• 28/10/2017

    XXII Assembleia Geral do Cimi – Documento Final


    Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

    “Benditas as mãos que se abrem para acolher os pobres e socorrê-los: são mãos que levam esperança”.
    Mensagem do Papa Francisco para o “Primeiro Dia Mundial dos Pobres”, 19 de novembro, de 2017

    Realizou-se, de 24 a 27 de outubro de 2017, no Centro de Formação Vicente Cañas, a XXII Assembleia Geral do Cimi – Conselho Indigenista Missionário. O tema do evento foi: “O Cimi a serviço dos Povos Indígenas: teimosia e esperança na afirmação da vida”. Nesta perspectiva, as lideranças indígenas, os missionários e missionárias, bispos e representantes de entidades e instituições presentes à Assembleia afirmaram as razões de sua esperança num Brasil dividido entre ricos, corruptos e pobres cuja vida nos fala de razões de desespero. No último ano, registrou-se 106 suicídios de jovens indígenas. Os gritos de desespero são gritos que denunciam a injustiça e a mentira, que exigem que a terra seja desligada do seu valor de mercado e que sejam reconhecidos seu valor de uso e seu valor místico para os povos indígenas.

    Vivemos num contexto de exploração econômica em que o capital, para continuar o processo de colonização, alienação e aumento de sua margem de lucro, precisa impor, como regras, a desregulamentação de direitos fundamentais, a criminalização das lutas e dos lutadores, a invasão e ocupação das terras indígenas por empreendimentos econômicos devastadores da natureza, o rebaixamento dos salários, a precarização do trabalho, a terceirização dos empregos e a aceleração da produção, com a substituição dos operários pelas máquinas.

    Sabemos que, se em nossa sociedade não há esperança para os povos indígenas nem para as classes desfavorecidas, tampouco haverá esperança para as elites! O nosso lugar, neste contexto, é o de estar ao lado dos povos indígenas e no meio deles. Ao defender nossa opção preferencial pelos povos indígenas, defendemos igualmente o Bem Viver e a “sobriedade feliz” (LS 224) de todos. E numa sociedade cuja lógica é a sobriedade feliz não haverá lugar para privilégios nem privilegiados. Num momento em que a democracia em nosso país mostra toda a sua fragilidade por causa da corrupção e do clientelismo, nós somos decididos defensores de uma democracia purificada por uma ética de solidariedade. “Dado que o direito por vezes se mostra insuficiente devido à corrupção”, – nos diz o Papa Francisco – “requer-se uma decisão política sob pressão da população. […] Se os cidadãos não controlam o poder político […] também não é possível combater os danos ambientais” (LS 179).

    Para o Cimi, a reconstrução ética do nosso país exige a construção de alianças entre todos que se dispõem a dar voz ao sofrimento dos povos indígenas e dos pobres e a lutar pela afirmação da vida humana e da vida do planeta terra. A natureza é uma aliada fiel dos povos indígenas, pois eles se encontram “entre os pobres mais abandonados e maltratados” (LS 2). A Assembleia do Cimi recebeu com entusiasmo a proclamação do Sínodo Pan-Amazônico pelo Papa Francisco, porque sabe que esse Sínodo vai dar uma ressonância mundial à voz dos povos indígenas, suas condições de vida e suas propostas alternativas para salvar o planeta Terra.

    Entre os muitos desafios atuais, precisamos dar importância às diferentes formas de luta e resistência dos povos indígenas pela garantia de seus direitos e no enfrentamento das injustiças e violências. Eles nos ensinam que as lutas políticas, jurídicas e sociais não estão deslocadas de suas cosmovisões e de suas espiritualidades, mas se somam e fortalecem as relações místicas que norteiam a vida.

    A XXII Assembleia Geral do Cimi, no seu comprometimento com a causa indígena, definiu para o período de dois anos as seguintes prioridades: terra e território como fundamento da vida; povos em contexto urbano, destacando o processo formativo junto à juventude; espiritualidade indígena como pano de fundo de suas lutas e fortalecimento de outras dimensões; e economias indígenas e bem viver.

    A denúncia do sofrimento dos povos indígenas é anúncio da Boa-Nova do Evangelho. A vida e o futuro dos povos indígenas dependem da desconstrução do sistema que atenta contra a sua existência. A nossa esperança está na construção de uma nova sociedade na qual convivem culturalmente diferentes e socialmente iguais. A existência dos 45 anos do Cimi já representa uma antecipação dessa sociedade alternativa no sonho e na utopia. Não nos deixemos oprimir pela falácia do “fim da utopia”, o que significaria jogar os nossos mártires ao lixo de uma história sem memória.

    Seguiremos “a serviço dos Povos Indígenas: com teimosia e esperança”, na afirmação da vida, sempre. Aos povos indígenas, missionários e missionárias de nossos regionais e aos nossos aliados, digamos com o Papa Francisco: “não deixem que nos roubem a esperança” (EG86).

    Centro de Formação Vicente Cañas, Luziânia, GO,
    27 de outubro de 2017.

