• 13/07/2017

    Cimi e Caritas de Tefé (AM) analisam difícil conjuntura para povos indígenas


    Foto: J. Rosha / Cimi Norte I

    Por Cimi Tefé

    Muito embora o cenário brasileiro seja de descaso, violência e desrespeito aos povos indígenas, há muita força, resistência e esperança na luta em defesa de seus direitos. Em 2016, a análise da conjuntura indígena concluía que a situação não era nada animadora. Mudanças na legislação deixaram os povos desprotegidos e expostos à ação de invasores, que têm como alvo as terras e seus recursos naturais. Desassistidas, as comunidades ficam vulneráveis às violações de seus direitos e ao saqueamento de seus territórios. Na região do médio rio Solimões, as violações apontadas pelos indígenas são a exploração da madeira, caça, pesca, pecuária e mineração, tanto em áreas demarcadas quanto fora delas, e a ausência ou descaso de políticas públicas específicas.

    Passado um ano dessa crítica, a situação se agravou. O enfraquecimento dos órgãos de fiscalização e segurança e a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da FUNAI e INCRA feita pela bancada ruralista, concluída em maio de 2017, vêm permitindo ainda mais ataques e violências. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, no primeiro semestre de 2017 foram mais de 40 mortes em conflitos no campo. Para Dom Murilo Krieger, vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), "desde que a CPI começou a funcionar, aqueles que quiseram ocupar mais terras utilizaram mais violência para isso". O religioso comenta que a CPI “só deu voz para quem era contra os indígenas, não sentenciou fazendeiros. Eles querem mostrar que os índios não têm direitos e que suas terras podem virar fazendas".


    Em Japurá (AM) indígenas protestam em frente à Prefeitura e exigem respeito e direitos. Foto: Ed Bezerra

    Essa tendência aparece também no Poder Judiciário. Recentemente, o Tribunal Regional Federal da 4º região anulou três portarias do Ministro da Justiça que havia declarado posse tradicional das terras do povo Guarani, em Santa Catarina. Essa atitude remete a uma das intenções da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 que, entre outras ameaças, institui o marco temporal para o reconhecimento da ocupação tradicional indígena. Com ele, só poderiam ser consideradas terras tradicionais aquelas que estivessem sob posse dos indígenas na data de 5 de outubro de 1988, data da Constituição Federal, sem considerar a expulsão de grupos indígenas de suas terras tradicionais por conflitos fundiários ou por ações da ditadura militar. Com a aprovação da PEC e a instituição do marco temporal, virão mais ataques ao legítimo direito dos indígenas ao território.

    Leia também:
    Não há nenhum fazendeiro indiciado na CPI. Somente pessoas que lutam pela vida dos povos indígenas”, afirma dom Leonardo Steiner, da CNBB
    Nota Pública do Cimi sobre a Aprovação do Relatório da CPI da Funai/Incra

    Sem terra demarcada, as populações indígenas ficam também sem políticas públicas específicas. Saúde e educação principalmente, pois os poderes públicos e muitos de seus servidores, além de não reconhecer o direito, atendem os indígenas com discriminação e racismo. Contudo, a esperança e a resistência não esmorecem. O documento escrito no Acampamento Terra Livre, realizado em abril em Brasília, traduz o sentimento de luta dos povos indígenas brasileiros, em especial, da região do médio rio Solimões: “Reafirmamos que não admitiremos as violências, retrocessos e ameaças perpetrados pelo Estado brasileiro e pelas oligarquias econômicas contra nossas vidas e nossos direitos. Conclamamos todos a se unirem à luta dos povos originários pela defesa dos territórios tradicionais e da mãe natureza, pelo bem-estar de todas as formas de vida”.

    Com a análise, conclui-se o primeiro ano do projeto “Garantindo a defesa de direitos e a cidadania dos povos indígenas do médio rio Solimões e afluentes", realizado pela Cáritas de Tefé e Cimi Tefé, e apoiado pela Agência Católica para o Desenvolvimento Internacional, sediada no Reino Unido, e pela União Europeia.

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  • 13/07/2017

    Nota Pública: De volta ao integracionismo?


    Foto: Tiago Miotto / Cimi

    Nos últimos anos a sociedade tem assistido a uma acelerada escalada de violência contra os povos indígenas no Brasil, diretamente relacionada a uma série de iniciativas no âmbito dos poderes legislativo, executivo e judiciário que visam à desconstrução dos direitos assegurados na Constituição Federal de 1988. Trata-se, sem dúvida, do contexto mais adverso enfrentado por estes povos desde o processo de redemocratização do país e a consagração do direito originário dos povos indígenas sobre seus territórios, bem como à sua organização social, costumes, línguas e tradições – gravemente ameaçados nos dias de hoje.

    Se a incompatibilidade entre a Constituição Federal de 1988 e medidas como a PEC 215 e a Portaria 303 da Advocacia Geral da União (para citar duas dentre as dezenas de iniciativas anti-indígenas que têm se proliferado em anos recentes) já era flagrante, dois atos do Poder Executivo relacionados aos povos indígenas e quilombolas nos últimos dias parecem ter sido extraídos diretamente do Diário Oficial da União de décadas atrás, próprios do regime de exceção da ditadura militar no Brasil.

    A criação, em 6 de julho último, de um Grupo de Trabalho “com a finalidade de formular propostas, medidas e estratégias que visem à integração social das comunidades indígenas e quilombolas” guarda notável semelhança com os ideais integracionistas da doutrina de segurança nacional. A simples criação do GT nestes termos já seria assustadora, por remeter à perigosa associação com paradigmas aculturativos, há muito tempo abandonados pela antropologia e pelo indigenismo oficial, e em total desacordo com os princípios instituídos pela Constituição de 1988. .Em função de fortes críticas dos movimentos indígenas e indigenistas e de imediata manifestação do Ministério Público Federal, a referida portaria foi reeditada em 13/07/17 simplesmente substituindo o termo “integração social” por “organização social”. Ou seja, a emenda ficou ainda pior que o soneto, pois formular propostas para a organização social de povos indígenas e quilombolas continua mantendo uma clara perspectiva intervencionista e etnocêntrica do Estado sobre essas populações, que não consegue esconder as reais intenções e objetivos do GT. E todas as objeções colocadas pelo documento do MPF continuam sem resposta na “nova” portaria.

