• 26/05/2017

    CNDH levanta hipótese de vingança de policiais em massacre de Pau D’Arco


    Crédito da foto: Terra de Direitos


    O presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Darci Frigo (na foto), contestou a versão apresentada pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) do Pará sobre a morte de dez posseiros na fazenda Santa Lúcia, em de Pau D’Arco (PA), na última quarta-feira (24). “A pergunta que a gente se faz é se não foi uma ação de vingança tendo em vista a morte do segurança da fazenda há poucos dias no local”, disse Frigo em entrevista à Pública nesta quinta-feira.

     

    Ele se refere à morte do segurança Marcos Batista Montenegro, baleado no último dia 30 de abril quando patrulhava a fazenda ocupada. Os tiros teriam sido disparados pelos posseiros. No dia da chacina, os policiais civis e militares, liderados pela Delegacia de Conflitos Agrários (Deca) de Redenção, foram à ocupação para cumprir 16 mandados de prisão e de busca e apreensão relacionados ao assassinato do segurança. Segundo a Segup, eles teriam sido recebidos a tiros pelos posseiros. Dos dez mortos, sete eram da mesma família: o casal Jane Julia de Oliveira e Antonio Pereira Milhomem, seus três filhos e dois sobrinhos.

     

    Familiares de nove vítimas prestaram depoimentos ao Ministério Público do Estado do Pará até a noite de ontem. Sobreviventes do massacre também estão sendo ouvidos. Relatos ouvidos por Frigo dão conta de que cerca de 150 pessoas estavam no local no momento do crime. Um deles relatou ao MP que a polícia chegou à ocupação abrindo fogo. A Polícia Civil apresentou dez armas supostamente apreendidas com os posseiros. O CNDH também deve continuar a oitiva de testemunhas nos próximos dias.

     

    Um velório coletivo foi feito nesta madrugada no município de Redenção. Segundo relatos, os corpos chegaram do Instituto Médico Legal (IML) em estágio avançado de putrefação, o que revoltou as famílias. Para Frigo, houve destruição da cena do crime, obstrução das investigações e há risco de coação das testemunhas. O CNDH e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) pediram o afastamento dos policiais envolvidos nos crimes.

     

    Os recentes episódios de violência no campo brasileiro – como a chacina de Colniza, no Mato Grosso e o ataque aos índios Gamela, no Maranhão – levaram o CNDH a criar, na última terça-feira, véspera da chacina, as missões urgentes: forças-tarefas que podem se deslocar rapidamente aos locais dos crimes e vistoriar os trabalhos de investigação. No dia seguinte, o Conselho foi surpreendido pelos assassinatos em Pau D’Arco. “Nós não imaginávamos que no dia seguinte haveria um crime tão bárbaro como esse”, diz Frigo.  “É a segunda maior chacina no campo brasileiro nos últimos vinte anos”, relata o presidente do CNDH.

     

    De 2007 para cá, os assassinatos motivados por disputas de terras mais que dobraram, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Eles vêm crescendo continuamente desde 2013, com alta nos últimos anos: em 2016, 58 assassinatos foram registrados pela Pastoral – crescimento de 23% em relação aos casos registrados em 2015. Neste ano, já foram contabilizados 36 assassinatos por conflitos agrários, segundo a CPT.

     

    Como foi a visita à fazenda Santa Luzia?

     

    Foi muito problemática a visita. A perícia [da Polícia Civil paraense] foi até o local, não quis que houvesse um acompanhamento de todo mundo [da delegação do Conselho], há vários locais de crime e até o momento não se sabe como aconteceu, o que aconteceu… O resultado a gente sabe, mas como isso aconteceu a gente não sabe. Imagine você entrar numa fazenda que não tem mais gado, o capim tá um, dois, três metros de altura, e você sair andando dentro desse mato. Grande parte desse acampamento está nessas áreas de mata fechada. Você só chega lá por uma estrada de chão e só encontra alguns lugares onde você pode circular até o local. A perícia foi em alguns lugares, só que a gente acha que eles só foram parcialmente até os lugares onde aconteceram as coisas. Então foi uma coisa muito ruim do ponto de vista do que se esperava em termos de ter elementos para recolher ou pelo menos [para] entender o que aconteceu lá no local. Isso revela um pouco o que tá acontecendo aqui. A Polícia Civil e [a Polícia] Militar montaram uma linha de investigação para simplesmente encerrar o inquérito como um auto de resistência. O Ministério Público abriu um procedimento investigatório criminal; são três promotores de justiça que estão trabalhando na investigação. Nós estamos aqui também com a Polícia Federal, e o Conselho Nacional está fazendo esse processo de articulação e fiscalização para que as instituições funcionem fazendo uma investigação isenta. Eu e a Deborah Duprat [titular da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão] viemos para acompanhar. Nós criamos esse grupo de ação urgente na terça-feira em Brasília em um evento do Ministério Público Federal com duzentas pessoas de todos os movimentos do campo. Nós criamos esse grupo como reflexo da chacina de Colniza e do ataque aos Gamela no Maranhão, mas nós não imaginávamos que no dia seguinte haveria um crime tão bárbaro como esse que aconteceu aqui em Pau D’Arco.

     

     

    Inicialmente, houve a informação de que a polícia teria ido até lá cumprir uma reintegração de posse. Posteriormente, a Secretaria de Segurança Pública do Pará afirmou que os policiais teriam ido até lá cumprir mandados de prisão por conta do assassinato de um segurança da fazenda. O que de fato aconteceu?

     

    Essa ação da Polícia Civil foi, sim, para cumprir mandados de prisão e busca e apreensão. Eram mais de dez mandados judiciais [16 ao todo]. O processo está em sigilo de justiça. Agora, indo ao local, é muito difícil você imaginar como a polícia poderia cumprir aqueles mandados judiciais às sete horas da manhã, num lugar onde quem teria a capacidade de se defender em um eventual confronto seriam os trabalhadores porque eles estão no meio do mato. Eles estariam em vantagem. E isso [a reação armada dos trabalhadores] não aconteceu, não há nenhum policial ferido. Então o que aconteceu lá é uma interrogação que o Conselho se faz até o momento. Como pode ter havido um confronto onde os trabalhadores atiraram nos policiais onde você só tem feridos e mortos de um lado? Se você considerar que havia um obstáculo para se cumprir os mandados, o que é apenas um procedimento para se investigar um assassinato, você vai ver que tem algo aí que não fecha como um todo. O resultado é que a Polícia pode ter ido além nos procedimentos para cumprir esses mandados. A pergunta que a gente se faz é se não foi uma ação de vingança tendo em vista a morte do segurança da fazenda há poucos dias no local [no último dia 30 de abril, o vigilante Marcos Batista Montenegro foi assassinado a tiros quando patrulhava a fazenda Santa Lúcia; a Justiça responsabilizou os posseiros pelo crime]. Como você vai explicar tanta violência, tantas mortes?

     

    Foram apreendidas armas no local. A imprensa falou até em um fuzil apreendido. Segundo a polícia, essas teriam sido as armas com as quais os posseiros teriam reagido ao cumprimento dos mandados. Como o senhor vê essa acusação?

     

    Nós não vimos as armas apreendidas. Curiosamente, nos disseram que eram dez armas, o que pode indicar que a polícia reuniu uma arma para cada vítima. Pelas fotos, são armas típicas de camponeses – espingardas velhas, danificadas, pelas fotos que a gente vê. Se eles tivessem armas de grosso calibre, como se falou, eles teriam uma vantagem diferencial muito grande porque eles estavam no meio do mato. Essa tese não se sustenta até o momento pelas informações que a gente recebeu. Tem uma informação que é muito grave: há sete pessoas de uma mesma família que foram assassinadas.

     

    Isso indica a execução dessas pessoas por conta do conflito agrário?

     

    O Conselho ainda não tem uma conclusão sobre o que realmente ocorreu. Nós estamos até agora tentando ouvir as testemunhas. Até hoje [quinta-feira, 25 de maio], ao meio-dia, não havia nenhuma informação de que outras pessoas haviam sobrevivido ou pudessem falar. Agora há pouco nós encontramos uma testemunha hospitalizada, baleada na nádega. Ela já fez a cirurgia, deu depoimento agora há pouco para o promotor. Ela falou que só lembra que ficou baleada no local da ocupação de um dia para outro até chegar uma pessoa no local procurando e aí ele foi atendido, foi levado até o hospital. Nós soubemos que a Polícia Civil entrou no meio do caminho dessa história e foi ao hospital e disse a funcionários do hospital que eles não poderiam dar informação para ninguém sobre a existência dessa testemunha. Nós entendemos isso como uma ameaça. Como nós encontramos a ambulância no meio da estrada, soubemos por acaso que essa pessoa havia sido socorrida e aí essa primeira testemunha nós ouvimos agora há pouco. Ela falou um pouco a respeito dessa situação dos tiros, mas não conseguia dizer muito a respeito porque estava saindo da cirurgia e não tinha maiores informações. Nós estamos em busca de [mais] testemunhas. Mas nós achamos que, sim, tudo isso que aconteceu é por conta do conflito agrário ter se arrastado por muito tempo, mas pode haver um elemento de envolvimento de outros interesses como, por exemplo, empresas de segurança, já que poucos dias atrás morreu um segurança da empresa Elmo. A pergunta a ser respondida é: foi uma ação de agentes públicos realizando uma vingança privada? Essa é a pergunta que tem que ser respondida. Uma vingança por causa da morte e por causa dos interesses desse grupo latifundiário [o dono da fazenda Santa Lúcia é Honorato Babinski Filho]. Aqui na oitiva de testemunhas, uma pessoa falou que o seu marido também foi assassinado em uma das fazendas desse Honorato Babinski Filho. E essa morte continua impune.

