• 14/09/2017

    Ministério Público de Santa Catarina determina demarcação e proteção da terra indígena Cambirela

    A Justiça Federal, em decisão na ação do Ministério Público Federal em Santa Catarina (MPF/SC), determinou que Fundação Nacional do Índio (Funai) finalize o processo de demarcação da terra indígena Cambirela, assim como finalize e apresente o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação do local. A Fundação terá um prazo de 60 dias para elaborar o cronograma de atividades, sob pena de aplicação de multa diária no valor de R$ 1.000,00.

    Concomitantemente, a Funai e a União deverão adotar as providências administrativas e judiciais necessárias para impedir obras e invasões no local, além da demolição das edificações ilegais lá implantadas. por não índios Caso seja necessário, deve ser realizada a recuperação ambiental da área.

    Na mesma ação, a Justiça determinou que os réus particulares Silvio Saul Muller e Acervo Construtora Ltda., no prazo de 10 dias, efetuem a demolição de um muro construído irregularmente, assim como de qualquer outra construção que viole o direito de ir e vir da comunidade, especialmente o acesso das crianças indígenas à escola. Se descumprirem os termos determinados no pedido, também será aplicada multa no valor de R$ 1.000,00 ao dia.

    Entenda o caso

    Em março de 2014, integrantes da comunidade indígena do Cambirela entraram em contato com o Ministério Público Federal, relatando atos de invasão e construções na área indígena. Os fatos foram comunicados ao chefe do Serviço de Gestão Ambiental e Territorial da Funai, Ricardo Leinig, que confirmou a presença de edificações ilegais no interior da terra indígena, após visitar o local.

    O delegado da Polícia Federal (PF) também recebeu uma representação do Coordenador Regional do Litoral Sul da Funai, informando que particulares estavam construindo um muro próximo à casa da indígena guarani Etelvina Fontoura, localizada no interior da terra indígena Cambirela. O local está em processo de estudos para fins de identificação e demarcação. Após realizarem vistoria na área, servidores da Coordenação Técnica Local da PF apuraram que a construção está a cerca de 30 metros da casa da cacique Eunice Foutoura.

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  • 14/09/2017

    Em nota, Repam expressa indignação diante possível massacre sofrido por indígenas em isolamento voluntário

    A Rede Eclesial Pan Amazônica (Repam) expressou em um comunicado a indignação e a forte repulsa diante ao possível massacre sofrido por povos indígenas em isolamento voluntário na Amazônia brasileira. Os indícios apontam que o massacre ocorreu no rio Jandiatuba, região do Vale do Javari, próximo à fronteira do Brasil com o Peru.

    Segundo fontes não oficiais, afirma o comunicado da Repam, “aproximadamente 20 indígenas conhecidos como “flecheiros” poderão ter sido assassinados em uma taque efetuado por garimpeiros que operam ilegalmente na área”. A denúncia é objeto de investigação por autoridades brasileiras.

    Se confirmar-se as informações, o Estado brasileiro terá responsabilidade direta, indica a rede formada por instituições católicas de oito países abarcados pela Pan Amazônia. “A presença de madeireiros, pescadores ilegais e garimpeiros dentro das Terras Indígenas e ao longo da costa do rio Jandiatuba é permanente, sendo uma grande ameaça para a vida e integridade física dos povos indígenas que ali habitam. Se confirmar-se a veracidade do massacre, se tratará claramente de mortes que poderiam e deveriam ser evitadas, o que responsabiliza diretamente o estado brasileiro por sua falta de determinação e sua omissão em comprimir suas obrigações”.

    Leia a nota da Repam
    Nota do Cimi: o inaceitável massacre de indígenas isolados no Vale do Javari

    O comunicado, assinado pela coordenação internacional da Rede Eclesial Pan Amazônica, é uma convocação para os Estados, autoridades, comunidades e Igrejas locais para buscarem caminhos para que se garantam os direitos dos povos indígenas: “Fazemos um chamado aos Estados Nacionais, que fazem parte da floresta Amazônica, para que assumam o compromisso inescapável de buscar caminhos efetivos e claros de cooperação regional que tenham como objetivo a garantia dos direitos dos povos indígenas e, particularmente, daqueles que se encontram em situação de isolamento voluntário, considerando assim as realidades de fronteiras”.

    “Por último, exortamos a todas as pessoas de boa fé, as comunidades eclesials, as organizações sociais e a toda sociedade civil para manifestar nostra firme rejeição diante aos novos massacres e manter uma atitude inalterada em defesa da vida e dos direitos humanos”.

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  • 14/09/2017

    Mensagem do 4º Congresso Missionário Nacional questiona Governo por políticas “que viram as costas ao povo”


    O 4º Congresso Missionário Nacional, 07 a 10 de setembro, reuniu 700 pessoas em Recife (PE). Foto: Patrick Madeira

    Os participantes do 4º Congresso Missionário Nacional, encontro que reuniu, de 07 a 10 de setembro, 700 pessoas em Recife (PE), questionaram as medidas do atual governo. Segundo os congressistas, governo e Congresso Nacional trabalham para o “fortalecimento de políticas neoliberais que retiram direitos”.

    No documento final, irmãs, leigas, leigos, bispos e padres demostraram preocupação com as medidas tomadas pelo Congresso Nacional e pelo Governo que “viram as coisas ao povo” e “agravam a situação dos trabalhadores/as, dos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores e dos que vivem em outras periferias geográficas e existenciais”.

    “As reformas trabalhista, previdenciária, política e da educação, bem como a retomada das privatizações mostram que o governo e o Congresso Nacional viraram as costas ao povo. A corrupção e a falta de ética, que atingem tanto a classe política, quanto empresarial e outros setores da sociedade, têm levado o desencanto e a desesperança aos brasileiros e brasileiras”, diz um dos trechos da mensagem.

    Entre as denúncias feitas pelo documento resultante das oficinas realizadas no Congresso, encontra-se a aversão com o “leilão” da Amazônia e a impunidade nas violências contra lideranças comunitárias, das pastorais e dos movimentos sociais. A nota faz memória ao massacre dos indígenas isolados, no Vale do Javari, Amazonas, e do assassinato do casal Terezinha Rios Pedrosa e Aloísio da Silva Lara, no Mato Grosso. Ambos foram noticiados durante o evento. “O decreto do governo que extingue a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) é um duro golpe nos direitos dos povos indígenas e no bioma amazônico”, expõe ainda um trecho da carta.

    Frente ao contexto, missionárias e missionários recordaram de mulheres e homens, mártires da caminhada, que dedicaram suas vidas aos povos. “Essa realidade, longe de nos desanimar, cobra-nos uma ação missionária vigorosa, transformadora, libertadora”, relata a carta ao fazer presente a Conferência de Medellín que, há 50 anos, “deu à Igreja Latino-americana o rosto de uma Igreja em saída, pobre, missionária e pascal”, reafirmando a opção da Igreja pelos pobres e oprimidos. “Os profetas e mártires são exemplo de coragem e de fidelidade a Cristo e ao Evangelho até o extremo de entregar a própria vida: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15, 13)”.

    Organizado pelas Pontifícias Obras Missionárias (POM), em parceria com a Comissão Episcopal Pastoral para Animação Missionária da CNBB e a arquidiocese de Olinda e Recife, o Congresso teve início na quinta-feira, 7, em Recife (PE), e reuniu 700 pessoas de todo o Brasil. Aprovada no final do evento, na manhã de domingo, 10, a mensagem foi enviada às Comunidades eclesiais do Brasil.

    Leia, abaixo, a íntegra da mensagem.

    Mensagem do 4º Congresso Missionário Nacional às Comunidades Eclesiais do Brasil

    Vocês serão minhas testemunhas até os confins da terra (cf. At 1,8).

    Reunidos no 4º Congresso Missionário Nacional, de 7 a 10 de setembro de 2017, no Colégio Damas, em Recife (PE), nós, os 700 missionários e missionárias, vindos de todas as regiões do Brasil, fomos fortemente desafiados a testemunhar “A alegria do Evangelho para uma Igreja em saída”. A Arquidiocese de Olinda e Recife, com calorosa e fraterna acolhida, levou nosso Congresso para as ruas, antes mesmo de ele ser aberto, com a realização da Semana Missionária, nos seus oito vicariatos, atitude pioneira que enriqueceu nosso encontro. Seremos sempre agradecidos a esta Arquidiocese pela generosidade e disponibilidade que nos dispensou, nesses dias, no autêntico espírito de serviço amoroso e gratuito.

