• 29/05/2017

    A Teia poupa vidas


    Crédito da foto: Pablo Albarenga/Cimi Regional Maranhão



    Por Ana Mendes, colaboração para a Assessoria de Comunicação – Cimi | De Cidade de Brejo, Maranhão


    Choveu a cântaros no dia 26 de maio no Quilombo Alto Bonito, Cidade de Brejo, no Maranhão. “O dia amanheceu mais leve”, comenta feliz um indígena que teve o sono interrompido por causa do temporal na madrugada. Mais leve o dia, mais forte o tecido da Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão que realizou o VI Encontrão de Povos e Comunidades Tradicionais entre os dias 25 e 28 de maio de 2017, sob o tema “Não estamos extintos, estamos de pé, em luta. Essa terra é nossa!”.

     

    A Teia Maranhense, formada oficialmente em 2013, tem o intuito de discutir demandas comuns às diversas populações tradicionais do estado. O Encontrão que acontece semestralmente conta, por enquanto, com a articulação de camponeses, sertanejos, quilombolas, indígenas, geraizeiros, pescadores artesanais, quebradeiras de coco e povo de terreiro. Possuem, respectivamente, suas próprias teias. O movimento tem um caráter pioneiro no Brasil, ao menos outros quatro estados brasileiros já têm composições neste mesmo formato, como por exemplo a Bahia e o Sergipe. A tendência é crescer. O nome do grupo é autoexplicativo: os povos e comunidades são os fios de uma teia tridimensional. Fios entrecruzados, compartilhando pontos em comum, mas mantendo trajetórias autônomas.

     

    A ‘diferença’ é a essência das teias. Entretanto, há muito em comum entre as cerca de 600 pessoas reunidas no Quilombo Alto Alegre. A principal delas é o combate ao modelo desenvolvimentista imposto aos territórios tradicionais pelo binômio Capital-Estado. Conforme o relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) com dados sistematizados de 2016 – lançado neste mês de maio – houve 194 conflitos no campo maranhense. O estado lidera este ranking há pelo menos seis anos. O número de ameaçados de morte atingiu a marca de 72 casos. A violência inerente a estes dados decorre da impossibilidade de acesso ao território. A proteção oferecida por parte dos órgãos governamentais durante os ataques é parca – e até mesmo nula em alguns casos. O recente massacre sofrido pelo povo Akroá Gamella, no município de Viana, reforça tal argumento: 22 indígenas gravemente feridos, uns com requinte de crueldade, sob o olhar passivo da Polícia Militar.  

     

    Além disso, no caso dos Gamella, a ausência do Estado é ampla: o procedimento demarcatório está parado na qualificação de demanda, não há atendimento de saúde e educação diferenciadas e os indígenas acessam apenas políticas públicas assistenciais comuns à sociedade envolvente. Izabel Gamella conta: “A gente está se organizando do nosso jeito. A Funai vai lá, dá doação e pronto esquece de nós. O que a Funai deveria fazer é dar andamento. Várias denúncias a gente já fez, vários boletins de ocorrência nós já registramos, mas eles esperaram acontecer o massacre pra poder aparecer. E se a gente tivesse morrido? Não é que a gente não tenha medo, mas recuar agora seria dizer: estamos no fundo da sepultura”.  

     

    A Teia, portanto, serve também como proteção coletiva, apoio e reforço aos povos ameaçados física e simbolicamente. Conforme Chico Severo, pedagogo e camponês da Comunidade Santo Antônio, de Pedro Rosário, o importante da Teia é que “aqui não se identifica o sujeito. O quilombola, o trabalhador rural e o indígena é um conjunto de gente de todas as categorias. Para você trabalhar a abelha tem que conhecer a rainha. Sem identificar o sujeito, a gente poupa vida. Aqui não se conhece nem o zangão nem a rainha”.

     

    Esta edição do encontro foi premiada com a presença de Osmarino Amâncio (na foto ao lado/crédito: Ana Mendes), líder seringueiro que ao lado de Chico Mendes lutou pela sobrevivência da Floresta Amazônica. Osmarino vive no Acre e completou 60 anos de vida em terras maranhenses, durante o encontro. Ele veio com a missão de ver de perto a mobilização da Teia que, para ele, se assemelha à união dos povos da floresta no período em que cerca de 40 mil pessoas foram expulsas dos seringais por projetos madeireiros e pecuários. “Nós perdemos lá nessa guerra 172 pessoas que foram assassinadas. Foram incendiadas 3.992 casas no meio daquela floresta. Foram expulsas milhares de pessoas pra Bolívia e pessoas para as periferias do estado do Acre, mas esse povo se levantou contra tudo isso. A casa do meu pai foi incendiada 3 vezes. Eu sobrevivi a seis atentados. Se eu tirar minha blusa vocês vão ver as marcas de toda aquela luta", diz.

     

    A violência empregada contra os seringueiros e demais lutadores levou a mortes, caso do assassinato de Chico Mendes, em 22 de dezembro de 1988 na cidade de Xapuri.    Com tamanha experiência, Amâncio ressalta que não adianta "a gente fazer um encontro belíssimo desse e deixar o Inaldo [Gamella] ser assassinado. Nós lá dissemos chega de velório, chega de missa e de a gente levar pras estatísticas os companheiros e a gente ver eles tombando. A gente não tinha força política, não tinha entidade sindical, associação, cooperativa e mesmo assim esse povo pra defender seu território se juntou e disse: É muito melhor a gente morrer no enfrentamento do que morrer ajoelhado na cidade pedindo esmola”.



    Crédito da foto: Pablo Albarenga/Cimi Regional Maranhão

     

    Teias compartilhadas

     

    Não apenas do Acre, mas também da Bahia se deslocaram representantes de povos e comunidades tradicionais. A Teia baiana enviou integrantes para o Encontrão dando seguimento às articulações entre as experiências. Em abril, representantes da Teia maranhense estiveram em Porto Seguro e na Terra Indígena Tupinambá de Olivença, próxima a Ilhéus, por ocasião de um encontro de agroecologia. Na aldeia Serra do Padeiro, ouviram a experiência de indígenas ameaçados, que contabilizam parentes assassinados, sofreram tortura e todo tipo de viol6encia estatal.

     

    O agricultor Joelson Ferreira, que veio acompanhado do cacique Nailton Pataxó Hã-hã-hãe, vive no Assentamento Terra Vista, em Arataca, na Bahia, pontua a importância da terra livre: “Para o quilombola viver, o latifúndio tem que morrer. Dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço. O transgênico, por exemplo, vai ter um dia que ninguém mais vai conseguir colher. E o agrotóxico vai matar nossas áreas, nossos rios. Você tem coragem de envenenar a sua mãe? A terra é nossa mãe. E quem sabe disso muito bem é o povo indígena e o povo preto. A terra não é nossa, estamos aqui de passagem”.

     

    Guiada pelo princípio do Bem Viver, a Teia acredita que com base na educação, agroecologia e espiritualidade pode-se construir modelos de vida que garantam autonomia e soberania alimentar. Um pensamento que perpassa a atuação das experi6encia em Teia país afora. Cacique Nailton Pataxó Hã-hã-hãe afirma que os povos e comunidades tradicionais precisam plantar. Para a experiente liderança, o problema de todo o dia é a comida – inclusive para que os grupos estejam preparados para os desafios da luta pela terra.  

     

    "Temos que estar preparados. Porque do jeito que está andando as coisas no país é o caminho de uma revolução. E guerra não é brincadeira. Esse encontro aqui é o caminho que nós temos para iniciar uma nova cara de luta. Isso que está acontecendo aqui é muito rico. Vamos nos preparar para dar uma resposta pra as pessoas que fizeram aquilo com os Gamella. O que fizeram com eles hoje, fazem amanhã com qualquer um de nós. Vamos nos organizar”, enfatiza cacique Nailton.



    Crédito da foto: Pablo Albarenga/Cimi Regional Maranhão

     

    Experiências de vida

     

    Entre trocas e toques de sementes e tambor, rezas e danças/rituais algumas experiências positivas nas terras tradicionais foram apresentadas. O projeto de educação do Quilombo Nazaré, em Serrano do Maranhão, é um exemplo de mudança metodológica que deu certo por persistência de professores e integrantes das comunidades. Em 2014, eles impediram que as crianças do 6º ano saíssem do território para estudar na cidade. Quatro professores quilombolas fundaram uma turma e começaram a trabalhar, sem salários, colocando em prática a lei 11.645, que inclui o conteúdo de história afro e indígena no currículo. Um ano depois, o município os contratou. “A gente tem que se impor, e não ficar com medo, para desconstruir a ideologia racista dos livros didáticos. Esses livros ferem a nossa cultura”, afirma Gil Quilombola.

     

    Ao final do encontro, foi aprovada uma Moção de Repúdio ao massacre de dez trabalhadores e trabalhadoras rurais no município de Pau D’arco (PA), ocorrido em 24 de maio, na fazenda Santa Luzia, assassinados pelas polícias Militar e Civil que ainda deixou dezenas de feridos. Além da moção, os participantes leram a Carta Final do VI Encontrão da Teia. Confira a carta na íntegra:  

     

    VI ENCONTRÃO DA TEIA DE POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS DO MARANHÃO

     

    Território Quilombola Alto Bonito, 25 a 28 de maio de 2017.

     

    DOCUMENTO FINAL

     

    “NÃO ESTAMOS EXTINTOS. ESTAMOS DE PÉ, EM LUTA. ESTA TERRA É NOSSA!

     

    Nós, povos indígenas Akroá Gamella, Krenyê, Krikati, Gavião, Krepym Katejê, Pataxó Hã Hã Hãe da Bahia, comunidades quilombolas, quebradeiras de coco, sertanejos, geraizeiros, pescadores artesanais, ribeirinhos, camponeses e seringueiros do Acre, com o apoio solidário e militante da Comissão Pastoral da Terra/CPT, do Conselho Indigenista Missionário/CIMI, do Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco/MIQCB, Irmãs de Notre Dame, Movimento de Comunidades Populares/MCP, Teia de Povos da Bahia, Diocese de Brejo, Núcleo de Estudos e Pesquisa em questão Agrária/NERA, CSP Conlutas, Coletivo Nódua, Centro de Defesa de Açailândia, Grupo de Estudo em Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente/GEDMMA, Núcleo de Estudos Geográficos/UFMA, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia/Campus Pinheiro, Rede de Agroecologia do Maranhão/RAMA, nos reunimos no território quilombola Alto Bonito, Brejo/MA, nos dias 25 a 28 de maio de 2017, para o VI Encontro da Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão.