     

    Outra questão é a morte do policial militar Edemir Souza Costa [no dia 1o de maio passado]. Ele morreu carbonizado com outras três pessoas, incluindo o filho dele. O crime foi em Santa Maria das Barreiras, longe daqui. Bem longe. Mas esse policial era ligado a um batalhão daqui. Então, veja: esses são alguns elementos que o Conselho está levantando para poder entender o injustificável resultado da morte de dez pessoas nessa ação da Polícia Militar. É injustificável que você vá cumprir um mandado que é pra tirar a liberdade de uma pessoa ou para realizar uma parte de uma investigação criminal e você tire a vida das pessoas. Então esse caso a gente acha que pode ter relação, mas o caso da empresa Elmo a gente acha que, com certeza, tem relação [com as mortes]. A gente não sabe. Outra questão é que foram três delegados ao local. O delegado que estava coordenando a operação [Valdivino Miranda, da Delegacia de Conflitos Agrários], o pessoal falou aqui que ele já tem um histórico de violência. Nós estamos também vendo esse detalhe.

     

    A Liga dos Camponeses Pobres (LCP) falou em 11 mortos e não dez como vem sendo noticiado. O senhor confirma essa informação?

     

    São dez mesmo. Essa outra pessoa que se falou que teria morrido provavelmente era a testemunha que foi baleada e estava no hospital.

    Qual seria a motivação de assassinar sete pessoas de uma mesma família? Por que essa família especificamente?

    Se uma pessoa percebesse a aproximação dos policiais e se afastasse cinco a dez metros, os policiais não saberiam onde ela estaria. Então uma hipótese é que as vítimas foram pegas de surpresa dentro de suas casas. E, em uma delas, estaria esta família. Outra hipótese que foi levantada é que alguém que conhecia muito bem o local guiou a polícia na ação, levou pelos caminhos. Era muito difícil chegar no local. Hoje foi levantada essa hipótese de que alguém pode ter guiado a polícia e usado desse elemento surpresa [para a prática de execuções sumárias]. Essa família era o casal Jane Julia de Oliveira e o seu Antonio Pereira Milhomem, dois filhos e três sobrinhos. Pode ser que eles estivessem próximos. Essa é uma dúvida que nós queremos elucidar: por que essa família foi assassinada.

     

    Eu tive a informação de que o Ministério Público teria sido impedido de fotografar os corpos no IML de Marabá. O senhor confirma isso?

     

    Isso ocorreu. Houve hoje pela manhã, inclusive, uma cobrança por parte do procurador geral de Justiça do Pará sobre a Secretaria de Segurança Pública do Pará porque eles impediram que os promotores fotografassem os corpos antes da realização da perícia. Isso foi considerado uma atitude estranha, tendo em vista que, em geral, a perícia fotografa os corpos e manda para o Ministério Público para instruir as investigações.Você tem de um lado o fato que os próprios policiais que mataram removeram os corpos do local, isso é muito grave do ponto de vista de você destruir a cena do crime. A destruição da cena do crime neste caso foi muito grave porque os corpos foram retirados do local. Hoje se falou que uma pessoa poderia não estar morta, o que justificaria o socorro, mas os outros sim estavam todos mortos. Aí você vai somando: a destruição da cena do crime, depois você tem a dificuldade de fotografar os corpos do IML. São várias coisas estranhas que vão se somando. Levar os corpos significaria que não houve tanta crueldade assim, porque se tentou prestar socorro. Mas nesse caso não se justificaria porque as pessoas já estavam mortas quando foram trazidas para o hospital.

     

    E qual será o aparato para prosseguir as investigações?

     

    O Ministério Público estadual designou três promotores para a investigação, a Polícia Federal também está acompanhando. Mas a gente sabe que a produção da prova nesse momento fica principalmente a cargo da Polícia Civil. E na região aqui, os deslocamentos são muito longos, a Polícia Militar tem condição de chegar antes aos locais em todos os momentos. E, nesse sentido, uma das coisas que a doutora Deborah vai solicitar é o afastamento dos delegados e dos policiais que estiveram envolvidos nesse episódio para que haja a possibilidade de que a investigação seja feita e não haja nenhum tipo de obstrução das provas. Mas a informação que a gente recebeu no hospital é que a Polícia Civil pediu para os funcionários do hospital para onde foram levados os corpos para que ninguém soubesse nada a respeito da testemunha que estava lá: ou seja, eles quiseram impedir que haja uma investigação realmente isenta e por isso é necessário o afastamento daqueles que tenham interesses nos resultados da elucidação desses crimes para que esse crime não fique impune.

     

    O segurança morto, o Marcos Batista Montenegro, era policial? A gente sabe que muitos policiais trabalham nessas empresas.

     

    Não. A informação que eu tive era que ele era só vigilante. Mas outra coisa que costuma acontecer é que há policiais ligados à direção dessas empresas. Então outra coisa que nós pedimos à Polícia Federal foi saber sobre a situação da empresa, quem são seus donos, se ela está regular, etc. É preciso saber se ela tem relação ou não com os policiais.

     

    No estado do Pará essa chacina só ficou atrás do Massacre de Eldorado dos Carajás, é isso mesmo?

     

    Essa é a segunda maior chacina do Estado do Pará. É a segunda maior chacina no campo brasileiro nos últimos vinte anos.

     

    Podem haver mais vítimas do que foi noticiado até agora?

     

    Além da testemunha que está no hospital, podem haver outras pessoas feridas que não compareceram às oitivas ou ao hospital. Nós só vamos fazer na medida em que nós falarmos com alguma testemunha que estava no local e fugiu porque se fala de 150 trabalhadores que estavam lá. Então não é possível que não haja mais testemunhas. A gente está pedindo para que outros órgãos, como a Polícia Federal, também façam investigações paralelas. A Polícia Federal está, por enquanto, só acompanhando e garantindo a segurança da investigação. Por ora, o que há são muitas interrogações a respeito desse caso.

     

    Há alguma outra informação que você ache importante destacar?

     

    É importante destacar que essas situações estão acontecendo porque o processo de reforma agrária foi paralisado na medida em que o agronegócio tomou conta do Estado brasileiro. O Executivo está na mão do agronegócio, o Congresso Nacional está na mão do agronegócio. Eles paralisaram todas as políticas públicas que visavam garantir direitos de populações indígenas, quilombolas, trabalhadores rurais. Aí você tem o quadro de pressão social que tende a crescer com a crise. Sempre nos momentos de maior desemprego e crise financeira, você tem um aumento dos acampamentos de trabalhadores rurais porque as pessoas vão buscar então uma saída dentro do desemprego. Esse quadro é explosivo. E o resultado que tem sido configurado é esse quadro de chacinas, assassinatos em todo o país, mas sobretudo nessa região do “arco do fogo” da Amazônia. E isso pode piorar na região com a aprovação da MP 759 já que ela amplia a possibilidade de apropriação de terras públicas, a legalização da grilagem. Muitos desses casos vem ocorrendo em ocupações ilegais em terras públicas.


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  • 26/05/2017

    Mulheres indígenas do Tocantins dão o seu grito em defesa da Mãe Terra e por demarcações


    Crédito da foto: Cimi Regional Goiás/Tocantins


    No Seminário das Mulheres Indígenas do Tocantins, que ocorreu entre os dias 16 e 18  de maio, no município de Miracema do Tocantins, a defesa da Mãe Terra e as demarcações das terras indígenas foram as principais pautas discutidas sob o tema “Mudanças climáticas: impactos e ameaças à Mãe Terra e à vida das mulheres indígenas”. Estiveram presentes mulheres Apinajé, Krahô, Karajá de Xambioá, Xerente e Kanela do Tocantins.

     

    “Nós não vamos deixar que matem a nossa mãe terra, pois nós somos os guardiões da natureza”, afirma Gecílha Crukoy Krahô. Como os povos são guardiões do meio ambiente, demarcar não é apenas um ato de garantia de direitos, mas também de olhar para o futuro da humanidade.

     

    "Por isso diante de toda esta desgraça contra os povos indígenas queremos pedir para a sociedade brasileira que nos juntemos todos na defesa da Mãe Terra, pois com a morte do nosso Cerrado pelo MATOPIBA e pelo agronegócio não somente nós vamos sofrer, não só nós vamos passar sede e fome, vamos sofrer todos juntos", diz trecho do documento final do seminário.

     

    Leia na íntegra:

     

    Documento Final do Seminário das Mulheres Indígenas do Tocantins

     

    Nós mulheres indígenas dos povos Apinajé, Krahô, Karajá de Xambioá, Xerente e Kanela do Tocantins, reunidas nos dias 16 a 18 de maio no Centro de Treinamento de Lideranças – CTL, da Diocese de Miracema do Tocantins, participantes do Seminário “Mudanças climáticas: impactos e ameaças à Mãe Terra e à vida das mulheres indígenas”.  Viemos aqui manifestar a nossa preocupação com a situação que está vivendo no nosso país.

    Partilhamos com tristeza a situação que vivemos nas nossas aldeias, a morte dos bichos com o agrotóxico jogado nas lavouras, a falta de caça, a diminuição dos frutos do cerrado, a falta de água nas aldeias, rios e córregos muito secos, a diminuição das chuvas, provocando a seca das nossas roças de toco e a diminuição de alimentos.

     

    Estamos preocupadas porque tudo está ameaçado de morte. Estamos tristes vendo tanta destruição da Mãe Terra e olhando os animais fugir da morte provocada pelo branco.

     

    E junto com esta situação que vivemos nas aldeias, estão outras graves ameaças aos nossos territórios que não nos deixam viver tranquilas e sossegadas nas nossas aldeias.

     

    São as propostas de lei que estão no Congresso Nacional. Todas elas lideradas pelo agronegócio e os ruralistas. Principalmente a PEC 215/00 que quer acabar com a demarcação das terras indígenas, a PEC 237 que propõe abrir as terras indígenas para o arrendamento ao agronegócio, o PLP 227 que quer criar a lei complementar para liberar os nossos territórios para construir grandes empreendimentos e tantos outros projetos de lei que só querem a morte dos indígenas e destruir a nossa Mãe Terra.   