    Aprendemos com o Papa Francisco que “a alegria é o bilhete de identidade do cristão”. Essa alegria foi o espírito que marcou os quatro dias em que estivemos juntos. Ela nasce do Evangelho que liberta e salva; expressa-se na sinodalidade e na comunhão que impulsionam a vida e a missão da Igreja; anima o testemunho e o profetismo que, a partir da cruz de Cristo, apontam para o nosso compromisso de discípulos missionários e missionárias.

    Contemplar a realidade com o olhar de discípulo missionário
    O exemplo dos mártires e profetas, como Dom Helder Câmara, ajudou-nos a olhar para o Brasil, mergulhado numa profunda crise que fere, no coração e na alma, a nós e a tantos irmãos e irmãs empobrecidos, excluídos e descartados.
    Como se estivesse anestesiada, a população brasileira assiste ao fortalecimento de políticas neoliberais que retiram direitos e agravam a situação dos trabalhadores/as, dos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores e dos que vivem em outras periferias geográficas e existenciais. As reformas trabalhista, previdenciária, política e da educação, bem como a retomada das privatizações mostram que o governo e o Congresso Nacional viraram as costas ao povo. A corrupção e a falta de ética, que atingem tanto a classe política, quanto empresarial e outros setores da sociedade, têm levado o desencanto e a desesperança aos brasileiros e brasileiras.

    Causam-nos indignação a devastação da Amazônia, a degradação da natureza e a violência que ceifa a vida de lideranças, como o assassinato do casal Terezinha Rios Pedrosa e Aloísio da Silva Lara, ocorrido no Mato Grosso nesta semana, e o massacre de indígenas, em agosto deste ano, no Vale do Javari, Amazonas, divulgado enquanto acontecia o Congresso. O decreto do governo que extingue a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) é um duro golpe nos direitos dos povos indígenas e no bioma amazônico.

    Essa realidade, longe de nos desanimar, cobra-nos uma ação missionária vigorosa, transformadora, libertadora. Revigorados pelo espírito da Conferência de Medellín que, há 50 anos, deu à Igreja Latino-americana o rosto de uma Igreja em saída, pobre, missionária e pascal, somos motivados a vencer a tentação da indiferença, do comodismo, do desencanto, do desânimo e do clericalismo presentes em muitas de nossas comunidades. Somos guiados pela fé e pela esperança cristãs capazes de reacender, no coração de todos, a chama do amor pela vida, pela justiça e pela paz.
    Discernir os caminhos da missão que gera alegria

    A palavra de Deus é luz, sabedoria e força que nos tornam discípulos missionários e missionárias ousados e criativos, mais capazes de colaborar com a transformação de estruturas caducas e a construção de uma nova sociedade, que seja sinal do Reino de Deus em nosso meio. Os documentos da Igreja são também fonte salutar que nos ajudam a compreender melhor a natureza missionária da Igreja. Nesse particular, destacamos as palavras e gestos do Papa Francisco, base do conteúdo deste Congresso. É surpreendente como ele se coloca à nossa frente, a passos largos e rápidos. Ele é, verdadeiramente, um profeta missionário que nos anima na caminhada.

    A missão constitui verdadeiro kairòs, tempo propício de salvação na história. Somos provocados a sair de nós mesmos, deixar nossa terra, tirar as sandálias para “pisar” o solo sagrado do outro, como hóspedes, aqui e além-fronteiras. A proximidade e a reciprocidade levam ao encontro com o outro que faz contemplar o horizonte escatológico do Reino de Deus.

    Na missão, animam-nos o testemunho e o profetismo de tantas mulheres e homens que encontraram sua alegria no Evangelho e a partilharam com os prediletos de Deus na radicalidade da doação de sua vida. Os profetas e mártires são exemplo de coragem e de fidelidade a Cristo e ao Evangelho até o extremo de entregar a própria vida: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15, 13). Sustentados pela Palavra de Deus e pela Eucaristia, os missionários e missionárias têm, hoje e sempre, a responsabilidade de não deixar morrer a profecia, lembrando que “o sangue dos mártires é semente de novos cristãos”.

    Na missão, Aquele que chama e envia, bem como a mensagem enviada e seu destinatário são maiores que o enviado, isto é, o missionário. Sem este, no entanto, não há quem seja enviado e a mensagem do amor de Deus não chega a seus destinatários. O missionário, porém, só cumpre autenticamente a missão se caminhar junto com outros missionários, vencendo a tentação do monopólio da Boa Nova, reconhecendo a riqueza da unidade na diversidade e ultrapassando os estreitos limites da Igreja particular para lançar-se ao mundo. No cumprimento da missão, os evangelizadores se lembrem de que sua alegria não está nos prodígios que possam realizar, no sucesso que venham a alcançar, mas em saber que seus nomes estarão inscritos na “memória afetiva de Deus” por terem sido fieis mensageiros do Evangelho (cf. Lc 10,17-20).

    Comprometer-se com Jesus Cristo e o Reino de Deus para uma Igreja em saída
    O 4º Congresso Missionário Nacional foi o encontro de irmãs e irmãos que partilharam sua fé, suas lutas, suas angústias, seus sonhos, suas esperanças. Durante todo o tempo, sentimos agir em nós o Espírito Santo, protagonista da missão, reforçando nossa convicção de que ser missionário é uma graça e uma responsabilidade. Por isso, renovamos nosso compromisso com a Infância e Adolescência Missionária e com a Juventude Missionária, em união com as demais expressões juvenis, a fim de que crianças, adolescentes e jovens sejam protagonistas da missão onde quer que estejam.

    Reafirmamos a vocação dos cristãos leigos e leigas como sujeitos na missão. Confirmamos o testemunho das consagradas e consagrados, dos seminaristas, dos ministros ordenados – diáconos, padres e bispos – que cada vez mais assumem a missão como resposta ao chamado de Deus. Impulsionados pela Santíssima Trindade, viveremos esta nossa vocação na sinodalidade e na comunhão, comprometidos com a Igreja em saída que promove o encontro e anuncia a alegria do Evangelho a todos. Assumimos a tarefa de apostar, cada vez mais, nos espaços que nos ajudam a ser uma Igreja sinodal, fortalecendo os organismos e conselhos missionários em todas as instâncias.

    Para a vivência da missionariedade é imprescindível a atitude da escuta. Contribui para isso a formação missionária contínua que alimenta nossa espiritualidade, cria a cultura da missão e contribui para que todos os batizados assumam sua vocação missionária. Assim, onde estivermos iremos ecoar o refrão que ficou gravado em nossos corações: “Tudo com missão, nada sem missão”.

    Deixemos arder em nosso peito o apelo do Papa Francisco: “Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo! (…) Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: ‘Dai-lhes vós mesmos de comer’ (Mc 6, 37)” (EG, 49).

    Maria, Mãe Aparecida, comunicadora da alegria do Evangelho, caminhe conosco!
    Recife, 10 de setembro de 2017
    Participantes do 4º Congresso Missionário Nacional.

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  • 13/09/2017

    Por que a próxima notícia ruim sobre a questão indígena pode vir da TI Pankararu



    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

    Em 14 de fevereiro deste ano, a 38ª Vara da Justiça Federal de Serra Talhada, sertão pernambucano, determinou, em reiterada decisão – a primeira é de 2003, pela retirada dos posseiros que ocupam 20% da Terra Indígena Pankararu, entre os municípios de Jatobá, Petrolândia e Tacaratu. Todos os prazos já estouraram, e os posseiros sabem disso: afirmam que na terra permanecerão. Os indígenas, por sua vez, iniciaram uma campanha: #EuSouPankararu – para enfrentar ameaças de morte crescentes (cartaz acima).

    Como a situação caminhará para um desfecho, afinal os ocupantes não-indígenas da terra estão desrespeitando uma decisão judicial, o grupo que lidera os posseiros traça uma rota distante dos 5 milhões depositados em juízo pela Fundação Nacional do Índio (Funai), a título de indenização, e "optam pela via do conflito", conforme texto Pankararu para a campanha. O último período revela um quadro preocupante.