    Reforça ainda mais essa iniciativa totalmente inconveniente e inconsequente o fato do GT ser composto quase exclusivamente por membros de órgãos de segurança e desprovido da presença de qualquer instituição que atua com as comunidades quilombolas, embora estas sejam também objeto do Grupo de Trabalho. O prazo exíguo para a elaboração e apresentação do plano de trabalho (15 dias) e do relatório do GT (30 dias após aprovação do plano de trabalho) também demonstra claramente que não se prevê nenhum tipo de consulta aos povos e comunidades afetados pelas “propostas, medidas e estratégias” advindas do GT, em flagrante desrespeito à Convenção 169 da OIT.

    O segundo ato, publicado seis dias após a criação deste GT, foi a efetivação do general Franklinberg Ribeiro de Freitas na presidência da Fundação Nacional do Índio, cargo que vinha ocupando interinamente desde 9 de maio de 2017, apesar de inúmeros protestos por parte dos povos e organizações indígenas. Qualquer semelhança não é mera coincidência. Em entrevista coletiva por ocasião de sua exoneração, o antecessor do general, Antônio Fernandes Toninho Costa, afirmou que o órgão vive “uma ditadura que não permite o presidente da Funai executar as políticas constitucionais”. Paradoxalmente, o pastor evangélico Toninho Costa havia sido indicado pelo mesmo Partido Social Cristão (PSC) do general Franklinberg. As graves denúncias feitas por ele escancaram a utilização da Funai como moeda de troca pelo governo Temer e a subordinação da política indigenista aos interesses da bancada ruralista no Congresso Nacional. O Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), criado em 2015 e instalado em abril de 2016, fez apenas duas reuniões e não houve mais nenhuma iniciativa do MJ em convocar novas reuniões do Conselho, num flagrante desrespeito às organizações indígenas. Também é digno de nota o fato do governo federal não ter feito nenhum movimento até o momento para implementar as resoluções aprovadas durante a Conferência Nacional de Política Indigenista, por ele mesmo convocada em 2015.

    O discurso da integração e da assimilação da ditadura militar serviu para legitimar, nos campos jurídico e teórico, a usurpação das terras indígenas sob o pretexto da perda da identidade desses povos. Vale ainda lembrar que foi justamente esse discurso integracionista que justificou a ideia de “emancipação”, defendida pelos militares no final dos anos 1970, o que motivou forte resistência dos povos indígenas e da sociedade civil. Preocupadas com o processo de militarização e enfraquecimento da Funai, e com os contínuos ataques aos direitos indígenas, as organizações abaixo assinadas repudiam publicamente a criação do referido GT e exigem sua imediata revogação.

    Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
    Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME)
    Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ARPINSUDESTE)
    Articulação dos Povos Indígenas do Sul (ARPINSUL)
    Conselho Terena
    Comissão Guarani Yvyrupá
    Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira  (COIAB)
    Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais – CONAQ
    Grande Assembleia do Povo Guarani (ATY GUASSU)
    União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (UMIAB)

    Associação Brasileira de Antropologia – ABA
    Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIC)
    Associação Terra Indígena Xingu (ATIX)
    Associação Wyty-Catë dos Povos Timbira do Maranhão e Tocantins (Wyty-Catë)   
    Conselho Indígena de Roraima (CIR)   
    Conselho das Aldeias Wajãpi (Apina)
    Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn)
    Hutukara Associação Yanomami (HAY)
    Organização dos Professores Indígenas do Acre (Opiac)
    Organização Geral Mayuruna (OGM)
    Operação Amazônia Nativa (OPAN)

    Associação Nacional de Ação Indigenista – ANAÍ
    Centro de Trabalho Indigenista – CTI
    Comissão Pró-Índio de São Paulo – CPI-SP
    Comissão Pró-Índio do Acre – CPI/AC
    Conselho Indigenista Missionário – CIMI
    Coletivo de Profissionais de Antropologia- aPROA
    Instituto Catitu
    Instituto Socioambiental – ISA
    Instituto de Pesquisa e Formação Indígena – IEPÉ
    Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB
    RCA – Rede de Cooperação Amazônica
    Relatoria da Plataforma DHESCA

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  • 13/07/2017

    Jornalista é condenado por dano moral coletivo após ofensa aos Guarani-Kaiowá


    Foto: Tiago Miotto/Cimi

    Em Mato Grosso do Sul, o Ministério Público Federal (MPF) conseguiu a condenação do jornalista Walter Navarro por dano moral coletivo em R$ 50 mil. A Justiça Federal considerou que o comunicador extrapolou a liberdade de expressão ao veicular conteúdo ofensivo e pejorativo contra os índios Guarani-Kaiowá em artigo publicado no webjornal O Tempo, de Minas Gerais, em 2012.

    Para o Judiciário, o texto, intitulado “Guarani-Kaiowá é o c… Meu nome agora é Enéas p…”, foi escrito em tom “evidentemente discriminatório”, o que gerou prejuízo à imagem e à moral dos indígenas. Na publicação, Navarro, ao contestar o movimento Somos Todos Guarani-Kaiowá, se reportou aos índios como “insuportáveis”, “incestuosos” e “flatulentos”. O autor defendeu que “índio bom é índio morto” e classificou as mulheres indígenas como “libidinosas”.