     

    Sabemos que a FUNAI está sendo acabada pelo governo federal, está sem recursos para a demarcação das terras indígenas, sem poder fiscalizar e proteger de invasores, que roubam nossas riquezas. E a constante mudança dos presidentes da FUNAI mostra o descaso e desrespeito com os povos indígenas e prova que o interesse não é nosso direito e sim os interesses do agronegócio e das grandes empresas que cobiçam os nossos territórios.

     

    E assim como nós povos indígenas, também os direitos do povo brasileiro atualmente estão ameaçados. Principalmente pelas reformas do governo Temer contra os direitos trabalhistas, da previdência social e de outros direitos que estão na Constituição Federal e que não estão sendo respeitados e estão sendo jogados como lixo pelo governo atual.  

     

    E para fazer frente a tanta violência contra os nossos direitos e da nossa Mãe Terra, estamos reunidas aqui, para juntas, buscar forças na nossa cultura e juntarmos para conhecer melhor os nossos direitos e defendê-los.

     

    Com a contribuição do Ivo Poletto, representante do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social refletirmos sobre os efeitos que estão surgindo na natureza provocados pelo aquecimento global e que são consequência de um modelo de morte que só busca produzir, consumir e destruir.

    Tudo o que está acontecendo nas nossas aldeias, de falta de água, diminuição da chuva, morte de animais e quentura de mais, não é outra coisa que, a terra sofrendo pelo que se faz com ela. Principalmente com o modelo de agricultura que destrói o nosso cerrado, que é um bioma importante para todos, porém está quase acabado pelo agronegócio e suas monoculturas que acabam com as nossas sementes tradicionais e com o nossos modos tradicionais de produzir e nos alimentar.  

     

    Sabemos que tudo está ligado e merece viver, a terra, o vento, a água, a chuva, o rio, os animais e nós. Se nós não cuidarmos e preservarmos o que Deus deixou para nós, vamos acabar com a natureza e não vai ter vida e comida para os nossos filhos, netos e bisnetos.

     

    O rio vai acabar, a mata vai acabar, os animais vão acabar, tudo vai acabar. E nós não vamos deixar isso acontecer. Por isso viemos de longe, de nossas aldeias, para dizer para o branco, para o Kupé que não vamos deixar destruir a nossa Mãe Terra. “Nós não vamos deixar que matem a nossa mãe terra, pois nós somos os guardiões da natureza”, afirma Gecílha Crukoy Krahô.

     

    Por isso diante de toda esta desgraça contra os povos indígenas queremos pedir para a sociedade brasileira que nos juntemos todos na defesa da Mãe Terra, pois com a morte do nosso Cerrado pelo MATOPIBA e pelo agronegócio não somente nós vamos sofrer, não só nós vamos passar sede e fome, vamos sofrer todos juntos.

     

    Convidamos a nos unir na defesa da Mãe Terra, aos Quilombolas, ribeirinhos, camponeses, Quebradeiras de coco, assentados, e todos os pobres que vivem nas cidades e a todas as pessoas que se preocupam com a natureza.

     

    Exigimos que  demarque com urgência a terra indígena dos  Avá-Canoeiro, sofrimento para acabar com  desse povo. Que os deputados respeite os nossos direitos e não aprove a PEC 215 e 237. Não vamos arrendar a nossa terra para o agronegócio a nossa terra é não para ser machucada ela é nossa mãe, nossa terra não esta a venda. Que o STF julgue a ADI 5.312 para derrubar a Lei Estadual 2.713/2013 que isenta de licenciamento ambiental todos os projetos agrossilvipastoris no estado do Tocantins.

     

    Também não queremos que o novo presidente da FUNAI seja um general e sim,  uma pessoa comprometida com a questão indígena e priorize a demarcação, proteção e fiscalização das terras indígenas. Ficamos bastante tristes com que fizeram com os nossos parentes e exigimos que sejam punidos os agressores do povo Gamela e demarcado o território dos nossos parentes.

     

    Pedimos anulação do relatório da CPI da FUNAI/INCRA.  Repudiamos os indiciamentos de todas as pessoas que estão sendo acusadas, pois esta CPI somente está a favor dos ruralistas e do agronegócio.

     

    Reafirmamos que não vamos parar na defesa de nossos direitos e de nossa Mãe Terra!

     

    Demarcação Já!

     

    Miracema do Tocantins, 18 de maio de 2017

     

     


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  • 26/05/2017

    Aldeia é destruída e incendiada durante o despejo de 67 famílias Kariri Xocó de Paulo Afonso (BA)


    Indígenas refugiados em Igreja depois de despejo. Crédito da foto: Ângelo Bueno/Cimi


    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

     

    O que não foi possível de ser retirado da aldeia pelos indígenas Kariri Xocó de Paulo Afonso, sertão baiano, os tratores demoliram. A maloca de reza foi a primeira estrutura a ser destruída. Para que os escombros não alimentem uma vez mais os sonhos de uma comunidade próspera, tudo foi devidamente incendiado – incluindo as plantações, em parte cultivada pelas crianças; o que deu para ser colhido, devido a forte pressão policial, não encheu um carrinho de mão. Enquanto a aldeia queimava, já à noite, os 170 indígenas rumaram para uma escola desativada há cinco anos, ladeada pelo pátio de terra batida de uma Igreja, do outro lado da BR-423. Sem luz e água, passaram a madrugada amontoados sobre sacolas, malas e trouxas de roupas. Mulheres grávidas e idosas precisaram de atendimento médico do Samu; crianças choravam, outras alternavam passividade com euforia. As águas roncavam em redemoinhos no fundo do canyon.

     

    Às margens do Rio São Francisco e sob o Reino Encantado da Cachoeira de Paulo Afonso, estes indígenas sofreram uma reintegração de posse nesta quinta-feira, 25. O despejo das 67 famílias levou 12 horas – contando com policiais "especialistas" em reintegração de posse especialmente deslocados do Rio Grande do Sul, de acordo com os autos processuais que mantiveram a determinação da reintegração. Um toré tomou conta das duas faixas da BR-423, quando toda a aldeia já estava fora da terra. Mais uma etapa da diáspora secular do povo, que envolvidos em uma situação de vulnerabilidade extrema decidiu se manter junto – diferente do que ocorreu na última dispersão, por volta da década de 50 com a construção do Complexo Hidrelétrico de Itaparica. Há quase dois anos vivendo nesta retomada de dois hectares, os Kariri Xocó estruturaram uma aldeia pungente que se esvaiu aos olhos de todos e todas em poucas horas. Comoção, revolta, desmaios, luta.

     

    "Nesse momento me sinto muito triste. O despejo é triste. Você ver a casa, o seu teto, uma vida feliz sendo acabada. A gente passar mais uma vez um sufoco desse. Não é a primeira vez. No dia anterior, contamos por volta de uns 80 policiais, retroescavadeira. Tudo pra demolir uma aldeia numa terra da União. Esse governo, essa Justiça. Todo mundo vê o que tá acontecendo, quem são eles. Se pensa que vai ter Brasil fazendo isso com o povo indígena, se engana", diz Antonio Santos Kariri Xocó de Paulo Afonso. A área, de 170 hectares no total, esteve antes abandonada durante 30 anos e pertence ao DNTI, portanto, da União. No entanto, o órgão federal afirmou não ter interesse e a transferência para a Funai está acertada e em curso. As tratativas foram iniciadas há mais de um mês em processo administrativo na Secretaria do Patrimônio da União (SPU).

     

    Com este argumento, o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU) e a Advocacia-Geral da União (AGU), responsável pela Procuradoria da Funai, pediram ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 1a Região, em Brasília, que a suspensão de 45 dias da reintegração de posse requerida pela UZI Construtora, despachada pelo desembargador Kassio Marque, no dia 29 de março, passasse a contar apenas depois de ouvidas testemunhas e levando em consideração que uma solução foi encontrada pelo governo federal para evitar o despejo, conforme o despacho do próprio magistrado. Nesta quinta-feira, 25, o desembargador manteve a reintegração alegando, inclusive, que diferente do que ocorreu esta semana em Redenção (PA) – onde dez trabalhadores rurais foram mortos pela polícia – o procedimento vinha ocorrendo sem conflito e poderia seguir adiante.

     

    Marque frisou no despacho que no dia 24, quarta-feira, chegou a deferir uma prorrogação de 30 dias do despejo, atendendo ao do MPF, DPU e AGU, mas por conta dos protestos em Brasília, duramente reprimidos pela Polícia Militar, o tribunal foi evacuado e não houve tempo hábil para que a decisão fosse publicada. Na manhã do dia 25, o juiz João Paulo Pirôpo de Abreu, da Justiça Federal de Paulo Afonso, que atuou de forma contumaz em pelo despejo até o seu desfecho, informou ao desembargador que tudo estava correndo bem na reintegração iniciada um pouco antes da conversa. Não se fazia necessária a suspensão.   

     

    A reintegração da área pública, na verdade, beneficiou uma empresa privada. De acordo com o defensor federal Átila Dias, "ao contrário do que alega a Uzi Construtora (representada por dez advogados), que afirma ser cessionária e ter a posse do terreno da União, moradores da localidade afirmam que há mais de 20 anos o terreno não possui destinação social nem econômica". O local, conforme moradores do entorno, era usado para a prática de crimes. Há relatos de que a pequena vila abandonada, então em escombros antes da chegada dos indígenas, era usada para consumo de drogas, estande de tiros, estupros, desova de corpos. Conforme os autos, a Superintendência do Patrimônio da União foi convocada para prestar depoimento à Justiça, no curso do processo, e confirmou que o terreno é de propriedade da União.