     

    Bebendo da experiência dos seringueiros de Xapuri (Acre), dos povos da Bahia, e dos muitos relatos da nossa gente, afirmamos a nossa autonomia na segurança, na educação, na produção, na autogestão e no Bem Viver!

     

    Denunciamos o modelo de desenvolvimento que tem se perpetuado no Brasil, explorador e concentrador de riquezas que, para alcançar o máximo de exploração da natureza precisa negar nossa existência, nossa cultura e nossos modos de vida, atuando violentamente no extermínio de povos e comunidades, como ocorrera com camponeses em Colniza no Mato Grosso, com o Povo Akroá-Gamella no Maranhão e com os camponeses em Pau D’arco, no Pará.

     

    Reafirmamos a luta no enfrentamento com o agro-hidro-minero-negócio, o Parque Eólico nos Lençóis Maranhenses, gaúchos, fazendeiros, madeireiros, empresas nacionais e internacionais (mineradora Vale, Suzano Papel e Celulose S. A., WPR Gestão de Portos e Logísticas de São Luís, WTorre, Grupo Maratá, Grupo FC Oliveira, e outras). Nossos inimigos contam o aparato do Estado brasileiro, tais como o Executivo, Legislativo e Judiciário, o ICMBio, em todas suas esferas, além do braço armado do Estado – Polícia Militar, Civil e Federal -, que historicamente são instrumentos de repressão de nossos povos e a criminalização de nossas lutas, além da uso permanente de jagunços e pistoleiros.

     

    Reafirmamos os princípios do Bem Viver, que passa pela retomada dos nossos territórios, da nossa autonomia, pela garantia da soberania alimentar, manutenção da nossa cultura e modo de vida.

     

    Nossa força vem dos encantados, vem dos nossos antepassados, vem dos nossos mártires, de sentir a força da mãe-terra quando pisamos em nosso chão. É uma força que jamais será silenciada, que permanece sempre viva quando nos encontramos e nos sentimos.

     

    A partilha das experiências de insurgências alimenta o nosso espírito e reafirma a luta pela terra e pelo território e os laços entre povos estabelece novos vínculos históricos de resistência.

    Esse governo que está destruindo o Brasil não nos representa! Fora Temer! Fora todos eles!

     

     

    ESTA TERRA TEM DONO! (Sepé Tiaraju)

     

    Quilombo Alto Bonito, Brejo dos Maypurá, 28 de maio de 2017.

     

    MOÇÃO DE REPÚDIO

     

     


    Read More
  • 29/05/2017

    Um grito contra o massacre no Pará, um canto para nossos mártires

    Um grito contra o massacre no Pará, um canto para nossos mártires

    Nós, povos e comunidades tradicionais reunidos neste VI Encontrão de Povos e Comunidades Tradicionais, manifestamos nossa indignação e repúdio ao massacre que derrubou dez trabalhadores, podendo aumentar este número, pois feriu gravemente mais 18 camponeses e camponesas, ocorrido no dia 24 de maio, fazenda Santa Lúcia, no município de Pau D’Arco, no estado do Pará, executado pela Polícia Militar do governo de Simão Jatene, do PSDB. Este mesmo partido, em 1996 comandou o massacre em Eldorados dos Carajás no Pará, que assassinou 19 sem terras.

     

    Esse ataque se insere numa sequência de massacres cometidos pelo Estado Brasileiro contra os nossos povos e comunidades tradicionais. Uma trágica história que se repete no nosso dia a dia, numa tentativa de silenciar a nossa história.


    Todo sangue já derramado de nossos irmãos e irmãs permanecem em nossa memória alimentando nossa luta. Cada vez que um de nós cai muitos outros se levantam. A nossa força sobrevive para além da brutalidade da bala contra nossos povos.


    Diante dessa barbárie, nós, povos e comunidades tradicionais, exigimos do Estado a punição dos policiais e latifundiários envolvidos; o apoio aos familiares que perderam seus entes queridos; a regularização da terra aos camponeses para evitar que massacres como esses continuem acontecendo.

     

    “Maldita toda violência que destrói a vida pela repressão”.

     

     

    Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão

    Teia de Povos da Bahia

     

     


    Read More
  • 29/05/2017

    Encontrão da Teia reúne povos e comunidades tradicionais do Maranhão


    Crédito da foto: Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais


    Ao som de tambores, maracas, atabaques, pandeiros, triângulo e cantos ocorreu neste final de semana, entre os dias 26 e 28, na Comunidade Quilombola de Alto Bonito, a 11 km da cidade de Brejo na região leste do Maranhão, a VI edição do Encontrão da Teia, que é formada pelos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão. Ao todo participaram cerca de 400 pessoas entre indígenas, quilombolas, pescadores, ribeirinhos, geraiseiros, sertanejos, quebradeiras de coco e outros aliados da causa.

     

    Para a reflexão deste encontro, os povos presentes discutiram o tema: “Não estamos extintos, estamos de pé, em luta” sob o lema “Essa terra é nossa”. O encontro é uma forma de reafirmar mais uma vez o território dos povos para a garantia de todos os projetos de vida das comunidades.

     

    Um dos objetivos da Teia é a articulação da luta dos povos, em direção da garantia do Bem Viver, da autonomia dos territórios e da soberania educacional e produtiva, que são as expressões da forma de produção das comunidades.

     

    Para Adriano Guileto do povo Gavião (Caw Cree), que faz parte da articulação do encontro, “a teia veio para fortalecer a cultura e a luta de todos povos tradicionais do Maranhão”. No final de abril, o povo Gamela sofreu um massacre no município de Viana – 22 indígenas foram feridos: cinco a tiros, dois tiveram as mãos amputadas e entre os demais machucados estão três crianças. Para os representantes dos povos e comunidades no encontro, a Teia deve agir de forma unitária para enfrentar uma conjuntura de massacres e chacinas – na semana passada, dez trabalhadores e trabalhadora rural foram assassinados pelas polícias Militar e Civil de Redenção, no Pará.

     

    Rosemeire Diniz, coordenadora do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão, ressalta que “o VI encontro da Teia do Maranhão vem trazer a discussão do que os povos e comunidades tradicionais vem enfrentando atualmente no Brasil, que é a questão da invisibilidade desses povos, aonde a quem diga que não há indígenas em algumas regiões, mas supostos indígenas”.

     

    A missionária explica que “os encontros da Teia que reúne diferentes povos vem reafirmar que os povos tradicionais não estão extintos, mas estão de pé em luta pelos seus direitos porque é da territorialidade que esses povos tiram sua própria existência, não só da sobrevivência física, mas, é toda uma reprodução de vivência cultural e de modo de vida”.

     

    Segundo com Dom Valdeci, Bispo da Diocese de Brejo, que acolhe a VI edição do encontrão da teia, “um dos pontos mais importantes dos encontros é o fortalecimento das comunidades tradicionais, para a permanência na terra, na luta pela conquista de direitos, o espírito de partilha e a solidariedade que a teia vem fomentando, em forma de encorajamento das comunidades”.

     

    Ainda de acordo Dom Valdeci, na região leste do Maranhão, que abrange os municípios que fazem parte da Diocese de Brejo, existem atualmente 14 comunidades quilombolas que já têm a certificação da Fundação Palmares, e outras comunidades que ainda não foram atendidas, sendo que em todo o estado do Maranhão há aproximadamente 336 processos pendentes no INCRA-MA.

    Gil Quilombola, uma das lideranças do Quilombo Nazaré de Serrano, destaca o fortalecimento das comunidades através da partilha dos diferentes métodos de luta das várias comunidades, valorizando e respeitando os saberes, os modos de vida e a cultura de cada povo. Para que assim juntos possam lutar contra esse sistema opressor que está aí oprimindo as comunidades de todas as formas.

     

    O encontro seguiu com denúncias das violências sofridas pelos povos e comunidades, pela omissão do Estado no cumprimento dos direitos constitucionais. É o momento de unificação dos diferentes povos que resistem ao sistema capitalista.


    Read More
  • 29/05/2017

    Em defesa dos povos indígenas isolados do Brasil e Peru contra a abertura da rodovia Puerto Esperanza

    Comunicado e posicionamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em defesa da vida dos povos indígenas isolados e em apoio a AIDESEP (Asociación Interétnica de Desarollo de La Selva Peruana) e FENAMAD (Federación Nativa Del Río Madre de Dios y Afluentes), contra a construção da estrada Puerto Esperanza – Iñapari, na fronteira do Brasil (Acre) com o Peru (Madre de Dios).

     

    A estrada, caso construída, trará graves impactos socioambientais sobre os povos indígenas e seus territórios situados em ambos os lados da fronteira, de modo particular, representa uma ameaça para a sobrevivência física e cultural dos povos indígenas isolados (os mais vulneráveis) cujo traçado projetado corta seu território tradicional transnacional, ocupado de forma milenar, antes da constituição dos Estados Nacionais do Brasil e do Peru.

     

    Esta estrada abrirá o caminho para a depredação transfronteiriça por parte de madeireiros, garimpeiros e narcotraficantes, atentando contra a vida da floresta e dos povos que a habitam. É fundamental que, através de um convênio bilateral Brasil e Peru reconheçam e protejam os povos indígenas isolados e demarquem seus territórios transfronteiriços, de modo urgente, dada a sua vulnerabilidade.

     

    No âmbito do direito internacional também tem a necessidade de contemplar essa realidade indígena transfronteiriça para que os países da ONU reconheçam multilateralmente os direitos ao território, fundamental para sua sobrevivência física e cultural destes povos. Cabe a sociedade civil e as organizações indígenas dos países envolvidos, de modo bilateral, vigiar e pressionar aos estados envolvidos para que reconheçam, demarquem e protejam os povos isolados e seus territórios transfronteiriços.