    XXII Assembleia Geral do Cimi

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  • 27/10/2017

    XIV Assembleia Munduruku do médio Tapajós: “A assembleia mostra para nossas crianças que elas serão os guerreiros da floresta”

     

    Texto e fotos por Adeline Laval, doutoranda em antropologia na Escola de altos estudos em ciências Sociais de Paris, Mariana Pontes e Barbara Dias (Cimi Norte 2)

    Na última sexta-feira, 20 de outubro, terminou a XIV assembleia do povo Munduruku do médio Tapajós. Durante 5 dias, mais de 150 pessoas se reuniram na aldeia Sawre Jaybu, situada a poucos quilômetros da comunidade São Luiz do Tapajós, município de Itaituba-PA. Entre os presentes, indígenas de todas as aldeias Munduruku do médio Tapajós, ribeirinhos da comunidade tradicional de Montanha e Mangabal, indígenas do alto Tapajós, assim como representantes de outros povos da região do baixo Tapajós e rio Arapiuns, como lideranças Tupinambas e Boraris, e instituições como Funai, Sesai, Semed, Saúde Alegria, Cimi, Repam e Cáritas Espanhola.

    A assembleia acontece pelo menos desde a década de 1980 e tem sido importante instrumento de luta do povo Munduruku contra as ameaças externas a seus territórios e para fortalecimento de sua cultura. As reuniões para tomadas de decisões e para elaborar estratégias de luta são práticas inerentes a esse povo guerreiro, conhecido por seus inimigos históricos como “formigas vermelhas” por causa de sua tradição de luta.

    Durante os cinco dias de assembleia, assuntos relacionados a saúde, educação indígena diferenciada, fortalecimento da cultura Munduruku, diagnóstico da saúde da terra, demarcações e direitos dos povos indígenas no Brasil e no mundo foram discutidos de forma incansável, sempre precedidos de rituais, por todos os presentes: caciques, lideranças, mulheres, guerreiros, guerreiras, pajés e crianças. As reuniões se estendiam até tarde da noite para recomeçarem cedo no outro dia. Alessandra Korap, presidente da associação indígena Pariri, explica que é na assembleia que o povo Munduruku, com seus parceiros e aliados, analisa todas as ações realizadas por eles durante todo o ano. Para o cacique Valdemar Poxo, a assembleia mostra para as crianças que elas serão os guerreiros da floresta.

    Enquanto a assembleia acontecia, o movimento de resistência do povo Munduruku, Ipereg Ayu, ocupava pela segunda vez nesse ano o canteiro de obras da Usina Hidrelétrica (UHE) de São Manoel, no rio Teles Pires. Os indígenas cobravam das empresas responsáveis por essa e também pela UHE de Teles Pires o cumprimento dos compromissos firmados em julho desse ano, após a primeira ocupação, e um pedido de desculpas por terem removido as urnas sagradas.

    Os empreendimentos hidrelétricos destruíram lugares sagrados para o povo Munduruku: o Karobixexe, conhecido como cachoeira de sete quedas, e o Dekoka’a – em português, Morro dos Macacos.

    Os indígenas também foram fazer um ritual para os espíritos por causa das urnas, que por terem sido removidas irritaram os antepassados do povo Munduruku, mas ao chegarem no local foram recebidos com um forte aparato da Força Nacional e com bombas de gás. A presença da Força Nacional sempre representou repressão aos povos indígenas e o favorecimento ao grande capital, mostrando que, se preciso for, seus direitos originários sempre estarão passíveis a serem violados e suas vidas violentadas em prol dos projetos desenvolvimentistas do governo. Durante a assembleia, Jair Saw relembrou como sua aldeia foi impactada por esses projetos: “ainda em 1980, a água do Tapajós era cristalina. A nossa aldeia Sawre Apompu (lugar da última assembleia) foi cortada pela Transamazônica. Hoje quase não tem mais mata, porque chegaram fazendeiros e derrubaram o que tinha. Mais tarde chegaram os garimpeiros e destruíram o rio Jamanxim. Depois, a Força Nacional para tentar construir a hidrelétrica. Ela é a primeira a violar os direitos dos povos indígenas”.

    A questão territorial e violação de direitos dos povos indígenas foi discussão central na assembleia, e ilustra a crescente pressão sobre as terras indígenas por parte do governo federal, coadunado com grandes empresas nacionais e internacionais, para a efetivação dos grandes projetos desenvolvimentistas na região. Os empreendimentos previstos incluem a construção de infraestruturas estratégicas para o agronegócio, a construção massiva de portos graneleiros, ferrovias e hidrovias.

    Setores que agem de forma ilegal nas terras indígenas também são incentivados pela omissão do Estado com a não demarcação de terras e a falta de fiscalização de atividades ilegais, como garimpo, roubo de madeira, ação de palmiteiros, assim como de fazendas griladas dentro e ao redor das terras indígenas e das comunidades tradicionais.

    Em função destas pressões, na comunidade de Montanha e Mangabal, situada na margem do Tapajós oposta à Terra Indígena Sawre Muybu, beiradeiros iniciaram sua primeira fase de autodemarcação no mês passado, em aliança com os Munduruku. Desassistida, a comunidade tem sido ameaçada por garimpeiros ilegais que estão invadindo seu território.
    De acordo com Ageu Lobo, beiradeiro da comunidade Montanha e Mangabal e um dos aliados que marcaram presença na assembleia Mundurku, seu “tataravô nunca achou que precisaria demarcar seu território para não ser expulso dele”.

