• 04/08/2017

    APIB pede que PGR investigue Michel Temer por crimes de improbidade administrativa e favorecimento a bancada ruralista


    Fotos: Mídia Ninja

    Por Assessoria de Comunicação Apib

    Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) protocolou hoje representação na Procuradoria Geral da República, solicitando que Rodrigo Janot investigue mais crimes cometidos por Michel Temer, valendo-se da máquina pública para prejudicar direitos indígenas protegidos pela Constituição e beneficiar a bancada ruralista, em manobra para se salvar da denúncia no STF.

    Em petição a Apib afirma que no dia 20 de julho de 2017 foi publicado no Diário Oficial da União o Parecer n. 001/2017/GAB/CGU/AGU que obriga a Administração Pública Federal a aplicar as 19 condicionantes que o STF estabeleceu na decisão da PET n. 3.388/RR quando reconheceu a constitucionalidade da demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol a todas as terras indígenas.

    O documento afirma ainda que a partir de 2016, com a ascensão de Michel Temer à presidência da república, iniciou-se um acelerado retrocesso dos direitos humanos dos povos indígenas no Brasil. Em maio de 2017, quando o ex-presidente da Funai, Sr. Antônio Fernandes Toninho Costa entregou o cargo, acusando o ex-Ministro da Justiça de agir em favor de um lobby conservador de latifundiários e outros interesses da bancada ruralista, inclusive impondo indicações políticas dentro da Funai, o órgão vem sendo dirigido por um general do Exército.

    A despeito de protestos do movimento indígena nacional, assumiu a presidência da Funai o general Franklimberg Ribeiro de Freitas. Empossado no cargo, Sr. Freitas tem assinado uma série de medidas controversas, particularmente no que diz respeito à perspectiva de assimilação de povos indígenas, escondida atrás do argumento do desenvolvimento econômico. Enquanto isso, o Conselho Nacional de Política Indigenista segue inoperante há mais de um ano, demonstrando a falta de interesse do Ministério da Justiça em estabelecer um diálogo com os povos indígenas.

    Parecer de Temer viola Convenção 169 da OIT

    A representação da Apib denuncia que o parecer nº GMF-05, como medida administrativa, violou a Convenção n. 169 da OIT ao não realizar a consulta prévia com os povos indígenas que foram afetados em seus direitos pela Portaria vinculante. Da mesma forma, viola o art. 19 da Declaração das Nações Unidas sobre direitos dos povos indígenas, que da mesma forma determina a consulta prévia quando medidas legislativas afetarem povos indígenas.

    A petição afirma ainda que o próprio STF reconheceu a validade dessa linha de argumentação e a impossibilidade de aplicação automática das condicionantes a outras situações além da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, declarando isso categoricamente no julgamento dos embargos de declaração opostos na PET 3388/RR.

    “… o próprio STF afirmou, expressamente, na Ementa do Acórdão que julgou os embargos de declaração na PET 3388 que a decisão proferida NÃO POSSUI EFEITO VINCULANTE e seus efeitos NÃO SE ESTENDEM, DE FORMA AUTOMÁTICA, a outros processos em que se discuta matéria similar […] Ocorre que, em um processo ilegítimo, conduzido totalmente às margens da lei e da Constituição, por um governo igualmente ilegítimo, foi aprovado o Parecer nº GMF-05, elaborado pela Advocacia-Geral da União, que simplesmente desconsidera essa decisão do STF e estende as condicionantes da PET 3388 indistintamente e automaticamente a todos os demais processos de demarcação de terras indígenas, fazendo exatamente aquilo que a Suprema Corte expressamente determinou que não seria possível”.

    Parecer de Temer é nulo por desvio de finalidade

    A Apib afirma ainda que o Parecer Vinculante nº GMF-05 aponta como suposta motivação o cumprimento da jurisprudência do STF, chegando ao ponto de se debruçar em um capítulo inteiro sobre “A intenção do STF em dar aplicabilidade geral às salvaguardas institucionais”. Contudo, o próprio STF expressou literalmente que as salvaguardas não possuem aplicabilidade automática e efeito vinculante a outros processos demarcatórios, eis que dependem da estrita análise da situação fático-concreta de cada terra indígena. Assim afirma:

    “… afastar uma determinação expressa para sustentar a tese de que, na verdade, bem no fundo, a intenção do STF seria outra, consiste em acrobacia interpretativa que somente poderia ser admitida no âmbito da psicanálise, mas nunca da hermenêutica jurídica. Está-se diante de um raro caso de ato administrativo que contém, a um só tempo, todos os vícios descritos no art. 2º da Lei nº 4717/65”.

    Segundo a denúncia protocolada, as determinações contidas no Parecer Vinculante excederam as competências do Presidente da República e da Advocacia-Geral da União, que só poderiam normatizar a atuação da Administração Pública Federal nas hipóteses constitucional e legalmente aceitáveis, jamais impondo normas abstratas por meio de parecer jurídico que distorce e contraria o teor expresso de decisão do Plenário do STF. O Parecer Vinculante contém vício de forma, porque não foi submetido à consulta prévia dos povos indígenas, nos termos do que dispõe a Convenção nº 169/OIT, norma válida e cogente, que possui status supralegal, nos termos do entendimento do STF. O objeto do Parecer Vinculante é inconstitucional e ilegal, porque viola os direitos originários dos povos indígenas à demarcação, à proteção e ao usufruto exclusivo das terras que tradicionalmente ocupam, nos termos do regime jurídico-constitucional estabelecido em 1988. É juridicamente viciado no que toca aos seus motivos, porque os motivos indicados para a sua edição são inexistentes e, ainda, incongruentes à sua finalidade, já que a sua edição foi fundamentada no suposto intuito de cumprir determinação do STF, a qual, na verdade, é em sentido diametralmente oposto.

    “A única interpretação admissível do ponto de vista lógico-racional para o entendimento do STF na PET 3388, esclarecido no acórdão que julgou os embargos declaratórios, é que as suas razões de decidir e, em especial, as condicionantes, possam ser consideradas, caso a caso, como premissas interpretativas, mas, jamais, em hipótese alguma, como normas abstratas, cogentes, vinculantes e automáticas, com força de lei, como impõe o Parecer”.

    Parecer configura desvio de finalidade

    Para a Apib, o Parecer GMF-05 publicado pelo Presidente Temer incorre flagrantemente na hipótese de desvio de finalidade, isto porque o parecer da AGU foi assinado e publicado no dia 20 de julho de 2017 pelo presidente Michel Temer no contexto da votação de crime de responsabilidade em razão de denúncia criminal pela Procuradoria Geral da República. Nesta esteira, objetivando manter e ampliar sua base de apoio entre os partidos, o presidente Michel Temer, segundo notícias amplamente divulgadas na mídia nacional e internacional, teria se reunido com deputados e até mesmo liberou verbas parlamentares, as quais estão na esfera de articulação.

    “Desde abril do ano passado, quando assumiu o presidente Michel Temer, nós temos cobrado a sua posição. Qual é posição do governo Michel Temer com relação a essa questão indígena. A gente sabe a posição do governo Lula e do governo Dilma, que hoje deixou mais de 700 processos em andamento em todo o Brasil. Do Lula para cá. De 2003 para cá. Tem hoje milhares de produtores que estão sendo afetados por esses laudos antropológicos fraudulentos, essa baderna, essa bagunça, de não respeitar o Marco Temporal de 05 de outubro de 1988, fazendo valer direitos imemoriais, a chamada posse imemorial. Ao longo desses meses, nós conversamos com o Ministro Alexandre de Moraes, quando Ministro da Justiça, com o próprio Ministro Osmar Serraglio, que também foi Ministro, e por último agora, com o Ministro Torquato. Da mesma forma, com a Advocacia Geral da União, hoje a Ministra Grace, foram várias reuniões. E a última reunião que fizemos ainda em abril, com o Ministro Padilha, com o Ministro Osmar Serraglio e com a Ministra Grace,nós acertamos um parecer vinculante, que o grupo de técnicos da casa civil, do Ministério da Justiça e também da Advocacia Geral da União, liderado pelo Dr. Renato Vieira, que é um advogado geral da união, assessor especial hoje do Ministro Padilha da casa civil, tem já um parecer vinculante. O que que é esse parecer vinculante. Esse parecer, que será assinado pelo presidente da república e pelo advogado geral da união, vai fazer o que? Vai unificar todas as decisões das 19 condicionantes do Supremo Tribunal Federal. E com isso vão revisar que tem andamento até esse momento, que ainda não foram sacramentado. Seguramente na minha avaliação, mais de 90% dos processo no Brasil, são mais de 700 processos, só no Rio Grande do Sul eu tenho mais de 31 processos em andamento. Seguramente mais de 90% são ilegais, portanto serão arquivados. Então, primeiro o presidente já se comprometeu de assinar esse parecer vinculante junto com a advogada geral da união, a Dra. Grace. É um grande avanço para os produtores brasileiros que estão ansiados, agoniados em cima da pressão que fazia a Funai, que fazia o Ministério da Justiça e que agora o presidente Michel Temer, uma nova direção para os produtores rurais brasileiros”

    A manifestação do Deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS) revela uma aliança com o presidente da república e a “bancada ruralista” e explicita claramente que o Parecer foi articulado nesse contexto. Como ressaltado em sua fala o Deputado Heinze: “acertamos um parecer vinculante” com a AGU, Ministério da Justiça e a Casa Civil.
    “De forma flagrante, o Parecer nº 001/2017/GAB/CGU/AGU incorre na hipótese de desvio de finalidade ou de poder, pois fica cristalino que “o agente busca uma finalidade alheia ao interesse público. Isto sucede ao pretender usar de seus poderes para prejudicar um inimigo ou para beneficiar a si próprio ou amigo”.