    Na semana passada, a Câmara dos Vereadores de Jatobá teve a sessão paralisada por uma audiência pública – convocada por parlamentares alinhados aos posseiros. Os três vereadores Pankararu tiveram que fugir do local sob ameaças de morte, xingamentos e ofensas. "Estávamos em protesto no Acampamento Itaparica da Chesf, na mesma cidade, e eles chegaram ao local assustados", conta um Pankararu – nomes serão omitidos a pedido dos indígenas.

    Vídeos captados por participantes do encontro, obtidos pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), mostram alguns parlamentares se pronunciando no sentido de condenar a decisão da Justiça Federal: "Podemos dizer até que foi hedionda, estou em plenas condições de andar com vocês e fazer o que preciso for", disse o vereador Nenem (PHS). O ambiente era de tensão, gritaria.  

    A intenção da pressão à Câmara era pela aprovação de um requerimento a ser encaminhado à Justiça Federal questionando a decisão pela retirada dos posseiros. Não houve consenso entre os vereadores. Neste ponto reside uma espécie de encruzilhada aos posseiros. São 870 ocupações para 346 famílias de posseiros (conforme o relatório fundiário consolidado do Grupo de Trabalho da Funai), mas apenas 190 delas residem na terra indígena.

    "Não são fazendeiros, são pequenos agricultores. Entendemos que são detentores de direitos à indenização. Inclusive o povo esperou para que tudo isso saísse, não expulsamos ninguém. Quando saiu a indenização, uma parte foi induzida a não aceitar com a promessa de que poderiam pegar mais dinheiro permanecendo. Acontece que isso não ocorreu", explica outro Pankararu.  

     

    O vereador José Dantas de Lima (PSD) entende que os posseiros terão que sair, e por isso ouviu um burburinho descontente na sessão que virou audiência pública. "Os advogados precisam entrar com uma ação no Tribunal (Regional Federal da 5 Região, em Recife) pedindo a revogação da medida para que se possa ter mais tempo para negociar uma indenização mais justa", explica o vereador, também advogado.  

    Zé Dantas, como é mais conhecido, ouviu dos posseiros que os vereadores foram omissos. "Não fomos omissos porque não fomos procurados antes. Erros ocorreram nessa condução (questão da indenização e cumprimentos de prazos de desocupação), mas não fomos procurados antes", disse. O vereador destacou: "Somos responsáveis em defender vocês, mas não seremos responsáveis pelo que possa acontecer".

    Num ambiente de indefinições, e conforme ambas as partes do conflito com decisões desastradas por parte dos posseiros, os mais exaltados passaram a fazer ameaças aos Pankararu. "Até aqui chegamos numa certa paz. Agora não sabemos mais", destaca um outro Pankararu entrevistado. "A gente não sai. Foram pra mais de 35 poços artesianos que botamos nas aldeias (…) brigamos por cisternas, toda essa história de cisterna em Jatobá foi eu que trouxe. Nasci e me criei aqui", afirmou na Câmara o líder dos posseiros, Eraldo Souza.  

    Em 20 anos, o espaço físico ocupado pelos posseiros na terra indígena caiu quase pela metade – em agosto de 1997, a ocupação batia em 38% da homologação de 8.100 hectares tradicionais; hoje, está em 20%. A demarcação realizada na década de 1940 pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), todavia, chegava ao dobro da atual. "Os Pankararu já perderam muito espaço para os não-índios".

    Em nota divulgada no dia 6 de setembro, logo após os eventos da Câmara de Vereadores, os posseiros das comunidades de Bem-querer de Baixo, Bem-querer de Cima, Caldeirão e Caxiado em nenhum momento dizem que elas estão sobrepostas à terra indígena; entendem, sem embargo, que os indígenas possuem direitos. Da mesma forma, apontam que possuem direitos, mas em muitos trechos expressam que não desejam uma melhor indenização; querem permanecer onde estão.

    "Enquanto isso as ameaças crescem. Hoje a gente já não tem mais segurança ao andar pela cidade, entrar e sair da terra indígena. Tem um grupo de posseiros que se nega a sair, a receber a indenização. Chegam a pressionar outros para não acessar os recursos. Chegam a nos impedir de utilizar postos de saúde. Tememos que tenha derramamento de sangue, mortes", diz um Pankararu entrevistado.  

    Justiça determinou, mas não cumpriu

    Entre 1995 e 1998, cerca de 153 ocupantes não-índios saíram do território. Dois anos antes, em 1993, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou a primeira ação na 38ª Vara da Justiça Federal de Serra Talhada pela retirada dos posseiros. Por mais que tenha incentivado a saída legal destes ocupantes, só em 2003 saiu uma sentença reconhecendo os direitos territoriais dos Pankararu, e a determinação pela retirada dos posseiros foi concedida. A União e o Incra – que deveria reassentar os posseiros – recorreram.

    O Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região rejeitou os recursos. A mesma postura adotou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) – em 2010 a decisão transitou em julgado, e a Funai constituiu em 2012 um Grupo de Trabalho para atualizar os valores das benfeitorias decorrentes da ocupação de posseiros. Em 2013, o valor definido pela equipe técnica da Funai para o pagamento das indenizações totalizou R$ 5 milhões. Havia orçamento, o dinheiro foi separado, mas não até agora ninguém quis acessá-lo.   

    "Se recusaram a receber tais indenizações. O recurso foi depositado em uma conta judicial e os posseiros pretendem seguir ocupando a terra Pankararu, configurando total desrespeito à decisão da Justiça", protesta a liderança Pankararu. Desde então os Pankararu vivem em peregrinação buscando que as decisões judiciais sejam cumpridas. "Todo o procedimento legal foi feito, a Justiça atestou e o dinheiro está disponível".

    Durante o ano passado, os Pankararu se empenharam para chegar a um desfecho. Em abril, as lideranças do povo, Advocacia-Geral da União (AGU), Funai e a Apoinme estiveram na 38ª Vara Federal para solicitar esclarecimentos e solicitar o cumprimento da sentença. Uma audiência foi agendada para o dia 17 de maio com a presença das partes envolvidas. Os posseiros se mantiveram irredutíveis. Mais duas audiências de conciliação ocorreram nos dias 5 de julho e 16 de agosto. Nada mudou.

    "Todas marcadas pela insistência dos posseiros em desafiar a Justiça se negando a sair de livre e espontânea vontade, recebendo os valores ajuizados". Na análise dos Pankararu, os posseiros usam de articulações políticas e assim os anos passam e eles ficam sobre a terra indígena. "A recuperação das terras é fundamental para garantir a sustentabilidade de nossas famílias e fortalecer nosso modo próprio de vida", diz a liderança.

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  • 13/09/2017

    MPF questiona órgão do Ministério da Saúde sobre atendimento à saúde indígena em Oriximiná (PA)


      Nas fotos verificam-se carotes de gasolina a céu aberto e um gás de cozinha sem qualquer condição de segurança. Foto: MPF/PA

    O Ministério Público Federal (MPF) encaminhou ofício ao Distrito Sanitário Especial Indígena Guamá-Tocantins (Dsei/GuaToc), uma das unidades gestoras descentralizadas do subsistema de atenção à saúde indígena do Ministério da Saúde, para solicitar manifestação do Dsei sobre uma série de precariedades detectadas pelo MPF na Casa de Saúde Indígena (Casai) e no Polo Base de atendimento à saúde indígena em Oriximiná, no noroeste do Pará.

    O ofício foi encaminhado nessa segunda-feira (11) e aponta irregularidades encontradas pelo MPF no final de julho em inspeção que avaliou a infraestrutura dos imóveis e itens e serviços disponíveis.

    O MPF encontrou falhas graves na infraestrutura dos prédios, no serviço nas aldeias, insuficiência das equipes de atendimento, riscos de atraso na execução do plano distrital de saúde indígena, entre outros pontos críticos.

    Infraestrutura dos prédios – Há superlotação da área da Casai destinada a abrigar pacientes e acompanhantes, o que leva os indígenas a terem que improvisar acomodações em estruturas em lona. Doentes, gestantes e acompanhantes são obrigados a permanecer em ambientes altamente nocivos à saúde, sob chuvas e altas temperaturas, rodeados por carotes de gasolina, com risco de explosão, e sem qualquer iluminação durante a noite. Não há bebedouros: os pacientes e acompanhantes bebem água diretamente de um poço.

    No Pólo Base, a inspeção verificou presença de morcegos e mofo próximos à farmácia onde são armazenados os medicamentos, assim como uma fossa com vazamento a céu aberto.