    “Com a criação do Parque Nacional da Amazônia, muitas comunidades foram expulsas e tiveram que migrar para a nossa e para outras comunidades. A abertura da transamazônica aumentou o número de grileiros na região. Em 2006, foi criado o Projeto Agroextrativista (PAE) Montanha e Mangabal. Defender o território também é perigoso, pois somos vistos como um empecilho ao desenvolvimento”, avalia o beideradeiro. “Com a primeira etapa da autodemarcação, já houve ameaças contra nós. Precisamos unir nosso povo para que o governo não nos domine e para que possamos viver nela pra sempre”.

    Dentre os direitos indígenas e de povos tradicionais que vêm sendo negligenciados, o não cumprimento por parte dos últimos governos brasileiros da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem sido um facilitador para que grandes projetos sejam construídos, ainda que os impactos culturais, sociais e ambientais sejam irreparáveis.  A convenção, da qual o Brasil é signatário, garante a consulta prévia livre e informada sobre qualquer construção de empreendimentos que impacte diretamente a vida e a cultura desses povos.

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  • 26/10/2017

    CNBB: Estado brasileiro fecha os olhos para trabalho escravo


    Foto: EBC

    A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) afirmou que Estado brasileiro faz fechar os olhos “dos órgãos competentes que têm a função de coibir e fiscalizar crimes de trabalho escravo". Em nota divulgada nesta quinta-feira (26), a entidade religiosa chama a atenção para ações que “colocam o capital acima da pessoa humana, buscando lucros sem limite”.

    "Como nos recorda o Papa Francisco, “hoje, na sequência de uma evolução positiva da consciência da humanidade, a escravatura – delito de lesa-humanidade – foi formalmente abolida no mundo. O direito de cada pessoa não ser mantida em estado de escravidão ou servidão foi reconhecido, no direito internacional, como norma inderrogável” (Papa Francisco, Dia Mundial da Paz, 1º de janeiro de 2015)", recordam os bispos. "Infelizmente, esse flagelo continua sendo uma realidade inserida no tecido social. O trabalho escravo é um drama e não podemos fechar os olhos diante dessa realidade".

    Segundo o texto divulgado durante o Conselho Permanente da conferência, a Portaria 1129 do Ministério do Trabalho publicada no Diário Oficial da União do último dia 16 “prejudica a fiscalização, autuação, penalização e erradicação da escravidão por parte do Estado brasileiro”. A nota sustenta que, além de desumana, Portaria é um retrocesso e corresponde a “perversa lógica financista que tem determinado os rumos do nosso país”.

    Leia a nota na íntegra:

    Nota da CNBB sobre o trabalho escravo

    “O Espírito do Senhor me ungiu para dar liberdade aos oprimidos” (cf. Lc 4, 18-19)

    Reunido em Brasília-DF, nos dias 24 a 26 de outubro de 2017, o Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB manifesta seu veemente repúdio à Portaria 1129 do Ministério do Trabalho, publicada no Diário Oficial da União de 16/10/2017. Tal iniciativa elimina proteções legais contra o trabalho escravo arduamente conquistadas, restringindo-o apenas ao trabalho forçado com o cerceamento da liberdade de ir e vir. Permite, além disso a jornada exaustiva e condições degradantes, prejudicando assim a fiscalização, autuação, penalização e erradicação da escravidão por parte do Estado brasileiro.

    Como nos recorda o Papa Francisco, “hoje, na sequência de uma evolução positiva da consciência da humanidade, a escravatura – delito de lesa-humanidade – foi formalmente abolida no mundo. O direito de cada pessoa não ser mantida em estado de escravidão ou servidão foi reconhecido, no direito internacional, como norma inderrogável” (Papa Francisco, Dia Mundial da Paz, 1º de janeiro de 2015). Infelizmente, esse flagelo continua sendo uma realidade inserida no tecido social. O trabalho escravo é um drama e não podemos fechar os olhos diante dessa realidade.

    A desumana Portaria é um retrocesso que, na prática, faz fechar os olhos dos órgãos competentes do Governo Federal que têm a função de coibir e fiscalizar esse crime contra a humanidade e insere-se na perversa lógica financista que tem determinado os rumos do nosso país. Essa lógica desconsidera que “o dinheiro é para servir e não para governar” (Evangelii Gaudium, 58). O trabalho escravo é, hoje, uma moeda corrente que coloca o capital acima da pessoa humana, buscando o lucro sem limite (cf. Papa Francisco, Mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, 2014).

    Nosso País no qual, por séculos, vigorou a chaga da escravidão de modo legalizado, tem o dever de repudiar qualquer retrocesso ou ameaça à dignidade e liberdade da pessoa humana.

    Reconhecendo a importância da decisão liminar no Supremo Tribunal Federal que suspende essa Portaria da Escravidão e somando-nos a inúmeras reações nacionais e internacionais, conclamamos a sociedade a dizer mais uma vez um não ao trabalho escravo.

    Confiamos a Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, a proteção de seus filhos e filhas, particularmente os mais pobres.