     

    Leia a nota na íntegra:

     

     

    Posicionamento em defesa da vida dos povos indígenas isolados e contra a construção da estrada Puerto Esperanza – Iñapari, na Amazônia – fronteira do Peru com o Brasil.

     

    O Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) vem a público manifestar grande preocupação e posicionar-se em defesa da vida dos povos indígenas em isolamento voluntário que habitam a região transfronteiriça Brasil (Acre) – Peru (Madre de Dios), ameaçados com o projeto de construção de uma estrada peruana ligando Puerto Esperanza a Iñapara, cujo trajeto atravessa seu território.



    Mapa da região transfronteiriça Peru com Brasil e Bolívia onde está projetada a construção da estrada Puerto Esperanza – Iñapari

     

     

    Expressa seu total apoio às organizações indígenas AIDESEP (Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana) e FENAMAD (Federação Nativa do Rio Madre de Dios e Afluentes) em seus posicionamentos, firmes e claros, contra a construção da referida estrada. A AIDESEP explicitou seu posicionamento, através da carta Nº 142-2017 (Lima, 09 de Maio de 2017), dirigida à Sra. Luz Salgado, Presidenta do Congresso da República do Peru onde expressa seu “Repúdio ao Projeto de Lei 00075-2016-CR (autoriza a construção da estrada) que favorece o corte ilegal de madeira e o etnocídio”; e pela FENAMAD no ofício Nº 241-2017 (Puerto Maldonado, 10 de Maio de 2017), também dirigida à Sra. Luz Salgado, em que propõe maior “Informação e debate plural do Projeto de Lei 75/2016-CR” e afirma que a “Conectividade terrestre a Iñapari não resolve problemática do Purus”.

     

    O projeto de construção da estrada Puerto Esperanza a Iñapari, localizada na tríplice fronteira amazônica de Peru com Brasil e Bolívia, mesmo com o posicionamento contrário das organizações indígenas, já foi aprovado pelo Congresso peruano e encontra-se nas mãos do Executivo para ser sancionado ou devolvido.

     

    O traçado previsto da estrada acompanha tanto a fronteira seca entre Peru e Brasil como a fronteira definida pelo rio Acre entre ambos os países e atravessa as cabeceiras dos rios Acre, Iaco, Chandless e outros que cruzam a linha de fronteira seca.

     

    Caso construída a estrada trará enormes impactos socioambientais bilaterais (Peru-Brasil). Os impactos diretos e indiretos não ocorrerão só do lado do Peru, onde a estrada seria feita, mas também serão fortes do outro lado da fronteira, no lado do Brasil (Estado do Acre), afetando os povos indígenas da região e seus territórios, as comunidades ribeirinhas e camponesas, os rios e florestas da região, assim como a fauna e flora. Esta região de fronteira é onde fica grande quantidade de madeiras nobres como mogno e cedro entre outras. A experiência na Amazônia mostra que no rasto das estradas, que cortam a floresta, vem o desmatamento ilegal de madeireiras, a contaminação dos rios e igarapés por causa da mineração e do garimpo, o aumento da colonização e conflitos fundiários, assim como a intensificação e criação de novas rotas de narcotráfico que incidem sobre territórios de indígenas em isolamento voluntário e o tráfico humano.

     

    Os Impactos, no entanto, serão particularmente devastadores sobre os povos indígenas em isolamento voluntário e seus territórios tradicionais transfronteiriços. Os povos indígenas isolados são os mais vulneráveis na Amazônia frente aos impactos dos grandes projetos implementados nos seus territórios tradicionais. Alguns povos indígenas isolados têm como território tradicional esta região transfronteiriça Amazônica Peru-Brasil, compreendida entre o alto rio Purus, alto Chandless, alto Iaco, alto Acre, alto Tahuamanu e alto rio Piedras. Eles transitam este território ancestralmente, desde antes que fossem impostas as fronteiras políticas que cortaram de modo imaginário seus territórios tradicionais.

     

    O projeto da estrada Puerto Esperanza – Iñapari atravessa seu território tradicional, tanto na direção Norte-Sul (entre o alto Purus e as cabeceiras do Chandless, Iaco, Acre, Tahuamanu e Piedras) como na direção Leste-Oeste, onde já existe uma estrada de madeireiros, que acompanha o rio Acre desde suas cabeceiras até a localidade de Iñapari na tríplice fronteira de Bolívia-Peru-Brasil (BolPeBra). Esta estrada, caso construída, deixará os povos indígenas em isolamento voluntário da região de fronteira absolutamente expostos a todo tipo de violência, inclusive de serem massacrados, empurrando-os mais e mais para dentro do Brasil e gerando conflito com outros povos indígenas e comunidades ribeirinhas e seringueiras que habitam as imediações desta região fronteiriça brasileira.

     

    No lado brasileiro, há também quem defenda a construção de uma estrada ligando os municípios de Santa Rosa do Purus e Jordão que, do mesmo modo, afetaria drasticamente os povos indígenas em isolamento voluntário e agravaria ainda mais os impactos transfronteiriços já mencionados.

     

    Insistimos em afirmar que nenhum projeto que coloca em risco a existência de um povo, como é o caso acima descrito, tem uma justificativa aceitável.

     

    Os povos indígenas isolados, que têm seus territórios tradicionais em ambos os lados das fronteiras políticas, situados dentro da Pan Amazônia, são uma oportunidade para que os Estados Nacionais que compartilham estes territórios, assim como a ONU e seus organismos competentes, possam criar marcos jurídicos criativos e eficazes para reconhecer e proteger estes povos e demarcar seus territórios transfronteiriços, assegurando-lhes o direito a existência e consequentemente agindo em prol de um bem maior para a humanidade e o Planeta.

     

    É importante também considerar as demandas das outras populações locais, com propostas como, por exemplo, o transporte aéreo acessível das pessoas de Puerto Esperanza (Peru) a Puerto Maldonado, capital do departamento de Madre de Dios (Peru) e assim ao restante do país; facilitar o trânsito bilateral (Peru-Brasil) para as famílias situadas nesta região de fronteira; e o fortalecimento das políticas públicas com incentivos para os funcionários por estar em regiões distantes das capitais.

     

    Como se trata de uma região transfronteiriça as soluções passam necessariamente por acordos bilaterais entre Peru e Brasil. Propomos concretamente, com a participação e consulta prévia e informada das comunidades, organizações e povos indígenas presentes nesta fronteira, a assinatura de convênio bilaterais entre Peru e Brasil para reconhecer, demarcar e proteger conjuntamente os povos isolados e seu território transfronteiriço, para encontrar uma solução viável e socioambientalmente sustentável para a comunidade de Puerto Esperanza e para facilitar o trânsito bilateral das famílias situadas nesta região fronteiriça.

     

    Coloca-se  para as  organizações indígenas e a sociedade civil de ambos países presentes nesta região de fronteira o desafio de agir articuladamente a fim de obrigar os Estados Nacionais de Brasil e Peru a cooperar bilateralmente para encontrar juntos soluções viáveis e socioambientalmente sustentáveis aos problemas e desafios levantados nesta fronteira e que sejam alternativos à estrada Puerto Esperanza-Iñapari.

     

    Somos convocados pelo Papa Francisco, através da encíclica Laudato Si, a assumir o compromisso de agir em defesa da vida, no cuidado com a Casa Comum, e alertados de que a “intensa exploração e degradação do meio ambiente podem esgotar não só os meios locais de subsistência, mas também os recursos sociais” podendo levar ao “desaparecimento de uma cultura (ou de várias) que pode ser tanto ou mais grave do que o desaparecimento duma espécie animal ou vegetal” .

     

    “Os povos indígenas são bibliotecas vivas. Cada vez que um povo indígena é exterminado e desaparece, um rosto de Tupãna (Deus) morre o cosmos, o planeta e toda a humanidade se empobrecem”, diz Bernardo Alves, do povo Sateré-Mawé.

     

    Brasília, 26 de maio de 2017


    Read More
  • 26/05/2017

    Desaprender para aprender: encontro discute experiências regionais de articulação dos povos e comunidades tradicionais


    Por Ingrid Campos (CPP) e Tiago Miotto (Cimi), no blog da Articulação dos Povos e Comunidades Tradicionais
    fotos: Guilherme Cavalli (Cimi) e Ingrid Campos (CPP)

    A terceira manhã do Encontro Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, na quarta (24), foi de troca de experiências. Depois dos cantos rituais e de uma mística em torno da terra e da água, os participantes da atividade dividiram-se em grupo para conhecer as experiências regionais de articulação entre povos e comunidades tradicionais da Teia do Maranhão e da Teia da Bahia.

    Experiências de luta, articulação, unificação e fortalecimento mútuo entre povos e comunidades que têm na luta em defesa de seus territórios e na construção do Bem Viver um horizonte em comum.

    Teia do Maranhão: Território livre tecendo o Bem Viver

    A Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão tem como símbolo uma mandala de pano, costurada com vários tecidos diferentes. O colorido da mandala representa a diversidade, e a costura remete à união que se tece no dia a dia das lutas e comunidades de indígenas, quilombolas, pescadores e pescadoras artesanais, ribeirinhos, quebradeiras de coco, gerazeiros e sertanejos.

    A organização da Teia já vem de um processo de mais de dez anos, envolvendo representações quilombolas e indígenas de sete estados. “Numa das reuniões, cada um de nós levou uma varinha e a quebrou. Depois, juntamos todas elas e tentamos quebrar, era impossível. Então entendemos que a gente lutando sozinho, nunca conseguiríamos avançar em nossos processos”, conta a quilombola Emília ,do Movimento Quilombola do Maranhão (Moquibom).

    A espiritualidade e a mística perpassam e constituem a Teia dos Povos do Maranhão. “A aranha tece fios. Cada comunidade que está na teia é um fio, e a teia tem um fio que é super resistente. Mesmo o Estado brasileiro dizendo que é para a gente sair, que a gente não existe, continuamos afirmando, lutando por nossos territórios e mostrando que estamos vivos”, explica a quilombola do município de São Luís Gonzaga.