     

    Acontece que os autos processuais – desaparecidos, de acordo com o MPF, DPU e Cimi, até a execução da reintegração, nesta quinta, 25 – não foram devolvidos à Subseção Judiciária de Paulo Afonso. De tal modo que para as instituições envolvidas na defesa dos indígenas, e a própria comunidade, o prazo de 45 dias de suspensão concedido pelo TRF-1 sequer havia começado a correr. "Consideramos uma traição da Justiça. Como um processo desaparecido está valendo? A Funai não sabia do despejo. Não tivemos tempo de defesa. Até segunda, terça-feira existiam dúvidas se o despejo ia ocorrer ou não. Se era verdade ou boato. Estávamos felizes porque a terra ia ser transferida pra Funai, tudo direitinho. De repente esse golpe, sem a gente se preparar para receber", declara em prantos o cacique Jailson dos Santos Kariri Xokó de Paulo Afonso.

     

    Para a DPU, MPF e AGU, o prazo da execução do despejo deveria ser indeterminado para que os trâmites legais de regularização fundiária da terra pudessem ocorrer. Todavia, propuseram ainda medida alternativa: "Mais 90 dias a fim de que as instituições envolvidas, após o devido acesso ao processo, consigam elaborar o plano de proteção à comunidade vulnerável", diz o defensor Átila Dias. Ao lado dos indígenas durante todo o despejo, brigando até o fim para a reversão da ordem, o Procurador da República em Paulo Afonso, Bruno Jorge Rijo Lamenha Lins, está convicto de que além de terra da União, "nos autos há dúvidas sobre qual a área a ser reintegrada".

     

    Uma semana antes da reintegração, os Kariri Xocó de Paulo Afonso estiveram com o juiz de primeira instância João Paulo Pirôpo de Abreu, que mesmo entendendo que a área pertence à União, e silenciando diante da dúvida pertinente quanto à área a ser reintegrada, afirmou se tratar de uma possessória, ou seja, a construtora apresentou documentos de posse, e que certo ou errado, a função do juiz é decidir; e a decisão dele estava dada. "É preciso dizer que agora esse juiz está dizendo que foi ele quem conseguiu a escola e a igreja para ficarmos. Não é verdade, quem olhou pela gente nisso foi o Dr. Bruno (MDF) e a Dra. Luciana Cury (DPU)", protesta Denise Kariri Xocó de Paulo Afonso.  



     

    "O que ocorreu foi uma maiores injustiças que um povo pode viver. Foram despejados de seus lares, perderam sua matas, perderam suas plantações e tiveram suas casas derrubadas e queimadas, numa ação truculenta e arbitrária da polícia e de um juiz racista, cruel, anti-indígena", ataca Alzení Thomáz, da Comissão Pastoral dos Pescadores (CPP). O missionário indigenista Ângelo Bueno, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Nordeste, diz que ao chegar em Paulo Afonso encontrou um ambiente "muito desolador, de muita tristeza e alguma esperança, pois o MPF informou que vai recorrer para garantir que eles voltem".

     

    De acordo com os Kariri Xocó ouvidos, e que pedem para não ser identificados temendo represálias, há denúncias de que foram humilhados, acusados de serem falsos índios e chamados de bichos por integrantes não identificados da equipe que estava com as forças policiais durante o despejo. A comunidade encaminhou a denúncia às autoridades competentes, e também presentes na ação policial ao lado de organizações de direitos humanos. Para Alzení, da CPP, foi uma das mais truculentas e absurdas reintegrações que ela já testemunhou em décadas de atuação nas Pastorais do Campo (CPP, Cimi e CPT). "Vi as lágrimas das Cachoeiras sagradas derramando por sobre o seio do território sagrado do Rio Opará – São Francisco. Os Encantados de luz gritaram no eco da natureza, a dor da injustiça. Hoje, meu coração se despedaçou mais um pouquinho. Hoje minha alma chora as dores dos meus ancestrais". Outros povos indígenas da Bahia e de Pernambuco se organizam para prestar apoio aos Kariri Xocó de Paulo Afonso, como informou Vasco Pankararu, da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste (Apoinme).

     

    Pela manhã desta sexta-feira, 26, o desafio estava em garantir alguma estrutura de eletricidade e água no local de refúgio pós-despejo. As crianças e jovens, contudo, não querem ir à escola. "Não vamos desistir da nossa terra. Está sendo bastante doloroso para a gente viver isso. Ver tudo o que levantamos pela nossa força ir abaixo de forma tão injusta, tão covarde… não está fácil, mas vamos buscar forças em nossa cultura, em nosso Toré. A fé nos fortalecerá", diz o cacique Jailson Kariri Xocó de Paulo Afonso. Os indígenas estavam prestes a ter segurança alimentar garantida com a domesticação do território. Macaxeira, milho, feijão de vários tipos, hortaliças e legumes, frutas variadas, galinha de capoeira e o peixe do rio. "A comida estava garantida até o final do ano. Nossa medicina tinha farta também, vamos ver como ficou depois do fogo", diz o indígena José Francisco dos Santos.

     

    A Funai e o MPF, além de recorrer da decisão, irão tomar medidas para garantir que o povo permaneça unido e com acesso a políticas públicas. De acordo com o cacique Jailson, o objetivo é seguir na luta pelo território em que estavam – não aceitam ficar na área em que se encontram. "Por que a gente não pode ficar na terra que está na frente da nossa, só faz atravessar a rodovia? Porque a gente não quer qualquer área, queremos a habitada pelos nossos Encantados e que possibilite a nossa cultura, a vida das gerações futuras. Terra de índio é assim. Onde estávamos tem tudo isso, locais de ritual, medicina, plantação, tá perto da cachoeira sagrada, do rio. E é bom que saibam: não queremos o que é dos outros porque a terra sempre foi nossa", explica.


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  • 25/05/2017

    Comissão Guarani Yvyrupa divulga nota sobre a CPI da Funai/Incra


    "Tenham certeza que agora, mais do que nunca, estaremos fortes e chamamos vocês para estar do nosso lado".

    A Comissão Guarani Yvyrupa, que reúne indígenas Guarani do Sul e do Sudeste do país, divulgou uma carta de encorajamento aos indiciados na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai/Incra. No documento as lideranças dizem não estarem surpresas pela perseguição de indígenas, órgãos indigenistas, antropólogos, servidores públicos e religiosos, por se tratarem de ações assumidas por antigos perseguidores dos povos indígenas e daqueles que defendem os seus direitos.

    “E o que temos a dizer é que não foi surpresa ver na televisão que a bancada ruralista, os deputados que se dizem donos da terra e da bala, acusaram as nossas lideranças, os nossos parceiros, e o órgão e as leis que nos defendem” comenta o texto escrito por lideranças indígenas reunidos na Aldeia Morro Alto, em Santa Catarina.

    Leia a carta abaixo:

    Carta do Povo Guarani à sociedade nacional sobre a CPI da FUNAI e INCRA

    Reunidos na Aldeia Morro Alto, em Santa Catarina, nós as lideranças do povo indígena guarani do sul e do sudeste do país, articulados na nossa organização política, a Comissão Guarani Yvyrupa, resolvemos escrever essa carta para divulgar o nosso pensamento e as nossas palavras sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito da FUNAI e INCRA. Nossas palavras são para vocês, nossos amigos, porque os nossos inimigos não merecem o nosso tempo: para eles, que nos atacam há muito, nós guardamos as nossas flechas.

    E o que temos a dizer é que não foi surpresa ver na televisão que a bancada ruralista, os deputados que se dizem donos da terra e da bala, acusaram as nossas lideranças, os nossos parceiros, e o órgão e as leis que nos defendem. Na lista de “indiciados”, estão lideranças da terra indígena Morro dos Cavalos (SC) e Mato Preto (RS), estão rezadores e anciãos, e estão inclusive parentes que já se foram desse mundo e estão com Nhanderu, nosso Pai Celeste – sobre eles não pesará mais a injustiça desse mundo. Estão também na lista de indiciados antropólogos que trabalharam na identificação das nossas terras, servidores da FUNAI, Procuradores do Ministério Público Federal, e religiosos, cujo maior crime foi o de entender a nossa luta.

    Também não foi surpresa ver na televisão os mesmos deputados que acusaram as nossas lideranças, os nossos parceiros, e o órgão e as leis que nos defendem, são os mesmos que figuram nas listas dos que receberam dinheiro dos empresários que cortam nossas aldeias com rodovias, que levantam casas e prédios e querem construir condomínios nas nossas terras, que trancam nossos rios com barragens hidrelétricas, e que querem cavar o chão para arrancar os minérios que Nhanderu enterrou nos nossos territórios.

    De qual crime nos acusam? O de existir. Por se identificarem como indígenas, querem que nossas lideranças respondam por “falsidade ideológica”. Por se organizar para defender nossos territórios e os direitos de todos os povos, querem que nossas lideranças respondam por “formação de quadrilha”.

    O que temos a dizer a vocês, nossos amigos, é que os tempos estão difíceis mas não é hora de recuar. Há mais de quinhentos anos o povo guarani faz a sua luta, há mais de quinhentos anos guardamos os nossos tekoa. Tenham certeza que agora, mais do que nunca, estaremos fortes e chamamos vocês para estar do nosso lado. Nossos inimigos apostam na nossa morte, mas não se enganem: se vencem eles, perdemos todos. Os xeramoi já disseram, e agora dizemos a vocês: se não houver terra para os Guarani, para os todos os povos indígenas, para os quilombolas, para os que vivem da terra mesmo, não haverá terra para ninguém.

    Que estejamos sempre fortes.

    Aguyjevete!

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  • 25/05/2017

    Brasil será denunciado na OEA por violar direitos dos povos indígenas


     (Foto: Mídia Ninja)

    Por Izabela Sanchez

    Cerca de 28 organizações de apoio aos povos indígenas denunciam o Brasil, nesta quarta-feira (24/05), na Organização dos Estados Americanos (OEA). O grupo entrega em Buenos Aires um documento com as denúncias, durante uma audiência – “Mudanças em políticas públicas e leis sobre povos indígenas e quilombolas no Brasil” – com o secretário-executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Paulo Abrão.