    Além de urgência na construção do novo prédio, o MPF cobra um plano de obras adequado que garanta o bem-estar dos usuários e acompanhantes enquanto os novos prédios são construídos, e que o projeto de engenharia seja elaborado com participação dos indígenas atendidos, para que as novas construções respeitem suas formas de organização social e familiar.

    Nova opção só no papel

    O procurador da República Camões Boaventura e o assessor jurídico Rodrigo Oliveira, que fizeram a vistoria, alertam que, apesar de o plano distrital de saúde indígena 2016-2019 prever a construção de uma nova sede para a Casai e Polo Base, esse projeto pode não sair do papel.

    “Até o momento (fins de 2017) não houve licitação, não há projeto básico, nem sequer um calendário do processo e das obras, desconsiderando a urgência da situação. Sendo assim, se não houver uma intervenção, as obras sofrerão um enorme atraso e não serão finalizadas até o final de 2019, fato que continuará agravando o atendimento de saúde aos indígenas”.

    Recursos humanos

    Sobre os recursos humanos disponíveis para o atendimento a indígenas, a situação mais grave, segundo o MPF, indígenas e funcionários entrevistados, é a ausência de enfermeiro plantonista durante o período noturno.

    O único atendente à noite é um técnico de enfermagem que só tem a possibilidade de acompanhar os doentes até o hospital municipal. Caso uma outra emergência surja durante essa saída do técnico, essa eventual segunda emergência fica sem atendimento e a administração de medicamentos também fica descoberta.

    Também foi detectada a necessidade de contratação de tradutor que trabalhe no período noturno. Do modo como está atualmente, as mulheres indígenas que não são fluentes em português dependem de que um indígena (geralmente homem) se disponha a realizar a tradução simultânea, para conseguirem se comunicar com a administração e equipe de saúde.

    A administração da unidade apontou, ainda, a necessidade de contratação de funcionário de serviços gerais para cobrir o período noturno.

    Serviço nas aldeias

    O Polo Base e a Casa de Saúde Indígena de Oriximiná prestam atendimento a cerca de 2,4 mil indígenas que ocupam vinte e uma aldeias distribuídas entre os rios Mapuera, Cachorro e Trombetas, localizados no interior das Terras Indígenas Trombetas-Mapuera, Nhamundá-Mapuera e Katxuyana-Tunayana, além de os indígenas que vivem na centro urbano de Oriximiná.

    São atendidas as seguintes etnias: Wai Wai, Tiriyó, Katxuyana, Tunayana, Kahyana, Katuena, Mawayana, Tikiyana, Xereu, Hixkaryana, Katuena, Aparai e Wayana.

    Com cerca de 1,2 mil indígenas, a aldeia Mapuera possui um posto de saúde improvisado, e é a única das aldeias atendidas que possui equipe de saúde fixa, durante todo o mês. O plano distrital de saúde indígena 2016-2019 prevê a construção de um posto de saúde com maior estrutura no local.

    As outras 23 aldeias são atendidas por equipes temporárias, e indígenas denunciam que muitas vezes o tempo de permanência das equipes nessas aldeias é insuficiente para a realização de atendimentos efetivos. A administração do Polo Base estima ser necessária a contratação de mais quatro enfermeiros, nove técnicos em enfermagem e dois odontólogos para atender satisfatoriamente todas as aldeias.

    Nove aldeias não contam com agente indígena de saúde. Nessas áreas não há quem administre e regule os medicamentos, que ficam à livre disposição dos indígenas. A administração do Polo Base informou à equipe do MPF que já requisitou ao Dsei contratações de novos agentes.

    Pelo fato de a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde restringir os medicamentos disponíveis nas aldeias a medicamentos para atenção básica à saúde, não são fornecidos medicamentos simples de urgência e emergência. A existência desses itens poderia evitar o deslocamento de indígenas para a cidade.

    Também faltam embarcações oficiais para transportar pacientes, e o transporte aéreo é proibido depois das 15 horas. A impossibilidade do transporte por embarcações a motor ou por transporte aéreo noturno podem ter contribuído para o agravamento ou o falecimento de doentes, relataram os indígenas.

    Outro agravante é a falta de um sistema de comunicação que funcione em todas as aldeias. Nem todas as aldeias têm rádio, e estão quebrados todos os telefones da aldeia Mapuera, que contava com esses aparelhos.

    Atendimento às gestantes – Segundo informações apresentadas à equipe do MPF por funcionários e indígenas entrevistados, não é feito nenhum parto nas aldeias. Todos os partos são realizados exclusivamente na cidade de Oriximiná, na maternidade São Domingos Sá.

    Os indígenas querem que o parto seja feito no hospital, e gestante entrevistada declarou que estava na Casai porque tinha medo de parir na aldeia.

    O procurador da República Camões Boaventura destaca que por mais de uma vez questionou gestantes, lactantes e acompanhantes, se, caso houvesse preparo das equipes e/ou resgate das práticas tradicionais de parto, eles se sentiram à vontade para parir na aldeia. As respostas foram unânimes de que sim, relata o membro do MPF.

    Além da deterioração dos papéis tradicionais das parteiras, a prática de realizar os partos fora das aldeias tem provocado a superlotação da Casai e mantido famílias inteiras – a gestante e acompanhantes – por longos períodos na cidade, distante das suas moradias. Esses períodos chegam a durar até oito meses, em decorrência do pré-natal e do parto.

    Acesse o relatório na íntegra

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  • 13/09/2017

    Indígenas Kaingang ocuparam rodovias no RS e exigem revogação do parecer anti-demarcação


    Foto: Cimi/Sul


    Na manhã desta quarta-feira (13), indígenas Kaingang ocuparam a BR 480, em Benjamim Constant do Sul, e a BR 386, em Iraí, no Rio Grande do Sul. O grupo mobiliza-se contra as medidas do governo de Michel Temer que paralisam as demarcações de Terras Indígenas (TI).

    Com faixas que reafirmam o direito tradicional a terra, jovens, mulheres, crianças e lideranças firmam posição contra o Parecer da Advocacia Geral da União (AGU). “Repudiamos as ações do governo Temer, através da AGU, que compromete a demarcação das nossas terras. Estamos manifestando nas BRs para que o parecer seja revogado. Não aceitaremos retrocessos”, sustenta Deoclides de Paula, liderança da TI Kandóia.

    Michel Temer aprovou no dia 20 de julho o parecer 001/2017 da AGU, que obriga a administração pública federal a aplicar, a todas as Terras Indígenas do país, condicionantes que o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu no caso Raposa Serra do Sol (Pet 3388/RR). No acórdão  se estabeleceu, além do marco temporal, 19 condicionantes para a demarcação da TI. A tese do marco temporal afirma que têm direito à terra somente o povo que estivesse nela na data da promulgação da Constituição Federal, em 1988.

    “Nos existimos muito antes de 88. Nossa história não começa aí. Por isso, continuaremos as retomadas e queremos que o governo pare suas parcerias com o agronegócio e com bancada ruralista. São ações tomadas para oprimir o nosso direito as terras tradicionais”, comenta Deoclides Kaingang. “Muitos ancestrais nossos morreram para que nossos direitos fossem garantidos na Constituição Federal. Enquanto existir um índio, continuaremos lutando pela nossa terra, pela nossa cultura”. 


    Foto: Mario Karai Guarani / TI Rio dos Índios.

    O parecer anti-demarcação

    O parecer afirma atender orientações do Supremo Tribunal Federa. Contudo, os ministros da corte já se manifestaram pela não obrigatoriedade da aplicação daquelas condicionantes a outros processos de demarcação. Recentemente, no julgamento do dia 16 de outubro, onde o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedentes as Ações Civis Ordinárias (ACOs) 362 e 366, Luís Roberto Barroso afirmou que os parâmetros estabelecidos no caso Raposa Serra do Sol “somente se aplicavam a aquele caso”. 

    “Entendo que somente será descaracterizada a ocupação tradicional indígena caso demonstrado que os índios deixaram voluntariamente os territórios que possuam ou desde que se verifique que os laços culturais que os uniam a tal área se desfizeram”, afirmou o ministro do STF.

    Em artigo, José Afonso da Silva, professor da Faculdade de Direito da USP, e Manuela Carneiro da Cunha, antropóloga e professora da USP, afirmaram que o parecer “faz parte do pacote de concessões de Temer aos interesses da frente ruralista. Os índios estão novamente sendo rifados para garantir a sobrevivência provisória do presidente no cargo”.

