• 13/03/2017

    Jovem Guarani Nhandeva é assassinado no norte do Paraná

    Na madrugada deste domingo (12) um jovem da Terra Indígena Laranjinha, localizado no município de Santa Amélia, no estado do Paraná foi covardemente assassinado com nove facadas no pescoço em uma vila próxima ao acesso à comunidade.

    O jovem era conhecido como Vaguinho, e era muito conhecido na cidade por sua simplicidade e porque convivia muito bem com todos. O crime abalou muito a comunidade. A revolta e indignação é grande entre os Guarani Nhandeva pela covardia e crueldade e porque ninguém ainda deu informações que explique a motivação do crime que aconteceu na rua da movimentada vila.

    A família, principalmente o vice-cacique, que é irmão da vítima, disse que quer primeiro entender a razão de uma pessoa tão simples e boa como seu irmão ser morto assim – e como ninguém sabe e viu nada. Disse que acha no mínimo estranho e quer que este ato de violência seja investigado e esclarecido para seu povo. E seja acima de tudo feito justiça.

    As lideranças da comunidade demonstraram muita preocupação com o aumento da violência nesta cidade e ainda mais porque há aproximadamente um ano outro parente foi assassinado nas proximidades da mesma cidade. Uma outra pessoa da cidade também foi encontrada morta com o jovem Guarani com sete facadas na região do pescoço e mais duas no abdômen.

    Todos esperam que o caso seja resolvido o mais breve possível para que seja pelo menos amenizada a dor desta comunidade.

    Fonte: Lideranças locais


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  • 13/03/2017

    Guarani Kaiowá é detido por carregar a própria geladeira no Mato Grosso do Sul


    Retomada de Kurusu Ambá. foto: Ruy Sposati

    Por Tiago Miotto, da Assessoria de Comunicação

    Na manhã de quarta-feira (8), o indígena Guarani Kaiowá Valtenir Lopes deixou sua morada no tekoha – lugar onde se é – Kurusu Ambá, no Mato Grosso do Sul, com a finalidade de levar a geladeira de sua sogra para consertar. Comprado há doze anos no município de Amambai, o aparelho já não dava conta de refrigerar os alimentos e precisava ter o gás trocado, serviço disponível apenas no centro urbano mais próximo, no município de Coronel Sapucaia. No meio do percurso de 30 km entre o tekoha e a cidade, o indígena foi surpreendido por dois policiais que, de arma em punho, o detiveram agressivamente e o conduziram até a delegacia, sob a justificativa de que a geladeira que transportava fora furtada de uma fazenda.

    “Eu tava sozinho, eles estavam de carro e com a arma apontada na minha direção. Eu falei ‘o que tá acontecendo?’ e ele disse ‘você tá roubando o freezer da fazenda!’ e me bateu duas vezes com o revólver. Fiquei quieto, tremendo, fechei minha boca, fazer o que, né? Eles deram um tiro embaixo da uma perna, mas eu levantei e não pegou. Prenderam o carro e o freezer, que ainda estão na delegacia”, relata o indígena.

    “Eu nunca, desde criança, desde pequenininho, roubei ninguém. Eu não sei como que aconteceu uma coisa dessas comigo, foi a primeira vez. Fiquei com medo. Desde que eu nasci, minha mãe e meu pai me ensinaram a não roubar”, continua o Kaiowá.

    Chegando na delegacia, o indígena detido foi colocado numa cela, onde conta ter permanecido cerca de cinco horas, das dez da manhã até as três da tarde, quando finalmente os familiares e uma liderança do tekoha conseguiram convencer os policiais de que não se tratava de um furto e que a geladeira era própria.

    “Nós chegamos à uma hora da tarde e ficamos até as três horas para sermos atendidos. Tivemos que insistir muito tempo para atenderem a gente, e a família ficando desesperada”, relata Ismarth Martins Guarani Kaiowá, uma das liderança do tekoha que acompanhou os familiares de Valtenir à delegacia.