    As denúncias à Comissão relatam os ataques no campo e o desmonte da Fundação Nacional do Índio (Funai). O país pode ser julgado e condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, já que é signatário e fundador da OEA.

    O documento discute o atual governo e destaca legendas como PSC, PP e PMDB por protagonizarem retrocessos. E observa que o tema foi objeto de vasta análise pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos, que realizou missão em 2016 para levantar a situação dos direitos humanos dos povos indígenas nos Estados de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul:

    O Conselho Nacional de Direitos Humanos identificou um padrão de violações e conflitos exacerbados, travados por políticos que têm como bandeira a negação dos direitos indígenas, o que se repete em diversas regiões do país, notadamente Sul, Nordeste e Centro-Oeste.

    Desmonte da Funai

    O documento elaborado pelas organizações explica que hoje a Funai tem 2.142 funcionários, em contraste com o total de cargos autorizados pelo Ministério do Planejamento: 5.965.

    Os grupos criticam a nomeação do deputado federal Osmar Serraglio (PMDB) para o Ministério da Justiça, que coordena a Funai, e relembram que ele foi relator da Proposta de Emenda Constitucional 215 (PEC 215), cujo objetivo é transferir do Executivo para o Legislativo a palavra final sobre demarcações de territórios indígenas, quilombolas e unidades de conservação ambiental.

    Assessor jurídico da Articulação dos povos indígenas do Brasil (Apib), o Terena Luiz Eloy lembra que a OEA já foi acionada diversas vezes. Mas desta vez as organizações dão destaque aos retrocessos nas políticas públicas. “Uma das temáticas que sensibilizaram a Comissão foi justamente esses retrocessos de direitos”, conta. “A audiência foi solicitada com foco nas mudanças de políticas públicas e legislativas que estão afetando os povos indígenas”.


     (Foto: Mídia Ninja)

    O advogado Terena lembra que o país é signatário do pacto São José da Costa Rica, assinado em 22 de novembro de 1969 e ratificado em setembro de 1992. Para Luiz Henrique Eloy, enquanto vários Estados americanos avançam na proteção de direitos humanos “o Estado brasileiro está indo na contramão, está retrocedendo”.

    Governo ruralistas

    Luiz Henrique Eloy diz que hoje não há bancada ruralista, mas governo ruralista:

    "Eles tomaram conta de todas as instâncias. Direitos que já foram conquistados e consagrados na Constituição Federal hoje estão sendo ameaçados, diante de interesses políticos e econômicos de classes dominantes no Brasil".

    O documento observa que as demarcações de terra no Brasil estão paralisadas desde 2012, e a Funai se arrasta para concluir cerca de 241 processos. Para as organizações, a questão ocorre pela relação de cumplicidade entre o agronegócio, o governo federal e os governos estaduais.

    Os defensores de direitos também destacam a tese do Marco Temporal, jurisprudência consolidada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) após o julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Esse entendimento jurídico afirma que só podem ser demarcadas as terras que tiveram efetiva ocupação indígena no ano da promulgação da Constituição, em 1988.

    As organizações afirmam que a tese tem sido tomada como parâmetro pelo governo, desde 2013, o que identificam como um ponto crítico. Elas dizem que as condicionantes do caso Raposa Serra do Sol e a tese do Marco Temporal passaram a orientar a Advocacia Geral da União no sentido de limitar a defesa judicial dos direitos indígenas. E isso leva a um cenário jurídico altamente desfavorável:

    Nos últimos anos também cresceu o número de ordens judiciais determinando o despejo de comunidades indígenas de suas próprias terras, a paralisação e até a anulação de processos de demarcação de terras, com base na tese do Marco Temporal, mesmo que em contextos totalmente distintos da Raposa Serra do Sol.

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  • 24/05/2017

    Conselho Nacional de Direitos Humanos repudia ato presidencial que convoca Forças Armadas

    Em meio a uma poderosa frente unificada de lutas dos movimentos sociais contra as reformas trabalhista e previdenciária, somado dos gritos de Diretas Já! diante da total ilegitimidade de um governo envolvido com uma escala de escândalos, Michel Temer apelou e em um decreto convocou as Forças Armadas para garantir "a lei e a ordem" no Distrito Federal.


    A medida ocorreu após a polícia reprimir com virulência as manifestações desta quarta-feira, 24, em Brasília. O ato de Temer causou profunda indignação não apenas entre os movimentos sociais, mas também de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), parlamentares e opinião pública.


    O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), do qual o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) faz parte, publicou uma nota repudiando o decreto e exigindo a sua revogação.


    Leia na íntegra:



    NOTA DE REPÚDIO AO DECRETO PRESIDENCIAL DE 24 DE MAIO DE 2017, QUE AUTORIZA O EMPREGO DAS FORÇAS ARMADAS PARA A “GARANTIA DA LEI E DA ORDEM” NO DISTRITO FEDERAL

     

    O Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH, órgão criado pela Lei nº 12.986/2014, repudia o uso das Forças Armadas para reprimir legítima manifestação de Movimentos Sociais na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, no dia 24 de maio de 2017, contra a retirada de direitos constitucionalmente assegurados, após brutal repressão policial contra os manifestantes, comprometendo a estabilidade das instituições democráticas e republicanas deste país.

     

    O Conselho repudia, igualmente, a extensão dos efeitos do Decreto Presidencial de 24 de maio de 2017 por uma semana, quando é de conhecimento público que o ato foi convocado apenas para a tarde deste dia 24 de maio, o que caracteriza inadmissível Estado de Sítio de fato.

     

    O CNDH se posiciona pela revogação imediata do Decreto.

     

    Brasília-DF, 24 de maio de 2017.

     

    CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS – CNDH


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  • 24/05/2017

    Ato denúncia: “É como se alguém tivesse licença para nos caçar e nos matar”


    O ato foi realizado pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) em parceria com movimentos e organizações sociais. Foto: Guilherme Cavalli / Cimi

    Por Cristiane Passos (CPT) e Tiago Miotto (Cimi), no blog da Articulação dos Povos e Comunidades Tradicionais

    No dia 23 de maio, foi realizado no Memorial do Ministério Público Federal, em Brasília, o “Ato denúncia por direitos e contra a violência no campo”. Através de depoimentos de indígenas, quilombolas, pescadores e trabalhadores rurais, a atividade denunciou o aumento da violência contra os povos do campo recentemente.

    O ato foi realizado pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) em parceria com movimentos e organizações sociais que, diante do acirramento dos casos de conflitos e principalmente de violência no campo, reivindicaram uma ação conjunta de denúncia e de articulação de ações que tentem desmobilizar tamanha violência.

    Casos como a chacina de Colniza, no Mato Grosso, que vitimou nove trabalhadores rurais, o ataque aos indígenas Gamela, no Maranhão, em que alguns tiveram mãos decepadas, o assassinato de trabalhadores e trabalhadoras no Pará e em Rondônia, se seguiram em curto espaço de tempo e chamaram a atenção para o aumento da violência contra esses povos.


    Jeane Bellini, da coordenação nacional da CPT, apresentou os dados de violência no campo de 2016, com 61 assassinatos. Foto: Guilherme Cavalli / Cimi

    De acordo com os dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), apresentados na ocasião pela Jeane Bellini, da coordenação nacional da Pastoral, em 2016 foram registrados 61 assassinatos, o dobro da média de casos registrados nos últimos 10 anos. Em 2017 já foram 26 assassinatos registrados e alguns casos ainda sob investigação quanto a sua motivação. Da mesma forma, aumentaram as tentativas de assassinato, em 2016 foram 25% a mais que no ano anterior, e as prisões, que tiveram um aumento de 185%, mostram claramente a estratégia de criminalização dos povos que lutam pelos seus direitos, terra e território no Brasil.

    Jeane apresentou, também, os dados de assassinatos e julgamentos registrados pela CPT desde 1985. Nesses 31 anos, foram 1.834 assassinatos em conflitos no campo, em que somente 112 casos foram julgados, condenando 31 mandantes e 92 executores apenas. A coordenadora avalia que a impunidade continua sendo a mantenedora da violência no campo. A certeza de que não serão punidos motiva mais agentes do latifúndio a exercerem a violência como ferramenta de expropriação territorial e exploração desenfreada de recursos naturais. “O Estado não é apenas conivente ou omisso, mas também ativo na violência”, analisou ela.

    “Nos últimos três anos, percebemos um aumento preocupante nos números de violência no campo, e por isso pedimos o apoio do CNDH para dar visibilidade ao que está acontecendo”, explicou Jeane. A partir da provocação e da continuidade da violência, o CNDH convidou organizações e instituições para debater o tema.

    “Precisávamos denunciar e articular ações urgentes que envolvessem as entidades de direitos humanos, organizações sociais e o que restou da República para fazer algo diante de toda essa violência. Os órgãos competentes do governo precisam ver o que fazer para dar respostas imediatas diante desse processo generalizado de violência no campo”, disse Darci Frigo, presidente do CNDH.

    A professora de Direito da Universidade de Brasília (UNB), Beatriz Vargas reforçou a importância desse trabalho de registro e enfatizou que a realidade é ainda mais dura do que os números da CPT mostram. “Existe um tipo de violência que é oculto, que não aparece no relatório. Manifesto aqui minha expectativa pessoal e cidadã de que essas ações de denúncia consigam de fato fortalecer a pauta de uma agenda de reversão dessa situação que é histórica no Brasil, e que vem aparecendo na cena pública de forma mais intensa ultimamente”, avaliou Beatriz.


    “Estamos em um momento que começamos a ver na cena da chamada criminalização" Foto: Guilherme Cavalli / Cimi

    A professora mostrou preocupação, ainda, com o aumento dos dados de prisões. “Estamos em um momento que começamos a ver na cena da chamada criminalização uma novidade, que se esboçou na ação penal instaurada pelo Ministério Público de Goiás, em que relacionam ações de luta de integrantes do MST a crimes graves. A grande novidade e preocupação nessa ação é que o MST passa a ser descrito diretamente como organização criminosa. Precisamos estar atentos para que esse precedente não se alastre na justiça brasileira”.