    Brasília, 26 de outubro de 2017

    Cardeal Sergio da Rocha
    Arcebispo de Brasília
    Presidente da CNBB

    Dom Murilo S. R. Krieger
    Arcebispo de São Salvador da Bahia
    Vice-Presidente da CNBB

    Dom Leonardo Ulrich Steiner
    Bispo Auxiliar de Brasília
    Secretário-Geral da CNBB

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  • 25/10/2017

    XXII Assembleia do Cimi: 45 anos de teimosia e esperança

    Dom Erwin Kräutler, logo que chegou ao Xingu, na década de 1960, perguntou sobre o povo Kayapó. Disseram-lhe que eram indolentes, selvagens e em 20 anos não existiriam mais, assim como os demais povos indígenas do país. Tomou como missão estar ao lado dos indígenas e evitar que tal veredito ocorresse. A decisão havia sido tomada por dezenas de outros e outras religiosos e religiosas, espalhados pelo Brasil, convertidos à causa dos povos indígenas sob a luz de mudanças rebeldes no interior da Igreja Católica. O Concílio Vaticano II e a teologia da libertação abriram janelas. Anos mais tarde, em 1972, período dos mais duros da ditadura militar, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) é fundado denunciando o genocídio em curso, à época, dos povos indígenas.

    Em abril deste ano, o Cimi completou 45 anos. Segue denunciando a que estes povos estão submetidos. Nesta semana, celebrando os mártires, a esperança e a paz para os povos indígenas, ocorre a XXII Assembleia Geral do Cimi, com o tema O Cimi a serviço dos povos indígenas: teimosia e esperança na afrimação da vida. “A palavra teimosia me marcou aqui nesse encontro. Trabalho de formiguinha. Meu povo tem uma relação antiga com o Cimi. Minha avó o chamava de Sino, lá nos anos 1970. Desde então tem sido fundamental o Cimi porque é quem é inistente e teimoso ao lado dos povos. Esteve ao nosso lado nos momentos mais duros, de mais perigo. Nos ajudou a montar nossas organizações de base, nosso empoderamento”, diz Cícero Jeripankó.

    Missionários e missionárias, colaboradores, convidados e lideranças indígenas estão reunidos no Centro de Formação Vicente Canas, em Luziânia (GO), para debater a conjuntura, as lutas travadas pelos povos em defesa de suas terras e vidas, além de estratégias ao enfrentamento neste momento de graves retrocessos impostos aos direitos indígenas por um padrão de poder do Estado que perpassa governos, com destaque ao atual, fiador de todas as pautas anti-indígenas em curso no Congresso Nacional, e se respalda em setores do Judiciário. Dos 11 regionais do Cimi, chegam os dados desta realidade. “Megacorporações investindo no agronegócio, com florestas revertidas em pasto. Territórios sendo assediados pelo capital e para arrendamentos aos fazendeiros. Mas temos exemplos de esperançca. (A Terra Indígena) Maraiwatsédé segue sendo uma vitória, resistindo às ameaças”, afirma Natália Bianchi Filardo, missionária do Regional Mato Grosso.

    Egon Heck, do Secretariado Nacional e um dos fundadores da entidade, lembra que a Amazônia sempre foi um grande desafio, ainda é e será no futuro. “São grandes os interesses econômicos a serem enfrentados. Conseguimos aumentar a presença missionária no Regional Norte I, motivando esse trabalho tão importante”, frisa. A atual coordenadora do regional, Adriana Huber Azevedo, destaca que apesar de ser a região com mais terras indígenas demarcadas, há cerca de 180 territórios com demandas pendentes, sendo que destas aproximadamente 130 tiveram sequer qualquer tipo de encaminhamento por parte da Fundação Nacional do Índio (Funai). “As terras indígenas já demarcadas sofrem com invasões, grandes empreendimentos estatais e privados, garimpos e madeireiros. Há informações preocupantes sobre massacres contra povos indígenas em situação de isolamento voluntário”, pontua Adriana.

    O encontro também é um momento dos missionários e missionárias trocarem experiências em face da pluralidade de povos apoiados pelo Cimi. Se trata da memória viva destes 45 anos de caminhada do Cimi, compartilhado entre as gerações de indigenistas fromados no convívio das aldeias, acampamentos e retomadas. “Existem muitas diferenças nas atuações, mas o racismo, a violência e falta de garantias quanto à demarcação revelam que se trata de um padrão que envolve povos em contexto urbano ou rural”, defende Aleandro Silva, do Regional Sul do Cimi e que atua em São Paulo. A própria atuação do Cimi em Brasília foi lembrada, envolvendo embates junto aos Três Poderes da Repúplica, entre consquistas importantes, caso do artigo Dos Índios da Constituição Federal, a duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) movidas contra o Cimi e os povos indígenas – bem como contra a atuação da Funai e demais organizações que comungam o apoio incondicional a estes povos.

    A programação da XXII Assembleia Nacional seguirá até sexta-feira, dia 27, e contará com espaços voltados à organização interna e de fala das lideranças indígenas vindas de todo o país para a atividade. “O Cimi preza por ouvir o clamor deste povos, sujeitos históricos de suas próprias vidas. Habitualmente os encontros do Cimi priorizam estas falas e por elas pautamos nossa atuação. Temos um quadro na conjuntura política que trazem desafios. Entendemos que os povos indígenas possuem respostas de resistência e esperança”, afirma Cleber Buzatto, secretário executivo do Cimi.   Para o coordenador do Regional Cimi Sul, Roberto Liebgott, “o profetismo dos indígenas, a resiliência e a mística os trouxeram até aqui. Sem dúvida todos e todas têm o que aprender com isso. A Assembleia do Cimi é um espaço em que os missionários e missionárias renovam seu voto de fidelidade aos povos indígenas e, sobretudo, aprendem com eles”.

