• 14/06/2017

    Indígenas do Médio Rio Solimões (AM) cobram participação nas elaborações de políticas públicas


     Cinézio Maku Nedëb e
    Wanem Kanamari entregam documento de denúncias ao presidente interino da Funai. Foto: Cimi Tefé

    Indígenas dos povos Kokama, Kambeba, Miranha, Madija Kulina, Deni, Kanamari e Maku Nadeeb, de 27 aldeias da região do Médio Rio Solimões (AM), estiveram em Brasília (DF) na última semana para apresentar reivindicações junto a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi/MEC). Com documentos que apontam descaso do governo federal nas áreas da educação e na consulta prévia em implementação de políticas públicas, as lideranças cobraram urgentes iniciativas contra as sistemáticas violações de direitos sofrida pelos povos da região.

    Na sexta-feira (9) a delegação se reuniu com o presidente interino da Funai, Franklinberg Ribeiro de Freitas, onde apontou a ineficiência das políticas públicas aplicada aos povos indígenas por desconsiderarem a Convenção 169 da OIT, que exige consulta prévia na elaboração de projetos que dizem respeito as comunidades tradicionais. “Nossas formas próprias de organização social e política e nossas decisões sobre as políticas públicas, especialmente de educação e saúde, são desrespeitadas ao ponto de sofrermos discriminações sistemáticas por parte dos servidores e dos próprios gestores”, denunciam. No documento entregue ao responsável pela Funai, a delegação exige que lideranças indígenas sejam consultadas mediante espaços institucionais de diálogo e nos processos de formulação de políticas indígenas.

    “Não é respeitada a nossa organização social e política. Muitas vezes, há a interferência do poder público municipal em nossos processos de tomara de decisões. Nós temos direito à autodeterminação”, aponta o documento. “Nós temos o direito de definir nossas prioridades, de participar da criação, implementação e fiscalização de planos de desenvolvimento dos governos municipais, estaduais e federal”. A autonomia e o respeito a diversidade étnica estiveram como ponto principal do documento recebido pela instituição.


    Foto: Vanessa Araujo

    Nomeado presidente interino há um mês, após a exoneração de Antônio Costa, que contrariou o ex-Ministro da Justiça, Osmar Serraglio, por não indicar três coordenadores regionais de confiança do ruralista, Franklinberg Ribeiro de Freitas sustentou o discurso de seu antecessor. “Pouco podemos fazer nesse momento dada a situação de enfraquecimento institucional da Funai. Como vocês sabem, a instituição passa por momentos de redefinição política”, afirmou o militar. Contudo, mesmo diante a cortes de recurso, prometeu aos indígenas o encaminhamento que solicita maior efetivo na unidade de Coordenação Técnicas Local (CTL) de Tefé.

    Devido ao insuficiente número de servidores e as longínquas distâncias para chegar as CTLs, alguns povos do Médio Rio Solimões precisam viajar três dias para assistências, como cadastro do Registro Administrativo de Nascimento de Indígena, acessar os serviços da previdência e salário maternidade.

    Respostas evasivas na incidência política junto ao MEC

    Na quarta-feira (7), em reunião com coordenadora de Educação Escolar Indígena (EEI), Lúcia Alberta de Oliveira, no Ministério da Educação (MEC), a delegação pontou as deficiências das políticas de educação nas cinco regiões que compõem o Médio Rio Solimões. Para as lideranças, a “situação da educação indígena é de extrema precariedade e descaso”. A maioria das solicitações presentes no documento entregue e que foram expostos pelos indígenas durante a reunião dizem respeito ao Plano Político Pedagógico, considerado inadequado. “Não existe o cargo de professores indígenas na rede municipal, por isso falta professores que falem a língua dos povos. Ainda, o material didático está fora da realidade indígena e local”, aponta o documento.


    Amavi Minu Deni entrega Documento com as denúncias a Coordenadora Lúcia Oliveira. Foto: Cimi Tefé

    Novamente, a autonomia e o direito à consulta para as decisões sobre a escola são negados as comunidades. “A escola deve ser instrumento para a afirmação, fortalecimento e valorização da nossa identidade e cultura, bem como resgatar nossas memórias históricas. A escola indígena deve ter autonomia e ter organização própria, com material didático específico, merenda escolar que respeitem nossas práticas alimentares e professores indígenas, de preferência da própria aldeia”, exige o documento entregue ao MEC. “Para tanto, a participação de comunidades indígenas é imprescindível e nossas deliberações devem ser respeitadas”.

    O texto assinala problemas de infraestrutura, como prédios escolares faltando cadeiras e mesas, equipamentos de cozinha e luz. Há atraso no envio das merendas escolares e quando chegam, não respeitam a alimentação tradicional.  Na reunião o tuxaua Cinezio Pereira Maku Nedëb apresentou planilhas de investimentos na educação, questionando os fins destes recursos.  “Este dinheiro não está sendo utilizado devidamente pelo poder público municipal e queremos saber o que o MEC e a Coordenação de Educação Escolar Indígena têm a dizer sobre essa falta de aplicação dos recursos”, questionou a liderança.

    Diante as denúncias e questionamentos apresentados pela delegação, a Coordenação Escolar Indígena enfatizou que não cabe ao MEC fiscalizar o cumprimento das políticas públicas. “Temos a função de ser motivadores, promotores e mediadores, não fiscalizadores. As denúncias devem ser encaminhadas à Secretaria de Educação. Os recursos do FUNDEB são repassados aos municípios”, ressaltou Lúcia Alberta de Oliveira.

    A delegação era composta pelos indígenas Jó dos Anjos Samias Kokama, Amavi Minu Deni, Wanem Kanamari, Cinézio Pereira Maku Nedëb e Benaia da Silva Vieira Miranha.


    Foto: Cimi Tefé

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  • 14/06/2017

    Posicionamento do Cimi em defesa da vida dos povos isolados na fronteira entre o Brasil e o Peru

    O Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) vem a público manifestar grande preocupação e posicionar-se em defesa da vida dos povos indígenas em isolamento voluntário que habitam a região transfronteiriça Brasil (Acre) – Peru (Madre de Dios), ameaçados com o projeto de construção de uma estrada peruana ligando Puerto Esperanza a Iñapara, cujo trajeto atravessa seu território.