    Os números na prática: depoimentos das vítimas da violência no campo

    Fátima Barros, do Quilombo Ilha de São Vicente, no Tocantins, e da Associação Nacional dos Quilombos (ANQ), afirma que a luta dos quilombolas sempre foi constante, mas a violência se ampliou muito nos últimos anos.

    “Agora, a gente sente que é como se alguém tivesse licença para nos caçar e nos matar. As violências não acontecem quando a gente se identifica como quilombola. Quando a gente diz isso, muitos até acham bonito. Mas quando digo que quero o território, que é meu por direito, aí a gente passa a incomodar, ser ameaçados, e os programas de proteção protegem cada vez menos. Regularizar nossos territórios é uma forma de amenizar as violências, mas não de cessá-las, porque a pressão sobre eles continua”, afirma a quilombola.


    "Mas quando digo que quero o território, que é meu por direito, aí a gente passa a incomodar, ser ameaçados" denunciou Fátima Barros. Foto: Guilherme Cavalli

    Para Fátima, a sociedade brasileira nunca reconheceu e nem se sente culpada pelos 400 anos de escravidão no Brasil. “Mas nós vamos seguir lutando pelos nossos territórios, porque é assim que estamos protegendo também o Brasil. Somos guardiões desses espaços, desses territórios. Estamos aqui e sempre vamos denunciar, e o mundo vai ter que ouvir sim a voz dos marginalizados. Não nos calaremos”.

    Citando o caso do quilombo Rio dos Macacos, na Bahia, a quilombola Rosimeire dos Santos afirmou que em muitos casos o Estado, mais do que omisso, é o agente direto da violência. “A Marinha quer colocar cercas na água para nos destruir”. Ela se refere ao fato de que a Marinha do Brasil considera o território de Rio dos Macacos =área de defesa nacional, e pretende impedir o acesso dos quilombolas ao rio, de onde tiram seu sustento, por meio de um muro. “Se fecharem o acesso, logo vão começar a sair caixões de dentro da nossa comunidade, porque não vamos aceitar”, antevê a quilombola.

    Cao Gamela colocou sua preocupação com o que ainda pode vir a acontecer com seu povo. “Temos sofrido ameaças constantes. Essa abertura do governo deu possibilidade para ação criminosa. Eles falam que nós, que buscamos nosso território, é que somos criminosos. Nos últimos dias, fomos ameaçados por drones. A polícia nos diz que esses instrumentos não são da polícia, mas nenhuma ação está sendo tomada e o povo está sendo amedrontado, porque não sabe o que pode acontecer. Disseram que é para a ANAC que tenho que reclamar. Como eu, que estou lá na comunidade, vou saber como falar com a ANAC?” questiona o Gamela.

    Cao contou que os Krikati, no Maranhão, também vêm sofrendo ameaças.  “A gente já não sabe mais para quem reclamar. Na reunião que teve no dia do massacre, foi lida uma lista de cinco pessoas que tem que ser mortas lá em Viana. Lá tem os fazendeiros, mas tem também o patrão, o deputado federal Aluísio Mendes [PTN-MA]. Se algum de nós morrer, nós sabemos que a culpa vai ser dele”.


    "Continua a mesma ameaça, a partir do momento que a polícia sair de lá, índio vai morrer", lamentou a liderança Gamela. Foto: Guilherme Cavalli / Cimi

    Também do povo Gamela, Gracinalva Costa reforçou o ambiente de insegurança em que vivem os indígenas no Maranhão. “O massacre foi planejado com antecedência. Antes achavam que nós éramos os índios bonzinhos. A partir do momento que fomos cobrar nossos direitos, quiseram nos matar. Todos nossos direitos foram negados. Nós precisamos de nossa terra, sem o nosso território não temos nada. Continua a mesma ameaça, a partir do momento que a polícia sair de lá, índio vai morrer. Estamos com medo, mas com raiva também. Estamos cansados de correr atrás dos nossos direitos”.


    "A violência continua contra todas as comunidades que estão lutando pelos seus territórios". Foto: Guilherme Cavalli / Cimi

    Nailton Pataxó Hã-Hã-Hãe, liderança indígena histórica da  Bahia, tem 71 anos e foi incluído na lista de indiciamentos da CPI da Funai e do Incra. “É com muita raiva quevemos uma palhaçada contra as principais lideranças que trabalham com respeito com as suas comunidades e com o compromisso de recuperar os territórios que foram roubados. Nasci e me criei na aldeia, me tornei liderança para articular o povo que foi expulso da nossa terra na década de 1970”, relembra.
    “De 1975 até hoje, nenhum indígena pediu minha saída da liderança. Hoje estou incluído numa CPI, que eu nem sei o que é. Talvez isso tenha acontecido porque, depois de esperar 30 anos pela Justiça, resolvemos retomar o nosso território. A violência continua contra todas as comunidades que estão lutando pelos seus territórios, que lutam porque até hoje não foi cumprida a lei. Isso é vergonhoso. São pessoas que muitas vezes não sabem seus direitos, e quando alguém conhece e começa a lutar, é crucificado”, afirmou Nailton.

    Luís Batista, trabalhador rural e integrante do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), ficou preso em Rio Verde, Goiás, por mais de um ano. Solto recentemente, ele avalia que sua prisão foi política.

    “Estou com 47 anos e nunca vi na minha vida lutar pela terra ser crime. Eu nunca sentei numa cadeira de escola para estudar, e não tenho vergonha de dizer isso, e nem de dizer que fui preso, porque foi uma perseguição. Teria vergonha de falar se fosse um criminoso, mas na minha vida aprendi a trabalhar na terra. Sou pai de três filhos e avô de dois netos. Eu, com 46 anos – completei 47 dentro da prisão – nunca tinha tido meu nome numa delegacia. Talvez nos fóruns, mas defendendo os direitos do povo. Não é uma prisão que vai me calar a boca. Lutar pela terra é um direito nosso e vamos continuar lutando”.

    Clóvis da Silva, do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP) do Pará, ressaltou a pressão de projetos de infraestrutura sobre as comunidades tradicionais, falando sobre o caso de sua comunidade, pressionada pela construção de um porto de subsidiárias da multinacional Suzano. O pescador ressaltou que mesmo a energia que é vendida como “limpa”, caso de hidrelétricas e parques eólicos, é obtida por meio de projetos que desrespeitam os povos e comunidades tradicionais. “Tudo que acontece nos continentes reflete nas comunidades pesqueiras, porque tudo que se produz no país escoa pelos portos”, afirma o pescador, lembrando que a expansão do agronegócio também gera pressão sobre os territórios pesqueiros. “Nós estamos sendo ameaçados, recebendo ameaças de morte. Não dá para baixar a cabeça”.

    Carlos Augusto, da CONTAG do Pará, mostrou preocupação com a criminalização dos lutadores e lutadoras sociais, bem como com a grilagem, típica no Pará, que mantem a tensão no campo, resultando muitas vezes em violência.

    “Existe uma visão muito clara de criminalização dos movimentos sociais,um Estado conservador que tem um preconceito contra a luta pela terra em nível nacional. É evidente isso quando a gente olha as leis que esse congresso está aprovando”, afirma, citando os projetos do governo federal e da bancada ruralista que visam a reconcentração fundiária, a legalização da compra de terras no Brasil por estrangeiros, entre outros.

    Para ele, a ação do latifúndio é fortalecida pela falta de segurança pública. “Existe uma concepção perversa e conservadora baseada na pecuarização, numa matriz energética que destrói o ambiente, acaba com as terras indígenas e quilombolas, uma matriz minerária que vai destruindo milhares e milhares de trabalhadores e trabalhadoras. O Pará sempre foi um estado de lista de marcados para morrer, com preço de homens e mulheres marcados por se contrapor ao agronegócio, ao modelo de desenvolvimento e aos governos que foram eleitos em nome do latifúndio”.

    Giselda Pereira, seringueira de Rondônia, denunciou que “os que fizeram a chacina em Colniza são os mesmos que querem nos matar, invadir nossas reservas, nos destruir. Só em Rondônia, já foram 10 mortes por conflito agrário só neste ano. As pessoas que contrataram gente para matar aqueles nove são as mesmas que nos ameaçam. Pedimos que olhem para as unidades de conservação de Rondônia e parem os conflitos. Sou seringueira, não lutamos por terra, lutamos por florestas. Assim como nossos irmãos indígenas e quilombolas, é graças aos povos que sobrevivem nelas que elas ainda existem. Mas, infelizmente, se continuar assim elas vão deixar de existir e os povos que delas vivem serão dizimados”.


    “Estamos vendo legalizar esta questão de tirar nosso direito, de matar o índio e isso está legalizado". Foto: Guilherme Cavalli / Cimi

    Alberto Terena, do Conselho Terena e da APIB, também denunciou a gravidade da CPI da Funai e o indiciamento de indígenas como resultado dela. “Estamos vendo legalizar esta questão de tirar nosso direito, de matar o índio e isso está legalizado. Foi na semana passada aprovado o relatório da CPI da Funai, o Nailton e outros 14 indígenas estão sendo incriminados por lutar por seus direitos. Por isso eu também já fui preso. Dentro do Congresso hoje, tem a bancada ruralista, e ela é maioria. Onde que o nosso direito vai ser respeitado por essa bancada?”, questiona.

    “Os que nos defendiam não tinham direito de falar, e a sala era cercada para que nenhum representante indígena pudesse entrar. Quando você olha o relatório, são os índios que eles estão tentando incriminar, chamando o cacique Babau de bandido. Isso é gravíssimo. No Brasil, buscar o que diz a Constituição do nosso país se tornou crime, porque o governo não quer reconhecer e os grandes proprietários de terra que estão no Congresso dizendo ‘índio não precisa de terra’. Por isso estamos buscando fazer a denúncia internacional. Temos que nos juntar para que nossa caminhada se fortaleça a cada dia e não tenhamos que estar enterrando nossos parentes”, completou o Terena.