    Na época de sua veiculação, o conteúdo gerou polêmica entre os leitores, resultando na demissão do jornalista e na retratação pública do jornal. O MPF chegou a pedir explicações a Navarro, que alegou “caráter humorístico” do texto. Contudo, na visão da Justiça, o artigo ultrapassou a esfera da mera crítica e/ou humor.

    “A liberdade de expressão não pode ser aplicada para amparar expressões capazes de denegrir e incitar o ódio contra minorias e grupos populacionais que, em pleno 2017, lutam para ver garantidos seus direitos mínimos, como é o caso dos índios”, afirmou o Judiciário.

    Para o MPF, a liberdade de expressão é um direito constitucional fundamental, mas é “injustificável permitir que, a pretexto de exercício da liberdade de expressão, sejam veiculadas publicações que se traduzem em incentivo à discriminação”.

    Walter Navarro deve pagar indenização de R$ 50 mil pelo dano moral coletivo causado. O valor, inferior ao pedido do MPF, de R$ 100 mil, foi reduzido para se enquadrar à capacidade econômica do réu. O montante será revertido em programas de saúde e de educação na Reserva Indígena de Dourados/MS.

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  • 13/07/2017

    Organizações pedem que Governo Federal rejeite inclusão de florestas brasileiras no mercado de carbono


    Lideranças comunitárias de Xapuri, no Acre, durante encontro que debateu políticas de offset florestais. Foto: Fotos: Daniel Santini

    Por Guilherme Cavalli, da assessoria de comunicação

    Organizações e movimentos sociais, ONGs, representantes de povos indígenas, povos e comunidades tradicionais no Brasil protocolaram no Ministério do Meio Ambiente e das Relações Exteriores um documento que repudia a inclusão das florestas em mecanismos de compensação de carbono. O argumento aponta a preocupação e denuncia a falsa solução à crise do clima. As entidades defendem a posicionamento histórico do país contra os offsets florestais (mecanismos de compensação de carbono).

    As propostas de compensação de carbono, que surgem em um contexto de negociações internacionais e em uma conjuntura nacional de crise, trazem restrições a comunidades ribeirinhas, indígenas, pequenos agricultores, extrativistas que são proibidos de cultivar seus espaços, de uso tradicional da mata. Violações culturais e sociais são impostas a esses grupos que se relacionam com a natureza de forma saudável e autônoma. Os mecanismos implantados pelos offsets florestais preveem restrições às comunidades tradicionais, como limitações para práticas de agricultura, pesca, caça e uso de bens florestais.

    No Brasil, o Acre é considerado um laboratório para implementação de políticas baseadas na ideia de que é possível compensar poluição gerada em determinadas regiões com a manutenção de florestas em outras regiões. Encontro realizado em maio deste ano na cidade de Xapuri, povos da floresta criticaram políticas de economia verde e demonstraram preocupação com novos acordos discutidos entre o governo e a indústria de aviação. O encontro reuniu indígenas Apurinã, Huni Kui, Jaminawa, Manchineri e Shawadawa, e representantes de comunidades tradicionais do interior do Acre, além de seringueiros e seringueiras de Xapuri. Leia a notícia do encontro.

    Colonialismo Climático

    Projetos, como o Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Evitados (REDD), propõem que empresas que poluem em outros continentes possam “compensar” os danos causados a natureza financiando iniciativas que, de maneira autoritária e sem consulta prévia das comunidades, instalam normas de relação com a terra.  Além dos governos de países desenvolvidos, indústrias poluidoras são as principais financiadoras das iniciativas de offsets florestais. Não se pensa outro modelo de desenvolvimento, mais sustentável e auto gestor. As empresas continuam poluindo e desmatando. Com a “compra de créditos de carbono” são autorizadas a seguir sua lógica de mercado.

    “[Os offsets florestais] aprofundam e geram novas formas de desigualdades, já que quem tem dinheiro e poder pode pagar e continuar emitindo sem fazer a sua parte”, afirmam as organizações no texto. “O conceito de poluidor-pagador, criado inicialmente para pressionar os países e setores a reduzir sua poluição, é capturado por quem pode continuar poluindo desde que pague por isso”, argumenta a carta.

    O documento assinado por 52 instituições afirma que as iniciativas de “comprar e vender” créditos de carbono “transferem a responsabilidade que deveria ser de setores que vêm contribuindo para a crise climática para quem sempre protegeu as florestas: povos indígenas, populações tradicionais, agricultores familiares e camponeses”.

    As entidades, em análise da conjuntura nacional, criticam no documento os retrocessos nas leis que garantem a proteção dos direitos territoriais e do meio ambiente.  Afirmam que, ao aderir as negociações internacionais, “tiram o foco do enfrentamento aos reais problemas florestais nacionais promovidos por grupos de interesse que querem enfraquecer as políticas de proteção florestal no país, e ainda alimentam o discurso de quem quer solapar a legislação ambiental brasileira”. As organizações signatárias do texto apontam que “qualquer mudança nesse sentido colocaria em risco a integridade ambiental do país e do planeta”.

    Em momento em que o mundo se volta para o debate sobre aquecimento global e crise ambiental, o presidente Michel Temer sancionou na última terça-feira (11) a Medida Provisória (MP) 759/2016 que prevê a regularização fundiária de áreas urbanas e rurais e também altera a legislação da reforma agrária.

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  • 12/07/2017

    História da resistência indígena: 500 anos de luta – livro de Benetido Prézia

    Será lançado em agosto o livro História da resistência indígena: 500 anos de luta, de Benedito Prezia. O trabalho reúne episódios das lutas indígenas escritos para o jornal Porantim, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Benedito Prézia trabalhou no Cimi de 1983 a 1991, é mestre em Linguística Geral (USP) e doutor em Ciências Sociais (PUC-SP). Em 2001 participou da fundação do Programa Pindorama para indígenas na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP), sendo seu atual coordenador.