    “A unificação que a Teia propôs foi muito importante”, explica o quilombola Edmilson Reis, integrante do Movimento Quilombola do Maranhão (Moquibom) e da Teia do Maranhão. “Vivia cada qual lutando para um lado, e agora a gente ficou muito mais forte. Passamos a conhecer muito mais situações, muito mais problemas, mas também a ter muito mais companheiros. Estão juntos o quilombola, a pescadora, a marisqueira, o indígena e todos os demais. Temos mais possibilidade de defender o nosso território, a gente se sente muito mais fortalecido ao lutar juntos e não separados”.


    Desaprender para aprender

    Além de discutir a busca por autonomia, com a realização de encontros nas comunidades e discussões conjuntas em assembleia, sem hierarquias, o espaço de apresentação da Teia do Maranhão acabou levando também para outro tópico: a descolonização.

    “A construção do Bem Viver é diária. Para trabalhar com a ideia de descolonização, primeiro temos que aceitar que a gente é colonizado. Nós discutimos que a colonização entra pela nossa cabeça, e a gente tem que descolonizar pelos nossos pés”, conta Carla Pereira, agente voluntária da CPT no Maranhão e integrante do Moquibom. “É o processo de entender que não é normal não ter espaço para plantar. Não é normal uma cerca avançar sobre a tua casa, e não ter nem espaço para enterrar seus mortos”.

    “A descolonização se inicia com a autonomia do território, nossa maneira de relação com a natureza, tirar de nossa cabeça esse modelo de desenvolvimento em que o Brasil é formado. Isso é algo que viemos tirando de nossas mentes. Estamos fazendo esse movimento de desaprender para aprender, de acordo com nossas realidades, territórios e especificidades, até porque não temos a ideia de que somos todos iguais. Somos todos diferentes, mas com o mesmo ideal”, reflete Emília.

    “Temos trabalhado muito a questão das nossas raízes, da nossa identidade. Esse trabalho profundo da pessoa se empoderar e de fortalecer a autonomia da comunidade”, relata Cao Gamela. Os Gamela são um dos povos que integram a Teia, e contam com o apoio das demais comunidades na luta pela autonomia e pela retomada de seu território tradicional.

    “Não há nenhuma comunidade ou povo mais importante que outro, precisamos de políticas que abranjam a todos. Nossa experiência permite quebrar esse paradigma de ficar esperando do governo a desintrusão, esperando a cesta básica, dependendo dessa política enganosa do governo que vem matar a nossa força, a nossa cultura e a nossa luta. A gente traz esses processos para dentro da Teia para que eles sirvam para a teia indígena, para a teia quilombola, para todos”, conclui o indígena.


    Teia da Bahia: Tecendo autonomia

    “Estávamos cansados de pedir ajuda para os que estavam de fora. Precisávamos pensar soluções a partir do nosso povo mesmo, porque temos condições de resolver os nossos problemas!”, defendeu o cacique Ramón do Povo Tupinambá da Bahia para explicar as motivações que levaram ao surgimento da Teia dos Povos da Bahia, uma rede que congrega índios, quilombolas, pescadores, marisqueiras, extrativistas, trabalhadores sem-terra, entre outros povos e comunidades tradicionais e universidades, numa única organização, com o objetivo de fortalecer as lutas em comum.

    A Teia dos Povos da Bahia começa a ser fomentada em 2009, mas é em 2012, a partir da I Jornada de Agroecologia da Bahia, que a Teia passa a se configurar como um Movimento Agroecológico e um espaço de discussão dos povos e comunidades tradicionais inseridos.

    O debate sobre agroecologia e produção de alimentos saudáveis foram os pontos de partida para iniciar a articulação dos “elos” da teia, maneira como são chamadas as organizações e povos que fazem parte da rede. “O objetivo da Teia é fortalecer os povos que estão presentes. Nós vemos onde está a problemática e vamos agir juntos”, explica o cacique Ramon.

    Isso tem possibilitado a troca de sementes e de produtos produzidos pelos povos participantes, mas também tem colaborado na luta conjunta pelos territórios das comunidades. “Nós, os Tupinambás, já ajudamos numa ocupação feita pelo Movimento Sem Terra”, relata Ramón.

    A autonomia dentro da articulação é outro ponto elencado como um dos princípios da Teia. “Para nós é importante ter autonomia para não dependermos do Estado”, afirma Ramon. Por isso são feitas doações mensais por cada elo da rede, numa conta conjunta, que é usada para financiar a Jornada de Agroecologia e viagens dos membros da Teia quando necessárias.

    A Teia tem uma coordenação colegiada que se reúne a cada dois meses. A organização também tem personalidade jurídica para facilitar a colaboração coletiva que é feita pelos elos pertencentes à articulação.

    Outro ponto importante dentro da rede é o fortalecimento do protagonismo feminino. Reuniões e espaços para as mulheres são incentivados dentro da Jornada Agroecológica, que acontece uma vez a cada ano. Eventos exclusivos para as mulheres, como a Farinhada das Mulheres, também são realizados e funcionam como um espaço para partilha e discussão das dificuldades enfrentadas, tudo isso vivido a partir da tradicional experiência de produção de farinha.

    Dentro dessa perspectiva estão sendo incentivadas práticas que façam parte da tradição dos povos e que dialoguem com o modo de vida deles. “Temos lutado muito por isso, para produzir orgânico, para realizarmos uma medicina própria do nosso povo e temos incentivado o retorno das parteiras, devido ao processo de violência que as mulheres enfrentam nos partos em hospitais”, explica Ramon.

    Os resultados já podem ser sentidos no aumento da articulação e enfrentamento feito pelos povos. Na I Jornada de Agroecologia realizada em 2012, houve a participação de 900 pessoas. Na última, realizada em abril de 2017, mais de 5.000 pessoas participaram do evento.

    Futuro

    Atualmente a Teia estabeleceu a meta ambiciosa de plantar mais de 1 milhão de árvores no estado da Bahia. “A gente quer plantar para dizer que o caminho não é aquele da destruição, que eles fazem. O caminho que queremos é outro”, explica Ramon ao fazer referência ao modelo desenvolvimentista de produção capitalista ao qual os povos se contrapõem.

    Criar um selo que identifique os produtos produzidos pelos povos e comunidades tradicionais também está entre os objetivos atuais da Teia. “Já existem selos em outros países da América do Sul, que identificam produtos produzidos por indígenas. Visitamos uma experiência dos índios da Bolívia e queremos fazer o mesmo aqui”, aponta Ramon.

    Oficinas para jovens e expansão da Teia também estão entre os desafios futuros para a rede. “Queremos dar ânimo para que a Teia cresça cada vez mais e assim possamos pensar a nossa organização (povos tradicionais) sem pessoas externas!”, ambiciona Ramon.

    Read More
  • 26/05/2017

    CNDH levanta hipótese de vingança de policiais em massacre de Pau D’Arco


    Crédito da foto: Terra de Direitos


    O presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Darci Frigo (na foto), contestou a versão apresentada pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) do Pará sobre a morte de dez posseiros na fazenda Santa Lúcia, em de Pau D’Arco (PA), na última quarta-feira (24). “A pergunta que a gente se faz é se não foi uma ação de vingança tendo em vista a morte do segurança da fazenda há poucos dias no local”, disse Frigo em entrevista à Pública nesta quinta-feira.

     

    Ele se refere à morte do segurança Marcos Batista Montenegro, baleado no último dia 30 de abril quando patrulhava a fazenda ocupada. Os tiros teriam sido disparados pelos posseiros. No dia da chacina, os policiais civis e militares, liderados pela Delegacia de Conflitos Agrários (Deca) de Redenção, foram à ocupação para cumprir 16 mandados de prisão e de busca e apreensão relacionados ao assassinato do segurança. Segundo a Segup, eles teriam sido recebidos a tiros pelos posseiros. Dos dez mortos, sete eram da mesma família: o casal Jane Julia de Oliveira e Antonio Pereira Milhomem, seus três filhos e dois sobrinhos.

     

    Familiares de nove vítimas prestaram depoimentos ao Ministério Público do Estado do Pará até a noite de ontem. Sobreviventes do massacre também estão sendo ouvidos. Relatos ouvidos por Frigo dão conta de que cerca de 150 pessoas estavam no local no momento do crime. Um deles relatou ao MP que a polícia chegou à ocupação abrindo fogo. A Polícia Civil apresentou dez armas supostamente apreendidas com os posseiros. O CNDH também deve continuar a oitiva de testemunhas nos próximos dias.

     

    Um velório coletivo foi feito nesta madrugada no município de Redenção. Segundo relatos, os corpos chegaram do Instituto Médico Legal (IML) em estágio avançado de putrefação, o que revoltou as famílias. Para Frigo, houve destruição da cena do crime, obstrução das investigações e há risco de coação das testemunhas. O CNDH e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) pediram o afastamento dos policiais envolvidos nos crimes.

     

    Os recentes episódios de violência no campo brasileiro – como a chacina de Colniza, no Mato Grosso e o ataque aos índios Gamela, no Maranhão – levaram o CNDH a criar, na última terça-feira, véspera da chacina, as missões urgentes: forças-tarefas que podem se deslocar rapidamente aos locais dos crimes e vistoriar os trabalhos de investigação. No dia seguinte, o Conselho foi surpreendido pelos assassinatos em Pau D’Arco. “Nós não imaginávamos que no dia seguinte haveria um crime tão bárbaro como esse”, diz Frigo.  “É a segunda maior chacina no campo brasileiro nos últimos vinte anos”, relata o presidente do CNDH.

     

    De 2007 para cá, os assassinatos motivados por disputas de terras mais que dobraram, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Eles vêm crescendo continuamente desde 2013, com alta nos últimos anos: em 2016, 58 assassinatos foram registrados pela Pastoral – crescimento de 23% em relação aos casos registrados em 2015. Neste ano, já foram contabilizados 36 assassinatos por conflitos agrários, segundo a CPT.