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  • 23/10/2017

    Brasil não comparece a audiências e é cobrado na CIDH


    Rezadores Guarani e Kaiowá em Brasília. Foto: Tiago Miotto/Cimi


    A representação do Estado brasileiro não compareceu às audiências temáticas sobre questões indígenas e quilombolas do 165º Período de Sessões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ocorridas em Montevidéu na manhã desta segunda-feira (22). Segundo um representante do Itamaraty, a delegação não chegou a tempo em função de problemas no voo que a levaria até o Uruguai.

    O objetivo das audiências foi permitir a entidades da sociedade civil do Brasil que apresentassem, nas duas sessões, respectivamente, a situação de vulnerabilidade e opressão enfrentada pelas comunidades quilombolas do país, sobretudo em razão da não titulação de suas terras tradicionais, e traçar um mapa da situação de direitos humanos dos povos indígenas, envolvendo também recentes ameaças ao direto à terra. Além disso, as organizações apresentaram recomendações e cobranças ao Estado, que em breve serão sistematizadas e divulgadas.

    A ausência do Estado brasileiro foi lamentada pelos comissionários da CIDH que acompanharam as audiências. O relator do organismo para o Brasil, James Cavallaro, avaliou as informações apresentadas pelas representações indígenas e quilombolas como “chocantes”, e afirmou que é preciso “efetivar a promessa constitucional e fazer valer os direitos” dessas populações.

    “O Brasil não é um país pobre”

    Ele sinalizou, ainda, a importância de que os orçamentos para a Funai e o Incra, para a titulação das terras quilombolas, sejam recompostos e de que seja apresentado um cronograma por parte do Estado para a execução de metas. “O Brasil não é um país pobre”, cravou Cavallaro ao apresentar como injustificável a inação do Brasil em relação às pautas indígenas e quilombolas. Ele informou às entidades presentes que estará no Brasil na semana do dia 12 de novembro.

    “O Brasil tem dinheiro demais, mas não tem dinheiro para o povo negro”, respondeu o assessor jurídico da Terra de Direitos Fernando Prioste, que participou da audiência proposta pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e outras organizações da sociedade civil brasileira sobre o tema quilombola. “Até hoje as pessoas sofrem a chaga da escravidão, que não acabou. O Estado tem um planejamento estrito sobre agronegócio, mas não tem para titular as áreas quilombolas”.

    A Comissionária Margarette May Macaulay reforçou o argumento de que o Brasil não está cumprindo com sua obrigação, sobretudo porque a população quilombola “não pediu para ir para o Brasil”. Ela também defendeu a apresentação de um mapa dos passos que serão dados no próximo período sobre como o Estado pretende se movimentar em relação a esta demanda.

    A Relatora Especial de Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DESC) da CIDH, Soledad Garcia Muñoz, resgatou a relação entre o alto número de lideranças quilombolas assassinadas e a reivindicação dos direitos não garantidos até hoje, e questionou como o Estado pretende atuar para frear a escalada de assassinatos, salientando a importância da recomposição do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos brasileiro.

    A representação que questionou o Estado brasileiro em relação ao processo de titulação de terras quilombolas foi composta pela Conaq, Terra de Direitos, Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia (AATR), CPT, Conectas e Justiça Global. Comissão Pró-Índio de São Paulo e Instituto Socioambiental também foram signatárias da petição, mas não estiveram na audiência.

    Lideranças da Aty Guasu, a Grande Assembleia Guarani e Kaiowá, e do povo Akroá Gamella participaram da audiência sobre a questão indígena ao lado de representantes da Defensoria Pública da União (DPU), Ministério Público Federal (MPF), Associação Juízes para a Democracia (AJD) e Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

    Em razão da ausência do Estado brasileiro nas audiências, as entidades da sociedade civil se reunirão novamente nesta tarde com Cavallaro para discutir os próximos passos.


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  • 23/10/2017

    Aliança mundial pela Mãe Natureza e para celebrar a diversidade



    Fotos: Laila Menezes / Cimi

    Por Egon Heck, do secretariado nacional

    Uma linda e agradável manhã de primavera. Sob a sombra acolhedora de uma frondosa árvore de sucupira, típico do cerrado brasileiro, começam a fluir as energias do planeta aquecendo os corações. Sob um manto de belas cores estampadas nas vestimentas, pinturas e adornos, dezenas de povos nativos das Américas, África, Ásia e Europa celebraram a diversidade. A Assembleia dos Guardiões da Mãe Natureza aconteceu entre os dias 11 e 16, em Brasília (DF).

    As diferenças de expressões, línguas, cantos e rituais é uma amostra do quanto podem os povos indígenas e seus aliados iluminar a cegueira do modelo de desenvolvimento capitalista, imposto em nível mundial com violência e destruição que ameaça as condições de vida em nosso planeta.

    É muito oportuno que semelhante Assembleia mundial se realize nesta conjuntura brasileira, momento em que os povos indígenas do país passam por extremas violências e agressões. “Precisamos dar esse recado ao mundo e contribuir com o clamor pelo direito à vida  da natureza”, expressaram as lideranças indígenas na abertura do encontro.

    Aproximadamente 150 representantes de povos originários de quatro continentes consolidaram uma grande Aliança dos Guardiões da Mãe Natureza.  Como contribuição concreta dos povos indígenas, reafirmou-se o compromisso geracional da construção de um mundo em que todos os seres vivos possam viver em harmonia e paz. Ressoou ao mundo novos caminhos de esperança a partir dos povos originários, suas sabedorias milenares e resistência secular.