    “Este livro traz a visão guerreira de nossas comunidades que enfrentaram um genocídio não só físico como também cultural, pois muitos grandes lutadores tiveram seus nomes escondidos pela história oficial”, escrevem no prefácio do livro os indígenas Alexsandro e Amaro Cosmo de Mesquita, do povo Potiguara.

    A obra será lançada pela Expressão Popular no dia 5 de agosto, às 16 horas, na livraria da própria editora, em São Paulo.

    Sinopse do livro

    “A conquista da América foi palco de um grande genocídio, talvez o maior da História da humanidade, quando cerca de 70 milhões de pessoas foram exterminadas. Não sem razão Tzvetan Todorov escreveu que “nenhum dos grandes massacres do século XX pode comparar-se a essa hecatombe”.

    Se começamos a ter consciência dessa destruição ocorrida em nosso continente, ainda pouco se sabe sobre os 500 anos de luta dos povos indígenas no Brasil. Apenas um ou outro episódio se destaca na história oficial. De outro lado as informações são poucas e esparsas, geralmente obtidas através de textos escritos muitas vezes na perspectiva do vencedor, isto é, da sociedade dominante.

    A história real de resistência e luta desses povos continua de certa forma desconhecida. Os personagens, os locais, as datas dessas lutas são geralmente ignoradas pelos brasileiros. Recentemente, começou-se a fazer um resgate deste passado e este livro quer ser uma contribuição para essa retomada histórica. Ele começou a ser gestado em 2005 quando o autor voltou a escrever episódios das lutas indígenas para o jornal indigenista Porantim, do Cimi, em Brasília.

    Foram, portanto, 12 anos de pesquisa e garimpagem em textos históricos, nem sempre de fácil acesso. Este livro foi escrito de forma simples, visando, sobretudo, as lideranças e os professores indígenas para que tivessem um instrumental a mais na luta de resistência. Foi uma forma de devolver às comunidades indígenas parte do seu passado resistente.

    O livro destina-se também aos militantes das causas sociais, para que recuperem a luta desses povos e que vejam, que apesar de vários tropeços, sempre buscaram defender sua terra e suas culturas. Por isso fica aqui gravada a frase que ecoou muito forte na época das comemorações dos 500 anos do Brasil: Reduzidos sim, vencidos nunca!”

    Sobre o autor
    Benedito Antônio G. Prezia, formado em filosofia, atua na questão indígena desde 1983, tendo trabalhado no Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em Brasília, de 1983 a 1991. A partir de 1992 passou a ministrar a História da Resistência Indígena no Brasil no Curso de Formação Básica do Cimi. Em 1997, tornou-se mestre em Linguística Geral (USP), com o tema Os indígenas do planalto paulista, nas crônicas quinhentistas e seiscentistas, publicado pela Editora Humanitas (USP, 2ª. ed. 2010). Em 2008, doutorou-se em Ciências Sociais (PUC-SP), com a tese Os Tupi de Piratininga, acolhida, resistência e colaboração. Em 2001, participou da fundação do Programa Pindorama para indígenas na PUC-SP, sendo seu atual coordenador. É autor de vários paradidáticos sobre a temática indígena, como Terra à vista, descobrimento ou invasão (Moderna, 3ª. ed. e 30a reimpr., 2015); Marçal Guarani, a voz que não pode ser esquecida (Expressão Popular, 2ª reimpr., 2009) e Virando gente grande (4ª reimpr., 2014). É co-autor dos livros Esta terra tinha dono (FTD, 6ª ed. 2000), Brasil indígena, 500 anos de resistência (FTD, 2ª. ed. 2004), Povos Indígenas, terra é vida (Atual/Saraiva, 7ª ed., 2013) e A criação do mundo e outras belas histórias.

    Apresentação do livro – por Alexsandro e Amaro Cosmo de Mesquita, do povo Potiguara

    Estamos felizes com a publicação deste importante livro sobre nossa história. É uma obra que vem fortalecer as lutas indígenas atuais, pois não é um livro simplesmente do passado, mas ele mostra uma história da nossa resistência que dá força para enfrentar as lutas de hoje. Esse livro revela os 500 anos de dominação portuguesa e como os povos indígenas a enfrentaram, o que os livros tradicionais não trazem. Ele foi escrito a partir do olhar de alguém que sempre se preocupou em devolver o papel dos povos originários na construção do nosso país, pois esse autor é uma pessoa que há muitos anos vem lutando conosco.

    Para nós, que somos indígenas da etnia Potiguara, é uma grande oportunidade para aprender sobre nosso passado, sobre as lutas ocorridas na Paraíba durante a colônia e nas lutas de outras regiões e que duraram até hoje. É também uma oportunidade para oferecer à população não indígena outra visão desse nosso passado, que foi por muito tempo escondido. Não podemos mais aceitar esse apagamento da nossa história, feito pelos historiadores contratados pela elite dominante, colocando nos livros didáticos apenas o que interessa a ela. Temos que mudar essa cultura que nos chamou durante muito tempo de “bárbaros” e “selvagens” e que nos classificou como povos sem cultura e sem história.
    Este livro traz a visão guerreira de nossas comunidades que enfrentaram um genocídio não só físico como também cultural, pois muitos grandes lutadores tiveram seus nomes escondidos pela história oficial. Acreditamos que todo esse passado de luta vai ajudar a gente a recuperar essa memória, que durante muito tempo foi vista como perigosa. Com ela vamos conhecer muitas formas de resistência e de luta de nossos parentes que deram a vida para defender sua terra e seu povo. Conhecendo essa história muitos de nós poderão ter mais força para fazer com que essa história de morte não se repita.

    Infelizmente estamos vivendo um momento difícil em nosso país, mas a lembrança desse passado mostra que já enfrentamos situações bem piores e que continuamos vivos. O conhecimento dessa história vai nos ajudar a resistir e a encontrar novos caminhos e novos parceiros. Se estamos vivos, é porque somos povos resistentes e acreditamos na força de nossos antepassados e de nossas tradições.