    Pedido de investigação

    Por fim, a Apib solicita a imprescindível investigação pelo Ministério Público Federal apurando a vinculação do Parecer Vinculante como contrapartida para obtenção de apoio político, especialmente no que se refere à obtenção dos votos necessários à rejeição da denúncia criminal contra o Presidente da República Michel Temer, que está pendente de análise no Congresso Nacional.

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  • 04/08/2017

    Hostilidades sofridas pelo povo Guarani e Kaiowá motivaram confrontos com seguranças armados


    Indígenas Guarani e Kaiowá da região de Caarapó após a morte de Clodiodi. Fotos: Ana Mendes/Cimi


    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

    Hostilidades sofridas pelos Guarani e Kaiowá do tekoha – lugar onde se é – Tey’i Kue provocaram conflitos, desde o último domingo, entre os indígenas e seguranças armados da Fazenda Santa Maria, incidente na demarcação Dourados Amambai Peguá I, no município de Caarapó. A menos de 6 km do local, há um ano, o Guarani e Kaiowá Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza foi assassinado.

    "Atiram sobre nosso acampamento, xingam, ameaçam, impedem a gente de usar a terra. Da última vez que atiraram na gente, decidimos que tinha que reagir. Não dá mais pra ficar sofrendo assim em cima da nossa terra", afirma uma liderança ouvida que pediu para não se identificar por razões de segurança.

    No domingo e na segunda-feira ocorreram confrontos, debelados pela Força Nacional, presente na região, com apoio da Polícia Militar. Não houve feridos. Os Guarani e Kaiowá ocupam cerca de 120 hectares da fazenda, que conta com mais de 3 mil, e exigiam o esvaziamento da sede do latifúndio e a saída dos seguranças armados.   

    Um acordo intermediado pela Fundação Nacional do Índio (Funai), celebrado na tarde desta quinta-feira, 3, garantiu uma trégua aos indígenas. "Colocamos para o proprietário que o melhor é o acordo até que a Justiça dê a sua decisão. Isso significa parar com as ameaças", afirma José Vitor Dallanora, coordenador regional da Funai em Dourados.  

    O servidor se refere a duas ações que tramitam no Tribunal Regional Federal (TRF) da 3 Região e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). No TRF-3 corre um pedido liminar da Procuradoria Federal contra a reintegração de posse de quatro áreas da fazenda que compõem os 120 hectares ocupados pelos Guarani e Kaiowá.

    Já no STJ, um recurso está em tramitação tentando retomar o procedimento demarcatório de Dourados Amambai Peguá I. Em decisões de primeira e segunda instância, a portaria do Ministério da Justiça que instalou o Grupo de Trabalho da Funai foi invalidada paralisando a demarcação – que identificou 56 mil hectares de território tradicional nos municípios de Caarapó, Laguna Carapã, Amambai e Dourados.

    Os Guarani e Kaiowá chamam de Peguá Guasu esta área. "Publicou (a identificação da terra) e a Justiça suspendeu, e isso aconteceu logo depois de terem matado o Clodiodi. Não sensibilizou, não fez Justiça e governo olharem pro nosso povo. Não podemos esperar enquanto segurança e pistoleiro atacam a gente", afirma o Guarani e Kaiowá.

    Entre os protestos levados pelos indígenas à coordenação Funai está a impunidade no caso do assassinato de Clodiodi. A força-tarefa Avá Guarani chegou a prender cinco fazendeiros por envolvimento no crime. Em suas propriedades, confiscou 11 armas, 310 cartuchos e dois carregadores de pistola foram recolhidos pela polícia.

    Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no entanto, libertou os acusados. No dia 28 de outubro de 2016, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou denúncia à Justiça Federal em Dourados contra os cinco envolvidos na retirada forçada dos indígenas que resultou no assassinato de Clodiodi.

    "Na próxima semana vamos para a região definir um novo acordo com limites entre a ocupação dos indígenas e do fazendeiro para evitar conflitos. O MPF nos acompanhará. Pode ser que a Justiça demore anos para resolver. Enquanto isso os conflitos não param", informa o coordenador regional da Funai.

    Para os indígenas não significa o fim do conflito ou a garantia de que não sofrerão mais ameaças, mas estão dispostos a encontrar uma saída para a situação. A segurança da fazenda é privada e em investigações recentes, a partir do assassinato do cacique Nizio Gomes, do tekoha Guaivyry, o MPF e a Polícia Federal comprovaram que empresas com este perfil compõem consórcios para atacar aldeias e retomadas.  

    "Queremos viver aqui em paz, que parem os tiros, as ameaças, os xingamentos. Se continuar vamos ter que reagir porque não vamos morrer calados. O administrador da fazenda não gosta da gente", diz o indígena Guarani e Kaiowá. Ele enfatiza que o povo não tem interesse na sede da fazenda, apenas na demarcação da terra tradicional.  

    Conforme o Atlas Agropecuário, 92% do território sul-mato-grossense está em terras privadas; 83% desse total são de latifúndios – a Fazenda Santa Maria, por exemplo. O restante do território do estado está destinado a áreas protegidas (4%), incluindo aqui as terras indígenas, e 1% de assentamentos. Da totalidade das terras do Brasil, 53% encontram-se em áreas privadas e 28% é a taxa de ocupação de latifúndios.   

    Corpos encontrados

    Ameaças e agressões, relatam os Guarani e Kaiowá, ocorrem com frequência contra indígenas que precisam acessar rios e matas situadas dentro de fazendas incidentes ou contíguas ao território tradicional. Gabriel Martins e Fabio Vera, ambos com 37 anos, saíram do tekoha – lugar onde se é – Yvy Katu para pescar e caçar numa das margens do rio Iguatemi, em julho do ano passado, e não retornaram. Um boletim de ocorrência foi registrado por familiares dias depois.

    Nesta terça-feira, 01, levados pelos indígenas, os policiais encontraram os corpos enterrados no interior da Fazenda Dois Irmãos, em Iguatemi (MS). A Polícia Civil se pronunciou e não trata o proprietário e o arrendatário da área como suspeitos do crime de homicídio e ocultação de cadáver de dois Guarani e Kaiowá. Também descarta conflito agrário. Para os indígenas, porém, o crime tem relação com a luta pela terra porque envolve a utilização dos recursos naturais para a subsistência da aldeia.

    Os corpos foram localizados pelos próprios indígenas e desenterrados com a ajuda de policiais. Um estava sobre o outro numa vala comum. Anéis, farrapos de roupas e demais vestígios oferecem aos Guarani e Kaiowá "99% de certeza" de que os restos mortais sejam de Martins e Vera. Além das provas e indícios materiais, os Guarani e Kaiowá destacam que o local foi revelado aos indígenas em rituais. "Tínhamos certeza de que eles estariam aqui e não estariam vivos. Há um ano que vínhamos dançando e rezando, montamos a equipe, a Funai, a polícia pra nos assessorar e nos acompanhar em vistoria. Usamos as nossas tecnologias (…) o GPS indígena", diz o cacique Roberto Guarani e Kaiowá, do tekoha Porto Lindo.  

    Para os investigadores, o principal suspeito é um ex-funcionário da fazenda demitido há poucos meses. Conclusões, no entanto, tiradas pelos policiais antes do laudo cadavérico ser realizado e da análise balística das balas encontradas com os corpos. Para lideranças da Aty Guasu, o histórico de ocorrências semelhantes no Mato Grosso do Sul, envolvendo indígenas agredidos, ameaçados e mortos por fazerem algum uso de rios, córregos e açudes localizados em fazendas poderia, por si só, deveria levar os policiais a terem cautela ao descartar hipóteses. Para os Guarani e Kaiowá, um dos casos mais marcantes foi o do jovem de 15 anos Denilson Barbosa, do tekoha Tey’i Kue, torturado e assassinado em fevereiro de 2013.