    Leia aqui o documento final

    Belas e fortes são as diferenças entre os milhares de povos sobreviventes no mundo. É uma mostra de que é possível um outro mundo, onde os povos originários de todos os continentes tenham a possibilidade de construir pacificamente uma visão comum a fim de iluminar o futuro da nossa humanidade. O sentimento de gratidão pairou sobre os presentes que acompanharam a criação de uma aliança para a paz entre os seres humanos e a Natureza.

    A espiritualidade une nossas vidas e nossas lutas

    As manifestações e os rituais foram de uma beleza ímpar. Uma amalgama espiritual possibilitou um gracejo de resistência que garante a sobrevivência dos povos, mesmo que se encontrem submetidos a violências e extermínios, realidade de todos os continentes. Ações colonialistas e dominadoras foram denúncias durante toda a Assembleia.

    “Estamos procurando descolonizar nossos filhos através de nossa educação”, conduziu uma mãe indígena norte-americana. “O difícil é descolonizar os brancos. Nossa luta não é contra um governo, mas contra um monstro muito maior que é o sistema capitalista”, sustentou a liderança.

    As manifestações e rituais se deram todas ressaltando a necessidade de cuidar da Mãe Terra. “Nós, povos originários, com nossa sabedoria e espiritualidade, sabemos fazer. Nós amamos a mãe natureza cuidamos dela e queremos construir essa grade aliança”, ressaltou outra liderança.

    Na sombra da árvore de sucupira, rituais espirituais foram além dos cenários de violência e destruição. Predominou as belezas e esperanças no desejo de continuar os labores por uma natureza e humanidade mais cooperativa.

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  • 23/10/2017

    A barragem da Samarco que rompeu perto de Mariana – e a longa luta por direitos e justiça

    Por Assessoria de Comunicação CPT

    A rede católica de organizações pelo desenvolvimento (CIDSE), juntamente a uma série de entidades brasileiras parceiras apresenta nessa segunda-feira (23), durante o início do grupo de trabalho das Nações Unidas sobre acordo que vincula empresas transnacionais aos direitos humanos, um dossiê online sobre o desastre de Mariana/Brasil.

    A ruptura da barragem do Fundão, da empresa Samarco, fará dois anos em breve. Contudo, ainda não há perspectiva de ressarcimento a muitos dos afetados. Os responsáveis pela maior catástrofe ambiental do Brasil, a qual deixou um rastro de devastação em mais de 600 km, além de 19 vítimas, ainda não foram julgados. Os proprietários da Samarco, as mineradoras Vale e BHP Billiton negam qualquer responsabilidade e alegam que a Samarco tem natureza jurídica e administração próprias. Através deste caso dramático se pode demonstrar como é difícil para os afetados garantir seus direitos, quando se trata de uma grande empresa, a qual tem política e economicamente tantas possibilidades.

    O processo do acordo da ONU sobre empresas transnacionais poderá amenizar situações como esta em longo prazo, se ele obrigá-las a se responsabilizarem sob suas filiais, subsidiárias e cadeias de distribuição e fornecimento. Os afetados teriam, assim, um melhor acesso a instrumentos jurídicos, também nos países que sediam multinacionais. Em curto prazo, é importante apoiar os atingidos em sua luta por direitos e justiças, assim como as organizações que os tem acompanhado.

    Através da disseminação do dossiê nas mídias sociais e outros canais, se pode botar em pauta a injustiça e a urgência de colocar os direitos humanos acima de interesses econômicos. Em muitos países, uniu-se ao dossiê uma chamada: apoiar este acordo da ONU.  Acesse o dossiê em português

    Petição

    Assine a petição para a criação de um tratado internacional para assegurar a proteção dos direitos humanos das atividades das corporações transnacionais e outras empresas comerciais.

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  • 23/10/2017

    Nota de Solidariedade Cimi Rondônia: Um guerreiro é plantado na terra

    No chão Amazônico, dom Geraldo Verdier entregou toda a sua vida. Entregou a sua juventude e a sua sabedoria de ancião. E aprendeu com os embates da vida, que amar é se entregar por inteiro, sem impor condições.

    Lá na morada eterna te esperam os espíritos de guerreiros/as, tocando o wakam, o toá, os maracás e as flautas sagradas, pois um guerreiro foi plantado neste chão sagrado da Amazônia.

    O exemplo e o testemunho de vida de dom Geraldo, com certeza será semente de esperança para todo o povo (indígenas, ribeirinhos, quilombolas, seringueiros, sem-terra, agricultores, migrantes e … tantos outros), que seguirá cultivando a memória deste irmão querido, que tanto amou o seu povo.

    Nossa eterna gratidão a dom Geraldo, pela vida doada e que agora se encontra na plenitude de Deus.

    A Igreja de Guajará Mirim, nossa sintonia e solidariedade, neste momento em que faz a entrega do nosso Irmão, Amigo e pastor dom Geraldo Verdier. Temos do pastor o legado do espírito guerreiro, missionário, pastor que estava no meio das ovelhas, numa opção incansável e inquebrantável com os povos indígenas, comunidades tradicionais e os milhares de migrantes, que fizeram desta terra sua morada.