     

    Como foi a visita à fazenda Santa Luzia?

     

    Foi muito problemática a visita. A perícia [da Polícia Civil paraense] foi até o local, não quis que houvesse um acompanhamento de todo mundo [da delegação do Conselho], há vários locais de crime e até o momento não se sabe como aconteceu, o que aconteceu… O resultado a gente sabe, mas como isso aconteceu a gente não sabe. Imagine você entrar numa fazenda que não tem mais gado, o capim tá um, dois, três metros de altura, e você sair andando dentro desse mato. Grande parte desse acampamento está nessas áreas de mata fechada. Você só chega lá por uma estrada de chão e só encontra alguns lugares onde você pode circular até o local. A perícia foi em alguns lugares, só que a gente acha que eles só foram parcialmente até os lugares onde aconteceram as coisas. Então foi uma coisa muito ruim do ponto de vista do que se esperava em termos de ter elementos para recolher ou pelo menos [para] entender o que aconteceu lá no local. Isso revela um pouco o que tá acontecendo aqui. A Polícia Civil e [a Polícia] Militar montaram uma linha de investigação para simplesmente encerrar o inquérito como um auto de resistência. O Ministério Público abriu um procedimento investigatório criminal; são três promotores de justiça que estão trabalhando na investigação. Nós estamos aqui também com a Polícia Federal, e o Conselho Nacional está fazendo esse processo de articulação e fiscalização para que as instituições funcionem fazendo uma investigação isenta. Eu e a Deborah Duprat [titular da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão] viemos para acompanhar. Nós criamos esse grupo de ação urgente na terça-feira em Brasília em um evento do Ministério Público Federal com duzentas pessoas de todos os movimentos do campo. Nós criamos esse grupo como reflexo da chacina de Colniza e do ataque aos Gamela no Maranhão, mas nós não imaginávamos que no dia seguinte haveria um crime tão bárbaro como esse que aconteceu aqui em Pau D’Arco.

     

     

    Inicialmente, houve a informação de que a polícia teria ido até lá cumprir uma reintegração de posse. Posteriormente, a Secretaria de Segurança Pública do Pará afirmou que os policiais teriam ido até lá cumprir mandados de prisão por conta do assassinato de um segurança da fazenda. O que de fato aconteceu?

     

    Essa ação da Polícia Civil foi, sim, para cumprir mandados de prisão e busca e apreensão. Eram mais de dez mandados judiciais [16 ao todo]. O processo está em sigilo de justiça. Agora, indo ao local, é muito difícil você imaginar como a polícia poderia cumprir aqueles mandados judiciais às sete horas da manhã, num lugar onde quem teria a capacidade de se defender em um eventual confronto seriam os trabalhadores porque eles estão no meio do mato. Eles estariam em vantagem. E isso [a reação armada dos trabalhadores] não aconteceu, não há nenhum policial ferido. Então o que aconteceu lá é uma interrogação que o Conselho se faz até o momento. Como pode ter havido um confronto onde os trabalhadores atiraram nos policiais onde você só tem feridos e mortos de um lado? Se você considerar que havia um obstáculo para se cumprir os mandados, o que é apenas um procedimento para se investigar um assassinato, você vai ver que tem algo aí que não fecha como um todo. O resultado é que a Polícia pode ter ido além nos procedimentos para cumprir esses mandados. A pergunta que a gente se faz é se não foi uma ação de vingança tendo em vista a morte do segurança da fazenda há poucos dias no local [no último dia 30 de abril, o vigilante Marcos Batista Montenegro foi assassinado a tiros quando patrulhava a fazenda Santa Lúcia; a Justiça responsabilizou os posseiros pelo crime]. Como você vai explicar tanta violência, tantas mortes?

     

    Foram apreendidas armas no local. A imprensa falou até em um fuzil apreendido. Segundo a polícia, essas teriam sido as armas com as quais os posseiros teriam reagido ao cumprimento dos mandados. Como o senhor vê essa acusação?

     

    Nós não vimos as armas apreendidas. Curiosamente, nos disseram que eram dez armas, o que pode indicar que a polícia reuniu uma arma para cada vítima. Pelas fotos, são armas típicas de camponeses – espingardas velhas, danificadas, pelas fotos que a gente vê. Se eles tivessem armas de grosso calibre, como se falou, eles teriam uma vantagem diferencial muito grande porque eles estavam no meio do mato. Essa tese não se sustenta até o momento pelas informações que a gente recebeu. Tem uma informação que é muito grave: há sete pessoas de uma mesma família que foram assassinadas.

     

    Isso indica a execução dessas pessoas por conta do conflito agrário?

     

    O Conselho ainda não tem uma conclusão sobre o que realmente ocorreu. Nós estamos até agora tentando ouvir as testemunhas. Até hoje [quinta-feira, 25 de maio], ao meio-dia, não havia nenhuma informação de que outras pessoas haviam sobrevivido ou pudessem falar. Agora há pouco nós encontramos uma testemunha hospitalizada, baleada na nádega. Ela já fez a cirurgia, deu depoimento agora há pouco para o promotor. Ela falou que só lembra que ficou baleada no local da ocupação de um dia para outro até chegar uma pessoa no local procurando e aí ele foi atendido, foi levado até o hospital. Nós soubemos que a Polícia Civil entrou no meio do caminho dessa história e foi ao hospital e disse a funcionários do hospital que eles não poderiam dar informação para ninguém sobre a existência dessa testemunha. Nós entendemos isso como uma ameaça. Como nós encontramos a ambulância no meio da estrada, soubemos por acaso que essa pessoa havia sido socorrida e aí essa primeira testemunha nós ouvimos agora há pouco. Ela falou um pouco a respeito dessa situação dos tiros, mas não conseguia dizer muito a respeito porque estava saindo da cirurgia e não tinha maiores informações. Nós estamos em busca de [mais] testemunhas. Mas nós achamos que, sim, tudo isso que aconteceu é por conta do conflito agrário ter se arrastado por muito tempo, mas pode haver um elemento de envolvimento de outros interesses como, por exemplo, empresas de segurança, já que poucos dias atrás morreu um segurança da empresa Elmo. A pergunta a ser respondida é: foi uma ação de agentes públicos realizando uma vingança privada? Essa é a pergunta que tem que ser respondida. Uma vingança por causa da morte e por causa dos interesses desse grupo latifundiário [o dono da fazenda Santa Lúcia é Honorato Babinski Filho]. Aqui na oitiva de testemunhas, uma pessoa falou que o seu marido também foi assassinado em uma das fazendas desse Honorato Babinski Filho. E essa morte continua impune.

     

    Outra questão é a morte do policial militar Edemir Souza Costa [no dia 1o de maio passado]. Ele morreu carbonizado com outras três pessoas, incluindo o filho dele. O crime foi em Santa Maria das Barreiras, longe daqui. Bem longe. Mas esse policial era ligado a um batalhão daqui. Então, veja: esses são alguns elementos que o Conselho está levantando para poder entender o injustificável resultado da morte de dez pessoas nessa ação da Polícia Militar. É injustificável que você vá cumprir um mandado que é pra tirar a liberdade de uma pessoa ou para realizar uma parte de uma investigação criminal e você tire a vida das pessoas. Então esse caso a gente acha que pode ter relação, mas o caso da empresa Elmo a gente acha que, com certeza, tem relação [com as mortes]. A gente não sabe. Outra questão é que foram três delegados ao local. O delegado que estava coordenando a operação [Valdivino Miranda, da Delegacia de Conflitos Agrários], o pessoal falou aqui que ele já tem um histórico de violência. Nós estamos também vendo esse detalhe.

     

    A Liga dos Camponeses Pobres (LCP) falou em 11 mortos e não dez como vem sendo noticiado. O senhor confirma essa informação?

     

    São dez mesmo. Essa outra pessoa que se falou que teria morrido provavelmente era a testemunha que foi baleada e estava no hospital.

    Qual seria a motivação de assassinar sete pessoas de uma mesma família? Por que essa família especificamente?

    Se uma pessoa percebesse a aproximação dos policiais e se afastasse cinco a dez metros, os policiais não saberiam onde ela estaria. Então uma hipótese é que as vítimas foram pegas de surpresa dentro de suas casas. E, em uma delas, estaria esta família. Outra hipótese que foi levantada é que alguém que conhecia muito bem o local guiou a polícia na ação, levou pelos caminhos. Era muito difícil chegar no local. Hoje foi levantada essa hipótese de que alguém pode ter guiado a polícia e usado desse elemento surpresa [para a prática de execuções sumárias]. Essa família era o casal Jane Julia de Oliveira e o seu Antonio Pereira Milhomem, dois filhos e três sobrinhos. Pode ser que eles estivessem próximos. Essa é uma dúvida que nós queremos elucidar: por que essa família foi assassinada.

     

    Eu tive a informação de que o Ministério Público teria sido impedido de fotografar os corpos no IML de Marabá. O senhor confirma isso?

     

    Isso ocorreu. Houve hoje pela manhã, inclusive, uma cobrança por parte do procurador geral de Justiça do Pará sobre a Secretaria de Segurança Pública do Pará porque eles impediram que os promotores fotografassem os corpos antes da realização da perícia. Isso foi considerado uma atitude estranha, tendo em vista que, em geral, a perícia fotografa os corpos e manda para o Ministério Público para instruir as investigações.Você tem de um lado o fato que os próprios policiais que mataram removeram os corpos do local, isso é muito grave do ponto de vista de você destruir a cena do crime. A destruição da cena do crime neste caso foi muito grave porque os corpos foram retirados do local. Hoje se falou que uma pessoa poderia não estar morta, o que justificaria o socorro, mas os outros sim estavam todos mortos. Aí você vai somando: a destruição da cena do crime, depois você tem a dificuldade de fotografar os corpos do IML. São várias coisas estranhas que vão se somando. Levar os corpos significaria que não houve tanta crueldade assim, porque se tentou prestar socorro. Mas nesse caso não se justificaria porque as pessoas já estavam mortas quando foram trazidas para o hospital.