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  • 13/09/2017

    Servidores da Proteção Etnoambiental e Coordenação de Índios Isolados da Funai criticam em carta sucateamento e indicações políticas


    Frente de Proteção Etnoambiental no Amazonas


    Os servidores e servidoras da Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) e das Frentes de Proteção Etnoambiental (FPEs) da Fundação nacional do Índio (Funai) divulgaram nesta terça-feira, 12, uma carta dirigida ao presidente do órgão indigenista, Franklimberg Ribeiro, e à diretora de Proteção Territorial, Azelene Inácio, criticando e apresentando preocupações sobre as indicações políticas oriundas de articulações anti-indígenas de Michel de Temer a postos importantes da ação de isolados da Funai e o sucateamento do trabalho em campo.   

    "Gostaríamos de alertar Vossas Senhorias sobre as consequências que as indicações meramente políticas na CGIIRC podem acarretar para o bem-estar físico e cultural dos povos indígenas isolados e de recente contato no Brasil, haja vista que alguns desses povos estão submetidos a situações vulnerabilidade extrema, incluindo o risco de genocídio  (por exemplo, nas TIs Vale do Javari – AM, Araribóia-MA e Yanomami – RR e AM", diz trecho da carta.

    Na última semana, fatos acerca de um massacre de indígenas em isolamento voluntário ocorrido no rio Jandiatuba, interior da Terra Indígena Vale do Javari, no extremo oeste do estado do Amazonas, ganharam repercussão internacional. O Ministério Público Federal (MPF) investiga o caso e dois garimpeiros chegaram a ser presos suspeitos de envolvimento nos ataques aos chamados "flecheiros".  

    Leia na íntegra:

    CARTA DOS SERVIDORES DAS FRENTES DE PROTEÇÃO ETNOAMBIENTAL E DA COORDENAÇÃO-GERAL DE ÍNDIOS ISOLADOS E DE RECENTE CONTATO DA FUNAI

    Ao Presidente da Funai,

    Sr. Franklimberg Ribeiro

    À Diretora de Proteção Territorial,

    Sra. Azelene Inácio

    Senhor Presidente e Senhora Diretora,

    Na última semana, nós, servidores da Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) e das Frentes de Proteção Etnoambiental (FPEs), tomamos conhecimento através da mídia de que estão em tramitação na Funai as exonerações da Coordenadora-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato, Leila Sílvia B. Sotto-Maior, e da Coordenadora de Planejamento e Apoio às Frentes de Proteção Etnoambiental, Paula W. L. Pires.

    Nesse sentido, temos a informar que as duas servidoras cujas exonerações estão sendo encaminhadas possuem sólida formação acadêmica na área das Ciências Humanas, possuem ampla experiência de trabalho junto aos povos indígenas e, principalmente, possuem conhecimentos técnicos relativos à gestão da Funai e das FPEs. Dito isso, caso haja intenção real de nomeações sem diálogo com as FPEs, como é de costume, e de pessoas sem o devido preparo técnico necessário, consideraríamos que seria um desmonte técnico, ou eventual ingerência política na CGIIRC e FPEs. Caso isso venha a se concretizar, só nos restaria  manifestar nossa indignação e repúdio para as autoridades competentes.

    Enfatizamos que a Política de Proteção aos Povos Isolados e de Recente Contato é coordenada pela Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) e efetivada em campo pelas equipes das Frentes de Proteção Etnoambiental (FPEs). As ações de proteção territorial e de promoção de direitos são norteadas por uma metodologia de trabalho extremamente criteriosa, consolidada ao longo de 30 anos e orientada por princípios como o do não contato, da precaução, da garantia da posse plena e da proteção ambiental dos territórios indígenas.

    Atualmente, 11 FPEs atuam na Amazônia Legal Brasileira: FPE Awá (Maranhão), FPE Médio Xingu (Pará), FPE Cuminapanema (Pará e Amapá), FPE Yanomami/Ye’kuana (Roraima e Amazonas), FPE Waimiri-Atroari (Amazonas), FPE Madeira-Purus (Amazonas), FPE Vale do Javari (Amazonas), FPE Envira (Acre), FPE Uru-Eu-Wau-Wau (Rondônia), FPE Guaporé (Rondônia) e FPE Madeirinha-Juruena (Mato Grosso). Por conta dessa atuação da Funai, a política pública brasileira de proteção de povos isolados e de recente contato é hoje reconhecida como uma política de referência por outros países onde também há a presença destas populações. Enfatizamos, inclusive, que a efetividade dessa política faz com que o Brasil continue sendo o país com o maior conjunto conhecido de povos e grupos indígenas isolados no mundo.

    Em especial, gostaríamos de alertar Vossas Senhorias sobre as consequências que as indicações meramente políticas na CGIIRC podem acarretar para o bem-estar físico e cultural dos povos indígenas isolados e de recente contato no Brasil, haja vista que alguns desses povos estão submetidos a situações vulnerabilidade extrema, incluindo o risco de genocídio  (por exemplo, nas TIs Vale do Javari – AM, Araribóia-MA e Yanomami – RR e AM).

    Enquanto política pública, o trabalho de proteção dos povos isolados e de recente contato está amparado em diversos instrumentos jurídicos e normativos, nacionais e internacionais, sendo os principais a Constituição Federal de 1988, artigo 231; o Decreto nº 1.775, de 08 de janeiro de 1996; o Estatuto da Fundação Nacional do Índio; a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais (ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 5051, de 19 de abril de 2004); e a Declaração Americana Sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

    Recentemente, em 2016, por meio da Portaria/PRES148, de 07/03/2017, foi criado o Conselho da Política de Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, cujo objetivo é estabelecer diretrizes e normativas dessa política pública específica.

    Mesmo tendo um sólido fundamento legal e sendo considerada como uma política indigenista de excelência, a Política de Proteção aos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato vem passando nos últimos anos, e sem dúvida com muito maior intensidade nos últimos meses, por um processo de sucateamento e desestruturação com um significativo corte de recursos humanos e financeiros.

    Conforme proposta de distribuição interna de recursos para o Projeto de Lei Orçamentaria (PLOA) – 2018 encaminhada recentemente pela gestão da Funai, o orçamento previsto para a política pública direcionada aos povos isolados e de recente contato, para o ano de 2018, será cerca de 60% menor em comparação com a LOA de 2015 ficando, desta forma, bastante abaixo da linha de cortes gerais da Funai. Nesse sentido, caso o orçamento destinado à operacionalização das FPEs não seja imediatamente readequado em função de nossas atribuições regimentais, ocorrerá o fechamento de Bases e paralisação geral das atividades das FPEs, acarretando num aumento vertiginoso de  invasões ilegais aos territórios ocupados pelos povos indígenas isolados, sob atuação das FPEs, culminando em situações de conflitos, massacres e de consequente genocídio dos povos indígenas isolados. Todos os avanços pós-constitucionais e de reconhecimento da política indigenista brasileira serão derrubados, colocando o Estado brasileiro definitivamente no quadro de países violadores de direitos humanos. Será, sem dúvida, um dos maiores retrocessos da história indigenista brasileira.  

    Tal processo vem se dando paralelamente ao processo de ataque aos direitos dos povos indígenas garantidos pela Constituição Federal de 1988 e por diversos instrumentos normativos subsequentes. Provas desse processo de sucateamento são as sucessivas cartas com reivindicações que os Coordenadores das Frentes de Proteção Etnoambiental vêm encaminhando formalmente para a Diretoria Colegiada e para a Presidência da Funai desde 2013. Além disso, o processo mais geral de sucateamento da política indigenista e de ataque aos direitos indígenas foi devidamente identificado e caracterizado no “Diagnóstico Sistêmico sobre Organização e Funcionamento da Funai”, elaborado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e no “Relatório da Missão ao Brasil da Relatora Especial sobre os Direitos dos Povos Indígenas”, elaborado pela Sra. Victoria Tauli-Corpuz, Relatora Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

    Assim, considerando:

    (i) que a CGIIRC é uma Coordenação- Geral da Funai extremamente sensível em razão da natureza e da complexidade da ação indigenista junto a povos isolados e de recente contato,

    (ii) que há no Brasil povos isolados e de recente contato em risco iminente de genocídio,

    (iii) que historicamente o processo de nomeação do Coordenador-Geral da CGIIRC é fruto de um consenso entre a DPT e os Coordenadores das FPEs,

    (iv) que orçamento previsto para as FPEs está muito aquém do necessário para o cumprimento mínimo de nossas atribuições.