    Denilson e outros dois jovens de sua faixa etária saíram do tekoha, no município de Caarapó, para pescar num córrego localizado em uma fazenda incidente sobre o território indígena quando numa estrada vicinal foram abordados por pistoleiros. Os três Guarani e Kaiowá fugiram, mas Denilson acabou pego e morto. O corpo do jovem apresentava marcas de tortura e um tiro abaixo do ouvido, conforme exame necroscópico do Instituto Médico Legal (IML). O fazendeiro Orlandino Carneiro Gonçalves, 61, confessou ter atirado no adolescente e que o fez por ter se assustado com a presença dos indígenas. O crime segue sem punição.    

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  • 03/08/2017

    Indígenas fazem ato em frente ao STF contra marco temporal


    Por Tiago Miotto, da assessoria de comunicação l Fotos: Guilherme Cavalli / Cimi

    Cerca de 60 indígenas Pataxó, da Bahia, Puruborá, Kassupá e Tupari, de Rondônia, e Xokleng, de Santa Catarina, realizaram um ato em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde desta quinta (3). O ato marcou o lançamento da campanha “Nossa história não começa em 1988”, com a qual o movimento indígena e entidades de apoio da sociedade civil pretendem sensibilizar os ministros e a população em favor dos direitos originários dos povos indígenas e contra a possibilidade de consolidação da tese do chamado “marco temporal”.

    Saiba mais sobre a campanha Nossa história não começa em 1988! #MarcoTemporalNão

    Segundo esta tese inconstitucional, defendida pela bancada ruralista, os povos indígenas só teriam direito às terras que estavam sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988. A adoção do marco temporal poderia inviabilizar a demarcação de muitas terras indígenas em todo o país.


    No dia 16 de agosto, o STF julgará três Ações Civis Originárias (ACOs) referentes à demarcação de terras indígenas, e o marco temporal pode voltar à discussão na corte. Por isso, as decisões dos ministros sobre as ACOs envolvendo o Parque Indígena do Xingu (MT), a Terra Indígena Ventarra (RS) e terras indígenas dos povos Nambikwara e Pareci poderão gerar consequências para o futuro dos povos em todo o país.

    “A gente vem de longe, passando dificuldade na estrada, para vir aqui reivindicar um direito que é nosso. Nós não devíamos nem estar aqui. Essa tese do marco temporal vem afetar diretamente nossas comunidades, nossos direitos. Nossos anciões estão sofrendo muito com essa possibilidade da Justiça tirar o nosso direito”, afirma Currupixá Pataxó, cacique da aldeia Xandó, na Terra Indígena (TI) Barra Velha, extremo sul da Bahia.

    Enquanto um grupo de indígenas protocolava documentos em defesa de seus direitos constitucionais nos gabinetes dos ministros, pedindo ao STF que julgue os casos de acordo com a Constituição Federal e não com o marco temporal, outro grupo de indígenas realizava um toré do lado de fora, dançando e cantando em frente à entrada principal do prédio e à estátua que representa a Justiça.

    Recentemente, o presidente Michel Temer assinou um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) determinando aos órgãos do Executivo a adoção das condicionantes do caso Raposa Serra do Sol em todos os processos administrativos envolvendo terras indígenas. O acórdão, que o próprio STF definiu que não se estenderia a outras terras, proíbe a revisão de limites de áreas demarcadas abaixo de seu tamanho real – o que os ruralistas chamam equivocadamente de “ampliação” – e estabelece o marco temporal como regra para as demarcações.


    O parecer da AGU fez parte do grande leilão de Temer para garantir votos na Câmara dos Deputados e se livrar da acusação de corrupção passiva feita pela Procuradoria-Geral da República. Após a negociação com Temer, a bancada ruralista cumpriu sua parte do acordo e teve grande peso na votação desta quarta (2), em que Temer acabou livre da investigação pelo STF e do afastamento da Presidência.

    “A gente sabe que a bancada ruralista aqui em Brasília tem um poder muito grande e junto com o governo estão querendo tirar o nosso direito. Não é justo, porque nós não somos invasores. Somos donos das nossas terras”, complementa Currupixá Pataxó.

    “Esse marco temporal dá a possibilidade dos fazendeiros invadirem as terras que estão demarcadas, e das que não estão demarcadas não serem nunca. Ele vai trazer muita violência dentro das terras indígenas. Pedimos que o STF enterre essa tese de vez, porque para nós é uma coisa muito grave”, afirma Hozana Puruborá, liderança indígena de Rondônia.

    Na prática, o marco temporal anistia as violências cometidas contra os povos até o dia 04 de outubro de 1988, incluindo políticas de confinamento em reservas diminutas, remoções forçadas em massa, tortura, assassinatos e até a criação de prisões especiais. Sua consolidação significaria aos invasores um sinal de que o Estado brasileiro não pune o esbulho de terras indígenas.

    “O marco temporal viola nossos direitos originários. É um mecanismo para que o Estado brasileiro não cumpra com o seu dever de fazer a reparação dos danos causados aos povos indígenas”, avalia José Luís Kassupá, liderança indígena de Rondônia e coordenador executivo da Organização dos Povos Indígenas de Rondônia, Noroeste do Mato Grosso do Sul e Sul do Amazonas (Opiroma).

    “Além disso, o marco temporal legaliza as invasões dentro das terras indígenas. É o caso do estado de Rondônia, onde tem loteamentos feito dentro de terras demarcadas, e o marco temporal vem legitimar isso”, prossegue. “Mais de 30 anos que estamos lutando, e o marco temporal desconsidera isso. Nós, povos indígenas, temos que nos unir para conscientizar o Supremo para que não aprove o marco temporal, pois se aprovar, estará apagando a história dos povos indígenas no Brasil”.

    “Estamos vivendo numa situação muito difícil lá no Mato Grosso do Sul por causa da não demarcação das nossas terras. Nós vivemos de violência, de massacre, sendo expulsos de nossas terras por causa deste marco temporal, que não está valendo como lei mas que na prática está funcionando”, afirmou para a ministra Rosa Weber, em audiência durante o Acampamento Terra Livre, o Guarani Kaiowá Elizeu Lopes, do conselho da Aty Guasu e da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

    O ato desta quinta foi a primeira de uma série de mobilizações e atividades previstas para as próximas semanas, passando pelo Dia Internacional dos Povos Indígenas, 9 de agosto, até os julgamentos do dia 16.



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  • 03/08/2017

    Nossa história não começa em 1988! #MarcoTemporalNão


    O STF não pode legitimar o genocídio e as violações cometidas contra os povos indígenas no último século. Participe desta luta e diga você também: #MarcoTemporalNão. A história dos povos indígenas não começou em 1988 e não pode ser interrompida!

    No dia 16 de agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará três ações que podem ser decisivas para os povos indígenas no Brasil. As decisões dos ministros sobre o Parque Indígena do Xingu (MT), a Terra Indígena Ventarra (RS) e terras indígenas dos povos Nambikwara e Pareci poderão gerar consequências para as demarcações em todo o país. Por isso, os indígenas reforçam, a partir de hoje, uma série de mobilizações por seus direitos.

    Uma das principais bandeiras dos grupos interessados em limitar os direitos territoriais indígenas, com forte representação no Congresso Nacional e no governo federal, tem sido o chamado “marco temporal” – uma tese político-jurídica inconstitucional, segundo a qual os povos indígenas só teriam direito às terras que estavam sob sua posse em 5 de outubro de 1988. Os ruralistas querem que o ‘marco temporal’ seja utilizado como critério para todos os processos envolvendo TIs, o que inviabilizaria a demarcação de terras que ainda não tiveram seus processos finalizados.

    Em meio às negociações de Temer para evitar seu afastamento da presidência, os ruralistas do Congresso conseguiram emplacar sua pauta no governo federal. Temer assinou, em julho, um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) obrigando todos os órgãos do Executivo a aplicar o “marco temporal” e a vedação à revisão dos limites de terras já demarcadas – inclusive visando influenciar o STF.

    Na prática, o marco temporal legitima e legaliza as violações e violências cometidas contra os povos até o dia 04 de outubro de 1988: uma realidade de confinamento em reservas diminutas, remoções forçadas em massa, tortura, assassinatos e até a criação de prisões. Aprovar o “marco temporal” significa anistiar os crimes cometidos contra esses povos e dizer aos que hoje seguem invadindo suas terras que a grilagem, a expulsão e o extermínio de indígenas é uma prática vantajosa, pois premiada pelo Estado brasileiro. A aprovação do marco temporal alimentará as invasões às terras indígenas já demarcadas e fomentará ainda mais os conflitos no campo e a violência, já gritante, contra os povos indígenas.

    Afirmar que a história dos povos indígenas não começa em 1988 não significa, como afirmam desonestamente os ruralistas, que eles querem demarcar o Brasil inteiro. Os povos indígenas querem apenas que suas terras tradicionais sejam demarcadas seguindo os critérios de tradicionalidade garantidos na Constituição – que não incluem qualquer tipo de “marco temporal”!