     

    E qual será o aparato para prosseguir as investigações?

     

    O Ministério Público estadual designou três promotores para a investigação, a Polícia Federal também está acompanhando. Mas a gente sabe que a produção da prova nesse momento fica principalmente a cargo da Polícia Civil. E na região aqui, os deslocamentos são muito longos, a Polícia Militar tem condição de chegar antes aos locais em todos os momentos. E, nesse sentido, uma das coisas que a doutora Deborah vai solicitar é o afastamento dos delegados e dos policiais que estiveram envolvidos nesse episódio para que haja a possibilidade de que a investigação seja feita e não haja nenhum tipo de obstrução das provas. Mas a informação que a gente recebeu no hospital é que a Polícia Civil pediu para os funcionários do hospital para onde foram levados os corpos para que ninguém soubesse nada a respeito da testemunha que estava lá: ou seja, eles quiseram impedir que haja uma investigação realmente isenta e por isso é necessário o afastamento daqueles que tenham interesses nos resultados da elucidação desses crimes para que esse crime não fique impune.

     

    O segurança morto, o Marcos Batista Montenegro, era policial? A gente sabe que muitos policiais trabalham nessas empresas.

     

    Não. A informação que eu tive era que ele era só vigilante. Mas outra coisa que costuma acontecer é que há policiais ligados à direção dessas empresas. Então outra coisa que nós pedimos à Polícia Federal foi saber sobre a situação da empresa, quem são seus donos, se ela está regular, etc. É preciso saber se ela tem relação ou não com os policiais.

     

    No estado do Pará essa chacina só ficou atrás do Massacre de Eldorado dos Carajás, é isso mesmo?

     

    Essa é a segunda maior chacina do Estado do Pará. É a segunda maior chacina no campo brasileiro nos últimos vinte anos.

     

    Podem haver mais vítimas do que foi noticiado até agora?

     

    Além da testemunha que está no hospital, podem haver outras pessoas feridas que não compareceram às oitivas ou ao hospital. Nós só vamos fazer na medida em que nós falarmos com alguma testemunha que estava no local e fugiu porque se fala de 150 trabalhadores que estavam lá. Então não é possível que não haja mais testemunhas. A gente está pedindo para que outros órgãos, como a Polícia Federal, também façam investigações paralelas. A Polícia Federal está, por enquanto, só acompanhando e garantindo a segurança da investigação. Por ora, o que há são muitas interrogações a respeito desse caso.

     

    Há alguma outra informação que você ache importante destacar?

     

    É importante destacar que essas situações estão acontecendo porque o processo de reforma agrária foi paralisado na medida em que o agronegócio tomou conta do Estado brasileiro. O Executivo está na mão do agronegócio, o Congresso Nacional está na mão do agronegócio. Eles paralisaram todas as políticas públicas que visavam garantir direitos de populações indígenas, quilombolas, trabalhadores rurais. Aí você tem o quadro de pressão social que tende a crescer com a crise. Sempre nos momentos de maior desemprego e crise financeira, você tem um aumento dos acampamentos de trabalhadores rurais porque as pessoas vão buscar então uma saída dentro do desemprego. Esse quadro é explosivo. E o resultado que tem sido configurado é esse quadro de chacinas, assassinatos em todo o país, mas sobretudo nessa região do “arco do fogo” da Amazônia. E isso pode piorar na região com a aprovação da MP 759 já que ela amplia a possibilidade de apropriação de terras públicas, a legalização da grilagem. Muitos desses casos vem ocorrendo em ocupações ilegais em terras públicas.


    Read More
  • 26/05/2017

    Mulheres indígenas do Tocantins dão o seu grito em defesa da Mãe Terra e por demarcações


    Crédito da foto: Cimi Regional Goiás/Tocantins


    No Seminário das Mulheres Indígenas do Tocantins, que ocorreu entre os dias 16 e 18  de maio, no município de Miracema do Tocantins, a defesa da Mãe Terra e as demarcações das terras indígenas foram as principais pautas discutidas sob o tema “Mudanças climáticas: impactos e ameaças à Mãe Terra e à vida das mulheres indígenas”. Estiveram presentes mulheres Apinajé, Krahô, Karajá de Xambioá, Xerente e Kanela do Tocantins.

     

    “Nós não vamos deixar que matem a nossa mãe terra, pois nós somos os guardiões da natureza”, afirma Gecílha Crukoy Krahô. Como os povos são guardiões do meio ambiente, demarcar não é apenas um ato de garantia de direitos, mas também de olhar para o futuro da humanidade.

     

    "Por isso diante de toda esta desgraça contra os povos indígenas queremos pedir para a sociedade brasileira que nos juntemos todos na defesa da Mãe Terra, pois com a morte do nosso Cerrado pelo MATOPIBA e pelo agronegócio não somente nós vamos sofrer, não só nós vamos passar sede e fome, vamos sofrer todos juntos", diz trecho do documento final do seminário.

     

    Leia na íntegra:

     

    Documento Final do Seminário das Mulheres Indígenas do Tocantins

     

    Nós mulheres indígenas dos povos Apinajé, Krahô, Karajá de Xambioá, Xerente e Kanela do Tocantins, reunidas nos dias 16 a 18 de maio no Centro de Treinamento de Lideranças – CTL, da Diocese de Miracema do Tocantins, participantes do Seminário “Mudanças climáticas: impactos e ameaças à Mãe Terra e à vida das mulheres indígenas”.  Viemos aqui manifestar a nossa preocupação com a situação que está vivendo no nosso país.

    Partilhamos com tristeza a situação que vivemos nas nossas aldeias, a morte dos bichos com o agrotóxico jogado nas lavouras, a falta de caça, a diminuição dos frutos do cerrado, a falta de água nas aldeias, rios e córregos muito secos, a diminuição das chuvas, provocando a seca das nossas roças de toco e a diminuição de alimentos.

     

    Estamos preocupadas porque tudo está ameaçado de morte. Estamos tristes vendo tanta destruição da Mãe Terra e olhando os animais fugir da morte provocada pelo branco.

     

    E junto com esta situação que vivemos nas aldeias, estão outras graves ameaças aos nossos territórios que não nos deixam viver tranquilas e sossegadas nas nossas aldeias.

     

    São as propostas de lei que estão no Congresso Nacional. Todas elas lideradas pelo agronegócio e os ruralistas. Principalmente a PEC 215/00 que quer acabar com a demarcação das terras indígenas, a PEC 237 que propõe abrir as terras indígenas para o arrendamento ao agronegócio, o PLP 227 que quer criar a lei complementar para liberar os nossos territórios para construir grandes empreendimentos e tantos outros projetos de lei que só querem a morte dos indígenas e destruir a nossa Mãe Terra.   

     

    Sabemos que a FUNAI está sendo acabada pelo governo federal, está sem recursos para a demarcação das terras indígenas, sem poder fiscalizar e proteger de invasores, que roubam nossas riquezas. E a constante mudança dos presidentes da FUNAI mostra o descaso e desrespeito com os povos indígenas e prova que o interesse não é nosso direito e sim os interesses do agronegócio e das grandes empresas que cobiçam os nossos territórios.

     

    E assim como nós povos indígenas, também os direitos do povo brasileiro atualmente estão ameaçados. Principalmente pelas reformas do governo Temer contra os direitos trabalhistas, da previdência social e de outros direitos que estão na Constituição Federal e que não estão sendo respeitados e estão sendo jogados como lixo pelo governo atual.  

     

    E para fazer frente a tanta violência contra os nossos direitos e da nossa Mãe Terra, estamos reunidas aqui, para juntas, buscar forças na nossa cultura e juntarmos para conhecer melhor os nossos direitos e defendê-los.

     

    Com a contribuição do Ivo Poletto, representante do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social refletirmos sobre os efeitos que estão surgindo na natureza provocados pelo aquecimento global e que são consequência de um modelo de morte que só busca produzir, consumir e destruir.

    Tudo o que está acontecendo nas nossas aldeias, de falta de água, diminuição da chuva, morte de animais e quentura de mais, não é outra coisa que, a terra sofrendo pelo que se faz com ela. Principalmente com o modelo de agricultura que destrói o nosso cerrado, que é um bioma importante para todos, porém está quase acabado pelo agronegócio e suas monoculturas que acabam com as nossas sementes tradicionais e com o nossos modos tradicionais de produzir e nos alimentar.  

     

    Sabemos que tudo está ligado e merece viver, a terra, o vento, a água, a chuva, o rio, os animais e nós. Se nós não cuidarmos e preservarmos o que Deus deixou para nós, vamos acabar com a natureza e não vai ter vida e comida para os nossos filhos, netos e bisnetos.

     

    O rio vai acabar, a mata vai acabar, os animais vão acabar, tudo vai acabar. E nós não vamos deixar isso acontecer. Por isso viemos de longe, de nossas aldeias, para dizer para o branco, para o Kupé que não vamos deixar destruir a nossa Mãe Terra. “Nós não vamos deixar que matem a nossa mãe terra, pois nós somos os guardiões da natureza”, afirma Gecílha Crukoy Krahô.

     

    Por isso diante de toda esta desgraça contra os povos indígenas queremos pedir para a sociedade brasileira que nos juntemos todos na defesa da Mãe Terra, pois com a morte do nosso Cerrado pelo MATOPIBA e pelo agronegócio não somente nós vamos sofrer, não só nós vamos passar sede e fome, vamos sofrer todos juntos.

     

    Convidamos a nos unir na defesa da Mãe Terra, aos Quilombolas, ribeirinhos, camponeses, Quebradeiras de coco, assentados, e todos os pobres que vivem nas cidades e a todas as pessoas que se preocupam com a natureza.

     

    Exigimos que  demarque com urgência a terra indígena dos  Avá-Canoeiro, sofrimento para acabar com  desse povo. Que os deputados respeite os nossos direitos e não aprove a PEC 215 e 237. Não vamos arrendar a nossa terra para o agronegócio a nossa terra é não para ser machucada ela é nossa mãe, nossa terra não esta a venda. Que o STF julgue a ADI 5.312 para derrubar a Lei Estadual 2.713/2013 que isenta de licenciamento ambiental todos os projetos agrossilvipastoris no estado do Tocantins.