    O Bispo emérito de Guajará-Mirim (RO), Dom Geraldo Verdier, faleceu ontem (22) após sofrer um AVC hemorrágico, aos 80 anos. Geraldo João Paulo Roger Verdier nasceu na França e foi ordenado presbítero em 1963. Por 33 anos serviu a região do Vale do Mamoré e Guaporé (RO).

    As sementes foram lançadas na terra, flores nascerão.

    Conselho Indigenista Missionário – Rondônia

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  • 23/10/2017

    Temer, o maître do agronegócio

    Por Gilberto Vieira dos Santos, do Secretariado Nacional – Cimi

    Para os que gostam de cinema, permitam-me uma alegoria tendo como base “Titanic”, filme de James Cameron que neste ano completará 20 anos. No premiado filme, que conta a história de um dos maiores naufrágios da história, visivelmente percebemos a disposição das classes sociais no transatlântico. Diferenças que se evidenciam principalmente quando o navio está afundando.

    Desde a alçada de Temer à Presidência fica cada vez mais evidente para quem pilota este timoneiro. Nas luxuosas cabines do navio-Brasil, regadas à Moët & Chandon, seguem os ruralistas recebendo, em seus cardápios, opcionais que vão desde perdão das dívidas a refinanciamentos inimagináveis. Em matéria publicada pelo Cimi, podemos notar que além de timoneiro Temer também é um bom maître. Citando a relação explícita do (des)governo com os ruralistas, afirma a matéria, referindo-se aos almoços da bancada ruralista em região nobre de Brasília:

    “Recentemente, o banquete contou com a presença – nada incomum – de Michel Temer, com quem os ruralistas negociaram o perdão da dívida de R$ 5,4 bilhões de proprietários de terras com a previdência rural. Para salvar-se das denúncias de corrupção e garantir sua permanência no governo, Temer foi generoso: autorizou o pagamento de dívidas rurais até 2032, com redução de 100% dos juros e de 25% das multas. O abono resultou que dos 263 votos pelo arquivamento da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente, 129 foram dados por deputados da FPA”.

    Esta promíscua relação já dava seus sinais quando Temer recebia, em abril de 2016, as propostas a ele entregue pelos ruralistas. Estas propostas, chamada “Pauta Positiva” da Frente Parlamentar da Agricultura, apresentava dentre as primeiras “necessidades do agronegócio” a chamada por eles “segurança jurídica”. Após assumir ilegitimamente o cargo de Presidente participa de atividades do agronegócio, mantendo um discurso não muito diferente de Lula, embora não tenha chamado o setor de “heróis”.

    Na posse da nova diretoria da FPA, em fevereiro de 2017, Temer afirmou: “quando dizemos que o Brasil tem rumo eu olho na direção do agronegócio”. Ninguém menos tomava posse naquela data que o deputado ruralista do PSDB de Mato Grosso, Nilson Leitão, presidente da Comissão Especial da PEC 215/2000 e investigado pelo Ministério Público Federal por atuar junto aos invasores da Terra Indígena Marãiwatsédé, do povo Xavante, localizada no nordeste de Mato Grosso. Este mesmo que conduziu a CPI que supostamente investigaria Funai e Incra, e que na verdade converteu-se, já em uma segunda versão, em palco para pedir o indiciamento indígenas, servidores e organizações defensoras dos direitos dos povos indígenas.

    Leitão, agora, sob as críticas dos povos indígenas e de organizações como a APIB, convoca uma audiência pública sobre agricultura indígena. Leia-se, trama para buscar a legitimação dos arrendamentos ilegais e efetivar a entrega das terras indígenas ao interesses ruralistas.

    Aqui lembremos novamente de Cameron, que em outro de seus filmes, Avatar, evidencia que os interesses exploradores da natureza não respeitam nada que se interponha a possibilidade de transformar a natureza em riquezas apropriadas por alguns em detrimento dos povos.

    As lideranças indígenas, por sua vez, vem reafirmando que não são peças de museu ou representantes do passado, mas povos que com sua diversidade, culturas e experiências nos apontam para um futuro onde na base não estão as riquezas apropriadas e privatizadas, mas o pleno exercício da partilha que gera igualdade. Talvez isso nos remeta a outro filme de James Cameron: O Exterminador do Futuro, cujo ator principal agora cede seu lugar à Temer e ao seu “exército de exterminadores”.

    Dentre as armas empunhadas, um Parecer de número 01, da Advocacia Geral da União, visivelmente resultado de algum almoço, jantar ou cafezinho de agentes do governo com o ruralista Luiz Carlos Heinze, como o mesmo divulgou em vídeos antes mesmo da publicação. O Parecer, assinado por Temer poucos dias antes, buscava de forma evidente influenciar o julgamento de Ações Cíveis Originárias no STF, ocorrido no dia 16 de agosto.

    Como nas cenas finais da ficção Avatar, na realidade concreta dos povos indígenas as alianças seguem firmadas e os povos se unem na defesa do simples desejo de seguirem sendo eles mesmos em seus territórios.

    Em repúdio às iniciativas da bancada ruralista e à audiência convocada por Leitão, o Instituto Raoni, em carta divulgada no dia 11 de outubro, sentencia: “Queremos manter nossos territórios para manter nossa cultura e nosso modo de vida. Nosso futuro depende do nosso território, livre de invasores e de parlamentares com opiniões e atitudes contrárias e que infere aos direitos indígenas”.