    “Falaram para nós que ele foi denunciado pelo roubo da geladeira e que amanhã já iriam encaminhar ele preso para [o presídio de] Amambai. Aí esperamos, falamos com Funai, denunciamos ao Ministério Público que estavam criminalizando ele. A agressividade foi muito horrível quando prenderam ele, atiraram, quase acertaram as pernas dele”, continua a liderança Kaiowá.

    Desfeito o erro e comprovada a improcedência da denúncia, o indígena foi liberado e levado para realizar o exame de corpo de delito. Os policiais que conduziram o indígena até o local do exame foram, justamente, os dois que o haviam abordado agressivamente, e ele conta que foi coagido a não se manifestar sobre as agressões.

    “Os policiais que me bateram foi que me levaram pro hospital. Me disseram que não podia falar que eles tinham me batido, que se eu falasse eu iria ficar preso. Aí eu fiquei calado, igual mudo, durante todo o exame”, conta Valtenir.

    Sem demarcação, contexto é de violência constante

    O tekoha Kurusu Ambá é uma área de retomada no sul do Mato Grosso do Sul, na região de fronteira com o Paraguai, e sofre constantemente com a pressão e os ataques paramilitares de fazendeiros e jagunços. Em 2016, foram registrados quatro ataques a tiros em seis meses, incluindo um ataque ocorrido poucas horas após a Relatora Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos e as Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, ter visitado o acampamento onde vivem os indígenas.

    Trata-se de um dos muitos territórios retomados pelos indígenas Guarani e Kaiowá no contexto da luta pela demarcação de suas terras tradicionais no Mato Grosso do Sul. A negligência do Estado em demarcar as terras indígenas na região resulta na perpetuação dos acampamentos, onde os indígenas enfrentam constantemente a fome e a violência.

    Expulsos de suas terras, os Guarani Kaiowá nunca desistiram de retornar a seu território sagrado. A retomada onde atualmente existem três acampamentos começou a ser estabelecida em 2007, ano em que duas lideranças foram assassinadas. Entre 2009 e 2015, mais dois indígenas foram mortos em Kurusu e, em 2016, um acampamento chegou a ser totalmente queimado por jagunços.

    Kurusu Ambá foi um dos tekoha incluídos no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) estabelecido pelo Ministério Público Federal (MPF) com a Fundação Nacional do Índio (Funai) em 2007. O TAC determinava o ano de 2009 como prazo para a conclusão de diversos Relatórios Circunstanciados de Identificação e Delimitação (RCID) no Mato Grosso do Sul, primeira etapa da demarcação de uma terra indígena.

    Apesar da multa de mil reais por dia de atraso e da dívida milionária que a Funai vem acumulando desde então, o estudo de Kurusu Ambá, assim como a maioria dos contemplados pelo TAC, foi interrompido em 2010, o que agravou ainda mais os conflitos e o preconceito sofrido pelos indígenas.

    “Para sair do tekoha e ir a qualquer lugar, temos que passar pelas fazendas. Eles monitoram nossa saída e entrada da retomada, os fazendeiros aqui da região não gostam de nós e tem essa perspectiva de criminalizar e perseguir”, afirma Elizeu Lopes, liderança de Kurusu Ambá e irmão do indígena injustamente detido.


    Visita da relatora da ONU a Kurusu Ambá, em 2016. foto: Ruy Sposati

    Falsa denúncia

    Conduzido à delegacia na viatura da polícia, Valtenir Kaiowá ficou sabendo que os policiais agiram com base numa denúncia telefônica anônima. “Eu vinha devagar, para não estragar a geladeira, e sei que me viram passando perto da fazenda”, conta o indígena.

    Questionado pela reportagem, o delegado Fabrício Dias dos Santos, responsável pela Delegacia de Polícia de Coronel Sapucaia (MS), afirmou que, além da denúncia anônima sobre o suposto furto da geladeira, uma adulteração no carro conduzido pelo indígena também teria embasado a averiguação policial.

    “De início houve a informação de que um indígena teria furtado um freezer e o estaria transportando. Além da denúncia, ele foi detido também em função da adulteração no sinal do veículo, situação que ainda está sendo averiguada”, afirmou o delegado.