    Esperamos que outros parentes se animem a escrever e a registrar as lutas de suas comunidades para que elas não sejam esquecidas pela pressão do poder dominante. Que este livro seja uma ajuda para buscar no passado uma força para enfrentar as investidas do presente e assim evitar o apagamento cultural que tanto nos prejudicou. Queremos dizer que ainda existimos e resistimos.

    Capítulo do Livro – Parte III: Do período Pombalino à Independência
    Os Xavante libertam negros nas minas de Goiás

    “A animosidade entre indígenas e negros, no início da colônia, foi estimulada pelos portugueses no Leste e Nordeste do Brasil − quanto mais divididos o inimigo, mais fácil é a dominação. Mas, a partir do século XVIII, surgem, em algumas partes do Brasil, uma surpreendente colaboração entre esses dois grupos excluídos.

    Após a descoberta de ouro, em 1725 em Vila Boa de Goiás, o Centro-Oeste foi devassado por muitos aventureiros. Em toda a província, não apenas o solo pedregoso à beira dos rios era rasgado à procura de ouro, como também eram invadidas muitas áreas, territórios tradicionais dos Kayapó, Akroá, Xakriabá e Xavante. Isso acontecia com o apoio do governador, que queria descobrir sempre mais garimpos.

    E a resposta indígena se mostrava à altura, com muitas ações guerreiras. É o que se lê nas diversas cartas do governador João Manoel de Mello a dom José I, relatando que, a partir de 1762, a situação se mostrava muito difícil nos povoados de Crixás, Tesouras e Morrinhos, situados no Norte de Goiás, hoje Estado do Tocantins.

    Crixás era um importante garimpo com mais de 300 escravos africanos, tendo sido alvo dos Xavante por duas vezes. Na primeira investida os moradores conseguiram enfrentar o ataque, mas, na segunda vez, tiveram de fugir, pois grande era o número de indígenas que traziam até armas de fogo. Temendo perder seus escravos africanos, os portugueses fugiram com eles, abandonando o arraial, que foi saqueado e incendiado.

    Para evitar novos confrontos, o governador autorizou uma bandeira formada por 500 homens, que destruiu as aldeias da região, matando e escravizando indígenas, com a abertura de novos garimpos. Apesar da violência, a pressão nativa continuava. Dois anos mais tarde, outra bandeira, formada por 200 homens, partiu de Pilar para enfrentar os Xavante que resistiam.

    Atacados, recuavam, retornando para novos confrontos. Um fato inusitado ocorreu em 1765. Em nova expedição guerreira, perto de Pilar, os indígenas se defrontaram com um grupo de africanos que trabalhavam nas roças. Em vez de matá-los, como costumavam fazer com os portugueses, foram levados para a aldeia, onde, no dizer do governador, os indígenas “lhes fizeram muitos afagos e os casaram com as gentias [mulheres indígenas], garantindo que todo preto que quisesse passar para eles acharia nas suas Aldeias o mesmo bom tratamento”.

    Esse fato assustou as autoridades, pois os negros podiam agora fugir tanto para os quilombos, que surgiam na região, como para as aldeias indígenas, “seguros de perigo, senhores de sua liberdade e com mulheres próprias”.

    Para enfrentar essa nova ousadia, outra bandeira se formou naquele ano com moradores da região. O ataque da aldeia aconteceu de madrugada. Pegos de surpresa e ainda dormindo, muitos Xavante foram mortos, embora alguns tenham conseguido fugir. Pela descrição do relato, não devia se tratar da mesma aldeia onde viviam os negros resgatados, sendo uma pura represália. Quatro anos mais tarde, o governador ainda se queixava ao rei de que o arraial de Tesouras estava quase despovoado pelos constantes assaltos indígenas. No final de 1769, foi autorizada outra expedição, dessa vez organizada pelo padre Pôsso, da vila de Pilar.

    Mais negociante do que sacerdote, vendeu o que possuía, e, com esse capital, reuniu homens para uma nova expedição, esperando capturar muitos escravos e abrir novos garimpos. Após atacar algumas aldeias Xavante, esse grupo alcançou a Ilha do Bananal, entrando no território dos Araés. Atingido por febres, o padre morreu à beira do Araguaia. Seus comandados retornaram, trazendo cada um “algum fruto”, isto é, alguns escravos, mas aquém do esperado, como relatou um cronista da época.

    Esse fracasso fez o governador abandonar essa guerra de extermínio e buscar uma política de aproximação com os Xavante. Isso ocorreu em 1788. Acreditando nas promessas do governador, um grupo de 2.200 indígenas aceitou ser levado para o aldeamento Pedro III, que, na realidade, era um quartel. Sem liberdade e sem o que lhes fora prometido, alguns anos depois fugiram, indo para as cabeceiras do rio das Mortes, no Mato Grosso, onde resistiram até 1946.

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  • 12/07/2017

    Massacre de Pau D’Arco: Lista de marcados para morrer leva organizações a pedir intervenção e proteção federal na região


    Foto: Antonio Carlos/ Repórter Brasil

    Em nota divulgada hoje (12), as organizações Comissão Pastoral da Terra (CPT), Justiça Global e Terra de Direitos denunciam as ameaças de morte sofridas por trabalhadores rurais e parentes das vítimas do Massacre de Pau D’Arco. As entidades solicitam que o Governo Federal inclua essas pessoas no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos e que a Polícia Federal garanta a segurança do acampamento e dos ameaçados.