    Denúncia e compromisso
    Representantes de órgãos do governo, como Ministério Público Federal, Comissões de Direitos Humanos e Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, OAB Nacional, Conselho Nacional de Justiça, Conselho Nacional do Ministério Público, Comissão de Direitos Humanos do Senado, entre outros, ouviram os depoimentos e as diversas denúncias de violência.

    Após a leitura da Carta Compromisso do Ato, as autoridades assumiram o compromisso de levar o documento para suas instâncias de ação e cobrar desses órgãos que também assumam a responsabilidade sobre essas denúncias, exigindo ações imediatas do Estado para frear a violência no campo.


    "Tivemos um ministro do Trabalho que se recusou a publicar a lista suja do trabalho escravo”. Foto: Guilherme Cavali / Cimi

    Para Deborah Duprat, procuradora federal dos Direitos do Cidadão (MPF), a construção histórica do nosso país sempre deixou os povos originários de lado e os atingiu com violência para manter seu processo colonialista de consolidação social.

    “Temos que lembrar a construção da nossa história, da falta de alteridade em relação aos povos originários, da escravidão e tantas outras mazelas, bem como a divisão das sesmarias. Parece que agora estamos voltando ao início da nossa história. Tivemos um ministro do Trabalho que se recusou a publicar a lista suja do trabalho escravo”.

    Para a procuradora, há uma ofensiva para que voltemos a ser uma sociedade de poucos homens, brancos e ociosos. “Precisamos combater a ideia de que uma pessoa seria criminosa por lutar”.

    Duprat também ressaltou a preocupação com a impunidade dos agressores e a atuação cada vez mais intensa de milícias armadas. “A CPT em Mato Grosso denunciou que de todos os assassinatos que tiveram no estado, não houve nenhuma punição. No Mato Grosso do Sul conseguimos somente através de uma força tarefa ter alguma punição em relação às constantes violências contra os Guarani e Kaiowá e os Terena. Queremos, também, assumir um compromisso de enfrentamento às milícias armadas. Sabemos que em Rondônia e no Pará o número de casos tem aumentado muito”.

    A absurda atuação da bancada ruralista na CPI da Funai e do Incra também causa preocupação à procuradora que enfatizou que precisamos cobrar esses agentes do agronegócio dos seus crimes contra os povos do campo. O próprio deputado Nilson Leitão (PSDB – MT), relator da CPI, responde a inquérito que segue em segredo de justiça no STF por ter tido uma ligação telefônica interceptada quando da demarcação da TI Marãiwatsédé, conclamando as pessoas para invadirem a área indígena e impedirem a demarcação. “A legislação está sendo feita para a violência aumentar, e os latifundiários estão se sentindo muito à vontade”, finalizou.

    O subprocurador da República e coordenador da Sexta Câmara do MPF, especializada em direitos dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais, anunciou que o órgão está organizando um mecanismo de alerta rápido para prevenção de massacres e violações de direitos.

    “Mesmo nas situações de ameaça, há algumas que podem ser consideradas ameaças mais agravadas, e essas que podem se converter em morte. O que é importante é que nós tenhamos essa rede de parceiros articulada para que possamos imediatamente responder, para impedir que a fase seguinte aconteça”, explicou.


    Foto: Guilherme Cavalli / Cimi

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  • 24/05/2017

    Chacina em Redenção (PA) deixa pelo menos dez posseiros mortos

    As dez vítimas foram mortas na manhã desta quarta-feira, 24 de maio, durante o cumprimento de uma ação de reintegração de posse determinada pelo juiz da Vara Agrária de Redenção. Ainda segundo informações iniciais, o magistrado determinou que essa ordem fosse cumprida por policiais militares e civis. O juiz não se atentou para as orientações que constam na Cartilha da Ouvidoria Agrária Nacional e nas diretrizes do Tribunal de Justiça, que determinam que esse tipo de ação seja realizada por Batalhão da Polícia Militar especializado nestas situações.

    Equipe da Polícia Federal (PF) está se deslocando para a área onde ocorreu o conflito para verificar se há mais pessoas mortas ou feridas.

    Segundo veículos de comunicação da região, os corpos dos posseiros foram levados, inicialmente, para o necrotério do Hospital Municipal de Redenção, posteriormente devem ser transferidos para o Instituto Médico Legal (IML) do município de Marabá.

    A Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou, há pouco mais de um mês, o seu relatório anual, Conflitos no Campo Brasil 2016, em que destacou os 61 assassinatos ocorridos no ano passado, o maior número já registrado desde 2003. E a violência não dá trégua em 2017. Até o momento, já são 26 pessoas assassinadas em conflitos no campo brasileiro – as mortes ocorridas hoje em Redenção ainda não constam nesta relação. E no último dia 19, completou-se um mês da Chacina de Colniza, no Mato Grosso, quando 9 trabalhadores rurais foram brutalmente assassinados por um grupo de homens encapuzados.

    Histórico de conflito

    No segundo semestre do ano passado, no dia 21 de outubro, durante reunião da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, realizada na sede do INCRA, em Marabá (PA), o coordenador do Acampamento Nova Vida, Ronaldo da Silva Santos, informou que as 150 famílias acampadas desejavam que o imóvel fosse destinado para a Reforma Agrária. As famílias estavam acampadas na área desde 18 de maio de 2015.

    O então Superintendente Regional do INCRA em Marabá, Claudeck Alves Ferreira, assumiu compromisso com Ronaldo de se reunir com o proprietário da fazenda e negociar sua destinação à Reforma Agrária. Porém, segundo Ferreira, a área não poderia ser desapropriada enquanto estivesse ocupada.

    Na época, participaram desta reunião, o então Ouvidor Agrário Nacional e Presidente da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, desembargador Gercino José da Silva Filho; Aílson Silveira Machado, representante da Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e Cidadania; Representantes regionais do INCRA; Representante da Polícia Militar de Marabá; e coordenadores da Federação Estadual dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Pará (FETRAF – PARÁ).

    Mais informações:

    Cristiane Passos (assessoria de comunicação da CPT Nacional): (62) 4008-6406 / 99307-4305

    Elvis Marques (assessoria de comunicação da CPT Nacional): (62) 4008-6414 / 99309-6781


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  • 24/05/2017

    XVII Assembleia do Povo Xukuru do Ororubá: “Nenhum direito a menos! Fora Temer!”


    Crédito das fotos: Ângelo Bueno/Cimi Regional NE


    Com a inauguração do Espaço Mandaru, nome que o cacique Xikão Xukuru recebeu ainda vivo durante pajelança, cerca de 1.500 indígenas Xukuru, de outros povos, aliados e parceiros se reuniram para a XVII Assembleia do Povo Xukuru do Ororubá, que ocorreu entre os dias 17 e 19 de maio – se encerrando no dia 20 com a tradicional descida da Serra do Ororubá até o local em que Xikão foi assassinado, na cidade de Pesqueira, agreste pernambucano.

     

    O encontro foi marcado por reflexões relacionadas ao grave estado de deterioração das instituições democráticas do Brasil promovido pelo Capital em concluiu com seus aliados, caso de Michel Temer e seu governo mergulhado em graves denúncias de corrupção e reformas para a retirada de direitos sociais. "Vivenciamos um grande ataque aos direitos sociais, políticos, culturais e econômicos", salienta a carta final da XVII Assembleia do Povo Xukuru.

     

    "O povo Xukuru se fortalece quando se junta nos rituais, quando aumenta o diálogo entre as organizações internas e realiza suas atividades reafirmando a identidade e formação política do nosso povo. Reforça a união do povo, não só nas comunidades, mas com todos os movimentos sociais, recebendo as várias representações da sociedade comprometida com as lutas", diz outro trecho da carta.

     

    Leia o documento na íntegra:

    CARTA DA XVII ASSEMBLEIA DO POVO XUKURU

     

    LIMOLAIGO TOIPE: NENHUM DIREITO A MENOS

    “A Nossa Luta Não Para”

     

    Nós, povo Indígena Xukuru do Ororubá, estivemos reunidos entre os dias 17 à 19 de maio de 2017 durante a realização de nossa assembleia anual que teve inicio com o ritual sagrado, realizado no terreiro do Rei do Ororubá, onde pedimos força aos encantados, ao nosso Pai Tupã e a nossa Mãe Tamaim para abrir os caminhos e orientar nossas atividades. Nesse ano, inauguramos o Espaço Mandaru, em memória do nosso grande líder Xikão Xukuru, que em vida recebeu este nome durante uma pajelança, indicado pelos encantados. Dona Zenilda, a mãe sacarema, fez o batismo do espaço. Inspirada pela Natureza Sagrada, entoou um ponto do toré, fazendo ecoar sua voz por todo ambiente. Este será o local permanente de realização das nossas assembleias, se constitui também num lugar de acolhimento, celebrações e vivências várias que contribuem com nosso processo de construção do Bem Viver Xukuru e todos os povos da Terra. Na criação do espaço Mandaru valorizamos nossa arquitetura tradicional através do trabalho em mutirão.