    Solicitamos o arquivamento imediato dos processos de exoneração e nomeação na CGIIRC, e uma audiência entre os Coordenadores das FPEs, a CGIIRC, a DPT, DAGES e a Presidência da Funai para traçamos, juntos, o futuro e fortalecimento desta política, bem como a readequação do orçamento destinado à CGIIRC/FPEs.

    Atenciosamente,

    Altair Algayer – Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé/RO

    Antonio Lima Saldanha – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari/AM

    Ariovaldo dos Santos – servidor da CGIIRC

    Bernardo Natividade Vargas da Silva – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari/AM

    Bruno da Cunha Araújo Pereira – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari/AM

    Bruno de Lima e Silva – Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Awa/MA

    Carolina Ribeiro Santana – servidora da CGIIRC

    Clarisse Jabur – Coordenadora de Políticas para Povos Indígenas de Recente Contato

    Daianne Veras Pereira – servidora da Frente de Proteção Etnoambiental Awa/MA

    Daniel Cangussu – Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Madeira-Purus/AM

    Edimar Firmino da Silva – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Envira/AC

    Eumar Vasques da Silva – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari/AM

    Fabio Nogueira Ribeiro – Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Cuminapanema/PA

    Fábio Crespino Passos – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé/RO

    Fabrício Ferreira Amorim – Coordenador de Proteção e Localização de Índios Isolados

    Fernanda Nunes – servidora da CGIIRC

    Franciele Honorato – servidora da Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé/RO

    Gustavo Vieira Peixoto Cruz – servidor da CGIIRC

    Gustavo Sena de Souza – Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari/AM

    Idnilda Obando de Oliveira – servidora da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari/AM

    Jair Candor – Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Madeirinha-Juruena/MT

    Jeferson Lima – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Envira/AC

    Joelmo Santos de Souza – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Cuminapanema/PA

    Luciano Pohl – Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Médio Xingu/PA

    Luciene Montessi Marcio – servidora da Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé/RO

    Luis Carlos dos Santos – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Awa/MA

    Luiz Rayone Costa de Almeida – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Envira/AC

    Marcelo Fernando Batista Torres – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Envira/AC

    Marcus Vinícius Boni – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Envira/AC

    Maria de Jesus Bezerra Santos – servidora da Frente de Proteção Etnoambiental Awa/MA

    Maria José Rosa – servidora da CGIIRC

    Maria Socorro Martins de Paula – servidora da CGIIRC

    Neide Martins Siqueira – servidora da CGIIRC

    Pablo Rodrigues de Brito – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Médio Xingu/PA

    Pâmella Barros dos Reis Silva – servidora da Frente de Proteção Etnoambiental Envira/AC

    Paula Wolthers Pires – Coordenadora de Planejamento e Apoio às Frentes de Proteção Etnoambiental/CGIIRC

    Paulo Pereira da Silva – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé/RO

    Paulo  Pheene – servidor da CGIIRC

    Renan Augusto da Silva Sampaio – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Envira/AC

    Rieli Franciscato – Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Uru-Eu-Wau-Wau/RO

    Rui Fernando Sarges Carvalho – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Médio Xingu/PA

    Sérgio Ribeiro dos Santos – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Médio Xingu/PA

    Thiago Mota Meirelles – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Envira/AC

    Vitor Roger Nogueira David – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari/AM

    William Iafuri – Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Envira/AC

    Wilson Medeiros dos Santos – servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Envira/AC


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  • 13/09/2017

    Indígenas do Médio Rio Negro expulsam garimpeiros de terra demarcada


    Mapa: Instituto Socioambiental (ISA)



    No início de agosto passado, indígenas da comunidade Arurá, da Terra Indígena Médio Rio Negro 2, município de Santa Isabel do Rio Negro (AM), expulsaram um grupo de pessoas que tentava se instalar na localidade para iniciar atividade de garimpo. Segundo Marivelton Rodrigues Barroso, coordenador da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), as comunidades das cinco terras indígenas, localizadas entre os municípios de São Gabriel da Cachoeira e Santa Isabel do Rio Negro, no oeste do Estado do Amazonas, têm se mobilizado para impedir a entrada de garimpeiros.

    Nos últimos meses, as mobilizações se intensificaram em razão das informações do massacre acontecido no Vale do Javari, onde indígenas conhecidos como “flecheiros” teriam sido mortos por garimpeiros, e das frequentes manifestações de políticos defensores da mineração em terras indígenas.


    O coordenador da Foirn considera “muito equivocada” a posição de deputados e prefeitos para quem  os povos do rio Negro querem mineração em suas terras.  “Tem mobilizações e repúdio das comunidades quanto a questão de mineração. Os Yanomami já se manifestaram, as comunidades do médio e do baixo rio Negro, as comunidades no alto rio Regro, da região dos rios Içana, Traíra e Apaporis”, relata Marivelton Rodrigues.

    “Parlamentares, vereadores, prefeitos, senadores não  podem afirmar que  os povos indígenas do rio Negro querem mineração nas suas terras”, reage o dirigente da Foirn. Para ele, qualquer iniciativa que afete as comunidades indígenas deve ser feita mediante consulta prévia, livre e informada, segundo as determinações da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “No que diz respeito a medidas que venham a ser tomadas pelo Governo, por grupo de pessoas ou parlamentares, têm que submeter à consulta prévia, livre e informada nas cinco terras indígenas da região, com participação dos 23 povos indígenas que as ocupam”, defende Marivelton.

    No início da década de 1990, centenas de garimpeiros ocuparam áreas próximas às comunidades indígenas no Médio Rio Negro. Além de relatos de interferência deles nas comunidades, aumentaram consideravelmente, na época, os casos de violência na cidade de Santa Isabel do Rio Negro, a poluição de rios e igarapés e o desmatamento. Na ocasião, as organizações indígenas promoveram campanhas contra a exploração e conseguiram retirar os garimpeiros da região com ação da Polícia Federal, Fundação Nacional do Índio (Funai) e Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais renováveis (Ibama).

    Marivelton Rodrigues destaca que, para conquistar a demarcação das terras, maior bandeira de luta dos povos indígenas do rio Negro, que unificou as organizações daquela região, foi  contra as  presença das mineradoras. Nos anos 80, por ocasião da Assembleia Nacional Constituinte (1981-1988), o movimento indígena se fortaleceu e, na região do rio Negro, depois de muitas manifestações, as organizações da região conseguiram barrar a presença de empresas mineradoras. “O que nós queremos é defender e garantir nossos territórios para as futuras gerações”, conclui Marivelton.


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  • 13/09/2017

    Guarani ocupam Parque Estadual do Jaraguá


    Movimento pacífico ocorreu na madrugada. Crédito: Amanda Signori/Cimi Regional Sul-SP


    Na madrugada desta quarta-feira (13), por volta das 4h da manhã, as comunidades guarani da Terra Indígena Jaraguá ocuparam o Parque Estadual do Jaraguá. A ocupação é contra a Portaria 683 do Ministério da Justiça, que anulou o processo de demarcação que reconhece 532 hectares de ocupação tradicional do povo Guarani Mbya. A anulação, considerada inconstitucional pelas comunidades guarani, foi solicitada ao Ministério de Justiça pelo governo do estado de São Paulo, para viabilizar, sem qualquer consulta às comunidades, um projeto de concessão dos parques estaduais para a iniciativa privada. A manifestação das comunidades guarani é um ato simbólico e pacífico, e tem por objetivo chamar a atenção da sociedade para a violação de seus direitos, e pressionar o Ministro da Justiça e o Governador de São Paulo a reverem, respectivamente, a revogação da demarcação da TI Jaraguá e o projeto de privatização dos parques estaduais. Também participam do ato outras comunidades indígenas do Estado de São Paulo: Tupi e Guarani do litoral, Terena e Tupi do interior e indígenas de Guarulhos.

    Contato para imprensa:

    Rafael Nakamura (Assessoria): 11 97394-5670

    Manifesto das Comunidades:

    Vídeo disponível em: https://www.facebook.com/yvyrupa

    O JARAGUÁ É GUARANI

    O povo guarani ocupou pacificamente hoje a sede do Parque do Jaraguá para impedir que o Governo Alckmin o coloque à venda. A pedido do Governo Alckmin, no último dia 21 de Agosto, Temer mandou cancelar a demarcação da nossa Terra Indígena do Jaraguá, cujas matas se sobrepõem parcialmente ao Parque do Jaraguá.