    Confira a nota na íntegra:

    As ameaças de morte aos trabalhadores rurais e parentes das vítimas do Massacre de Pau D’Arco vêm se intensificando no Sul do Pará. Na última sexta-feira, 7, a primeira se concretizou, com o assassinato de Rosenildo Pereira da Silva, liderança do acampamento da Fazenda Santa Lúcia, palco da chacina. Há informações, inclusive, de diversos nomes que estão em uma lista de marcados para morrer. Sabendo da situação de grande vulnerabilidade dessas pessoas, a Comissão Pastoral da Terra, a Justiça Global e a Terra de Direitos já oficiaram o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) para que solicite ao governo federal a inclusão delas no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), assim como pela utilização da Polícia Federal para garantir a segurança do acampamento e dos ameaçados, uma vez que a Polícia Militar do Pará está diretamente envolvida no massacre.

    A identificação completa de algumas pessoas em situação de ameaça já foi averiguada, enquanto outras estão sendo levantadas, pois se tratam de ameaças feitas com base em informações que descrevem a função delas na luta por terra ou apelidos. A lista completa com as identificações será encaminhada aos órgãos responsáveis pela garantia da proteção assim que todos os nomes forem confirmados. De todo modo, suas vidas já estão afetadas, com muitas tendo que abandonar suas residências, assim como evitando andar sozinhas e por locais nos quais já são conhecidas. No caso do acampamento, a situação é ainda mais grave, uma vez que ele é localizado em uma área isolada, o que facilita ataques àqueles que entram ou saem do local. Por isso, a necessidade de uma escolta permanente de agentes da Polícia Federal na região.

    A prisão de 13 policiais envolvidos no massacre na segunda-feira, dia 10, foi um passo importante, mas ele também aumenta o risco para essas pessoas, especialmente porque já há fortes indícios de que as investigações vão conduzir aos nomes dos mandantes do crime. A atuação criminosa dos latifundiários da região há décadas é a apontada por organizações e movimentos sociais. Agora, de acordo com declarações do Ministério Público do Estado do Pará, existe a possibilidade de se comprovar essa ligação entre os grandes proprietários de terra e agentes públicos para a realização de assassinatos encomendados. O que também pode gerar um forte clima de vingança entre os acusados.

    As organizações também pedem uma atuação do governo federal quanto à questão do uso da Fazenda Santa Lúcia para a reforma agrária. "É preciso que o Incra nacional intervenha no caso para garantir um encaminhamento acerca do conflito fundiário. Há indícios de grilagem na área da fazenda Santa Lúcia, fazendo-se necessária a intervenção do Incra para realizar estudos de sua competência e tomar as medidas cabíveis. A investigação do caso, por si só, não colocará fim à situação de conflito, pois é a questão fundiária que estrutura a violência na região", afirmam as organizações no ofício. A fazenda em questão está nas mãos da Família Babinski e, desde 2013, está em disputa.

    Outro problema grave na região é que o Estado do Pará, até hoje, não implementou o seu Programa de Proteção a Defensores, que poderia garantir também a segurança das pessoas no Sul do Pará. Criado pela Lei 8.444, de 6 de dezembro de 2016, o programa precisa ser implementado urgentemente pelo governador Simão Jatene. Isso pode garantir não apenas à segurança dos envolvidos no caso de Pau D’Arco, mas também todas e todos aqueles que estão ameaçados por outros conflitos no Pará.

    Comissão Pastoral da Terra – CPT
    Justiça Global
    Terra de Direitos

     

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  • 11/07/2017

    União indígena em defesa do rio Teles Pires


    Fotos: Caio Mota

    Por Caio Mota – Centro Popular de Audiovisual

    O povo Munduruku da região do alto, médio e baixo Tapajós iniciou sábado uma mobilização em defesa do rio Teles Pires. Cerca de 480 lideranças indígenas deslocaram-se de 21 aldeias para a mobilização. Ao longo dos próximos dias está prevista a chegada de mais lideranças Munduruku na Aldeia Teles Pires, localizada no município de Jacareacanga (PA), onde os indígenas estão reunidos.


    O cacique Arnaldo Kabá deu o tom da mobilização pacífica do povo munduruku e cobrou uma política indigenista do atual governo federal.

     

    De acordo com o cacique geral do povo Munduruku, Arnaldo Kabá Munduruku, a mobilização tem o objetivo de garantir os direitos indígenas e a biodiversidade da bacia do Tapajós que estão sendo violados pelas construções de um complexo de Usinas Hidrelétricas ao longo do Rio Teles Pires. “O povo munduruku se reuniu porque em 2017 tivemos muitas tristezas para o povo munduruku. Nós estamos reunidos antes de ir ao pessoal da empresa. Nós viemos aqui não é para fazer bagunça, estamos aqui para resolver o nosso problema, o problema que é do governo também. Queremos saber como é que daqui pra frente o governo vai trabalhar com o povo indígena, porque estamos vendo que lá no Tapajós já está morto. Estamos em paz, para poder defender nossos filhos e netos, a natureza e a floresta que nós temos”, declarou o cacique em assembleia com o seu povo.


    Atualmente na região do rio Teles Pires e por toda a bacia do Tapajós, estão planejadas a construção de 43 grandes UHEs e 102 Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). Cerca de 890 mil pessoas serão diretamente impactadas pelos projetos.

    O rio Teles Pires é a região mais afetada com quatro grandes usinas em construção, entre elas a UHE Teles Pires que já está operando e a UHE São Manoel que está em fase final de construção. Desde o final de 2010, deram início aos projetos previstos para a bacia do Teles Pires, na esteira de construções como Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, e Belo Monte, no Pará. Obras de alto custo econômico, ambiental e social, as hidrelétricas têm em Belo Monte o maior exemplo de quão danosas podem ser para o contexto das populações que vivem na região.

    Justiça

    Por causa da mobilização dos indígenas a empresa responsável pela construção da UHE São Manoel, Empresa de Energia São Manoel (EESM), entrou com um pedido na justiça contra qualquer manifestação no canteiro de obras da usina alegando a possibilidade de um “quebra quebra” no local. O Ministério Público Federal (MPF) emitiu, ontem, um parecer contrário ao pedido da usina que foi acatado pelo juiz André Perico dos Santos, da primeira vara federal cível e criminal da subseção de Sinop — MT.