    Por isso o movimento indígena e as organizações de apoio aos povos na sociedade civil pedem a revogação imediata do Parecer 001/2017 da AGU e diz: Marco Temporal Não!

    Entenda as ações no STF

    A Ação Civil Originária (ACO) 362, primeira na pauta, foi ajuizada nos anos 1980 pelo Estado de Mato Grosso (MT) contra a União e a Funai, pedindo indenização pela desapropriação de terras incluídas no Parque Indígena do Xingu (PIX), criado em 1961. O Estado de Mato Grosso defende que não eram de ocupação tradicional dos povos indígenas, mas um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) defende a tradicionalidade da ocupação indígena no PIX, contrariando o pedido do Estado de MT.

    Já a ACO 366 questiona terras indígenas dos povos Nambikwara e Pareci e também foi movida pelo Estado do Mato Grosso contra a Funai e a União. Semelhante à 362, ela foi ajuizada na década de 1990, pede indenização pela inclusão de áreas que, de acordo como o Estado de MT, não seriam de ocupação tradicional indígena. Neste caso, a PGR também defende a improcedência do pedido do Estado de MT.

    A última que será julgada no dia 16, é a ACO 469, sobre a Terra Indígena Ventarra, do povo Kaingang. Movida pela Funai, ela pede a anulação dos títulos de propriedade de imóveis rurais concedidos pelo Estado do Rio Grande do Sul sobre essa terra. A ação é simbólica dos riscos trazidos pela tese do “marco temporal”: durante a política de confinamento dos indígenas em reservas diminutas, os Kaingang foram expulsos de sua terra tradicional, à qual só conseguiram retornar após a Constituinte, com a demarcação realizada somente na década de 1990. Desde então, a Terra Indígena Ventarra está homologada administrativamente e na posse integral dos Kaingang. Sem relator, a ação tem parecer da PGR favorável aos indígenas e está com pedido de vistas da ministra Cármen Lúcia, que deve ser a primeira a votar.



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  • 02/08/2017

    Comissão Justiça e Paz da arquidiocese de Brasília debaterá violações de direitos dos povos indígenas


    Na próxima segunda-feira (07) a Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília (DF) realizará uma conversa com o tema Os povos indígenas no contexto de violação de direitos humanos no Brasil. O evento contará com a participação de Eliseu Lopes Guarani Kaiowá, membro da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Cleber Buzatto, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Com início às 19 horas, “Conversas de Justiça e Paz” ocorrerá no auditório Dom José Freire Falcão, anexo da Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida, Brasília. O convite estende-se a toda comunidade.

    Povos indígenas e o contexto nacional

    O recrudescimento da violência contra os povos indígenas, a falta de demarcação de suas terras, os problemas orçamentários enfrentados atualmente pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o progressivo sucateamento dos serviços de saúde indígena, as investidas legislativas de supressão de direitos, entre outros fatores têm levado o movimento indigenista brasileiro a reforçar suas alianças e aumentar sua mobilização cidadã. Recentemente, no dia 22 de junho, uma delegação de 24 adolescentes e jovens Guarani Kaiowa foi recebida pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Carmem Lúcia.

    Em resposta aos anseios dos jovens e adolescentes, Carmem Lúcia afirmou estar acompanhando a situação das demarcações e homologações das terras indígenas. “Vou tentar ajudar para que a esperança de vocês não morra. O Judiciário está cada vez mais atento a essa realidade”, afirmou a ministra.

    Em outra frente de mobilização, a delegação Guarani Kaiowá foi recebida em audiência pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Eliseu Lopes, membro do conselho Aty Guasu, questionou a atuação do estado brasileiro na efetivação das políticas indígenas. “No passado, pedíamos 10% do que era o nosso território. Agora, estamos querendo apenas 0,2% dessa área para nossa sobrevivência. Não queremos vender a mãe-terra", ressaltou. Eliseu Lopes Guarani Kaiowá  partilhará as lutas dos povos indígenas no evento do dia 7, próxima segunda-feira.

    Papa Francisco e os povos indígenas

    Na audiência que concedeu em fevereiro aos representantes dos povos indígenas presentes em Roma (Itália), por ocasião do 3º Fórum de Povos Indígenas, o papa Francisco pediu aos governos que respeitem, valorizem e consultem os povos indígenas. “Creio que o principal problema está em como conciliar o direito ao desenvolvimento, incluindo também o tipo social e cultural, com a proteção das características próprias, dos indígenas e seus territórios”, disse.
    O Pontífice também pediu que se reconheça o papel das populações indígenas em uma sociedade global e em transformação. “Um segundo aspecto se refere à elaboração de diretrizes e projetos que tenham em conta a identidade indígena, que prestem uma atenção especial aos jovens e às mulheres. Inclusão, e não apenas consideração”, ressaltou.

    Francisco afirmou que os governos precisam reconhecer que as comunidades indígenas são uma parte da população que deve ser valorizada e consultada; ter plena participação, local e nacional. Lamentavelmente, a mensagem papal tem sido não apenas desconsiderada, mas parece não encontrar resposta digna por parte de agentes públicos e privados quando o assunto é a garantia dos direitos dos povos indígenas no Brasil.

    Convite a comunidade
    O que: “Conversas de Justiça e Paz”
    Tema: Os povos indígenas no contexto de violação de direitos humanos no Brasil
    Data: 07 de agosto, próxima segunda-feira
    Local: auditório Dom José Freire Falcão, anexo da Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida, Brasília (DF)
    Informações/confirmações de presença: (61) 3223 3512 / 3213 3335

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  • 02/08/2017

    Rádio Vaticano: Cimi denuncia “completa impunidade” em Rondônia


    Invasões, impunidade e conivência: estas são as palavras quando estão em jogo terras indígenas. E esta é a denúncia que o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) publicada na Rádio Vaticano.

    Ouça a entrevista completa no site da Rádio Vaticano

    A coordenadora do CIMI em Rondônia, Ir. Laura Vicuña Pereira Manso, fala da situação na Arquidiocese de Porto Velho e na Diocese de Ji Paraná, em que todas as 20 terras indígenas estão invadidas:

    “Nós vivemos uma situação de completo abandono e, sobretudo, de completa impunidade”, denuncia Ir. Laura, da Congregação das Irmãs Catequistas Franciscanas. Segundo ela, os grupos de madeireiros, garimpeiros e outros grandes empreendimentos atuam com a conivência das autoridades, que facilitam as invasões.

    As comunidades indígenas, afirma, vivem com medo, sob ameaças, com casos inclusive de assassinatos de lideranças.


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  • 02/08/2017

    Em carta, povo Karitiana (RO) pede que STF faça valer os preceitos constitucionais diante os retrocessos nos direitos indígenas


    Foto: Acervo Cimi

    A associação indígena Akot Pytin Adnipa do povo Karitiana (RO) endereçou uma carta a ministra Carmem Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). No texto pedem que o STF “faça valer os preceitos constitucionais” que a casa “tem dever moral e ético de salvaguardar, no caso, os artigos 231 e 232 da constituição”. Os citados artigos correspondem ao direito dos povos indígenas e reconhece a organização social, cultural e o direito originário sobre as terras tradicionalmente ocupadas, atribuindo a União o dever de demarcá-las.

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    A nota repudia o Parecer 01/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU), que obriga a administração pública federal a aplicar, a todas as Terras Indígenas do país, condicionantes STF estabeleceu, em 2009, quando reconheceu a constitucionalidade da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Juristas e organizações desprezaram o material em nota. Dalmo de Abreu Dallari, jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em artigo divulgado no mesmo dia do parecer, afirmou que o material “não atende aos requisitos legais para ser vinculante, ou seja, para ser legalmente obrigatório”.

    A carta do povo Karitiana, que também foi direcionado ao presidente Michel Temer e a 6ª Câmara do MPF, responsável pela temática das populações indígenas e comunidades tradicionais, aponta a inconsticionalidade do parecer. “A Constituição Federal de 1988 nos garante o direito às terras de ocupação tradicional; neste sentido, a portaria 303/2012 e parecer 001/2017 são inconstitucionais”.

    “[O parecer] fere tanto a nossa dignidade quanto nossa autonomia de ir e vir, de viver livremente em nossos territórios, criando insegurança jurídica para Terras Indígenas já demarcadas, homologadas e em processo de demarcação”.
    A associação indígena denuncia, ainda, a má intencionalidade das medidas tomadas pelo governo de Michel Temer. Afirmam que essas são “modos de atender interesses de grupos econômicos” e que não correspondem a legitimidade dos procedimentos de demarcações das Terras Indígenas. “Diante do exposto, manifestamos nosso repudio ao governo federal, por tal ação e por desrespeitar a Constituição Federal de 1988, para beneficiar os grupos econômicos, bancada ruralista e em proveito próprio”, redige a carta.

