicionais e destruir os bens naturais, essenciais para a preservação da vida e o bem estar da humanidade, bem como devastar o patrimônio sociocultural que milenarmente preservamos.

    Desde que tomou o poder, o governo Michel Temer tem adotado graves medidas para desmantelar todas as políticas públicas voltadas a atender de forma diferenciada nossos povos, como o subsistema de saúde indígena, a educação escolar indígena e a identificação, demarcação, gestão e proteção das terras indígenas. Além disso, tem promovido o sucateamento dos já fragilizados órgãos públicos, com inaceitáveis cortes orçamentários e de recursos humanos na Fundação Nacional do Índio (Funai) e com nomeações de notórios inimigos dos povos indígenas para cargos de confiança, além de promover o retorno da política assimilacionista e tutelar adotada durante a ditadura militar, responsável pelo etnocídio e genocídio dos nossos povos, em direta afronta à nossa autonomia e dignidade, garantidos expressamente pela Lei Maior.

    No Legislativo, são cada vez mais frontais os ataques aos direitos fundamentais dos povos indígenas, orquestrados por um Congresso Nacional dominado por interesses privados imediatistas e contrários ao interesse público, como o agronegócio, a mineração, as empreiteiras, setores industriais e outros oligopólios nacionais e internacionais. Repudiamos com veemência as propostas de emenda constitucional, projetos de lei e demais proposições legislativas violadoras dos nossos direitos originários e dos direitos das demais populações tradicionais e do campo, que tramitam sem qualquer consulta ou debate junto às nossas instâncias representativas, tais como a PEC 215/2000, a PEC 187/2016, o PL 1610/1996, o PL 3729/2004 e outras iniciativas declaradamente anti-indígenas.

    Igualmente nos opomos de forma enfática a decisões adotadas pelo Poder Judiciário para anular terras indígenas já consolidadas e demarcadas definitivamente, privilegiando interesses ilegítimos de invasores e promovendo violentas reintegrações de posse, tudo sem qualquer respeito aos mais básicos direitos do acesso à justiça. A adoção de teses jurídicas nefastas, como a do marco temporal, serve para aniquilar nosso direito originário às terras tradicionais e validar o grave histórico de perseguição e matança contra nossos povos e a invasão dos nossos territórios, constituindo inaceitável injustiça, a ser denunciada nacional e internacionalmente visando à reparação de todas as violências sofridas até os dias de hoje.

    Soma-se a essa grave onda de ataques aos nossos direitos o aumento exponencial do racismo institucional e a criminalização promovidos em todo o País contra nossas lideranças, organizações, comunidades e entidades parceiras.

    Diante desse drástico cenário, reafirmamos que não admitiremos as violências, retrocessos e ameaças perpetrados pelo Estado brasileiro e pelas oligarquias econômicas contra nossas vidas e nossos direitos, assim como conclamamos toda a sociedade brasileira e a comunidade internacional a se unir à luta dos povos originários pela defesa dos territórios tradicionais e da mãe natureza, pelo bem estar de todas as formas de vida.

    Unificar as lutas em defesa do Brasil Indígena!

    Pela garantia dos direitos originários dos nossos povos!

    ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB

    MOBILIZAÇÃO NACIONAL INDÍGENA


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  • 27/04/2017

    ATL propõe aliança entre povos indígenas de diversos países


    Crédito da foto: Mídia Ninja/MNI

    Representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e lideranças indígenas internacionais reuniram-se, hoje (26/4), no terceiro dia do Acampamento Terra Livre, para discutir a unificação de forças entre povos indígenas de várias regiões do mundo.

    Na comitiva indígena internacional, estão representantes de povos do Panamá, Costa Rica, Guatemala, Equador, Bolívia e Indonésia.

    “Muitas das coisas que a gente vê em outros países são semelhantes à nossa realidade. Muda o povo, muda a língua, muda a legislação de cada país, mas o propósito da luta é o mesmo”, disse Kléber Karipuna, liderança de base da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasília (Coiab) e da coordenação da Apib.

    “Não há nenhum impedimento para que uma aliança entre os povos indígenas na América Latina seja consolidada”, defendeu Paulo Montejo, assessor da Apib.

    Entre os diversos pontos comuns que motivam a luta de povos indígenas no Brasil e no mundo, quatro foram destacados: o direito à terra, a liberdade de autodeterminação, a criminalização de lideranças e o acesso a fundos de financiamento para as organizações indígenas.

    “Se você sente que isso nos conecta e que isso está errado, vocês são mais do que bem-vindos para se juntar a nós”, destacou Mina Setra, da Indonésia.

    Novas reuniões entre lideranças indígenas estrangeiras e brasileiras vão ocorrer até o fim do ATL, nesta sexta (28/4), para discutir a aliança internacional entre povos indígenas.

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