    De acordo com a decisão do juiz, não existe motivo para um interdito proibitório no canteiro de obras da usina. O interdito é mecanismo jurídico usado para impedir agressões iminentes e é muito utilizada contra ocupações. “Não existem elementos suficientes para concluir pela existência de concreto receito de agressão a posse, o que constitui óbice ao deferimento do pedido liminar”, afirmou o juiz na sentença.

    “O MPF repudia e lamenta a tentativa de depreciação, estigmatização e criminalização de movimentos sociais empreendida pela petição inicial da autora (UHE São Manoel). Pressupor que lideranças de movimentos reivindicatórios ‘incentivem o quebra quebra’, praticamente qualificando-os como arruaceiros e baderneiros, não é somente um preconceito que não encontra base empírica segura, como também não mostra predisposição à colaboração”, afirmou o procurador da República Malê de Aragão Frazão, do MPF em Sinop (MT).

    Segundo o procurador, o pedido de liminar feito pela UHE São Manoel “retrata tratamento deselegante com a sociedade civil e amesquinhamento dos direitos constitucionais de reunião, organização e liberdade de expressão”.

    O dossiê produzido pelo Fórum Teles Pires (FTP) foi um dos documentos usados para embasar o MPF no pedido de indeferimento do interdito proibitório ingressado na justiça pela EESM. O documento é resultado de um processo de diagnóstico participativo, junto às comunidades indígenas, sobre impactos das barragens no rio Teles Pires.



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  • 11/07/2017

    Prisão de 13 policiais envolvidos no massacre de Pau D’Arco é um passo importante para chegar aos mandantes


    Foto: MPF/Reprodução/Brasil de Fato

    Artigo publicado por Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos

    A prisão temporária de 13 policiais envolvidos no Massacre de Pau D’Arco, na tarde desta segunda-feira (10), é um passo importante no processo de investigação que precisa continuar até chegar aos latifundiários do Sul do Pará. A prisão desses 11 PMs e dois policiais civis ocorre por meio da atuação do Ministério Público do Estado do Pará, que solicitou os mandados ao juiz da Vara Criminal de Redenção, Haroldo Silva da Fonseca.

    Agora, é essencial que a apuração do caso esclareça os laços entre os grandes proprietários de terras na região e esses agentes públicos. Mesmo com toda a repercussão da chacina ocorrida no dia 24 de maio, os ataques contra os trabalhadores rurais que lutam para serem assentados na Fazenda Santa Lúcia continuam. Na sexta-feira, um dos líderes do acampamento, Rosenildo Pereira de Almeida, foi executado após receber ameaças.

    Neste momento delicado do caso, é necessário que o governo do Pará e o governo federal atuem de forma contundente para garantir a segurança dos trabalhadores rurais. A prisão dos acusados certamente aumentará a tensão na região, o que pode gerar ainda mais mortes. Para evitar que isso aconteça, o Estado tem a obrigação de garantir a proteção dos camponeses, familiares das vítimas e de todas e todos aqueles que estão cobrando Justiça.

    Atualmente, os companheiros dos dez mortos estão acampados ao lado da Fazenda Santa Lúcia, em um terreno do Incra, esperando que o instituto realize a reforma agrária no local. A terra em disputa está nas mãos da família Babinski, sendo que a suposta propriedade tem fortes indícios de se tratar de uma terra grilada. Essa mesma família possui terras que, somadas, tem um território maior que a cidade de Belo Horizonte.

    Os mandados foram contra os policiais: Carlos Kened Gonçalves de Souza – coronel da PM; Rômulo Neves de Azevedo – Tenente da PM; Cristiano Fernando da Silva – cabo da PM; Rodrigo Matias de Souza – Soldado da PM; Advone Vitorino da Silva 2º sargento da PM; Jonatas Pereira e Silva – Soldado da PM; Neuily Sousa da Silva – Soldado da PM; Welington da Silva Lira – soldado da PM; Orlando Cunha de Sousa – 3º sargento da PM; Ronaldo Silva Lima – sargento da PM; Ricardo Moreira da Costa Dutra – Cabo da PM; Douglas Eduardo da Silva Luz – Escrivão da Polícia Civil; e Euclides da Silva Lima Junior – Investigador da Polícia Civil.

    Além dos 13 policiais que estão sendo detidos, outros 16 agentes estavam diretamente envolvidos no massacre. É preciso esclarecer a participação de todos eles no crime. Atualmente, há investigações em curso pela Polícia Federal, Ministério Público do Estado do Pará,  Polícia Civil e a Corregedoria da PM. É importante que esses inquéritos apontem não apenas aqueles que puxaram os gatilhos, mas também toda a cadeia de comando envolvida. O caso do Massacre de Pau D’Arco, assim, poderá sair da triste estatística de crimes no campo nos quais os mandantes não são responsabilizados.

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  • 11/07/2017

    Nota Pública: Violência do latifúndio e omissão do Estado fazem nova vítima em Pau D’Arco


    Enterro de vítima do massacre em Redenção (Pará) onde dez pessoas foram mortas por policiais civis e militares. Foto: Repórter Brasil

    O Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH) divulgou uma Nota Pública que repudia mais um assassinato de liderança da ocupação Santa Lúcia, no município de Rio Maria (PA). Rosenildo Pereira de Almeida, de 44 anos, foi executado a tiros na noite de sábado (7).

    O assassinato de Rosenildo ocorreu há 60 quilômetros de onde ocorreu o massacre de Pau D’Arco, episódio onde policiais civis e militares executaram dez pessoas.