    A carta assinada pelas lideranças da associação foi protocolada na tarde de hoje (02) junto ao Supremo Tribunal Federal, a 6ª Câmara do Ministério Público Federal e na presidência da República.

    Leia a carta da associação indígena Akot Pytin Adnipa do povo Karitiana (RO) aqui

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  • 02/08/2017

    Governo Temer e ruralistas tentam influenciar STF a aprovar medidas contra povos e comunidades tradicionais


    Indígenas do Nordeste dançam Toré na Praça dos Três Poderes (DF); STF ao fundo. Crédito: Renato Santana/Cimi


    Está na pauta de julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF), do dia 16 de agosto, o julgamento de três processos envolvendo terras indígenas demarcadas pelo Poder Executivo e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra decreto que regulamenta a demarcação de terras quilombolas. Serão, portanto, julgadas a Ação Civil Originária (ACO) 469, que teve pedido de vistas da ministra Carmen Lúcia, que trata de discussão sobre a nulidade de títulos sobrepostos à terra indígena Ventara, do Rio Grande do Sul; a ACO 362, com relatoria do ministro Marco Aurélio e que discute pedido de indenização do Estado do Mato Grosso alegando que a União definiu indevidamente os limites do parque e se apropriou de áreas do estado, mas que na prática discute a demarcação do Parque Nacional do Xingu; a ACO 366, também relatada pelo ministro Marco Aurélio, que discute pedido de indenização por desapropriação indireta de terras que teriam sido ilicitamente incluídas dentro do perímetro das reservas indígenas Nambikwára e Parecis e das áreas a elas acrescidas; e a ADI 3239/DF que trata da constitucionalidade do Decreto 4887/2013 que regulamenta as demarcações das terras quilombolas, julgamento que teve dois votos, o do relator do processo, do então ministro Cezar Peluzzo que se manifestou contra o decreto e o voto favorável a sua constitucionalidade proferido pela ministra Rosa Weber.

    Todas as ações relativas às demarcações de terras indígenas discutem aspectos relativos à ocupação tradicional indígena assim como no caso dos territórios quilombolas. Significa dizer que os ministros podem, durante estes julgamentos, discutir a tese jurídica do Marco Temporal, supostamente decorrente da Constituição Federal de 1988, conceituando, por esse prisma, o que é ou não área tradicionalmente ocupada por esses povos ou comunidades. No caso das demarcações das terras quilombolas se questiona a constitucionalidade do decreto e já se iniciou, como apontado acima, o debate, tendo, pois, à discussão também para a fixação da marcação temporal com lastro na Constituição Federal de 1988.

    Tendo presente que os ministros do STF pautaram os julgamentos relativos às demarcações de terras indígenas e quilombolas, a Frente Parlamentar da Agropecuária, comandada pelos deputados federais Nilson Leitão, Luis Carlos Heinze e Alceu Moreira, entre outros, decidiu se antecipar ao debate e propôs – de antemão – uma negociação – na verdade uma chantagem – exigindo que o governo federal adotasse medidas no sentido de inviabilizar demarcações de terras indígenas. Como contrapartida, a bancada ruralista garante o apoio de parlamentares contra o pedido, apresentado pela Procuradoria Geral da República, de abertura de processo de crime comum, no âmbito STF, contra Michel Temer. Vídeo do deputado Luis Carlos Heizen, que circula nas redes sociais, confirma as pressões da bancada ruralista sobre o governo Temer, especialmente sobre o Ministério da Justiça e a Advocacia Geral da União (AGU).

    Medidas preparatórias e de legalidade e legitimidade duvidosas sob o ponto de vista jurídico já haviam sido tomadas em setembro do ano passado, no que se refere às comunidades quilombolas, através da Sub Chefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República, SAJ, de nº 2897/2016, que recomendava entre outras medidas em decorrência do resultado parcial com voto em favor da ADI a interrupção dos processos de demarcação e titulação, como medida para evitar “insegurança jurídica maior”. O órgão também justificou a devolução de todos os processos de demarcação de territórios quilombolas à Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (SEAD/MDA) para revisão e ajustes, alegando que caberia ao órgão “decidir a ordem em que se dará a regularização”, tal medida, de flagrante ilegalidade levou a 6ª Câmara de Revisão a publicar uma Nota Técnica no dia 19 do corrente mês denunciando a flagrante ilegalidade da orientação da Casa Civil da Presidência da República, in verbis: A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF) defende, em nota técnica divulgada nessa quarta-feira (19), o prosseguimento dos processos de demarcação e titulação de terras ocupadas por comunidades quilombolas. O documento dirigido à Casa Civil da Presidência da República pede que seja suspensa orientação recente do órgão para que demarcações sejam interrompidas até a conclusão de julgamento sobre a legalidade do processo no Supremo Tribunal Federal (STF).

    Nessa esteira de ataques e medidas preparatórias com cunho categoricamente anti-indígenas e antiquilombolas foi editado o Parecer 001/2017/GAB/CGU/AGU e aprovado pelo presidente Michel Temer, estampando, portanto, a negociata estabelecida com a bancada ruralista. O parecer retoma a portaria 303/2012 da AGU, sobre a qual recaíram severas críticas do Ministério Público Federal, povos, comunidades e organizações indígenas e entidades indigenistas e, por consequência, acabou sendo suspensa pelo Poder Executivo. A referida portaria pretendia impor aos procedimentos de demarcação de terras, a tese do marco temporal e as 19 condicionante definidas durante o julgamento pelo STF da Pet 3388/2009, relativa à demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol. Na ocasião, os ministros da Suprema Corte decidiram que o procedimento de demarcação daquela terra era válido e que as condicionantes nele estabelecidas não se vinculariam a outras demarcações de terras. A AGU, não satisfeita, tentou em 2012 impor sua interpretação do julgamento com a pretensão de atender a interesses econômicos e políticos – como os da bancada ruralista – inviabilizando a demarcação, o reconhecimento e a proteção das terras indígenas.

    O parecer atual, contudo, segue na mesma monta da portaria arquivada, ou seja, impor a vontade e os interesses dos exploradores sobre os direitos indígenas e quilombolas e na prática, se a reforma trabalhista nos faz retroceder a situação anterior a era Vargas, o objetivo e o foco desses setores é reconstituir a Lei de Terras de 1850. Essa é a estratégia. E pior, negociam com aqueles que se encontram na administração dos poderes públicos benesses e favores submetendo o direito a uma condição vulnerável, o qual vale apenas para os que detêm ou são os selecionados e acolhidos pelos interesses econômicos hegemônicos ou em disputa, transformando o direito num privilégio, como se vivêssemos num regime de exceção. Lamentavelmente é o que parece ocorrer no atual contexto político e jurídico em nosso Brasil.

    Tanto a tese do Marco Temporal, que não se encontra entre as 19 condicionantes, mas apenas é referida em votos de ministros no julgamento do caso Raposa Serra do Sol, como as condicionantes não encontram guarida no texto constitucional relativo às demarcações de terras. As interpretações jurídicas do direito não podem se pautar por interesses políticos e econômicos. O resultado do julgamento da ação popular contra Raposa Serra do Sol demonstra, em certa medida, que, para além da legitimidade da demarcação, se pretendia impor limites às demandas indígenas. O voto-vista apresentado pelo ministro Carlos Menezes Direito – no qual propôs as 19 condicionantes e o marco temporal ao procedimento demarcatório daquela terra – deve ser analisado com cuidado para que não sejam generalizadas as decisões daquele julgamento. Isso porque, sobre as condicionantes e o marco temporal foram interpostos vários embargos de declaração tanto com o intuito de rejeitar as condicionantes, ou para vinculá-las às demais demarcações de terras no país. Os embargos da Pet 3388/RR foram julgados e os ministros do STF, em sua maioria, se manifestaram no sentido de restringir – condicionantes e o marco temporal – ao caso concreto de Raposa Serra do Sol.

    Adite-se: os atuais estudos demarcatórios realizados pela Funai – no caso dos povos indígenas – e pelo Incra – relativo aos quilombolas –, seguem ritos definidos por normatizações administrativas, já apresentadas: o Decreto 1.775/96, a Portaria 14/96 e o Decreto 4887/2003, onde se prevê investigações históricas, antropológicas, arqueológicas, sociais, fundiárias e ambientais necessárias para avalizar ou rejeitar uma demarcação administrativa. O marco temporal – que ora se pretende ilegalmente e ilegitimamente resgatar – propõe a exclusão desses estudos e rompe com o que está expresso na Carta Magna de que “os índios tem o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, ou seja, aquelas condicionantes e aquele marco temporal, como então definidos STF, referem-se efetivamente a um conjunto de condições vinculadas ao caso específico da terra indígena Raposa Serra do Sol, e, portanto, não podem e nem devem ser extensivos a outros procedimentos. Sobre isso, o jurista José Afonso da Silva, declarou:

    "A decisão do Supremo diz respeito a um caso específico. Não criou jurisprudência geral coisa nenhuma. Pode ser que, no futuro, o STF afirme alguma outra coisa, mas, até lá, um caso único e específico pode até criar um precedente, mas não uma jurisprudência. O que a AGU está fazendo é, a partir da sua própria interpretação do que os ministros decidiram em 2009, estender para todos os outros casos a decisão (Agência Brasil, 20/07/2012)".