    Para eles, a demarcação de nossas terras tradicionais atrapalha seu objetivo de destruir as matas para fazer dinheiro. Fazemos essa ocupação simbólica e pacífica para exigir do Governo Temer a revogação da Portaria 683, do Ministério da Justiça.

    Do Governo Alckmin, exigimos o cancelamento do projeto de privatização dos Parques Estaduais, e a retirada das ações judiciais contra a demarcação da Terra Indígena Jaraguá.Nós Guarani, somos o povo originário da Mata Atlântica. Sempre protegemos essas matas, essas matas foram uma dádiva dada pelas divindades para que nós cuidássemos dela.

    Não deixaremos nenhum governo vender o que Nhanderu deixou para nós. Pedimos a todos que apoiam a preservação da natureza e a nossa luta em defesa de nosso modo de vida:  Venham imediatamente para cá nos ajudar a mostrar a todos que o Jaraguá é Guarani!

    Privatização dos Parques Estaduais de São Paulo e Terra Indígena Jaraguá

    A Lei n° 249/2013 foi aprovada em julho de 2016 na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo autorizando a Fazenda do Estado a conceder a exploração de serviços ou o uso de áreas estaduais pelo período de 30 anos. A medida interfere diretamente sobre 25 Unidades de Conservação (UCs), dentre elas o Parque Estadual do Jaraguá, em suas respectivas administrações e comunidades tradicionais que nelas residem ao permitir a exploração dos serviços ou o uso de áreas inerentes ao ecoturismo e à exploração comercial madeireira ou de subprodutos florestais.

    Proposta sob regime de urgência na assembleia, a lei foi sancionada em apenas um mês após a sua propositura sem que houvesse consulta às comunidades afetadas, necessária por lei de acordo com o previsto pela Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário. Na ocasião da tramitação do Projeto de Lei na Alesp, a então Secretária de Meio Ambiente, Patrícia Iglecias, assegurou que “ficariam de fora das concessões as áreas ocupadas ou com outras restrições fundiárias”, conforme publicado por diversos veículos da imprensa, posição que não se sustentou na lei estadual efetivamente aprovada e sancionada.

    A Terra Indígena Jaraguá tem cerca de 532 hectares e o Parque Estadual do Jaraguá cerca de 493 hectares. Há sobreposição parcial entre as duas áreas protegidas num total de 308 hectares, o que representa pouco mais da metade de cada uma delas considerada isoladamente. Em reunião com lideranças indígenas, o ministro da justiça, Torquato Jardim, confirmou que a anulação (inconstitucional!) da portaria de demarcação da Terra Indígena Jaraguá foi motivada por uma encomenda do Governo do Estado.

    Em diversas ocasiões, a FUNAI e as comunidades guarani procuraram os órgãos estaduais responsáveis pela gestão do parque para a elaboração de um plano de gestão compartilhada. Contudo, diante da falta de abertura para diálogo do estado de São Paulo e da recente anulação da demarcação da Terra Indígena Jaraguá, que coloca as comunidades sob o risco de reintegrações de posse e inviabiliza o seu modo tradicional de vida, os Guarani fazer essa ocupação simbólica da sede do Parque, que não tem sobreposição com a Terra Indígena, para defender a demarcação de sua terra, e impedir degradação das matas do Jaraguá ameaçada pelo projeto de exploração comercial do Parque.

    Comissão Guarani Yvyrupa entra na Justiça contra revogação da demarcação da Terra Indígena Jaraguá

    Na segunda-feira (11), a Comissão Guarani Yvyrupa protocolou no Superior Tribunal de Justiça o Mandado de Segurança n °23770 com pedido de liminar contra a Portaria 683 do Ministério da Justiça. A portaria assinada pelo ministro Torquato Jardim, no dia 15 de agosto de 2017, anulou a declaração de 532 hectares da Terra Indígena Jaraguá reconhecidos anteriormente como de ocupação tradicional do povo Guarani Mbya.

    A representação foi elaborada em conjunto com as comunidades das cinco aldeias da Terra Indígena Jaraguá: Tekoa Ytu, Tekoa Pyau, Tekoa Itakupe, Tekoa Itaendy e Tekoa Itawera. Nas comunidades vivem cerca de 700 indígenas, mais da metade crianças, que passaram a viver sob ameaças de reintegrações de posse após a anulação da Portaria 581, de 2015.

    Mais informações:

    A população guarani que reside na Terra Indígena Jaraguá, noroeste do município de São Paulo, divisa com Osasco, é de cerca de 700 pessoas que se distribuem hoje em cinco aldeias: aldeia Ytu, aldeia Pyau, aldeia Itakupe, aldeia Ita Vera e aldeia Ita Endy.

    A TI Jaraguá foi reconhecida inicialmente na década de 1980, mas foi então regularizada com apenas 1,7 hectare, configurando-se como a menor área indígena do país. A falta absoluta de espaço é o detonante de inúmeros problemas sociais e culturais. A situação dos guarani do Jaraguá foi extremamente agravada pela construção da Rodovia dos Bandeirantes, inaugurada em 1978 sem qualquer consideração à presença indígena. A estrada suprimiu parte de suas áreas de ocupação tradicional.

    Em 2002, por fruto da luta das lideranças indígenas, iniciou-se um processo para delimitação dos limites do território dentro dos padrões estabelecidos pela Constituição Federal de 1988. Os artigos 231 e 232 da constituição garantem os direitos dos povos indígenas às terras que tradicionalmente ocupam, o que inclui as áreas de habitação, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

    Após longos anos, no dia 30 de abril de 2013, a Fundação Nacional do Índio aprovou e publicou no Diário Oficial da União (Portaria FUNAI/PRES N° 544) os resultados dos estudos técnicos que reconhecem 532 hectares como limites constitucionais da Terra Indígena Jaraguá, incluindo as aldeias atualmente ocupadas, e as áreas necessárias para a reprodução física e cultural do grupo.

    De acordo com o Decreto Presidencial nº 1775, que regulamenta o processo de demarcação de Terras Indígenas no país, abre-se, a partir da publicação desses estudos, período de 90 dias para que os interessados apresentem contestações administrativas. Houveram três manifestações de contestantes ao processo de identificação e delimitação da TI Jaraguá que foram respondidas pela Funai. Nenhuma destas contestações foi do Governo do Estado de São Paulo, que apesar de ter sido formalmente notificado, pede a anulação da demarcação alegando não ter participado do processo.

    Dando sequência ao processo de demarcação, em 29 de maio de 2015 o Ministério da Justiça publicou a Portaria 581/2015 que declarou os 532 hectares da TI Jaraguá como de ocupação tradicional do povo Guarani Mbya. A Portaria 683/2017, também do Ministério da Justiça, anula a portaria anterior.

    Entenda os processos na justiça

    Entrevista do Instituto Socioambiental com Bruno Morais, da assessoria jurídica da Comissão Guarani Yvyrupa

    ISA – A portaria do ministro Torquato Jardim cita decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) e alega que o Estado de São Paulo não foi ouvido no processo. Por que essas ações questionam a demarcação da TI?

    Bruno Morais – O Jaraguá enfrentava três ações contrárias ao processo demarcatório. Duas eram Mandados de Segurança, que corriam no Superior Tribunal de Justiça, e um deles [MS 22086-DF] foi proposto pelo Estado de São Paulo, com a alegação de que ele teria direito de ter participado do procedimento administrativo – e que a demarcação teria sobreposto quase a totalidade do PES Jaraguá, o que não é verdade. A sobreposição pega 56% do Parque. O espólio de Antonio Pereira Leite, que é um dos supostos proprietários de um terreno onde está o Tekoa Pyau, ingressou também com um Mandado de Segurança [MS 22472-DF] no STJ, pedindo a suspensão da portaria declaratória, com base na ideia do marco temporal e da proibição da atualização dos limites da TI. Essas duas ações obtiveram liminar, no final de 2015, antes de ser ouvida a União e a própria Funai – e sem a presença da comunidade indígena no processo. A comunidade indígena pediu a habilitação no processo. Ela foi concedida, mas o mérito nunca foi julgado.

    ISA – Existem outras decisões judiciais sobre o caso?