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  • 23/10/2017

    Cassadas liminares que suspendiam homologação de parte da Terra Indígena Arroio Korá


    Mulheres durante Aty Guasu. Crédito: Ruy Sposati/Cimi


    A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), revogou liminares que suspendiam a homologação de parte da Terra Indígena Arroio Korá e negou os Mandados de Segurança (MS) 28555 e 28567, impetrados por proprietários de fazendas atingidas pelo decreto presidencial que demarcou a área de 7.175 hectares, no município de Paranhos (MS). O primeiro mandado de segurança foi impetrado pelos proprietários da Fazenda Polegar (que teve área de 1.573 hectares atingida pela demarcação); o segundo, por donos das Fazendas São Judas Tadeu (com 3.804 hectares de área comprometida), Porto Domingos (760 hectares) e Potreiro Corá (444 hectares). As liminares haviam sido concedidas em 2010 pelo ministro Gilmar Mendes, então presidente do STF.

    Os proprietários alegaram que as fazendas são, há décadas (desde 1923), utilizadas de forma produtiva, e que a área não era ocupada por índios até que foi invadida em 2001. Argumentaram ainda que, ao homologar a demarcação da terra indígena por decreto, o presidente da República teria desconsiderado o fato de haver ação judicial ajuizada pelos proprietários das áreas abrangidas pelo procedimento demarcatório. Nos mandados de segurança, os proprietários rurais não pediram a nulidade do Decreto Presidencial de 21/12/2009, por meio do qual foi homologada a demarcação administrativa da terra indígena; a pretensão limitou-se a pedir a suspensão dos efeitos desse ato administrativo até julgamento definitivo da ação declaratória em trâmite perante o juízo da Vara da Justiça Federal de Ponta Porã (MS).

    Em sua decisão, a ministra Rosa Weber ressaltou que o mandado de segurança não pode ser concedido com base em “ilações”, o que, no caso em questão, corresponderia à possibilidade teórica e eventual de acolhimento da ação declaratória ainda em curso no primeiro grau de jurisdição. É necessário demonstrar a existência de direito líquido e certo que esteja sendo desrespeitado pela autoridade coautora. Quanto à competência para homologação de terra indígena, que os proprietários sustentam ser do Congresso Nacional, a ministra Rosa Weber assinalou que a jurisprudência do Supremo estabelece que cabe à União demarcar as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios (caput do artigo 231 da Constituição Federal), advindo daí a competência do presidente da República.

    A relatora também rejeitou o argumento de que teria havido violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório, afirmando que faltou consistência jurídica às alegações. A defesa dos proprietários rurais afirma que é impossível haver ampla defesa no procedimento de demarcação, pois a Funai recusaria qualquer argumentação, na medida em que é parte interessada e parte julgadora ao mesmo tempo. Na mesma linha, o laudo pericial foi atacado por ser resultado da vontade unilateral da Funai, com o único objetivo de demarcar. Quanto ao questionamento acerca da “tradicionalidade” da ocupação da área por indígenas, a ministra afirmou que se trata de prova específica, que não pode ser refutada por títulos de propriedade.

    “Estes não são provas pacíficas de ausência da presença indígena porque historicamente concedidos no Brasil sob outras premissas, muitas vezes antagônicas àquelas que buscam equalizar o tema aqui versado”, observou. Nos casos em questão, a cadeia dominial tem início, segundo os autores dos mandados de segurança, a partir de uma concessão de terras pelo presidente do Estado do Mato Grosso, Coronel Pedro Celestino Correa Costa, em 1923.

    “Em resumo, há grande dificuldade de conciliação do argumento da inicial, no sentido de que a demonstração de cadeia dominial longínqua a respeito de determinado imóvel rural provaria, para além do domínio, também a ausência de elemento indígena na região, com a orientação jurisprudencial desta Suprema Corte no sentido de que possível reconhecer presença indígena (e o direito dos índios sobre a terra) mesmo diante de esbulho renitente cometido por meio da transformação da área em fazendas produtivas”, afirmou Rosa Weber.

    A relatora acrescentou que o confronto que se estabelece entre a utilização de títulos dominiais como prova de ausência da presença indígena e a utilização do trabalho técnico que embasa a demarcação, que descreve categoricamente as estratégias usadas pelos indígenas da região para evitar o rompimento definitivo de seus vínculos com as áreas que reivindicam, não permite que a controvérsia tenha contornos de liquidez e certeza que caracterizam a utilização de mandado de segurança.

    “Não é possível, nesta sede, olvidar elementos apresentados no trabalho antropológico de modo a afirmar que houve – ao contrário do que ali se alega – solução de continuidade inconteste entre presença indígena e território. Tal providência só seria possível a partir da revisão do laudo, o que, por sua vez, depende da produção de outras provas em sentido contrário – providência inviável nesta via”, asseverou.

    Para a ministra, essa discussão poderá ser feita no âmbito da ação declaratória que tramita em primeiro grau de jurisdição. De acordo com o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Arroio Korá, publicado em 2004, havia 132 pessoas vivendo em Arroio Korá e outras 272 pessoas vivendo em outras localidades, aguardando para retornarem ao seu antigo local de moradia. “A população tende a ser bem maior do que os números aqui recenseados. Isto porque a superpovoação das reservas demarcadas motivará muitas pessoas aparentadas com as famílias de Arroio Korá a se deslocarem para lá, a partir da atualização das relações de parentesco”, diz o relatório.


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