    Expressa seu total apoio às organizações indígenas AIDESEP (Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana) e FENAMAD (Federação Nativa do Rio Madre de Dios e Afluentes) em seus posicionamentos, firmes e claros, contra a construção da referida estrada. A AIDESEP explicitou seu posicionamento, através da carta Nº 142-2017 (Lima, 09 de Maio de 2017), dirigida à Sra. Luz Salgado, Presidenta do Congresso da República do Peru onde expressa seu “Repúdio ao Projeto de Lei 00075-2016-CR (autoriza a construção da estrada) que favorece o corte ilegal de madeira e o etnocídio”; e pela FENAMAD no oficio Nº 241-2017 (Puerto Maldonado, 10 de Maio de 2017), também dirigida à Sra. Luz Salgado, em que propõe maior “Informação e debate plural do Projeto de Lei 75/2016-CR” e afirma que a “Conectividade terrestre a Iñapari não resolve problemática do Purus”.

    O projeto de construção da estrada Puerto Esperanza a Iñapari, localizada na tríplice fronteira amazônica de Peru com Brasil e Bolívia, mesmo com o posicionamento contrário das organizações indígenas, já foi aprovado pelo Congresso peruano e encontra-se nas mãos do Executivo para ser sancionado ou devolvido.

    O traçado previsto da estrada acompanha tanto a fronteira seca entre Peru e Brasil como a fronteira definida pelo rio Acre entre ambos os países e atravessa as cabeceiras dos rios Acre, Iaco, Chandless e outros que cruzam a linha de fronteira seca.

    Caso construída a estrada trará enormes impactos socioambientais bilaterais (Peru-Brasil). Os impactos diretos e indiretos não ocorrerão só do lado do Peru, onde a estrada seria feita, mas também serão fortes do outro lado da fronteira, no lado do Brasil (Estado do Acre), afetando os povos indígenas da região e seus territórios, as comunidades ribeirinhas e camponesas, os rios e florestas da região, assim como a fauna e flora. Esta região de fronteira é onde fica grande quantidade de madeiras nobres como mogno e cedro entre outras. A experiência na Amazônia mostra que no rasto das estradas, que cortam a floresta, vem o desmatamento ilegal de madeireiras, a contaminação dos rios e igarapés por causa da mineração e do garimpo, o aumento da colonização e conflitos fundiários, assim como a intensificação e criação de novas rotas de narcotráfico que incidem sobre territórios de indígenas em isolamento voluntário e o tráfico humano.

    Os Impactos, no entanto, serão particularmente devastadores sobre os povos indígenas em isolamento voluntário e seus territórios tradicionais transfronteiriços. Os povos indígenas isolados são os mais vulneráveis na Amazônia frente aos impactos dos grandes projetos implementados nos seus territórios tradicionais. Alguns povos indígenas isolados têm como território tradicional esta região transfronteiriça Amazônica Peru-Brasil, compreendida entre o alto rio Purus, alto Chandless, alto Iaco, alto Acre, alto Tahuamanu e alto rio Piedras. Eles transitam este território ancestralmente, desde antes que fossem impostas as fronteiras políticas que cortaram de modo imaginário seus territórios tradicionais. O projeto da estrada Puerto Esperanza – Iñapari atravessa seu território tradicional, tanto na direção Norte-Sul (entre o alto Purus e as cabeceiras do Chandless, Iaco, Acre, Tahuamanu e Piedras) como na direção Leste-Oeste, onde já existe uma estrada de madeireiros, que acompanha o rio Acre desde suas cabeceiras até a localidade de Iñapari na tríplice fronteira de Bolívia-Peru-Brasil (BolPeBra). Esta estrada, caso construída, deixará os povos indígenas em isolamento voluntário da região de fronteira absolutamente expostos a todo tipo de violência, inclusive de serem massacrados, empurrando-os mais e mais para dentro do Brasil e gerando conflito com outros povos indígenas e comunidades ribeirinhas e seringueiras que habitam as imediações desta região fronteiriça brasileira.

    No lado brasileiro, há também quem defenda a construção de uma estrada ligando os municípios de Santa Rosa do Purus e Jordão que, do mesmo modo, afetaria drasticamente os povos indígenas em isolamento voluntário e agravaria ainda mais os impactos transfronteiriços já mencionados.

    Insistimos em afirmar que nenhum projeto que coloca em risco a existência de um povo, como é o caso acima descrito, tem uma justificativa aceitável.

    Os povos indígenas isolados, que têm seus territórios tradicionais em ambos os lados das fronteiras políticas, situados dentro da Pan Amazônia, são uma oportunidade para que os Estados Nacionais que compartilham estes territórios, assim como a ONU e seus organismos competentes, possam criar marcos jurídicos criativos e eficazes para reconhecer e proteger estes povos e demarcar seus territórios transfronteiriços, assegurando-lhes o direito a existência e consequentemente agindo em prol de um bem maior para a humanidade e o Planeta.

    É importante também considerar as demandas das outras populações locais, com propostas como, por exemplo, o transporte aéreo acessível das pessoas de Puerto Esperanza (Peru) a Puerto Maldonado, capital do departamento de Madre de Dios (Peru) e assim ao restante do país; facilitar o trânsito bilateral (Peru-Brasil) para as famílias situadas nesta região de fronteira; e o fortalecimento das políticas públicas com incentivos para os funcionários por estar em regiões distantes das capitais.

    Como se trata de uma região transfronteiriça as soluções passam necessariamente por acordos bilaterais entre Peru e Brasil. Propomos concretamente, com a participação e consulta previa e informada das comunidades, organizações e povos indígenas presentes nesta fronteira, a assinatura de convênio bilaterais entre Peru e Brasil para reconhecer, demarcar e proteger conjuntamente os povos isolados e seu território transfronteiriço, para encontrar uma solução viável e socioambientalmente sustentável para a comunidade de Puerto Esperanza e para facilitar o trânsito bilateral das famílias situadas nesta região fronteiriça.

    Coloca-se  para as  organizaçoes indigenas e a sociedade civil de ambos paises presentes nesta região de fronteira o desafio de agir articuladamente a fim de obrigar os Estados Nacionais de Brasil e Peru a cooperar bilateralmente para encontrar juntos soluções viaveis e socioambientalmente sustentaveis aos problemas e desafios levantados nesta fronteira e que sejam alternativos à estrada Puerto Esperanza-Iñapari.

    Somos convocados pelo Papa Francisco, através da encíclica Laudato Si, a assumir o compromisso de agir em defesa da vida, no cuidado com a Casa Comum, e alertados de que a “intensa exploração e degradação do meio ambiente podem esgotar não só os meios locais de subsistência, mas também os recursos sociais” podendo levar ao “desaparecimento de uma cultura (ou de várias) que pode ser tanto ou mais grave do que o desaparecimento duma espécie animal ou vegetal” .

    “Os povos indígenas são bibliotecas vivas. Cada vez que um povo indígena é exterminado e desaparece, um rosto de Tupãna (Deus) morre o cosmos, o planeta e toda a humanidade se empobrecem”.