    A reportagem também questionou se a polícia vai tomar providências para investigar a falsa denúncia contra o indígena, prevista como crime no artigo 340 do Código Penal. “Eu tenho essa perspectiva, mas adianto a dificuldade que tenho de identificar o comunicante”, respondeu o delegado. Dias dos Santos também confirmou que a denúncia foi recebida via telefone e que a polícia buscará meios para identificar sua autoria.

    O delegado afirmou que não tinha conhecimento das agressões e do disparo citados pelos indígenas e da coerção no momento em que foram conduzidos para o exame de corpo de delito.

    “Não recebi esse relato e até me causa estranheza, porque não é da prática, não tem porquê do disparo. São policiais que eu já conheço há algum tempo e nunca me deparei com essa situação. Lidamos com os mais diferentes graus de periculosidade, e não há motivação para esse tipo de abordagem, não vejo nem lógica”, respondeu.

    Criminalização e prisões em massa

    Um relatório produzido em 2016 pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), da Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, expôs o cenário de frequente criminalização vivenciado pelos indígenas no Mato Grosso do Sul, em especial dos povos Guarani e Kaiowá e Terena. Segundo o MNPCT, em dez anos a população carcerária indígena praticamente dobrou na Penitenciária Estadual de Dourados: passou de 69 indígenas, em 2006, para 110 em 2016.

    “Diversos relatos apontam para a utilização do sistema de justiça como forma de intimidação aos indígenas por sua luta por demarcação de suas terras: crimes seriam imputados a eles como forma de cercear suas atividades reivindicatórias e de marginalizá-los ainda mais. Além disso, mesmo nos casos de crimes efetivamente cometidos por indígenas, é impossível dissociar tais ocorrências da situação degradante em que se encontram”, afirma o relatório.

    “Na minha avaliação, ligaram só para criminalizar”, avalia o Kaiowá Ismarth Martins. “Os fazendeiros são acostumados a criminalizar os indígenas para jogar na prisão. Tem muitos indígenas presos, criminalizados, e jogados na cadeia sem saber se defender. Os fazendeiros gostam de tramar para isso acontecer. Por que se não for isso, quem denunciou, quem fez essa mentira? Agora a polícia tem que chegar no ponto final, não pode a denúncia chegar do nada e terminar em nada também”.

    “Terra não enche barriga”

    Na mesma semana em que Valtenir foi injustamente detido, o novo ministro da Justiça, o ruralista Osmar Serraglio (PMDB-PR), afirmou que é necessário “parar com essa discussão sobre terras”, porque “terra não enche a barriga de ninguém”.

    Kurusu Ambá, onde vive Valtenir, é uma das três aldeias que foram objeto de um estudo produzido pela Fian Brasil em parceria com o Cimi e lançado em 2016. Retrato de um cenário mais amplo, o relatório identificou nos três tekoha, todos com histórico de assassinato de lideranças, um índice de insegurança alimentar de 100%, com 42% das crianças menores de cinco anos sofrendo de desnutrição crônica.

    Uma das principais causas para a dificuldade no acesso à alimentação adequada, aponta o relatório, é o desrespeito ao direito dos indígenas às suas terras tradicionais.

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  • 10/03/2017

    Nota do Cimi sobre as declarações do ministro da Justiça Osmar Serraglio
















    O Cimi lamenta e repudia, com veemência, as declarações do novo ministro da Justiça Osmar Serraglio relativas aos povos indígenas. É vergonhoso que um ministro, ao assumir, venha a público desdenhar do direito fundamental dos povos indígenas às suas terras. Ao usar a expressão “terra não enche barriga” como argumento para justificar a não demarcação das terras indígenas no país, o ministro demonstra, no mínimo, um grau elevado de ignorância, que o descredencia para a função que assumiu.

    Para os povos indígenas, a terra é de importância fundamental não só para suprirem suas necessidades alimentares, mas também para preencherem de sentido e plenitude sua existência individual e coletiva.