    Com o julgamento a Pet 3388/RR (DJe de 01/07/2010), o  STF deixa evidente que o Art. 231, § 1º, da CF/88 não cria marco temporal vinculando as demarcações futuras, mas estabelece que no caso concreto da terra indígena Raposa Serra do Sol havia que se estabelecer, não somente um delimitador para reconhecimento da demarcação, mas acima de tudo para dizer que ao longo da história os povos daquela terra foram esbulhados. Justifica-se, neste caso, a argumentação do renitente esbulho. Segundo o STF, “o renitente esbulho se caracteriza pelo efetivo conflito possessório iniciado no passado e persistente até o marco demarcatório temporal da data da promulgação da Constituição de 1988, materializado por circunstâncias de fato ou por controvérsia possessória judicializada”.

    Portanto, a polêmica estabelecida no âmbito do Poder Judiciário – através de decisões de desembargadores e ministros – utilizando-se da tese do marco temporal e do renitente esbulho serve, em essência, para estabelecer limites aos direitos indígenas e também quilombolas relativos às demarcações de suas terras, pois impõem que estes devem provar que estavam sobre a terra, ou em conflito e/ou em disputa processual pela área pleiteada naquele período – comprovando o renitente esbulho. Há, todavia, que se dizer que o esbulho contra indígenas e quilombolas é comprovado pela história passada e recente de nosso país. São fartas as bases documentais que comprovam terem ocorrido intensos conflitos, esbulhos e expulsões dos indígenas das terras onde habitavam tradicionalmente. Também são fartas as fontes que mostram que os povos eram impedidos de voltar às terras ou de pleiteá-las, dadas às pressões políticas e as violências sofridas. O renitente esbulho não deve e não pode ser caracterizado pelo conflito evidente, aparente ou de fácil caracterização, mas, sobretudo, deve ser investigado aquele que se prolongou ao longo do tempo em função de um leque interminável de circunstâncias, que não apenas os conflitos físicos, armados e/ou judicializados.  

    A presença contemporânea dos povos indígenas e das comunidades quilombolas em luta pela terra é, em essência, a comprovação do renitente esbulho. Eles não sucumbiram ao passado, vivem no presente e são eles – povos e comunidades de hoje – com quem o Estado e o Poder Judiciário devem se preocupar.

    O jurista José Afonso da Silva acresce, a partir do julgamento da Pet 3388, quanto à ilegitimidade de algumas das condicionantes expressas naquele julgamento, de modo especial do “marco temporal de ocupação das terras indígenas pelos índios” . Para o Constitucionalista, o referido marco é questionável:

    "Fixado pretorianamente de modo arbitrário como sendo a data da promulgação da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988. Questionável também por ter dado ao conceito uma dimensão normativa com aplicação geral a todos os casos de ocupação de terras indígenas".

    O enunciado do acórdão do julgamento da Pet 3388 referindo que a “Constituição Federal trabalhou com data certa  – a data da promulgação dela própria (5 de outubro de 1988) – como insubstituível referencial para o dado da ocupação de um determinado espaço geográfico por essa ou aquela etnia, ou seja, para o reconhecimento, aos índios, dos direitos originários sobre as terras que ocupam” é entendido pelo jurista José Afonso da Silva como espoliador dos direitos fundamentais dos índios porque junta  dois conceitos: o marco temporal em 05/10/1988 e o renitente esbulho”. O jurista pergunta:

    "Onde está isso na Constituição? Como pode ela ter trabalhado com essa data, se ela nada diz a esse respeito nem explícita nem implicitamente? Nenhuma cláusula, nenhuma palavra do art. 231 sobre os direitos dos índios autoriza essa conclusão. Ao contrário, deve- se ler com a devida atenção o caput do art. 231, ver-se-á que dele se extrai coisa muito diversa. Vejamos: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, língua, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer espeitar todos os bens”.

    Se são “reconhecidos… os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, é porque já existiam antes da promulgação da Constituição. Se ela dissesse: “são conferidos, etc.”, então, sim, estaria fixando o momento de sua promulgação como marco temporal desses direitos.

    Conclui, assim, que são equivocadas as interpretações do Poder Judiciário no tocante ao marco temporal, pois a atual Constituição não limita os direitos ordinários dos povos indígenas às suas terras ao dia 05 de outubro de 1988, impedindo demarcações de terras para os povos que apenas conseguiram regressar a elas depois do advento da atual Carta Magna.

    Adverte o afamado professor que:

    "O termo “marco” tem sentido preciso. Em sentido espacial, marca limite territorial. Em sentido temporal, como é o caso, marca limites históricos, ou seja, marca quando se inicia algum fato evolutivo. O documento que marcou o início do reconhecimento jurídico-formal dos direitos dos índios foi a Carta Régia de 30 de junho de 1611, promulgada por Fellipe III, que firmou o princípio de que os índios são senhores de suas terras, “sem lhes poderem ser tomadas, nem sobre elas se lhes fazer moléstias ou injustiça alguma".

    Acerca do instituto do renitente esbulho, observa que não é correto interpretar, à luz da Constituição Federal, que os conflitos envolvendo terras indígenas tenham um caráter tipicamente possessório na forma caracterizada pelo direito civil. Para o jurista, a ocupação indígena de suas terras não é uma mera posse, pois eles as ocupam com fundamento no indigenato. Para ele, a ocupação é fundada em direitos originários, de sorte que quando o não-índio se apossa dessas terras, ele não retira apenas a posse dos índios sobre elas, mas um conjunto de direitos que integram o conceito de indigenato.

    Alerta ainda, de modo enfático, que a interpretação restritiva de esbulho renitente como controvérsia possessória judicializada é absolutamente inaceitável porque:


    "A controvérsia não é tipicamente possessória…, ou seja, não é uma disputa individual em que um possuidor retira a posse do outro, pois os direitos ordinários dos índios sobre a terra, como visto no correr deste parecer, não pertence a eles como indivíduos, mas às comunidades indígenas; demais os índios e as comunidades indígenas antes da Constituição de 1988 não tinham legitimidade processual, pois estavam sujeitas ao regime tutelar, de sorte que exigir deles o cumprimento de ônus, qual seja a defesa das terras que ocupam, que são de propriedade da União, e  que, pela sua situação de tutelado, não podem cumprir, é desconhecer que o direito se interpreta em relação ao contexto em que incide, sem levar em conta que a Constituição lhes garante também sua organização social, costumes e tradições. Demais, os direitos constitucionais dos índios são de natureza protetiva de minorias, e como tal devem ser interpretados sempre de modo favorável aos beneficiários, não se lhes impondo ônus fora de sua situação vivencial".

    Ademais, sobre o renitente esbulho, há que se ressaltar, como já observou o ilustre professor, que até 1988 os povos indígenas eram tutelados pelo Estado, portanto, não poderiam pleitear seus direitos autonomamente (essa função era da União, através de seus órgãos de assistência). E há que se considerar as frequentes denúncias de que os próprios órgãos de assistência foram responsáveis pelo esbulho e exploração das terras, tendo alguns servidores públicos atuado para coibir e reprimir as comunidades e lideranças indígenas. No mesmo sentido, o Relatório Figueiredo traz com nitidez, atrocidades praticadas contra as comunidades indígenas nos anos de 1950 a 1970.

    Portanto, se, no âmbito do Poder Judiciário, os indígenas não agiam porque eram impedidos, agora eles são considerados sujeitos de direitos individuais e coletivos – Artigo 232 da CF: “Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo” – e não podem mais ser ignorados. E, igualmente, não devem ser punidos porque não ingressaram com reclamatórias na justiça em um contexto no qual tal ação não lhes era facultada. Ainda hoje, observa-se que, na maioria das demandas contra as demarcações de terras, os povos e suas comunidades não estão sendo intimados ou citados para responder e se fazer representar. Isso implica, segundo a Constituição Federal, na nulidade das ações em que os povos não foram chamados para responder – sendo eles partes legítimas tanto no polo passivo como no ativo das ações.