    (Lider Bernardo Alves, do povo Sateré-Mawé)

    Anexo

    Mapa de localização:

    Mapa da região transfronteiriça Peru com Brasil e Bolívia onde está projetada a construção da estrada Puerto Esperanza – Iñapari


    Assunto (resumo): Comunicado e posicionamento do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), em defesa da vida dos povos indígenas isolados e em apoio a AIDESEP e FENAMAD, contra a construção da estrada Puerto Esperanza – Iñapari, na fronteira de Brasil (Acre) com o Peru (Madre de Dios). A estrada caso construída trará graves impactos socioambientais sobre os povos indígenas e seus territórios situados em ambos os lados da fronteira, de modo particular, representa uma ameaça para a sobrevivência física e cultural dos povos indígenas isolados (os mais vulneráveis) cujo traçado projetado corta seu território tradicional transnacional, ocupado milenarmente, antes da constituição dos Estados Nacionais do Brasil e do Peru. Esta estrada abrirá o caminho para a depredação transfronteiriça por parte de madeireiros, garimpeiros e narcotraficantes, atentando contra a vida da floresta e dos povos que a habitam. É fundamental que, através de um convênio bilateral Brasil e Peru reconheçam e protejam os povos indígenas isolados e demarquem seus territórios transfronteiriços, de modo urgente, dada a sua vulnerabilidade. No âmbito do direito internacional também tem a necessidade de contemplar essa realidade indígena transfronteiriça para que os países da ONU reconheçam multilateralmente os direitos ao território, fundamental para sua sobrevivência física e cultural destes povos. Cabe a sociedade civil e as organizações indígenas dos países envolvidos, de modo bilateral, vigiar e pressionar aos estados envolvidos para que reconheçam, demarquem e protejam os povos isolados e seus territórios transfronteiriços.


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  • 14/06/2017

    Nota do Conselho do Cimi: Vivemos um contexto onde tenta-se impor um regime de exceção

    Nota do Conselho Nacional do Cimi

    Vivemos um contexto onde tenta-se impor aos povos indígenas um regime de exceção

     

    “A verdade que liberta"

     

    O Conselho do Cimi, composto pelas coordenações regionais e diretoria da entidade, reunido de 06 a 09 de junho, em Luziânia, Goiás, refletindo sobre o contexto sociopolítico, econômico e jurídico pelo qual passa o Brasil, vem a público para manifestar sua inconformidade e seu repúdio aos ataques institucionais desencadeados contra povos indígenas, seus direitos e aliados.

    Violentam-se os direitos fundamentais dos trabalhadores, dos aposentados, dos estudantes, das comunidades e povos originários e tradicionais e violenta-se também ao meio ambiente. Há, nas esferas políticas do país, a deliberação irresponsável de se promover, o que estão denominando de reformas, que nada mais são do que medidas políticas e jurídicas de exceção para retirar da população direitos, benefícios e garantias constitucionais – especialmente das que mais contribuem com o Estado através de seu trabalho, dos tributos e impostos.

    Simultaneamente aos crimes ambientais, crescem dramaticamente as violências praticadas por ruralistas e madeireiros contra comunidades e lideranças empenhadas na defesa de seus territórios. No Maranhão, agressores – dentre eles políticos locais, prefeitos, policiais, madeireiros, fazendeiros – articulados publicamente nas praças e através de programas de rádios invadiram e atacaram com crueldade o povo Gamela. Pessoas foram baleadas, espancadas e mutiladas. Diante desses fatos tão graves, assistimos a inércia das autoridades federais que, em vez de interromper, estimula o círculo de violência contra os povos.

    Preocupa, acima de tudo, o modo como a questão indígena vem sendo tratada no âmbito dos Três Poderes da República.

    No Executivo está em curso a política de abandono dos serviços essenciais: deixa-se de investir nas ações que assegurem assistência às pessoas e a promoção das demarcações das terras. Com profunda preocupação observamos a desestruturação dos órgãos de Estado que prestam, mesmo precariamente, assistência às populações indígenas, quilombolas, camponeses e que promovem a fiscalização e proteção do meio ambiente. É grave o fato de a Fundação Nacional do Índio (Funai) estar sem recursos financeiros para realizar os serviços básicos junto aos povos indígenas e, ao mesmo tempo, sendo instrumentalizada pelo governo federal para atender interesses que estrangulam a vida dos povos indígenas, seja por setores religiosos fundamentalistas, integracionistas ou vinculados ao agronegócio.

    O governo Temer paralisou por completo os procedimentos de demarcação de terras indígenas que já vinham sendo conduzidos com morosidade. Nenhuma terra indígena foi homologada pelo Presidente da República, nem mesmo declarada pelo Ministro da Justiça no mandato do golpe. A ofensiva contra áreas demarcadas faz parte da política predatória adotada pelo Estado, que estimula os crimes de invasão, depredação e devastação dos bens da natureza no interior de terras indígenas devidamente demarcadas.

    No Legislativo verificamos uma verdadeira perseguição aos indígenas, quilombolas e seus aliados. Criam-se projetos de leis e de emendas à Constituição com o intento de restringir o alcance dos direitos destes povos e comunidades, especialmente as demarcações das terras. Parlamentares da bancada ruralista agem deliberadamente para inviabilizar a aplicabilidade dos preceitos constitucionais e não medem esforços no sentido de desqualificar os direitos e promover campanhas e ações anti-indígenas fomentando, inclusive, práticas de violência física contra comunidades e lideranças.

    Não satisfeitos com o arquivamento do relatório da CPI do Cimi da Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul, os ruralistas da Câmara dos Deputados criaram a Comissão Parlamentar de Inquérito contra a Funai e o Incra copiando e requentando acusações fraudulentas rejeitadas pelo arquivamento do relatório da CPI do Cimi. Na CPI da Funai/Incra, promove-se a  criminalização de indígenas, quilombolas, servidores públicos, procuradores da República, antropólogos, indigenistas e missionários. Os parlamentares ruralistas sentem-se acima da lei e da ordem pública, desencadeiam e consolidam práticas próprias dos regimes de exceção.