     

    Cerca de mil e quinhentas pessoas participaram durante os três dias. Além dos guerreiros e guerreiras do povo, representantes das aldeias Pão de Açúcar, Pé de Serra de São Sebastião, Pé de Serra dos Nogueiras, Cana Brava, Brejinho, Afetos, Caípe, Caetano, Couro Dantas, Oiti, Caldeirão, Capim de Planta, Lagoa, Cimbres, Sucupira, Guarda, Jatobá, Pedra D’Água, Curral Velho, São José, Gitó, Mascarenhas, Santana, Passagem, Cajueiro e os indígenas da cidade, participaram também os parentes dos povos Kambiwá, Tuxá, Truká, Kapinawá, Fulni-ô, Pankararu e Pipipã do estado de Pernambuco, dos povos Potiguara e Tabajara do estado da Paraíba, do povo Tapuia do estado de Goiás, representantes da juventude indígena dos povos Pano Tacana de Rondônia e Tumbalalá da Bahia. Contamos ainda com a presença de várias instituições de Ensino Superior como o IFPE, UFPE, UPE, UFRPE, UNICAP, UNIVASF, UFPB, UFRN, UFCG, Museu do Homem do Nordeste, uma delegação dos Cursos de Saúde Coletiva e de residência em Medicina da Família e Comunidade e Multiprofissional, várias escolas dos municípios de Pesqueira, Poção e Sanharó e dos Movimentos sociais: CIMI, MCP, IPJ, FETAPE, Centro Sabiá, Ocupe Estelita, Fórum da Juventude de Pernambuco,Serta, Adveniat (Alemanha), CASA, Nãlu’um, e Diocese de Pesqueira.

     

    Vivenciamos um grande ataque aos direitos sociais, políticos, culturais e econômicos dos povos indígenas, populações tradicionais e vários setores da sociedade brasileira. Essa ofensiva tem como objetivo aumentar a concentração de riqueza provocando um maior empobrecimento das classes sociais oprimidas. São ameaças às demarcações de terra, à retirada de direitos trabalhistas e dos recursos das pessoas que mais necessitam, atacando os benefícios e a previdência social, promovidas no Congresso Nacional a mando dos latifundiários e dos grandes empresários cada vez mais ricos em conluio com a grande mídia empresarial.

     

    Como resposta, o povo Xukuru assume, firmemente, que a organização e a luta de resistência é uma necessidade na defesa dos direitos conquistados e na ampliação dos mesmos. Reforça a importância de efetivar articulações e consolidar alianças entre os lutadores e lutadoras, nas lutas concretas em defesa das conquistas sociais. Precisamos nos unir contra as propostas de emendas à Constituição Federal que atingem direitos dos Povos do Campo, das Águas, das Florestas e das Cidades.

     

    O povo Xukuru se fortalece quando se junta nos rituais, quando aumenta o diálogo entre as organizações internas e realiza suas atividades reafirmando a identidade e formação política do nosso povo. Reforça a união do povo, não só nas comunidades, mas com todos os movimentos sociais, recebendo as várias representações da sociedade comprometida com as lutas. Por esse motivo, essa assembleia ganhou amplitude, assumindo um caráter de assembleia popular e revolucionária. Diante desse momento político grave em que o Brasil atravessa a assembléia se junta a milhões de brasileiras e brasileiros pelo “FORA TEMER!”, em defesa de eleições gerais com a participação ativa dos povos indígenas.

     

    O Povo Xukuru fortalecido, sem medo, renova seu compromisso na busca por seu espaço político na construção de uma sociedade justa, solidária e pluralista.

     

    Nenhum direito a menos!

    Unidade do povo Xukuru e daqueles que querem lutar!

    Diga ao povo que avance!

    Avançaremos!

    Aldeia Pedra D’Água, 19 de maio de 2017.

     

     

     

     

     

     

     


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  • 24/05/2017

    Funai e SPU encaminham solução, mas Justiça Federal insiste com despejo de 67 famílias indígenas para esta quinta, 25


    Indígenas mantêm plantações por toda área retomada, entre casas e escombros. Fotos: Renato Santana/Cimi


    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

     

    Uma nova reintegração de posse está programada contra a retomada do povo Kariri Xocó de Paulo Afonso, no sertão da Bahia. Contrariando decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, que suspendeu por 45 dias o despejo no último dia 29 de março para a busca de uma solução alternativa, cujas medidas foram providenciadas e estão em curso pela Funai e o SPU, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) comunicou ao Ministério Público Federal (MPF) que está pronta para retirar à força nesta quinta-feira, 25, 67 famílias que passaram a viver nos escombros de uma vila abandonada há 30 anos pelo Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (DNIT). A decisão pela execução da reintegração partiu de liminar da Justiça Federal de Paulo Afonso alegando que o prazo concedido pelo TRF-1 expirou.


    Conforme documentos obtidos pela Assessoria Jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Funai e SPU atenderam a decisão do desembargador. Um fluxograma das ações da destinação do imóvel da União, onde está a retomada Kariri Xocó de Paulo Afonso, à Funai está em pleno desenrolar como parte do processo administrativo na SPU/BA N.º: 04941.000304/2017-54. "A decisão do TRF-1 permitiu a resolução da demanda sem a necessidade de reintegração. Pelos documentos oficiais obtidos isso aconteceu, não tem como negar. Não tem sentido uma decisão para retirar os indígenas da aldeia se há um encaminhamento", argumenta o advogado Adelar Cupsinski, do Cimi.


    O desembargador Kassio Marques do TRF-1, em Brasília, suspendeu a reintegração de posse em março. Na decisão, Marques concedeu prazo de 45 dias para que a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) encontrassem uma solução para a área retomada pelos indígenas, na medida em que se trata de um patrimônio público e o DNIT demonstrou não ter interesse no local. Os órgãos estatais chegaram a uma solução depois de tratativas e deram início aos trâmites burocráticos, que seguem correndo respeitando as determinações legais. "Entendemos que esse prazo precisa ser indeterminado. Pedimos isso para as autoridades, o MPF também", destaca o cacique Jailson dos Santos Kariri Xocó de Paulo Afonso.


    A nova decisão de despejo não teve a divulgação necessária diante da repercussão do ato para a vida de 170 indígenas. Foram dias em busca da confirmação, atrapalhando a defesa dos indígenas. Uma integrante do corpo técnico do MPF chegou a fazer contato com a Subseção Judiciária de Paulo Afonso para confirmar a reintegração. Conforme relatório do MPF obtido pela assessoria de comunicação do Cimi, um diretor da Subseção não identificado confirmou o despejo, mas ressaltou que não poderia conceder cópia do agendamento por não estar autorizado a dar publicidade ao ato. Questionada pela mesma técnica do MPF, a Fundação Nacional do Índio (Funai) tampouco havia sido notificada da agenda do despejo. A Advocacia-Geral da União (AGU), responsável pela Procuradoria da Funai, sequer recebeu o despacho do TRF-1 com a decisão do desembargador – só depois disso os 45 dias podem ser contados; menos ainda tomou conhecimento da nova decisão pela reintegração.  

     

    "Parece que estão fazendo por debaixo dos panos, não entendemos direito. Isso gerou um desencontro de informações, parece que para confundir mesmo. Como podem despejar mulheres, crianças, idosos, um povo que para viver precisa de estar na terra sagrada, dessa maneira? Pra gente é genocídio", protesta o cacique Jailson. Para o indígena, "é muita tristeza. As autoridades estão sendo arbitrárias com um povo já sofrido por tanta violência de ser expulso cada vez de um canto diferente". O cacique explica que eles estão sobre dois hectares de uma área reivindicada que possui 170.  

     

    A retomada se localiza às margens do rio São Francisco – um lugar sagrado para os povos indígenas do Submédio e Baixo São Francisco: as cachoeiras sagradas de Paulo Afonso, interrompidas pela barragem do complexo hidrelétrico construído na década de 1950. "Não estou entendendo porque tão fazendo isso com a gente. A cidade não tem o que oferecer, só nossa aldeia. São muitos anos de sofrimento, e aqui sentimos que a vida pode ser melhor na tradição, na terra, na nossa religião, na nossa cultura. Peixe fora da água se acaba. A gente é assim", diz a liderança José Francisco dos Santos Kariri Xokó de Paulo Afonso. O indígena explica que os federais estão "passando" na frente da aldeia e intimidando a comunidade.

     

    A 6a Câmara de Coordenação e Revisão da Procuradoria-Geral da República (PGR), por intermédio de seu coordenador, o procurador João Akira Omoto, interveio junto à Justiça Federal no sentido de demonstrar que por mais que o prazo de 45 dias tenha expirado, uma solução definitiva está em curso – no âmbito do governo federal. Para a PGR, uma reconsideração precisa ser feita quanto ao despejo. O Procurador da República em Paulo Afonso, Bruno Jorge Rijo Lamenha Lins, entende ainda que a reintegração solicitada possui duas justificativas nada sólidas.    

     

    Para o MPF, com base em farta documentação anexada nos autos, a área pertence à União – a impetrante da ação é uma empresa privada, a UZI Construtora, que alega ter a posse – e a liminar de reintegração não correspondente à terra retomada pelos indígenas. Em 2014, o DNIT manifestou à SPU não ter interesse nesta área chamada Cachoeira dos Veados, ao lado da Ponte Metálica da BR-423 – local da retomada Kariri Xocó. No entanto, a construtora impetrou liminar pela reintegração da Fazenda Tapera de Paulo Afonso. "Estou convicto e tenho total clareza de que a terra é da União. Da mesma forma que nos autos há dúvidas sobre qual a área a ser reintegrada", afirmou o procurador ainda em março.

     

    Uma semana antes da reintegração, os Kariri Xocó de Paulo Afonso estiveram com o juiz de primeira instância João Paulo Pirôpo de Abreu, que mesmo entendendo que a área pertence à União, e silenciando diante da dúvida pertinente quanto à área a ser reintegrada, afirmou se tratar de uma possessória, ou seja, a construtora apresentou documentos de posse, e que certo ou errado, a função do juiz é decidir; e a decisão dele estava dada. "A gente pede socorro. Por mim, pelos meus filhos, pelo meu povo. Aqui plantamos, temos um teto, a natureza que nos oferece o contato com os encantados e a medicina da gente. Temos o rio, o rio dos peixes para comer e do Reino Encantado que existe nele", diz Rafaela Kariri Xocó. "Meus filhos me perguntam: por que não querem que sejamos felizes aqui? O que vai acontecer com o feijão, a abóbora e a melancia que a gente plantou, mamãe?".

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