     

    Também não queremos que o novo presidente da FUNAI seja um general e sim,  uma pessoa comprometida com a questão indígena e priorize a demarcação, proteção e fiscalização das terras indígenas. Ficamos bastante tristes com que fizeram com os nossos parentes e exigimos que sejam punidos os agressores do povo Gamela e demarcado o território dos nossos parentes.

     

    Pedimos anulação do relatório da CPI da FUNAI/INCRA.  Repudiamos os indiciamentos de todas as pessoas que estão sendo acusadas, pois esta CPI somente está a favor dos ruralistas e do agronegócio.

     

    Reafirmamos que não vamos parar na defesa de nossos direitos e de nossa Mãe Terra!

     

    Demarcação Já!

     

    Miracema do Tocantins, 18 de maio de 2017

     

     


    Read More
  • 26/05/2017

    Aldeia é destruída e incendiada durante o despejo de 67 famílias Kariri Xocó de Paulo Afonso (BA)


    Indígenas refugiados em Igreja depois de despejo. Crédito da foto: Ângelo Bueno/Cimi


    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

     

    O que não foi possível de ser retirado da aldeia pelos indígenas Kariri Xocó de Paulo Afonso, sertão baiano, os tratores demoliram. A maloca de reza foi a primeira estrutura a ser destruída. Para que os escombros não alimentem uma vez mais os sonhos de uma comunidade próspera, tudo foi devidamente incendiado – incluindo as plantações, em parte cultivada pelas crianças; o que deu para ser colhido, devido a forte pressão policial, não encheu um carrinho de mão. Enquanto a aldeia queimava, já à noite, os 170 indígenas rumaram para uma escola desativada há cinco anos, ladeada pelo pátio de terra batida de uma Igreja, do outro lado da BR-423. Sem luz e água, passaram a madrugada amontoados sobre sacolas, malas e trouxas de roupas. Mulheres grávidas e idosas precisaram de atendimento médico do Samu; crianças choravam, outras alternavam passividade com euforia. As águas roncavam em redemoinhos no fundo do canyon.

     

    Às margens do Rio São Francisco e sob o Reino Encantado da Cachoeira de Paulo Afonso, estes indígenas sofreram uma reintegração de posse nesta quinta-feira, 25. O despejo das 67 famílias levou 12 horas – contando com policiais "especialistas" em reintegração de posse especialmente deslocados do Rio Grande do Sul, de acordo com os autos processuais que mantiveram a determinação da reintegração. Um toré tomou conta das duas faixas da BR-423, quando toda a aldeia já estava fora da terra. Mais uma etapa da diáspora secular do povo, que envolvidos em uma situação de vulnerabilidade extrema decidiu se manter junto – diferente do que ocorreu na última dispersão, por volta da década de 50 com a construção do Complexo Hidrelétrico de Itaparica. Há quase dois anos vivendo nesta retomada de dois hectares, os Kariri Xocó estruturaram uma aldeia pungente que se esvaiu aos olhos de todos e todas em poucas horas. Comoção, revolta, desmaios, luta.

     

    "Nesse momento me sinto muito triste. O despejo é triste. Você ver a casa, o seu teto, uma vida feliz sendo acabada. A gente passar mais uma vez um sufoco desse. Não é a primeira vez. No dia anterior, contamos por volta de uns 80 policiais, retroescavadeira. Tudo pra demolir uma aldeia numa terra da União. Esse governo, essa Justiça. Todo mundo vê o que tá acontecendo, quem são eles. Se pensa que vai ter Brasil fazendo isso com o povo indígena, se engana", diz Antonio Santos Kariri Xocó de Paulo Afonso. A área, de 170 hectares no total, esteve antes abandonada durante 30 anos e pertence ao DNTI, portanto, da União. No entanto, o órgão federal afirmou não ter interesse e a transferência para a Funai está acertada e em curso. As tratativas foram iniciadas há mais de um mês em processo administrativo na Secretaria do Patrimônio da União (SPU).

     

    Com este argumento, o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU) e a Advocacia-Geral da União (AGU), responsável pela Procuradoria da Funai, pediram ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 1a Região, em Brasília, que a suspensão de 45 dias da reintegração de posse requerida pela UZI Construtora, despachada pelo desembargador Kassio Marque, no dia 29 de março, passasse a contar apenas depois de ouvidas testemunhas e levando em consideração que uma solução foi encontrada pelo governo federal para evitar o despejo, conforme o despacho do próprio magistrado. Nesta quinta-feira, 25, o desembargador manteve a reintegração alegando, inclusive, que diferente do que ocorreu esta semana em Redenção (PA) – onde dez trabalhadores rurais foram mortos pela polícia – o procedimento vinha ocorrendo sem conflito e poderia seguir adiante.

     

    Marque frisou no despacho que no dia 24, quarta-feira, chegou a deferir uma prorrogação de 30 dias do despejo, atendendo ao do MPF, DPU e AGU, mas por conta dos protestos em Brasília, duramente reprimidos pela Polícia Militar, o tribunal foi evacuado e não houve tempo hábil para que a decisão fosse publicada. Na manhã do dia 25, o juiz João Paulo Pirôpo de Abreu, da Justiça Federal de Paulo Afonso, que atuou de forma contumaz em pelo despejo até o seu desfecho, informou ao desembargador que tudo estava correndo bem na reintegração iniciada um pouco antes da conversa. Não se fazia necessária a suspensão.   

     

    A reintegração da área pública, na verdade, beneficiou uma empresa privada. De acordo com o defensor federal Átila Dias, "ao contrário do que alega a Uzi Construtora (representada por dez advogados), que afirma ser cessionária e ter a posse do terreno da União, moradores da localidade afirmam que há mais de 20 anos o terreno não possui destinação social nem econômica". O local, conforme moradores do entorno, era usado para a prática de crimes. Há relatos de que a pequena vila abandonada, então em escombros antes da chegada dos indígenas, era usada para consumo de drogas, estande de tiros, estupros, desova de corpos. Conforme os autos, a Superintendência do Patrimônio da União foi convocada para prestar depoimento à Justiça, no curso do processo, e confirmou que o terreno é de propriedade da União.

     

    Acontece que os autos processuais – desaparecidos, de acordo com o MPF, DPU e Cimi, até a execução da reintegração, nesta quinta, 25 – não foram devolvidos à Subseção Judiciária de Paulo Afonso. De tal modo que para as instituições envolvidas na defesa dos indígenas, e a própria comunidade, o prazo de 45 dias de suspensão concedido pelo TRF-1 sequer havia começado a correr. "Consideramos uma traição da Justiça. Como um processo desaparecido está valendo? A Funai não sabia do despejo. Não tivemos tempo de defesa. Até segunda, terça-feira existiam dúvidas se o despejo ia ocorrer ou não. Se era verdade ou boato. Estávamos felizes porque a terra ia ser transferida pra Funai, tudo direitinho. De repente esse golpe, sem a gente se preparar para receber", declara em prantos o cacique Jailson dos Santos Kariri Xokó de Paulo Afonso.

     

    Para a DPU, MPF e AGU, o prazo da execução do despejo deveria ser indeterminado para que os trâmites legais de regularização fundiária da terra pudessem ocorrer. Todavia, propuseram ainda medida alternativa: "Mais 90 dias a fim de que as instituições envolvidas, após o devido acesso ao processo, consigam elaborar o plano de proteção à comunidade vulnerável", diz o defensor Átila Dias. Ao lado dos indígenas durante todo o despejo, brigando até o fim para a reversão da ordem, o Procurador da República em Paulo Afonso, Bruno Jorge Rijo Lamenha Lins, está convicto de que além de terra da União, "nos autos há dúvidas sobre qual a área a ser reintegrada".

     

    Uma semana antes da reintegração, os Kariri Xocó de Paulo Afonso estiveram com o juiz de primeira instância João Paulo Pirôpo de Abreu, que mesmo entendendo que a área pertence à União, e silenciando diante da dúvida pertinente quanto à área a ser reintegrada, afirmou se tratar de uma possessória, ou seja, a construtora apresentou documentos de posse, e que certo ou errado, a função do juiz é decidir; e a decisão dele estava dada. "É preciso dizer que agora esse juiz está dizendo que foi ele quem conseguiu a escola e a igreja para ficarmos. Não é verdade, quem olhou pela gente nisso foi o Dr. Bruno (MDF) e a Dra. Luciana Cury (DPU)", protesta Denise Kariri Xocó de Paulo Afonso.  



     

    "O que ocorreu foi uma maiores injustiças que um povo pode viver. Foram despejados de seus lares, perderam sua matas, perderam suas plantações e tiveram suas casas derrubadas e queimadas, numa ação truculenta e arbitrária da polícia e de um juiz racista, cruel, anti-indígena", ataca Alzení Thomáz, da Comissão Pastoral dos Pescadores (CPP). O missionário indigenista Ângelo Bueno, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Nordeste, diz que ao chegar em Paulo Afonso encontrou um ambiente "muito desolador, de muita tristeza e alguma esperança, pois o MPF informou que vai recorrer para garantir que eles voltem".

     

    De acordo com os Kariri Xocó ouvidos, e que pedem para não ser identificados temendo represálias, há denúncias de que foram humilhados, acusados de serem falsos índios e chamados de bichos por integrantes não identificados da equipe que estava com as forças policiais durante o despejo. A comunidade encaminhou a denúncia às autoridades competentes, e também presentes na ação policial ao lado de organizações de direitos humanos. Para Alzení, da CPP, foi uma das mais truculentas e absurdas reintegrações que ela já testemunhou em décadas de atuação nas Pastorais do Campo (CPP, Cimi e CPT). "Vi as lágrimas das Cachoeiras sagradas derramando por sobre o seio do território sagrado do Rio Opará – São Francisco. Os Encantados de luz gritaram no eco da natureza, a dor da injustiça. Hoje, meu coração se despedaçou mais um pouquinho. Hoje minha alma chora as dores dos meus ancestrais". Outros povos indígenas da Bahia e de Pernambuco se organizam para prestar apoio aos Kariri Xocó de Paulo Afonso, como informou Vasco Pankararu, da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste (Apoinme).