    No que se refere ao Poder Judiciário, observamos que as decisões contra os direitos dos indígenas se avolumam desde a primeira instância até os tribunais superiores. Novamente percebemos que as decisões seguem a lógica da defesa dos interesses dos proprietários privados em detrimento dos direitos constitucionais dos povos indígenas. O fundamento das decisões judiciais contra as demarcações de terras localiza-se no que vem sendo denominado de marco temporal da Constituição Federal de 1988, que interpreta a Lei Maior de forma restritiva: “Se os indígenas não estivessem sobre a terra reivindicada no dia 05 de outubro de 1988, vivendo nela ou em conflito lutando física ou juridicamente por ela, perderam o direito à demarcação”. Com essa interpretação, toda e qualquer posse não indígena de terras tomadas dos povos originários, inclusive com uso de violência pelo Estado e por particulares, até o dia 04 de outubro de 1988 estaria legitimada e legalizada. Essa possibilidade jurídica, mesmo sem estar consolidada, já alimenta nova fase de violência e esbulho territorial e apossamento ilegal de terras indígenas plenamente demarcadas, onde se observam práticas de loteamento, venda de lotes, fixação de moradores não-indígenas, que promovem o desmatamento e uso das terras especialmente nos estados de Rondônia e Pará. Como se vê, também no Judiciário está fortalecida uma concepção de direito de exceção, onde o “direito de propriedade” se sobrepõe aos direitos constitucionais dos povos indígenas.

    O Conselho do Cimi externa sua preocupação diante deste contexto adverso aos direitos indígenas e dos demais segmentos da população, por avaliar que se trata de um período da história onde os poderes públicos exercem suas atribuições dentro de um regime jurídico assemelhado ao do regime de exceção. Nenhuma CPI vai conseguir que, com meras preocupações institucionais próprias, desviemos nosso olhar dos verdadeiros problemas do Brasil, dentre os quais, a violência física, institucional e política do campo e da cidade contra os povos indígenas. Nesse momento histórico em que vivemos, dar voz ao sofrimento dos povos indígenas, apontar para o regime de exceção e denunciar a corrupção da ética cidadã significa zelar pela verdade que liberta.

    Brasília, DF, 12 de junho de 2017.

    Cimi – Conselho Indigenista Missionário

     


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  • 13/06/2017

    Madeireiros se reúnem e ameaçam invadir aldeia Pyhcop Catiji Gavião (MA)


    Caminhão madeireiro apreendido pela Guarda Florestal Pychop Catiji Gavião. Foto: Guarda Florestal Gavião


    Por Assessoria de Comunicação – Cimi

     

    Integrantes da Guarda Florestal Indígena do povo Pyhcop Catiji Gavião, da aldeia Rubiácea, bloquearam nesta terça-feira, 13, uma estrada aberta por madeireiros utilizada para a retirada ilegal de madeira da Terra Indígena Governador, no sudoeste do Maranhão. Um integrante do bando criminoso forçou a passagem e o conflito se estabeleceu, ainda sem notícia oficial de feridos. Desde então, em represália, os madeireiros passaram a se concentrar e ameaçam invadir a aldeia Rubiácea a qualquer momento.

     

    "As mulheres e as crianças estão deixando a aldeia, indo pra outras. Estamos nós aqui prontos pra resistir, mas não queremos violência e já comunicamos as autoridades competentes que até o momento não enviaram a força policial para não permitir invasão. Sabemos que eles são bem armados", declara Cyycy Gavião. O indígena explica que os Gavião têm feitos apreensões constantes de madeira, por conta própria, porque o governo federal não toma providências. O revide dos madeireiros, portanto, acontece na habitual impunidade a este tipo de crime contra o patrimônio.   

     

    Conforme o missionário indigenista Gilderlan Rodrigues, integrante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão, "o clima é tenso. Os indígenas temem que um novo conflito aconteça se nada for feito pelos órgãos responsáveis". O município de Amarante é a principal sede utilizada pelos madeireiros para a entrega a serrarias, e outras empresas do ramo, das árvores derrubadas no interior da terra indígena. Na cidade também se concentram e atuam em rede, na medida em que várias regiões do território Gavião são alvo de invasões e devastações criminosas.

     

    No mês de março deste ano, os indígenas José Caneta Gavião e Sônia Cacau Gavião foram assassinados em Amarante atropelados por um caminhão madeireiro – motorista e veículo foram identificados pelos indígenas por conta da presença de ambos em constantes ações da Guarda Florestal. Este foi o terceiro atropelamento com morte de indígenas Gavião provocados por caminhões madeireiros em menos de um ano. Os Gavião atribuem a represálias por suas ações contra madeireiros. Na Terra Indígena Governador, demarcada com quase 42 mil hectares, vivem ainda grupos Tenetehar/Guajajara.

     

    "Os madeireiros dizem que se a gente continuar tentando impedir a retirada da madeira vamos sofrer consequências ruins. Difícil enfrentar: são pessoas que andam armadas, e a gente não", afirma Marcelo Gavião. Fazendeiros também ameaçam. De acordo com a denúncia protocolada junto ao Ministério Público Federal (MPF), um deles é Aerton Ferraz, vulgo "Gaúcho", ocupante da terra indígena. A Guarda Florestal acabou sendo formada em 2015 justamente para o povo ter mais condições de enfrentar as violentas represálias madeireiras.   

     

    Em 2011, conforme dados da Fundação Nacional do Índio (Funai), das 20 áreas mais desmatadas no país, cinco estavam no Maranhão. Já em 2013, madeireiros cortaram a energia da Aldeia Nova e colocaram armadilhas na estrada que leva à aldeia. Os Gavião não se intimidaram. Durante ações de fiscalização, apreenderam caminhões e um trator. Na noite do dia 21 de abril de 2016, o indígena Joel Gavião Krenyê, liderança do povo, morreu em um suposto acidente, onde apenas o veículo em que o indígena estava permaneceu no local. Embora a justificativa oficial para a morte seja a de que Joel se envolveu em um acidente automobilístico, a perícia não foi realizada. Os indígenas defendem que se tratou de um atentado contra Joel.

     

     

    Demarcação

     

    A Terra Indígena Governador está registrada – quando o processo de demarcação se conclui após a homologação – com 41.644 hectares. No entanto, os Gavião reivindicam uma outra área que foi colocada de fora neste primeiro procedimento administrativo – realizado antes de Constituição de 1988. Esta segunda demarcação já possui um relatório de identificação e delimitação, mas a Funai não o publicou.

     

    "Então o procedimento encontra-se paralisado mesmo com o relatório pronto. As informações que nos chegam é que existe uma uma pressão contra a Funai para que não seja publicado. Enquanto isso as invasões não cessam. A ausência da publicação possibilita ainda a organização dos fazendeiros contra o processo", afirma Gilderlan Rodrigues, do Cimi.


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  • 13/06/2017

    Clodiodi tombou, muitos se levantarão: ato em memória do Massacre de Caarapó ocorre amanhã


    Velório de Clodiodi, vítima do massacre de Caarapó. Foto: Ana Mendes/Cimi

    Nesta quarta-feira, 14 de junho, completa-se um ano desde que um grupo de fazendeiros e jagunços fortemente armados atacou indígenas Guarani e Kaiowá no município de Caarapó, no Mato Grosso do Sul. A ação, que deixou seis indígenas feridos e vitimou Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, ficou conhecida como o Massacre de Caarapó.