    As declarações do ministro, dadas em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, causam forte preocupação já que servem de combustível que abastece motosserras e tratores daqueles que historicamente invadiram e continuam se apossando ilegal e criminosamente das terras indígenas no Brasil. Por evidente, tais declarações serão traduzidas no aumento das violações de direitos e da violência contra povos, comunidades e lideranças indígenas que lutam pela demarcação e/ou pela proteção de suas terras tradicionais.

    O ataque de Serraglio contra o direito dos povos originários às suas terras tradicionais está umbilicalmente conectado com as intenções e iniciativas ruralistas e do governo Temer em promover ampla e irrestrita mercantilização e concentração privada da terra, no Brasil, em benefício de interesses econômicos de capital nacional e internacional. Nesse contexto, a não demarcação das terras indígenas servirá para ampliar o alcance da pretendida venda de terras para estrangeiros (PL 4059/12), das alienações e concessões de terras públicas situadas em faixa de fronteira (Lei no. 13.178/15), da reconcentração de terras desapropriadas para a reforma agrária (MP 759/15), dentre outras.

    O Cimi se solidariza com os povos indígenas diante de tão grave ataque, reafirma o compromisso de continuar empenhado na defesa da vida dos povos e exorta as diferentes instâncias dos Três Poderes do Estado brasileiro a respeitar e cumprir os ditames constitucionais, segundo os quais “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” (CF Art. 231).

    Brasília, DF, 10 de março de 2017

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  • 10/03/2017

    Reintegração de posse é adiada, mas ainda pode desalojar centenas de indígenas Pataxó na Bahia


    Pataxó comemoram adiamento da reintegração de posse. foto: Domingos Andrade/Cimi Regional Leste

    Por Tiago Miotto, da Assessoria de Comunicação

    Na semana passada, a notícia de uma reintegração de posse iminente surpreendeu cerca de 500 famílias Pataxó de cinco aldeias localizadas nos municípios de Santa Cruz de Cabrália e Porto Seguro, no extremo sul da Bahia. Preocupados com a ordem de despejo em massa, os indígenas realizaram uma manifestação, nesta terça-feira (7), em frente à Justiça Federal de Eunápolis, onde ocorreu uma audiência para discutir como se daria o cumprimento da sentença de reintegração.

    Por falta de precisão nos autos do processo, o juiz determinou que o autor da ação apresente novas informações, precisando os limites da área a ser reintegrada. Assim, o despejo acabou sendo adiado por até três meses para coleta de subsídios, mas não foi suspenso. A indicação, agora, é de que nem todas as cinco aldeias citadas inicialmente devem ser reintegradas nesta ação. A vitória, ainda que parcial, foi comemorada pelos indígenas.

    “Não existe nada de fazenda aqui. Essa área pertence aos indígenas, é uma área tradicional onde os indígenas ainda pescam, colhem fruta da mata nativa, onde tem mangaba, guaru, o coco do xandó e outras frutas da nossa alimentação. Ele [autor da ação] coloca que a terra é dele, mas não é. Essa área toda aqui praticamente não tem fazenda, é uma área de restinga, de lagoa, de mangue. E mesmo sendo área preservada, seguimos plantando mais árvores ainda, temos muito cuidado”, afirma Sinaldo Pataxó, cacique da aldeia Nova Coroa, uma das que constavam da primeira lista de áreas a serem despejadas.

    Imprecisão no processo

    A audiência realizada em Eunápolis deveria servir para que a Fundação Nacional do Índio (Funai) apresentasse um plano de desocupação das cerca de 500 famílias e mais de mil indígenas de uma área reivindicada pela empresa Góes Cohabita Administração, Consultoria e Planejamento Ltda., do setor imobiliário. Além do presidente e de procuradores da Funai, participaram da reunião representantes da Sexta Câmara do Ministério Público Federal (MPF), da Defensoria Pública da União (DPU) e da própria União, assim como lideranças Pataxó.

    Embora a decisão judicial inicialmente falasse na remoção de “400 famílias” Pataxó das “áreas invadidas” pelos indígenas, os representantes do MPF questionaram a falta de precisão sobre qual a área, exatamente, a Justiça determinou que seja reintegrada.