    Acerca das 19 condicionantes, a Suprema Corte foi enfática em dizer que a sua aplicabilidade é limitada, restringindo-se ao caso concreto de Raposa Serra do Sol. Na história brasileira há outras decisões que não podem ser generalizadoras. Podemos lembrar, por exemplo, de um marco da historiografia cearense, o Relatório da Província, escrito em 1863, no qual se decretava a extinção dos índios no estado do Ceará e a anexação dos territórios destes às glebas destinadas à colonização. Naquele, e em quase todos os estados, a ordem era favorecer os interesses dos setores regionais e nacionais dominantes, exterminando (ou extinguindo oficialmente) os indígenas para, assim, liberar as terras. Um século mais tarde, já não se decretava a inexistência dos povos indígenas e sim, a necessidade de promoção de sua “gradativa e harmoniosa integração”, através de um aparato jurídico e de ações assistenciais que visavam obter, pela via da integração da população indígena, a liberação das terras por eles ocupadas para os projetos de desenvolvimento nacional.

    As condicionantes retomam argumentos reacionários em relação aos povos indígenas e contrariam os direitos constitucionais destes povos em aspectos cruciais. Um primeiro aspecto diz respeito ao direito de pleitear ampliação ou revisão de limites de terras já demarcadas. Embora, em geral, se utilize a expressão “ampliação de terras”, na grande maioria dos casos se trata de uma reivindicação justa de revisão dos limites estabelecidos pela Funai em um contexto de conflito, no qual o órgão indigenista aconselhou que os índios aceitassem uma redução da área para possibilitar a sua demarcação sem maiores embates (e tais procedimentos ocorreram em desajuste com o que determina a Constituição Federal). São muitas as terras indígenas demarcadas, sobretudo nos estados do Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que demandam revisão de limites, pois tiveram uma drástica redução nas dimensões apontadas pelos grupos técnicos e não correspondem à área de ocupação tradicional de povos e comunidades indígenas. Citando um caso concreto, no estado de Santa Catarina, a área indígena Toldo Pinhal, do povo Kaingang, foi identificada pelo grupo técnico e recomendada para demarcação com uma extensão de 9.800 hectares, considerando a ocupação tradicional e as necessidades do grupo em questão. Contudo, a Funai demarcou apenas 980 hectares, portanto, uma área dez vezes menor. Como este, há dezenas de outros casos.

    Sobre a interpretação de que não há possibilidade de se ampliar terras já demarcadas, o jurista José Afonso da Silva argumenta:

    "O que é fundamental é que a Constituição, no caput do Art. 231, garante aos índios os direitos originários sobre as terras que ocupam. Então onde houver terras indígenas nessas condições, a demarcação é obrigatória. Os índios têm direito à demarcação de suas terras na sua totalidade. Esses direitos preexistem ao ato de demarcação, por isso mesmo a demarcação é reconhecida até pelo próprio Supremo Tribunal Federal como meramente declaratória. Ora, então, se forem indígenas as terras confinantes com terras já demarcadas, corre-lhes o direito à ampliação da demarcação até cobrir as áreas que ficaram fora da demarcação original".

    O segundo aspecto diz respeito à restrição do usufruto exclusivo sobre as terras pelos índios, conforme estabelece o Art. 231 da Constituição Federal. As condicionantes limitam aos indígenas o usufruto de recursos existentes em suas terras restringindo as possibilidades apresentadas por outras normas legais. Além disso, determinam que seja dispensada a consulta prévia às comunidades quando houver interesse da União na implantação de empreendimentos em terras indígenas. Nesse sentido, a expansão da malha viária ou a geração de energia (via construção de hidrelétricas, por exemplo) poderia ser entendida como estratégica, dispensando a prévia consulta às comunidades que vivem nas terras afetadas? Tal aspecto afronta premissas da Declaração da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Povos Indígenas e da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, esta última ratificada pelo Estado brasileiro, que determinam a realização de consulta prévia, livre e informada às populações indígenas sobre qualquer empreendimento que as afetem. A aplicação das condicionantes articuladas ao marco temporal parecem alinhadas ao desejo de colocar um ponto final nos procedimentos democráticos, que pressupõem consultas, debates, diálogos com a população envolvida.

    Ao longo dos séculos, as terras indígenas acabaram servindo e/ou sendo utilizadas por diversos povos em função do direito originário. Direito anterior a outros direitos que possam incidir sobre terras indígenas. Neste sentido a demarcação tem a função de estabelecer os limites espaciais de uma determinada terra e assegurar aos povos ou comunidades o direito de usufruir delas dentro de uma perspectiva de futuro. Segundo Marco Antônio Barbosa, a Constituição assegura os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam numa perspectiva de esclarecer que a utilização e relacionamento dos povos com as terras são de outra natureza:

    "Visou o legislador constituinte deixar claro que o Estado brasileiro reconhece aos índios direitos territoriais preexistentes ao próprio Estado brasileiro, por isso a utilização das expressões: reconhecidos e direitos originários. Redigida de forma pouco precisa, a Súmula 650-STF deve ser aplicada tão-somente às hipóteses a que ela se refere – usucapião de terras mencionadas no art. 1º, alínea "h", do Decreto nº 9.760/1946 -, devendo os operadores do direito atentar para as peculiaridades e as circunstâncias constantes dos precedentes que embasaram a edição do enunciado, sob pena de violação ao disposto no Art. 231 da Constituição e ao art. 14 da Convenção 169 – OIT".

    Diante de todo o exposto, e tendo em vista que estão em disputa poderosos interesses políticos e econômicos, que visam essencialmente a exploração e espoliação das terras e seus recursos naturais e ambientais e, como consequência, pretendem a aniquilação dos direitos indígenas e quilombolas, requer-se, depois dessa discussão, que o Supremo Tribunal Federal mantenha a coerência com decisões proferidas por ocasião do julgamento do caso Raposa Serra do Sol, e pacifique, em definitivo, afastando a tese do marco temporal, do renitente esbulho, bem como as 19 condicionantes vinculadas ao caso concreto daquela decisão, e que os ritos demarcatórios, tanto no que se refere às demarcações de terras indígenas como das comunidades, afastando, por conseguinte essas malfadadas teses, consolidando a constitucionalidade do Decreto 4887/2003, dos direitos originários e tradicionais dos povos indígenas, tudo pautado pelo espírito da Constituição Federal, regulados por normas que assegurem que as ações sejam realizadas pelos órgãos da administração pública federal, como efetivamente ocorre.

    Se assim o decidir, por uma questão de justiça, a Suprema Corte evitará que medidas extremas, com características de uma justiça de exceção, contra povos e comunidades originárias e tradicionais, se consolidem.

    Porto Alegre, 31 de julho de 2017.

    Marcelo Charleo, advogado, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ e membro da Comissão Americana de Juristas

    Roberto Antonio Liebgott, filósofo, bacharel em Direito e missionário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul.

    Onir de Araújo, advogado, integrante da Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas, Rio Grande do Sul


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  • 01/08/2017

    Comissão de Direitos Humanos e Minorias debate violência contra indígenas com Eurodeputada


    Audiência Pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Minoria da Câmara. Foto: Guilherme Cavalli/ Cimi

    A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados denunciou na manhã de hoje (01) os conflitos nas demarcações de terras indígenas e o contexto político brasileiro e internacional. A audiência pública trouxe para o debate o Marco Temporal e o Parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), instrumentos que paralisam a demarcação das Terras Indígenas (TI). Participou do debate a deputada Julie Ward, do Parlamento Europeu, do Reino Unido, que acompanhou as denúncias de violações dos direitos indígenas, sobretudo dos casos do povo Gamela, no Maranhão, massacre em Pau D’Arco, no Pará, e as violências sistemáticas aos Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul.

    Juntamente com Julie Ward compuseram a mesa Rogério de Paiva Navarro, subprocurador-geral da República e Membro da 6ª Câmara do Ministério Público Federal (MPF), Gilberto Vieira, representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Eliseu Lopes, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a deputada Janete Capiberibe, membra da Comissão. Lideranças indígenas dos povos Puroborá, Tupari, Kassupá de Rondônia acompanharam a sessão.

    Eliseu Lopes Guarani Kaiowá, da coordenação executiva da Apib, apresentou as violações dos direitos indígenas nos últimos tempos. A liderança ressaltou as impunidades presente no Marco Temporal, que, segundo Eliseu, anistia e legitima as agressões. “O Parecer assinado por Michel Temer, que favorece o Marco Temporal, paralisa as demarcações e incentiva a expulsão de indígenas de sua terra. Se o marco temporal for aprovado no Supremo Tribunal Federal (STF) será legitimado o massacre e o derramamento de sangue dos povos indígenas no Brasil”, comentou.
    Segundo a tese do marco temporal, conforme adotada pela Segunda Turma do STF, os indígenas só teriam direito às terras que estivessem ocupando em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

    O Guarani Kaiowá assinalou a importância de Julie Ward apresentar ao Parlamento Europeu as incursões violentas do Estado brasileiro contra os povos originários. “Eu quero, em nome de todos os povos indígenas do Brasil, denunciar internacionalmente a violação que é o marco temporal e fazer um pedido ao Parlamento Europeu: mandem uma carta para o judiciário brasileiro”. 