    Um ano depois, os autores do crime seguem impunes e os Guarani e Kaiowá permanecem em luta pela demarcação de suas terras tradicionais.

    Em memória de Clodiodi e dos muitos indígenas que foram vitimados pelo agronegócio nos últimos anos, especialmente no Mato Grosso do Sul, o Comitê de solidariedade aos Povos Indígenas de Dourados realizará um ato de abrangência nacional, para marcar um ano do massacre e fortalecer o apoio às lutas dos povos indígenas..

    O ato terá caráter nacional e descentralizado. Em Dourados (MS), a atividade deve iniciar às 15h, enquanto em Campo Grande uma mobilização está programada para iniciar às 14h.

    Para acompanhar o evento no facebook, clique aqui.

    Leia, abaixo, a chamada para o ato em memória de Clodiodi.

    CLODIODI TOMBOU, MUITOS SE LEVANTARÃO!

    O próximo dia 14/06 marca um ano do Massacre de Caarapó, onde fazendeiros e pistoleiros armados, em conluio com a policia, atacaram covardemente a retomada Guarani Kaiowá de Toro Paso, deixando dezenas de feridos e ceifando a vida do agente de saúde indígena Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza. Um ano de impunidade, onde executores e mandates do crime seguem livres. Porém, o ataque impulsionou um ano de lutas e resistências, onde os Guarani Kaiowa avançaram na retomada de seus territórios, de sua vida e seus costumes. O local do massacre, hoje, é a retomada Kunumi Poty Verá, nome indígena de Clodiodi.

    Nesta data relembremos todos os guerreiros indígenas que tombaram, desde aqueles assassinados nas mãos de grupos paramilitares, nas masmorras do velho Estado brasileiro, nos atropelamentos em estradas criminosamente construídas sob suas terras, nos hospitais vítimas do descaso generalizado, nos contínuos envenenamentos por agrotóxicos, e todas as formas perversas que a grande burguesia e o latifúndio sustentam o genocídio histórico dos povos indígenas.

    Convocamos os movimentos populares, organizações políticas, entidades democráticas e todos os apoiadores da causa indígena para construir ações de solidariedade no dia 14 de junho de 2017, trazendo à memória todos os indígenas que tombaram na luta pela terra, denunciando os crimes do Estado burguês e latifundiário. A violência colonizadora deve ser enfrentada com a união dos povos da terra com os povos da cidade. Que as recentes chacinas contra camponeses e indígenas não nos amedrontem – transformaremos o sangue de nossos mortos em revolta. A esperança é nossa luta. Construa em sua cidade!

    PELA PUNIÇÃO DOS ASSASSINOS DE CLODIODI E DE TODOS OS MÁRTIRES DO POVO!
    CONTRA O GENOCÍDIO, AVANÇAR AS RETOMADAS!
    CLODIODI VIVE, MORTE AO LATIFÚNDIO!

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  • 12/06/2017

    Índio sou aonde estou


    Artigo de Hegon Heck, do secretariado nacional do Cimi / Vídeo: Guilherme Cavalli, assessoria de comunicação – Cimi

    Após meio século de intensas lutas pelos seus direitos, especialmente pela reconquista de suas terras e territórios, os povos indígenas se deparam com uma realidade que passou um tanto invisibilizada durante décadas: as populações originárias em contexto urbano. Para refletir os desafios que envolvem essa temática nos reunimos durante os dias 4 e 5 de junho no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO), onde partilhamos iniciativas que surgem de norte ao sul do país. Estiveram presentes missionários do Cimi e lideranças indígenas dos povos Kokama, Sateré Mawé, Guarasugwe, Karajá Ixybiowa, Xavante, Payayá, Terena, Pataxó, Kaigang, Potiguara, Guarani, Jaminawa, Chiquitano, Tariano e Kujubim.

    Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes ao censo de 2000 revelaram uma realidade surpreendente: 52% dos 745 mil indígenas autodeclarados na pesquisa estavão em contextos urbanos. Apesar da fragilidade dos números, eles apontam uma realidade complexa e desafiadora. Os indígenas nos cenários urbanos são frutos de três movimentos: o expressivo aumento dos indígenas que se autodeclararam; o avanço das cidades sobre espaços tradicionais; as migrações de populações originárias para as cidades, basicamente pela desassistência nas aldeias, as péssimas políticas públicas para os povos indígenas e a busca por melhores condições de vida.

    O cego e omisso Estado brasileiro

    Diante da permanente negativa do Estado em reconhecer os direitos dos povos indígenas, aqueles que vivem em realidades urbanas são marcados pelo abandono, já característico quando o assunto envolve os povos da terra. A política da transitoriedade que leva a presença expressiva dos indígenas em contexto citadino é desconsiderada, de maneira que, além de serem invisibilizados, enfrentam também o descaso que fatalmente os deseja extintos. O Estado brasileiro nega a esses povos qualquer atenção ou política específica referente aos direitos à moradia, terra, escola, saúde específica, trabalhou ou renda.

    Os povos indígenas vêm exigindo seus direitos e desmontam, com suas lutas, a atual conjuntura política hipócrita. Eles gritam a afirmativa de que não deixam de ser índios por estarem nas cidades. “Somos índios onde estivermos”, afirmam incansavelmente. “Temos o direito de estarmos em qualquer lugar desse país sem deixarmos de ter nossa identidade, cultura e vivência de povos originários. Sem deixarmos de ter reconhecidos nossos direitos”, expressou um líder Kaingang presente no encontro.

    “O Estado é uma máquina de moer índio”, garantiu outra liderança. É uma verdade porque o “Estado” não reconhece a pluralidade dos povos, sua transitoriedade acelerada pelo crescente deslocamento dos indígenas para as cidades, que devido a inexistência de políticas públicas específicas, têm suas identidades sequestradas e suas culturas oprimidas. Os depoimentos apresentaram a luta contra as diversas e continuadas formas de discriminação e preconceitos, violências e exclusão social.


    Os valores e as formas de vida dos povos indígenas propõem as cidades uma outra forma de existir. Foto: Egon Heck

    A dura realidade e os difíceis direitos

    Indígenas em contexto urbano é um tema que não ficou ignorada ou despercebido pelo movimento indígena e seus aliados. Não é de hoje que a realidade dos indígenas nas cidades se apresenta como um grande desafio. É difícil pensar as perspectivas devido à complexidade do assunto. Contudo, mediante as necessidades e como exemplo de iniciativas, o Cimi mantém uma equipe de atuação junto aos indígenas em Manaus (AM) desde os anos 80. Há 30 anos atrás era estimado que aproximadamente 100 mil indígenas, de dezenas de povos da Amazônia, viviam na capital manauara.