     

    Pela manhã desta sexta-feira, 26, o desafio estava em garantir alguma estrutura de eletricidade e água no local de refúgio pós-despejo. As crianças e jovens, contudo, não querem ir à escola. "Não vamos desistir da nossa terra. Está sendo bastante doloroso para a gente viver isso. Ver tudo o que levantamos pela nossa força ir abaixo de forma tão injusta, tão covarde… não está fácil, mas vamos buscar forças em nossa cultura, em nosso Toré. A fé nos fortalecerá", diz o cacique Jailson Kariri Xocó de Paulo Afonso. Os indígenas estavam prestes a ter segurança alimentar garantida com a domesticação do território. Macaxeira, milho, feijão de vários tipos, hortaliças e legumes, frutas variadas, galinha de capoeira e o peixe do rio. "A comida estava garantida até o final do ano. Nossa medicina tinha farta também, vamos ver como ficou depois do fogo", diz o indígena José Francisco dos Santos.

     

    A Funai e o MPF, além de recorrer da decisão, irão tomar medidas para garantir que o povo permaneça unido e com acesso a políticas públicas. De acordo com o cacique Jailson, o objetivo é seguir na luta pelo território em que estavam – não aceitam ficar na área em que se encontram. "Por que a gente não pode ficar na terra que está na frente da nossa, só faz atravessar a rodovia? Porque a gente não quer qualquer área, queremos a habitada pelos nossos Encantados e que possibilite a nossa cultura, a vida das gerações futuras. Terra de índio é assim. Onde estávamos tem tudo isso, locais de ritual, medicina, plantação, tá perto da cachoeira sagrada, do rio. E é bom que saibam: não queremos o que é dos outros porque a terra sempre foi nossa", explica.


    Read More
  • 25/05/2017

    Comissão Guarani Yvyrupa divulga nota sobre a CPI da Funai/Incra


    "Tenham certeza que agora, mais do que nunca, estaremos fortes e chamamos vocês para estar do nosso lado".

    A Comissão Guarani Yvyrupa, que reúne indígenas Guarani do Sul e do Sudeste do país, divulgou uma carta de encorajamento aos indiciados na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai/Incra. No documento as lideranças dizem não estarem surpresas pela perseguição de indígenas, órgãos indigenistas, antropólogos, servidores públicos e religiosos, por se tratarem de ações assumidas por antigos perseguidores dos povos indígenas e daqueles que defendem os seus direitos.

    “E o que temos a dizer é que não foi surpresa ver na televisão que a bancada ruralista, os deputados que se dizem donos da terra e da bala, acusaram as nossas lideranças, os nossos parceiros, e o órgão e as leis que nos defendem” comenta o texto escrito por lideranças indígenas reunidos na Aldeia Morro Alto, em Santa Catarina.

    Leia a carta abaixo:

    Carta do Povo Guarani à sociedade nacional sobre a CPI da FUNAI e INCRA

    Reunidos na Aldeia Morro Alto, em Santa Catarina, nós as lideranças do povo indígena guarani do sul e do sudeste do país, articulados na nossa organização política, a Comissão Guarani Yvyrupa, resolvemos escrever essa carta para divulgar o nosso pensamento e as nossas palavras sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito da FUNAI e INCRA. Nossas palavras são para vocês, nossos amigos, porque os nossos inimigos não merecem o nosso tempo: para eles, que nos atacam há muito, nós guardamos as nossas flechas.

    E o que temos a dizer é que não foi surpresa ver na televisão que a bancada ruralista, os deputados que se dizem donos da terra e da bala, acusaram as nossas lideranças, os nossos parceiros, e o órgão e as leis que nos defendem. Na lista de “indiciados”, estão lideranças da terra indígena Morro dos Cavalos (SC) e Mato Preto (RS), estão rezadores e anciãos, e estão inclusive parentes que já se foram desse mundo e estão com Nhanderu, nosso Pai Celeste – sobre eles não pesará mais a injustiça desse mundo. Estão também na lista de indiciados antropólogos que trabalharam na identificação das nossas terras, servidores da FUNAI, Procuradores do Ministério Público Federal, e religiosos, cujo maior crime foi o de entender a nossa luta.

    Também não foi surpresa ver na televisão os mesmos deputados que acusaram as nossas lideranças, os nossos parceiros, e o órgão e as leis que nos defendem, são os mesmos que figuram nas listas dos que receberam dinheiro dos empresários que cortam nossas aldeias com rodovias, que levantam casas e prédios e querem construir condomínios nas nossas terras, que trancam nossos rios com barragens hidrelétricas, e que querem cavar o chão para arrancar os minérios que Nhanderu enterrou nos nossos territórios.

    De qual crime nos acusam? O de existir. Por se identificarem como indígenas, querem que nossas lideranças respondam por “falsidade ideológica”. Por se organizar para defender nossos territórios e os direitos de todos os povos, querem que nossas lideranças respondam por “formação de quadrilha”.

    O que temos a dizer a vocês, nossos amigos, é que os tempos estão difíceis mas não é hora de recuar. Há mais de quinhentos anos o povo guarani faz a sua luta, há mais de quinhentos anos guardamos os nossos tekoa. Tenham certeza que agora, mais do que nunca, estaremos fortes e chamamos vocês para estar do nosso lado. Nossos inimigos apostam na nossa morte, mas não se enganem: se vencem eles, perdemos todos. Os xeramoi já disseram, e agora dizemos a vocês: se não houver terra para os Guarani, para os todos os povos indígenas, para os quilombolas, para os que vivem da terra mesmo, não haverá terra para ninguém.

    Que estejamos sempre fortes.

    Aguyjevete!

    Read More
  • 25/05/2017

    Brasil será denunciado na OEA por violar direitos dos povos indígenas


     (Foto: Mídia Ninja)

    Por Izabela Sanchez

    Cerca de 28 organizações de apoio aos povos indígenas denunciam o Brasil, nesta quarta-feira (24/05), na Organização dos Estados Americanos (OEA). O grupo entrega em Buenos Aires um documento com as denúncias, durante uma audiência – “Mudanças em políticas públicas e leis sobre povos indígenas e quilombolas no Brasil” – com o secretário-executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Paulo Abrão.

    As denúncias à Comissão relatam os ataques no campo e o desmonte da Fundação Nacional do Índio (Funai). O país pode ser julgado e condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, já que é signatário e fundador da OEA.

    O documento discute o atual governo e destaca legendas como PSC, PP e PMDB por protagonizarem retrocessos. E observa que o tema foi objeto de vasta análise pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos, que realizou missão em 2016 para levantar a situação dos direitos humanos dos povos indígenas nos Estados de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul:

    O Conselho Nacional de Direitos Humanos identificou um padrão de violações e conflitos exacerbados, travados por políticos que têm como bandeira a negação dos direitos indígenas, o que se repete em diversas regiões do país, notadamente Sul, Nordeste e Centro-Oeste.

    Desmonte da Funai

    O documento elaborado pelas organizações explica que hoje a Funai tem 2.142 funcionários, em contraste com o total de cargos autorizados pelo Ministério do Planejamento: 5.965.

    Os grupos criticam a nomeação do deputado federal Osmar Serraglio (PMDB) para o Ministério da Justiça, que coordena a Funai, e relembram que ele foi relator da Proposta de Emenda Constitucional 215 (PEC 215), cujo objetivo é transferir do Executivo para o Legislativo a palavra final sobre demarcações de territórios indígenas, quilombolas e unidades de conservação ambiental.

    Assessor jurídico da Articulação dos povos indígenas do Brasil (Apib), o Terena Luiz Eloy lembra que a OEA já foi acionada diversas vezes. Mas desta vez as organizações dão destaque aos retrocessos nas políticas públicas. “Uma das temáticas que sensibilizaram a Comissão foi justamente esses retrocessos de direitos”, conta. “A audiência foi solicitada com foco nas mudanças de políticas públicas e legislativas que estão afetando os povos indígenas”.


     (Foto: Mídia Ninja)

    O advogado Terena lembra que o país é signatário do pacto São José da Costa Rica, assinado em 22 de novembro de 1969 e ratificado em setembro de 1992. Para Luiz Henrique Eloy, enquanto vários Estados americanos avançam na proteção de direitos humanos “o Estado brasileiro está indo na contramão, está retrocedendo”.

    Governo ruralistas

    Luiz Henrique Eloy diz que hoje não há bancada ruralista, mas governo ruralista:

    "Eles tomaram conta de todas as instâncias. Direitos que já foram conquistados e consagrados na Constituição Federal hoje estão sendo ameaçados, diante de interesses políticos e econômicos de classes dominantes no Brasil".

    O documento observa que as demarcações de terra no Brasil estão paralisadas desde 2012, e a Funai se arrasta para concluir cerca de 241 processos. Para as organizações, a questão ocorre pela relação de cumplicidade entre o agronegócio, o governo federal e os governos estaduais.

    Os defensores de direitos também destacam a tese do Marco Temporal, jurisprudência consolidada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) após o julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Esse entendimento jurídico afirma que só podem ser demarcadas as terras que tiveram efetiva ocupação indígena no ano da promulgação da Constituição, em 1988.

    As organizações afirmam que a tese tem sido tomada como parâmetro pelo governo, desde 2013, o que identificam como um ponto crítico. Elas dizem que as condicionantes do caso Raposa Serra do Sol e a tese do Marco Temporal passaram a orientar a Advocacia Geral da União no sentido de limitar a defesa judicial dos direitos indígenas. E isso leva a um cenário jurídico altamente desfavorável:

    Nos últimos anos também cresceu o número de ordens judiciais determinando o despejo de comunidades indígenas de suas próprias terras, a paralisação e até a anulação de processos de demarcação de terras, com base na tese do Marco Temporal, mesmo que em contextos totalmente distintos da Raposa Serra do Sol.

    Read More
Page 334 of 1202