    Inicialmente, a informação era de que seriam despejadas as aldeias Nova Coroa, Novos Guerreiros, Mirapé, Txihi Kamayurá e Itapororoca, que compreendem uma grande área retomada pelos Pataxó a partir do ano de 2006.

    “A empresa é autora de outras ações de reintegração de posse e se diz proprietária de diversas áreas na região. Esta ação, entretanto, diz respeito apenas à Fazenda Ponta Grande e, assim, não compreenderia todas as aldeias citadas inicialmente. A reintegração, entretanto, ainda está mantida, mas talvez não para todas as aldeias”, explica Poliane Alves, assessora jurídica do Cimi – Regional Leste, que também acompanhou a reunião.


    Do lado de fora, indígenas acompanharam, mobilizados, a audiência na Justiça Federal de Eunápolis (BA). foto: Domingos Andrade/Cimi Regional Leste

    1.493 hectares para cinco mil indígenas

    Todas as aldeias citadas ficam em áreas que integram o território reivindicado pelos Pataxó como parte da Terra Indígena (TI) Coroa Vermelha, mas que acabaram ficando de fora da demarcação da terra feita em 1998 – na ocasião, foram demarcados apenas 1.444 hectares, dos mais de 20 mil reivindicados pelos indígenas. O equívoco gerou uma situação insustentável: atualmente, entre cinco e seis mil indígenas vivem na pequena área demarcada e em oito aldeias retomadas na parte do território que foi ignorada pelo Estado na primeira demarcação.

    “Desde que foram estabelecidos, os limites da demarcação foram questionados pelos indígenas. Um processo de revisão chegou a ser iniciado, mas foi interrompido em 2006. Com a interrupção da revisão de limites e sem espaço, os Pataxó resolveram retomar mais partes do território ignoradas pelo Estado”, explica Domingos Andrade, missionário do Cimi – Regional Leste.

    Foi no mesmo ano de 2006 que a empresa Góes Cohabita ingressou com uma ação de reintegração de posse e obteve decisão favorável da Justiça Federal de Eunápolis. Como a decisão nunca foi cumprida e o recurso da Funai não foi julgado pelo Tribunal Regional Federal (TRF), em 2016 a empresa solicitou à Justiça o cumprimento da sentença.

    “Todos os caciques estavam muito preocupados, porque a notícia que nós tivemos era que a Funai teria que tirar os indígenas e colocar em outras aldeias. Só que na área demarcada não tem espaço para colocar os indígenas, então nós iríamos ficar na beira da estrada”, afirma Sinaldo Pataxó, cacique da aldeia Nova Coroa, uma das áreas de retomada que integram o território reivindicado como parte da TI Coroa Vermelha.

    “Houve essa ocupação em 2006. Estamos aqui numa área de preservação ambiental, ao lado da reserva da Jaquira, porque a área demarcada foi muito pequena, muito abaixo do seu tamanho certo. Novoa Coroa já tem Luz para Todos, escola, água canalizada, ruas aterradas e vivem nela 182 famílias”, explica o cacique, salientando o desastre que seria a execução da reintegração na sua aldeia.

    Apesar do alívio temporário, as informações soliticitadas pelo juiz ainda podem resultar na reintegração de algumas das aldeias Pataxó inicialmente citadas na ação.


    Indígenas acompanharam, mobilizados, a audiência na Justiça Federal de Eunápolis (BA). foto: Domingos Andrade/Cimi Regional Leste

    “Não tem fazenda nenhuma lá”

    A região onde vivem os Pataxó é muito visada pelas empresas do ramo imobiliário e do turismo, e a especulação dos setores já gerou outros conflitos, invasões de terras indígenas e despejos na redondeza, a exemplo do ocorrido em outubro na aldeia Aratikum. Os indígenas questionam a existência de uma fazenda na área em disputa na Justiça Federal e afirmam que o objetivo da empresa é construir condomínios, destruindo a biodiversidade de uma área ainda preservada.