    Foi dessas experiências que nasceram as primeiras organizações de indígenas em Manaus, como a Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (AMARN). Elas eram, em sua grande maioria, domésticas trazidas a capital do Amazonas pelo processo de ocupação e presença não indígena na Amazônia, marcado principalmente pelo forte acompanhamento militar e o processo de escolarização. A presença dos povos tradicionais nos mais diversos espaços urbanos contribui com processos de humanização dessas realidades. Os valores e as formas de vida dos povos indígenas propõem as cidades uma outra forma de existir. São inciativas que germinam esperanças a partir dos desafios.

    A caminhada e a luta continuam

    A experiência do I Encontro de Povos Indígenas em Contexto Urbano reafirmou a importância da união dos povos indígenas em situação urbana. É preciso incentivar que essas sejam práticas que ocorram nos diversos níveis, desde as realidades das aldeias e cidades, nos regionais, para que continuem os encontros nacionais. São maneiras de dar visibilidade às lutas, mas principalmente, de definir em conjunto estratégias que busquem fortalecer as alianças do movimento indígena. Para avançar na conquista de direitos será importante socializar e sistematizar as experiências de resistências nas diversas realidades do país. Continuaremos, enquanto Cimi, a apoiar as lutas pelos direitos dessas populações ajudando a construir alianças que ecoam as vozes, os sofrimentos e as esperanças que animam os povos indígenas.

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  • 12/06/2017

    Organizações divulgam nota de repúdio a declarações do Itamaraty que desacreditam a ONU e a CIDH


    Visita de Relatora da ONU, Victoria Tauli-Corpuz, aos Guarani e Kaiowá (MS). Foto: Phil Clarke Hill/ONU


    Dezenas de organizações do Brasil divulgam uma nota de repúdio ao posicionamento do Ministério das Relações Exteriores que qualificou como infundadas as preocupações expostas em comunicado conjunto emitido por três relatores especiais das Nações Unidas (ONU) e um relator da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

     

    Os relatores declararam que “os direitos dos povos indígenas e o direito ambiental estão sob ataque no Brasil” e denunciaram os retrocessos impostos pelo país “na proteção institucional e legal dos povos indígenas, assim como dos quilombolas e outras comunidades que dependem de sua terra ancestral para sua existência cultural e material”.

     

    Leia a nota de repúdio na íntegra:

     

    Nota de Repúdio

     

    09 de junho de 2017

     

    As organizações que assinam o presente documento consideram como equivocada e descolada da realidade a atitude do Ministério das Relações Exteriores (MRE) de qualificar como “infundadas” as preocupações expostas em comunicado conjunto emitido por três relatores especiais das Nações Unidas (ONU) e um relator da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Os especialistas afirmaram que “os direitos dos povos indígenas e o direito ambiental estão sob ataque no Brasil” e denunciaram os retrocessos impostos pelo país “na proteção institucional e legal dos povos indígenas, assim como dos quilombolas e outras comunidades que dependem de sua terra ancestral para sua existência cultural e material”.

     

    Ao contrário do que se afirma na nota do governo brasileiro, os conflitos causados por disputas territoriais e a má gestão das áreas protegidas estão plenamente instalados, sendo sua face mais cruel os episódios de violência contra trabalhadores e trabalhadoras rurais e comunidades indígenas, envolvendo chacinas e mortes, como o ataque ocorrido em abril contra os Gamela no Maranhão, perpetrado por fazendeiros e capatazes, e que resultou em 22 feridos.

     

    Também é real a ameaça de violação do princípio do não retrocesso pelo avanço de diversas pautas que enfraquecem a legislação socioambiental no país, apoiadas por grupos de interesse ligados ao grande agronegócio e à grilagem de terras instalados no Congresso Nacional e no Executivo. Como denunciado pelas relatorias, a aprovação do relatório da CPI da Funai é um exemplo concreto de medida legislativa que visa intensificar a criminalização de lideranças indígenas e rurais, organizações de defesa dos povos indígenas, procuradores da República, funcionários públicos e antropólogos, além de provocar mudanças negativas no marco normativo de demarcação de terras indígenas e da reforma agrária.

     

    No lugar de reconhecer a gravidade do atual cenário e apontar medidas concretas, dentro do sistema de freios e contrapesos, preferiu o Estado brasileiro criticar a divulgação da situação pelos mecanismos internacionais, em sucessão de argumentos genéricos. Esquece o governo brasileiro, convenientemente, que a ação de entes subnacionais, como é o caso do Poder Legislativo, também é atribuível ao Estado brasileiro no plano internacional.

     

    A nota do Brasil deixa de enfrentar o mérito das violações de direitos humanos e ambientais apontadas pelas relatorias da ONU e da CIDH, bem como o risco de agravamento desse quadro caso as medidas em debate no Congresso Nacional sejam aprovadas.

     

    Está cada vez mais evidente que, nas questões envolvendo violações de direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais e direitos ambientais, torna-se insustentável para o governo evitar constrangimentos internacionais e manter uma linha de discurso meramente defensiva. A comunidade internacional e os órgãos internacionais de proteção da pessoa humana e de promoção do direito ambiental têm cobrado do país, com razão e responsabilidade, explicações para os retrocessos.

     

    Em setembro de 2016, a relatora especial da ONU sobre povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, após visita ao país, anotou que houve “retrocessos extremamente preocupantes” na proteção dos direitos dos povos indígenas. A relatora criticou a interrupção dos processos de demarcação; a incapacidade de proteger as terras indígenas contra atividades ilegais; os despejos em curso; os efeitos negativos dos megaprojetos em territórios indígenas ou em áreas adjacentes; e a violência, os assassinatos, as ameaças e intimidações contra os povos indígenas perpetuados pela impunidade. Em resposta, o governo afirmou ao Conselho de Direitos Humanos da ONU que não enfraqueceria a Funai mas, pelo contrário, fortaleceria.

     

    Em março deste ano, a CIDH e o Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) denunciaram a impunidade prevalente em casos de assassinatos de defensores e defensoras de direitos humanos e conclamaram as autoridades brasileiras a garantir que sua atuação seja livre de violência, ameaças e intimidações.

     

    No último dia 5/6, a secretária executiva da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), Cristiana Paşca Palmer, enviou carta ao governo registrando estar “apreensiva” com a possível sanção das Medidas Provisórias 756 e 758, que retiram a proteção de cerca de 598 mil hectares de Unidades de Conservação (UCs) em Santa Catarina e, principalmente, no Pará. As duas MPs foram aprovadas pelo Congresso e podem ser sancionadas ou vetadas pela Presidência da República a qualquer momento.