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    Nota Pública: Michel Temer violenta os direitos dos povos indígenas para tentar impedir seu próprio julgamento
    MPF divulga nota pública contra retrocesso em demarcação de terras indígenas

    O subprocurador Rogério Navarro criticou as políticas assumidas pelo governo em relação aos povos indígenas. Segundo Navarro, o Marco Temporal “vai apenas incentivar a violência pela posse da terra”. “As Terras Indígenas sempre foram consideradas, sobre o aspecto da normatividade constitucional, como terras da união. Se houve uma invasão dessas terras por não indígenas e os indígenas, por forças das agressões, foram forçados a se deslocar, então foi o Estado brasileiro que não cumpriu com suas obrigações”, expõe o subprocurador. “Em razão das constantes agressões sofridas ao longo de séculos, alguns grupos fizeram enfrentamento, mas outros em razões de seus hábitos e culturas, se afastaram. Por conta disso, agrupamentos foram deslocados e não estacam na terra na data de cinco de outubro de 1988”, argumentou ao analisar a inconstitucionalidade do marco temporal. 

    O membro da 6ª Câmara do MPF responsável por acompanhar a temática populações indígenas e comunidades tradicionais salientou que essas são iniciativas do atual governo e se encontram num contexto de negociações com bancada ruralista e defensores da mineração. “Por interesses entorno da questão agrária, expansão da fronteira e aspectos da mineração, pretende-se que esse marco temporal seja constitucionalizado”, argumenta Navarro.

    Gilberto Vieira entregou a deputada Julie Ward o Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil 2015, publicação anual do Cimi que sistematiza dados sobre conflitos e violações sofridas pelos povos originários. “Nos entendemos que boa parte das violações contra os povos indígenas tem por base um modelo de desenvolvimento que nunca considerou a presença dos povos. Desconsidera-se a diferença e os valores e a contribuição que esses povos podem dar em outro tipo de desenvolvimento”.


    O secretário-adjunto do Cimi, Gilberto Vieira, entregou a  Julie Ward o Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil 2015. Foto: Guilherme Cavalli

    Diante ao crescente conflito no campo envolvendo as comunidades tradicionais, o secretário-adjunto do Cimi solicitou em plenária a criação de barreiras humanitárias à importação de commodities agrícolas brasileiras pela União Europeia.  “Pedimos aos aliados do Parlamento Europeu que busquem estabelecer barreiras a esses produtos que são produzidos violando direitos das comunidades tradicionais. Há mercadorias exportadas para a Europa que tem sangue indígena. Estabelecer barreiras humanitárias para essas violações seria um papel sumamente importante dos parlamentares que conhecem essas realidades”. A CDHM recebeu a proposta e conduziu como um dos encaminhamentos da audiência pública.

    Julie Ward firmou o compromisso de apresentar a realidade dos povos indígenas em plenária na comissão europeia que debate direitos humanos e internacionais. A deputada permaneceu 13 dias na região de Marabá (PA), onde constatou o abandono em que vivem os indígenas da região.

     

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  • 31/07/2017

    Ainda é 1500, por Elaine Tavares


    Foto: Comunidade Guarani

    Por Elaine Tavares, em Palavras Insurgentes

    A cena é tocante. Na beira do asfalto, um grupo de indígenas olha, entre estupefato e triste, outro grupo de gente, branca, postado em cima da passarela. Os brancos estendem faixas, denunciando uma “invasão” dos indígenas e dizendo que a demarcação das terras ameaça o seus lares. São moradores da comunidade Enseada de Brito, que fica próxima à terra Guarani, no Morro dos Cavalos. Vê-se que são “bem-nascidos” e poderiam estar no rol das chamadas “pessoas de bem”. Um deles ostenta a camisa amarela da CBF, de triste papel no Brasil atual. Na verdade, um pequeno grupo organizado por políticos da região ligados ao DEM. De longe, eles se olham. Os Guarani, como sempre, no silêncio circunspecto. Esperam, tranquilos, mas não mansos.

    Lá no alto, os brancos ostentam o preconceito e a ignorância. Pouco sabem sobre o mundo indígena. Em nem querem conhecer. Tal como no longínquo 1500, chegam com suas bandeiras e verdades, vendo o outro, diferente, como inimigo. E não são.

    Já os Guarani observam com aquele mesmo olhar afiado com o qual miraram as caravelas naqueles tempos distantes. Viram os homens chegarem e acolheram com risos e oferendas. Mas, ao longo desses mais de 500 anos, eles já sabem que a hospitalidade nunca valeu de nada diante da cobiça. Carregam bem fundo na alma e no corpo e memória da violência, do massacre, do assassínio, do terror.

    Hoje, nesse domingo de sol, eles se olharam outra vez. Distantes. O diálogo mais uma vez impossível.

    A terra da área do Morro dos Cavalos é uma terra que já foi demarcada, portanto, legalmente terra indígena. Ali vivem as famílias que conformam a comunidade Guarani. E, como é do seu costume, as famílias se movimentam dentro da área. Assim, hora estão aqui, ora ali. É a sua maneira de viver.


    Foto: Comunidade Guarani

    Incansáveis na perseguição aos indígenas, alguns políticos da região, liderados pelo vereador Pitanta (DEM), continuam provocando a discórdia na tentativa de jogar a comunidade de Enseada contra os Guarani. Já foi assim durante o processo de demarcação, foi assim durante a desintrusão, foi assim nas conversas sobre a obra na BR 101. Acostumados a mandar no pedaço, eles não reconhecem a forma de viver dos indígenas, não aceitam o fato de que a terra está demarcada e buscam atrapalhar a vida dos Guarani ao máximo, esperando talvez que eles desistam e vão embora.

    É a história “patas arriba”. Chamam de invasores aos donos originários de toda aquela terra. Uma terra que os Guarani nem reivindicam, e poderiam. Afinal, tudo era deles. Mas, em vez disso, se contentam com o espaço conquistado, que nem é o ideal. Agora, tudo o querem é viver em paz, do jeito deles.

    É uma vida de sobressaltos. Quando não têm de viver esses momentos patéticos, precisam se defender de jagunços, de jornalistas mal intencionados, de políticos oportunistas, da justiça, da polícia, de tudo. O tempo todo na defensiva, como se fossem bandidos. Não são.

    A farsa da “manifestação” armada pelo vereador é só mais um ataque dos tantos, cotidianos e sistemáticos. Porque a intenção é colocar medo, fazer com que se movam, saiam da terra, abandonem tudo. Afinal, quem pode viver assim, o tempo todo ameaçado, acossado?

    O dia acabou e os manifestantes foram para casa. Jantarão felizes, por certo, comentando a ação contra os índios, os quais odeiam sem conhecer. Na aldeia, os Guarani discutem e se preparam. Sabem que não acaba aí. A terra é ouro para o branco.

    Estamos no século XXI e no Brasil os colonizadores conseguiram exterminar grande parte dos povos originários. As pessoas brancas acham bonito vê-los no museu ou nas apresentações do dia do índio. Mas, não suportam saber que eles estão por perto, que se movem, que lutam, que buscam garantir seus direitos. Índio bom é índio quieto e distante. Mas o fato é que eles estão aqui e aqui ficarão.


    Foto: Comunidade Guarani

    Tenho dúvidas sobre se essas pessoas que são capazes de sair à rua, portando cartazes que chamam os indígenas de invasores, estão abertas ao diálogo. Tenho dúvidas. Mas, é preciso seguir tentando. Os povos originários, que chegaram a um número de 150 mil nos anos de 1960, praticamente a beira da extinção, agora já passam de um milhão. Levantam-se e assumem sua identidade. Querem viver em paz nos seus territórios. Para isso é preciso que o povo brasileiro os conheça, sem armaduras, de peito aberto, pronto para um encontro verdadeiro.

    No velho Brasil colônia, dominado pela cobiça, isso não foi possível. Mas, hoje, muitos há que se solidarizam, que respeitam, que apoiam e que lutam junto. Essa é ainda uma longa caminhada. Mas, não há saída. Como dizem os chiapanecas, das montanhas mexicanas: “nunca mais o mundo sem nós”. E assim é. É preciso reconhecer o território originário, demarcá-lo e garantir que os povos vivam em paz. Mas, não nos iludamos. O que está por trás de ações como essa de hoje, na Enseada, é a velha luta de classes. Os indígenas, como os trabalhadores empobrecidos, estão no mesmo lado. O inimigo é o mesmo. E contra ele, vamos – como dizia o velho Quixote – travar uma longa e feroz batalha.

    Fotos e informações: Comunidade Guarani

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