    No documento, instituições que compõem o CBDDH denunciam a impunidade do Estado brasileiro diante a violência no campo. "Esse novo assassinato é fruto da omissão do governo federal e do governo do Pará em relação ao Massacre de Pau D`Arco". "O Estado do Pará até hoje não tomou nenhuma medida no sentido de garantir a vida de trabalhadoras e trabalhadores rurais ou para superar o conflito".


    Rosenildo Pereira de Almeida, 44 anos, liderança do acampamento da fazenda Santa Lúcia.

    O texto relaciona a inexistente política de reforma agrária com o aumento do conflito no campo. "O governo federal, por sua vez, continua sem uma política de reforma agrária nacional. Há anos, o número de assentamentos despenca, enquanto o de conflitos aumenta".

    Nota Pública

    Pouco mais de 40 dias após o Massacre de Pau D’Arco (PA), que tirou a vida de 10 trabalhadores  rurais, Rosenildo Pereira de Almeida, conhecido como Negão, de 44 anos, foi executado a tiros na noite de ontem, na cidade de Rio Maria, cerca de 60km de Pau D´Arco. Ele era uma liderança do acampamento da fazenda Santa Lúcia, palco da chacina, e havia deixado o local horas antes porque estava sendo ameaçado e perseguido.

    Esse novo assassinato é fruto da omissão do governo federal e do governo do Pará em relação ao Massacre de Pau D`Arco. Após a morte de dez companheiros, os camponeses voltaram a ocupar área próxima a fazenda Santa Lúcia exatamente para que as mortes não tivessem sido em vão. Sua luta pela reforma agrária, todavia, não teve nenhum suporte nem antes e nem depois do crime. O Estado do Pará até hoje não tomou nenhuma medida no sentido de garantir a vida de trabalhadoras e trabalhadores rurais ou para superar o conflito. Foi necessária a entrada da Polícia Federal para a realização de uma investigação mais isenta e rigorosa, já que as mortes ocorreram em uma ação de policiais militares e civis.

    Devemos lembrar que desde de 2016 o Estado do Pará aprovou a Lei 8444/16 que institui o Programa Estadual de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. No entanto, o Programa ainda não foi implementado, deixando em extrema vulnerabilidade defensoras e defensores de direitos humanos do Estado.

    O governo federal, por sua vez, continua sem uma política de reforma agrária nacional. Há anos, o número de assentamentos despenca, enquanto o de conflitos aumenta. Mesmo com o massacre na Fazenda Santa Lúcia, até hoje o Incra não se manifestou sobre o uso daquela terra para assentar as famílias acampadas. A inoperância do instituto é certamente uma das principais causas da vulnerabilidade daquelas pessoas e, agora, da morte de Rosenildo.

    De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT) , 2016 teve 1079 conflitos por terra no país, um crescimento de 40% comparado a 2015, quando foram 771. Nesses conflitos o que se vê também é a certeza da impunidade, seja na destruição ilegal de acampamentos de trabalhadores rurais, ou nos casos de assassinatos. E o Pará é um destaque negativo nesse quadro. De  1995 a 2010 foram registrados 408 casos (cerca de 35% dos incidentes no Brasil), com 61 vítimas, segundo a CPT. Apenas 15 tiveram julgamentos, com 11 mandantes e 13 executores condenados.

    De acordo com o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, em 2016, as regiões Norte e Nordeste figuraram como as mais perigosas para a atuação das defensoras e defensores de direitos humanos, concentrando quase a totalidade (56) dos 66 assassinatos registrados. Os estados mais violentos contra os defensores foram Rondônia, com 19 assassinatos, Maranhão, com 15, e Pará, com seis. Os dados de 2017 já indicam 45 defensores assassinados no primeiro semestre.

    É  urgente que o governo federal e o do Pará adotem medidas efetivas para garantir a vida e a integridade das trabalhadoras e trabalhadores rurais acampados da Fazenda Santa Lúcia, bem como garanta uma investigação isenta e rigorosa da chacina dos 10 de Pau D`Arco e a de Roseildo, ocorrida na noite de ontem, 7 de julho de 2017.

    Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos

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  • 11/07/2017

    Gasto com territórios quilombolas despenca para 25% do valor de 2014


    Foto: Agência Brasil

    Não foi só a CPI do Funai e do Incra que optou por minar as duas instituições. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) estão entre as principais vítimas de cortes orçamentários do governo Temer, informou neste sábado a Folha: “Cortes no Orçamento atingem áreas sociais do governo“.

    Como exemplo de redução no Incra, o jornal destaca o valor atual para indenização de imóveis em territórios quilombolas, R$ 3,5 milhões, em contraposição ao valor gasto em 2014, R$ 13,2 milhões. A cifra de 2017 é quase quatro vezes menor que a de três anos atrás.

    “O Incra está paralisado e os conflitos nesses territórios podem se agravar”, diz ao jornal o presidente da Coordenação Nacional de Quilombolas (Conaq), Denildo Rodrigues de Moraes.

    No caso da Funai, a Folha mostra que o valor gasto na proteção de índios isolados em 2014, por meio de fiscalização, era de R$ 6,5 milhões. Três anos depois, esse valor despencou para R$ 1,9 milhão – três vezes menos. A reportagem conta que a fundação reduziu as expedições para checar a segurança dos indígenas.

    Ex-presidente da Funai, Toninho Costa disse na sexta-feira que, sem aporte financeiro na proteção dos índios isolados, as consequências podem ser trágicas.

    A Folha mostra também que a verba para fiscalização de uso e da segurança e de barragens, na Agência Nacional das Águas, caiu de R$ 2,6 milhões para R$ 375 mil. Um valor sete vezes menor, portanto – no país que viu, há um ano e meio, o Rio Doce ser tomado pela lama da Samarco, em Mariana (MG).

    O jornal paulista destacou quatro repórteres para o levantamento desses dados, mas publicou a reportagem no pé da página A19, abaixo de notícia sobre volta da deflação.

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