     

    Ao contrário da aparente neutralidade que se pretende transmitir frente a todas essas disputas e conflitos, é extensa a lista de fatos que reforçam a percepção de que o governo escolheu estar do lado de espoliadores dos direitos de povos indígenas e dos grupos de interesse que pretendem enfraquecer o nosso arcabouço de proteção ambiental.

     

    Um exemplo foi a nomeação de Osmar Serraglio para o Ministério da Justiça (MJ), relator da proposta de emenda constitucional que visa transferir poderes de demarcação de terras indígenas no Brasil para o Congresso, além de permitir a instalação de empreendimentos no interior dos territórios já demarcados e a anulação de processos de demarcação concluídos (PEC 215). Ao longo de sua gestão, o ex-ministro proferiu publicamente frases com conteúdo pejorativo e marcadas pelo desprezo aos direitos territoriais, culturais e econômicos constitucionalmente garantidos aos povos indígenas. O mesmo MJ se fez ausente em audiências e sessões que tratam de violações aos direitos indígenas na ONU e a OEA.

     

    Não menos importante é o cenário de graves retrocessos na discussão sobre uma nova Lei Geral de Licenciamento Ambiental, em trâmite no Congresso Nacional, que pretende isentar diversas atividades potencialmente poluidoras do licenciamento, promover uma “corrida” pela flexibilização do licenciamento nos Estados, eliminar o aspecto locacional e tornar não-obrigatória a análise e manifestação de órgãos como a Funai, o ICMBio e o IPHAN, entre outros aspectos.

     

    Em 2016, o Conselho Nacional de Direitos Humanos aprovou Relatório do Grupo de Trabalho sobre Direitos dos Povos Indígenas e das Comunidades Quilombolas da Região Sul, constatando um quadro “adverso de conflitos fundiários, violência policial e aprisionamento de lideranças, agressões e declarações públicas racistas pronunciadas por autoridades, desatenção e negligência dos órgãos públicos quanto ao atendimento à saúde, à educação escolar diferenciada e bilíngue, moradia, segurança alimentar, regularização fundiária, dentre outras violações”.

     

    A postura de enfrentamento do Ministério das Relações Exteriores (MRE) aos órgãos internacionais de proteção da pessoa humana tem se intensificado, como se vê pela manifestação oficial ora repudiada e pela nota divulgada após a emissão de comunicado conjunto da CIDH e do ACNUDH em 26/5. Os órgãos haviam condenado o uso excessivo da força em manifestações e em conflitos agrários, fazendo menção à morte de dez pessoas durante um despejo violento realizado pelas polícias civil e militar em uma fazenda no estado do Pará. Tal postura indica desconsideração aos princípios tradicionalmente conferidos à política externa brasileira, como o multilateralismo e a valorização do direito internacional.

     

    Membro da mais alta instância de direitos humanos da ONU desde janeiro de 2017, o Brasil não tem conseguido ser coerente com seus próprios compromissos e agrava tal posicionamento com ataques aos órgãos de direitos humanos da ONU e da OEA.

     

    Diante disso, reiteramos nosso apoio às relatorias especiais do Conselho de Direitos Humanos da ONU e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre direitos de povos indígenas e direito ambiental, autoras do comunicado conjunto de 8 de junho de 2017, o qual corroboramos integralmente.

     

    Reiteramos, por fim, a importância primordial da necessidade do Estado brasileiro de respeitar os direitos assegurados pela Constituição Federal do país e por tratados internacionais dos quais o Brasil é parte, interrompendo e revertendo a ofensiva contra direitos humanos e proteção socioambiental em curso no país.

     

    Assinam:

     

    Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib

    Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil

    Artigo 19

    Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente – ABRAMPA

    Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre – AMAAIC

    Associação Terra Indígena Xingu – Atix

    Associação Wyty-Catë dos Povos Timbira do Maranhão e Tocantins

    Centro de Cooperativas Unisol Brasil

    Centro de Trabalho Indigenista – CTI

    Comissão Pró-Índio do Acre – CPI-AC

    Comissão Pró-Índio de São Paulo – CPI-SP

    Conselho das Aldeias Wajãpi – Apina

    Conselho Indígena de Roraima – CIR

    Conselho Indigenista Missionário – CIMI

    Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo

    Conectas Direitos Humanos

    Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB

    CUT – Central Única dos Trabalhadores

    Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – Foirn

    Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento – Formad

    Greenpeace Brasil

    Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte – Gpea

    Hutukara Associação Yanomami – HAY

    International Rivers – Brasil

    Instituto Caracol – Icaracol

    Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos – IDDH

    Instituto de Estudos Socioeconômicos – Inesc

    Instituto de Pesquisa e Formação Indígena – Iepé

    Instituto Socioambiental – ISA

    Ministério Público do Estado da Bahia – MP-BA

    Movimento dos Atingidos por Barragens

    Movimento Nacional de Direitos Humanos – RS

    Operação Amazônia Nativa (Opan)

    Organização dos Professores Indígenas do Acre – Opiac

    Organização Geral Mayuruna – OGM

    Plataforma Dhesca Brasil

    Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PFDC

    Projeto Saúde e Alegria Rede Brasileira pela Integração dos Povos – Rebrip

    Rede de Cooperação Amazônica – RCA

    Rede Mato-grossense de Educação Ambiental – Remtea

    Relatoria de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma Dhesca

    União dos Povos Indígenas do Vale do Javari – UNIVAJA

    WWF – Brasil     

     


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  • 10/06/2017

    Divulgada lista de aprovados para curso de extensão em Histórias e Culturas Indígenas


    Os selecionados devem encaminhar e-mail de confirmação para  o e-mail:
    curso.indigenismo@cimi.org.br

    A lista com os nomes dos 50 selecionados para a segunda edição do curso de extensão em Histórias e Culturas Indígenas foi divulgada hoje e pode ser conferida abaixo. Os selecionados devem confirmar suas inscrições até o dia 16 de junho, próxima sexta feira, pelo e-mail curso.indigenismo@cimi.org.br. Caso não confirmada, a vaga será remanejada para segunda seleção que será divulgada no dia 18 de junho.

    Os cursistas que desejarem acomodações no Centro de Formação Vicente Cañas, local do curso, devem reservar no e-mail que valida a participação. Será cobrado um valor de contribuição referente a hospedagem e alimentação.  O curso acontecerá entre os dias 10 a 28 de julho no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO), localizada a 60 quilômetros de Brasília. Mais informações com Cimi: (61) 2106­1650 ­ ou UNILA: (45) 99807­6716.