    BM – A portaria do ministro faz referência a um recurso contra uma dessas ações [SS 5108-DF] que teria tramitado no STJ, que ficou paralisado no Supremo e teve uma decisão do Ricardo Lewandowski, que indeferiu o pedido, mas ficou carecendo de julgamento final. Assim, nenhum dos processos citados na portaria tem mais do que uma liminar: nenhum tem sentença final, nenhum foi encerrado. A portaria [683/2017] ignora a existência de um terceiro processo, ingressado diretamente no Supremo, por um dos proprietários que incidia sobre a demarcação, o [ex-deputado] Tito Costa, sobre o Tekoa Itakupe, área que foi ameaçada de despejo. Ele ingressou com o Mandado de Segurança em 2016 e levou um estrondoso “não” do [ministro do STF] Dias Toffoli, que, para além de dar uma decisão dizendo que Mandado de Segurança não servia para questionar demarcação de Terra Indígena, diz que todos os indícios que existiam naquele processo [de demarcação] apontavam pela tradicionalidade da Terra Indígena e não o contrário. Esse processo [MS 33821-DF] foi julgado finalmente e a liminar foi confirmada no plenário do Supremo – mas o Ministro da Justiça omite essa informação da portaria e cita três processos que não têm decisão final.

    ISA – Se as decisões não são definitivas, qual seria a motivação do Ministro da Justiça para revogar a portaria declaratória?

    BM – A única resposta que existe para essa questão é uma resposta política, porque juridicamente não existe motivo para revogar uma portaria declaratória. Pelo contrário: existem vários motivos para não revogar. Existe um princípio no direito administrativo – da economia ou da razoabilidade do processo – que diz que o processo administrativo não pode andar para trás; ele só pode andar pra frente. Além disso, o Decreto 1775/96 não concede competência para o Ministro da Justiça revogar uma portaria, então a revogação também fere o princípio da legalidade. Para além disso, existe um princípio maior nos direitos fundamentais: direitos humanos ou fundamentais não podem retroceder, só andar para a frente em sua implementação. Então não há qualquer justificativa jurídica que conceda legalidade à revogação dessa portaria.

    Das motivações instadas pelo Ministro da Justiça, nenhuma se sustenta juridicamente. No próprio procedimento administrativo da Funai, há uma farta documentação que desmonta a argumentação do ministro. Se olharmos o procedimento da Funai, vemos que a Funai repetidas vezes notificou o Estado de São Paulo, chegou a fazer reuniões com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente até que essa Secretaria recebeu um parecer jurídico da Procuradoria Geral do Estado, orientando todos os órgãos estaduais a parar de fazer contato com a Funai. Quer dizer: o Estado deliberadamente se ausentou do procedimento administrativo de demarcação, para alavancar uma justificativa jurídica para sua anulação. Isso revela a verdadeira motivação dessa portaria [de anulação].

    ISA – Para viabilizar o projeto de concessão privada dos Parques Estaduais (PES) do governo?

    BM – Desde o advento da portaria [do Ministério da Justiça], o Secretário de Estado do Meio Ambiente [Ricardo de Aquino Salles] tem dado entrevistas e repercutido o assunto dizendo: “Que bom que a portaria foi revogada, porque agora a gente vai conseguir destravar o processo de privatização do PES Jaraguá”. Esse projeto de privatização dos parques vem sendo tocado desde o início sem consulta às comunidades indígenas – que inclusive têm assento no Conselho Gestor da Unidade [de Conservação] – e está completamente associado à judicialização da demarcação do Jaraguá. O que demonstra a motivação política do governo federal, uma troca de favores com o governo do Estado. A motivação é política e tem ficado cada vez mais clara toda vez que o Secretário do Meio Ambiente abre a boca. Ele inclusive tem dito que o PES Jaraguá não pode conviver com os Guarani e que ele vai reassentar a comunidade indígena a partir de um acordo com a comunidade. Isso é completamente ilegal.

    Saiba mais sobre a revogação da demarcação da Terra Indígena do Jaraguá:

    – Nota de repúdio da Comissão Guarani Yvyrupa: http://www.yvyrupa.org.br/blog/2017/08/21/fora-temer-o-jaragua-e-guarani/)

    – Nota técnica do Centro de Trabalho indigenista contestando a Portaria 683/2017: http://trabalhoindigenista.org.br/repudio-anulacao-da-portaria-declaratoria-da-terra-indigena-jaragua/)

    – Nota coletiva de organizações indígenas e indigenistas: http://trabalhoindigenista.org.br/organizacoes-da-sociedade-civil-manifestam-repudio-anulacao-da-portaria-declaratoria-da-terra-indigena-jaragua-e-exigem-revogacao-das-medidas-anti-indigenas-governo-temer/

    – Nota do Conselho Indigenista Missionário: https://cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=9440&action=read

    – Matéria do Instituto Socioambiental que explica o caso: https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/guarani-prometem-resistencia-contra-anulacao-da-terra-indigena-jaragua

    Saiba mais sobre a Lei de Privatização das Unidades de Conservação em São Paulo

    – Representação da CGY contra a Lei de Privatização das Unidades de Conservação em São Paulo:

    http://trabalhoindigenista.org.br/organizacoes-encaminham-representacao-contra-lei-de-privatizacao-das-unidades-de-conservacao-em-sao-paulo/


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  • 12/09/2017

    Diocese do Alto Solimões manifesta-se sobre denúncia de massacre de indígenas no Vale do Javari


    Maloca de indígenas isolados na TI Vale do Javari. Foto: CGIIRC/Funai

    Em nota divulgada nesta segunda (11) a respeito do possível massacre de indígenas isolados no rio Jandiatuba, no interior da Terra Indígena Vale do Javari, a Diocese do Alto Solimões manifestou seu "máximo repúdio a este e a todo ato de violência para com nossos irmãos indígenas", denunciando os prejuízos que a mineração vem provocando há anos nesta região. A nota, assinada pelo Bispo de Alto Solimões (AM), Dom Adolfo Zon Pereira, lamenta "o patrocínio pelo poder público federal à mineração em detrimento das minorias, especialmente dos Povos Indígenas". Confira:

    Nota da diocese do Alto Solimões sobre os fatos nas terras do Jandiatuba (AM)

    “Os povos indígenas têm o direito coletivo de viver em liberdade, paz e segurança, como povos distintos, e não serão submetidos a qualquer ato de genocídio ou a qualquer outro ato de violência…”. (DPI Art 7º # 2)

    A Diocese do Alto Solimões, ao tomar conhecimento do suposto massacre dos índios isolados conhecidos como flecheiros acontecido no mês de agosto deste ano no rio Jandiatuba (São Paulo de Olivença-AM), na Terra Indígena do Vale do Javari, e envolvendo garimpeiros que trabalham no local, quer manifestar seu máximo repúdio a este e a todo ato de violência para com nossos irmãos indígenas, denunciar os prejuízos que a mineração provoca há anos no rio Jandiatuba e lamentar o patrocínio pelo poder público federal à mineração em detrimento das minorias, especialmente dos Povos Indígenas.

    Pede que o Governo Federal assuma com firmeza seu papel constitucional e subsidiário na política indigenista, respeitando e protegendo as terras demarcadas e completando as demarcações na calha do Jandiatuba e garanta uma efetiva proteção às áreas indígenas fortalecendo as bases de vigilância da FUNAI, que nestes últimos anos sofrem com o descaso e os cortes de recursos.

    Manifesta seu total apoio ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal para que as investigações iniciadas possam ter seu desenvolvimento e punam os suspeitos mandantes e executores deste vil crime, auspicando que seja feita efetiva justiça.

    Reafirma com palavras do papa Francisco que “é preciso assumir a perspectiva dos direitos dos povos e das culturas, dando assim provas de compreender que o desenvolvimento dum grupo social supõe um processo histórico no âmbito dum contexto cultural e requer constantemente o protagonismo dos atores sociais locais a partir da sua própria cultura” (Encíclica Laudato Si’ n. 144).

    Agradece as muitas manifestações de solidariedade e apoio de bispos e entidades que nos chegaram nestes dias pelos diferentes meios de comunicação.

    Nossa Senhora da Assunção, padroeira da Diocese, interceda e proteja a quantos, pela ganância e sede de lucro de poucos, são ameaçados e desrespeitados em seus direitos.

    Tabatinga, 11 de setembro de 2017.
    Dom Adolfo Zon Pereira – Bispo de Alto Solimões (AM).

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