    Lista da primeira chamada:


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  • 09/06/2017

    “Nosso Deus não é o deus do agrotóxico”, afirma dom Leonardo Steiner em encontro da Repam


     “O Matopiba está pensando em dinheiro, está pensando em exportação. É um projeto que não pensa no Brasil" Foto: Divulgação

    Por Guilherme Cavalli, da Assessoria de Comunicação – Cimi

    No segundo dia do Encontro de Comunicadores da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), que acontece em Brasília de 06 a 11 de junho, Dom Leonardo Steiner, Secretário Geral da Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB), criticou a ações que “não pensam no futuro, mas no dinheiro”. “Nosso Deus não é o deus do agrotóxico”, ressaltou ao lembrar de suas experiências de pastor em São Félix do Araguaia, no estado do Mato Grosso.

    O bispo franciscano ressaltou a importância de organismos da CNBB, como a REPAM e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), no compromisso de ser porta-voz dos povos ribeirinhos, indígenas, da biodiversidade das florestas. “Com a criação da Repam, como uma rede, a Igreja estende o cuidado para a Pan-Amazonia. Criar uma rede é dar voz, é criar mais dinâmica, é colocar a disposição da humanidade um serviço”, ressaltou Dom Leonardo Steiner. “Graças a Deus que temos entidades que estão a serviço aos povos da floresta. Essas culturas não podem desaparecer”.

    Ao recordar da encíclica Laudato Si, onde papa Francisco traz a urgência de repensar a lógica moderna de produção, consumo e relação com as culturas e biodiversidade, o Secretário Geral da CNBB resgatou o modo de vida dos povos da floresta como exemplo de outro mundo possível. “Os povos indígenas tem um modo próprio de relação, de cuidado com a Mãe Terra, assim como os ribeirinhos. São Francisco de Assis chamava os elementos da natureza de irmãos. Assim, Francisco e os indígenas nos ensinam a cuidar da obra criada. É preciso respeitar essas pessoas, não deixar que simplesmente desapareçam”.

    O deus do agrotóxico

    Sobre a realidade de ataques e retirada de direitos dos povos e comunidades tradicionais, numa conjuntura política que cria uma Comissão Parlamentar de Inquérito para criminalizar lideranças indígenas, religiosos, bispos, antropólogos, como a CPI da Funai/Incra, Dom Leonardo ressalta que essas são afrontas para silenciar a voz profética daqueles que “mostram a necessidade de cuidar da Terra”. “Isso tem incomodado muita gente. Se houve CPI da Funai/Incra, é porque existem diversos organismos a serviços destes povos. Se não incomodasse o agronegócio não teria criado no congresso essa CPI”, comentou. “Quiseram encostar na parede organismos da CNBB, como o Conselho Indigenista Missionário, juntamente com antropólogos e entidades que procuram acompanhar os povos indígenas”. 

    O bispo conclui que essas são insurgências que se organizam devido a capacidade de mobilização dos povos originários. “Os indígenas se organizando, tomando consciência da sua identidade, da sua própria cultura, tem apresentado exigências a sociedade brasileira”, afirmou. “Eles tem mostrado a necessidade do cuidado com a Terra, e isso tem incomodado muitos”.

    "Matipiba pensa no dinheiro"
    Dom Leonardo criticou também iniciativas do agronegócio que transformam a Casa Comum em matéria para explorar, como o projeto Matopiba, que age na região do cerrado brasileiro, vendida pelos ruralistas como a grande fronteira agrícola nacional. “O Matopiba está pensando em dinheiro, está pensando em exportação. É um projeto que não pensa no Brasil. Matopiba não pensa na pessoa humana, não pensa nas fontes de água, não pensa nas árvores. Matopiba não pensa no futuro”. O religioso recorda que esta iniciativa do governo federal “pensa apenas no presente, e quer desgastar e ter dinheiro, produzir para exportar”.

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  • 09/06/2017

    No “Marco” dos outros


    Por Rita Galvão, jurista e colunista no oindigenista.com

    De forma extremamente dócil aos interesses particulares na região do Norte de Santa Catarina, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negou provimento às apelações que defendiam a legitimidade da demarcação das Terras Indígenas de Piraí, Tarumã, Morro Alto e Pindoty.

    Da ementa do julgado, verifica-se que o argumento fático expressado pelo Tribunal para negar os direitos territoriais indígenas foi de que o seu reconhecimento se deu exclusivamente com base no “relato dos próprios indígenas” e, visando fundamentar melhor o tal acórdão da maldade, valeram-se também da pouco consolidada “tese do marco temporal”, equivocadamente estabelecida no julgamento do caso da Terra Raposa Serra do Sol e que ainda não deixou de ser centro do debate político.

    A falta de atribuição de legitimidade à fala dos indígenas no julgado visando afastá-los ainda mais de seus direitos não está longe da mesma razão jurídica pela qual se absolviam muitos dos agressores de mulheres em função da pouca legitimidade que os tribunais hegemônicos atribuem às vozes dos subalternos. A negação de peso à palavra dos indígenas no processo demarcatório restaura injustiças históricas e prepara o terreno para que logo sobrevenha algo no “marco” dos outros.

    É assim que passamos a pensar o quanto de “indígena” existe neste marco temporal estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal em julgado anterior e que quer se fazer presente em todas as demarcações de terras indígenas atuais.

    Se pudéssemos pensar a partir de um mundo que não estivesse “às avessas”, como o qualificou Eduardo Galeano, qual seria um bom marco para se pensar os direitos indígenas? A Conquista da América e os primeiros atos de colonização, as incursões dos bandeirantes sobre o território missioneiro para preação de índios? O aprisionamento de mulheres e crianças para forçar a mão de obra escrava indígena na busca das drogas do sertão na Amazônia? As concessões feitas à Companhia Matte Larangeira, atingindo em cheio o território dos Kaiowá e Guarani? Que tal o momento do estabelecimento de verbas públicas para bugreiros nos municípios catarinenses já nas luzes do século XX? E a retirada das equipes de saúde do território ianomâmi em meio a séries de epidemias determinada pelo então presidente da Funai, Sr. Romero Jucá, como denuncia o Relatório da Comissão Nacional da Verdade?

    São muitos os marcos a serem pensados, caso os tribunais, de fato, quisessem fazer este exercício de alteridade, colocando-se no lugar do outro, e pensando onde colocariam o seu “marco”, caso o “marco” fosse deles. Seguramente os tribunais, na deliciosa ilusão criada pelos bancos acadêmicos do curso de Direito em diferenciar “o mundo dos autos” do “mundo da vida” preferem ratificar de forma cordata o discutível marco, colocando-o, de forma paradoxal na Constituição de 1988, momento em que os povos indígenas tiveram pela primeira vez sua voz alçada em nível constitucional.

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