    “Essa empresa continua aterrando os lagos e os mangues, vendendo e fazendo condomínios em cima. É isso que eles querem fazer nesse lugar que eles chamam Fazenda Ponta Grande”, denuncia o cacique Sinaldo Pataxó. “Não tem fazenda nenhuma lá, dentro dessa área tem uma lagoa muito grande, de mais ou menos mil metros quadrados. A Justiça precisa fazer esse levantamento”.

    No despacho da audiência, o juiz determinou um prazo de 15 dias para que o autor da ação precise os limites da fazenda, 30 dias para que a Funai apresente um relatório sobre a ocupação indígena na área e um plano de desocupação, outros 30 dias para a União se manifestar, 15 dias para a DPU e outros 15 para o MPF, para que então ele volte a avaliar o caso.

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  • 09/03/2017

    Em busca de comida, mais de 100 índios venezuelanos Warao migram para Manaus


    Crédito da foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real


    Por Síntia Maciel, especial para a Amazônia Real

    Quem circula diariamente pelo entorno da Rodoviária de Manaus, nas ruas do Centro ou do bairro Educandos já percebeu homens, mulheres e crianças falando uma língua estrangeira desconhecida, ou um espanhol incompreensível. As mulheres chamam a atenção pelos longos cabelos escuros e saias e vestidos coloridas. Esses são os índios venezuelanos da etnia Warao, que estão migrando desde o mês de janeiro à capital amazonense em busca de comida.

    Eles, que falam a língua do mesmo nome da etnia, estão longe de casa a uma distância superior a 1.700 quilômetros. São os povos mais antigos do Delta do Orinoco, conhecidos também como “pessoas da canoa”.

    Segundo a Pastoral do Migrante, ligada à Arquidiocese de Manaus, um mapeamento identificou a presença de 130 índios Warao na cidade no mês de janeiro de 2017. Atualmente, eles somam 115 divididos em três grupos. Um deles, com 30 pessoas, está abrigado há mais de um mês no entorno da Rodoviária, que fica na zona centro-sul da cidade.

    No local, eles dormem em barracas de lona azul. Lavam as roupas e as penduram na cerca de arame farpado da rodoviária, como se fosse um gigante varal. Tudo que eles têm dentro das barracas são sacolas com alimentos, calçados, medicamentos, roupas, brinquedos, entre outros itens, doados pela população de Manaus; pessoas ligadas a igrejas, escolas e o cidadão comum que tem o sentimento humanitário e solidário.

    Como já publicou a agência Amazônia Real, os índios Warao fogem para cidades brasileiras do extremo Norte desde 2014, quando a crise política e econômica na Venezuela se agravou, provocando a falta de gêneros alimentícios, de higiene pessoal, remédios, atendimento de saúde e energia para a população.

    Os índios viajam das aldeias do Delta do Orinoco, no estado Delta Amacuro, no nordeste do país vizinho, em canoa, ônibus, pegando carona ou pagando táxi para fazer um percurso de 925 quilômetros até chegar à fronteira de Santa Elena do Uairén com Pacaraima, em Roraima.

    Mas em Roraima, os Warao foram hostilizados por parte da população. Entre 2014 e 2016, a Polícia Federal deportou 532 índios a pedido da Prefeitura de Boa Vista, que atendeu a uma solicitação de populares descontentes com os índios pedindo esmolas nos semáforos. Em 9 de dezembro do ano passado, a polícia tentou fazer uma deportação em massa de 450 indígenas, mas a Justiça Federal suspendeu a ação.

    A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público Federal (MPF), em Brasília, e de mais 11 organizações signatárias dos Direitos Humanos, que defendem os direitos e a proteção dos povos indígenas e os direitos de migrantes e refugiados, entre elas a Conectas e a Cáritas Arquidiocesana, da Igreja Católica, protestaram contra as deportações em massa dos Warao pela PF.

    A polícia justificou as deportações sob o argumento de os índios Warao serem “estrangeiros que estão sem documentos regular de entrada ou vencido exercendo atividade artística remunerada, inclusive, pedindo esmolas ou vendendo artesanatos nas ruas e semáforos, o que é incompatível com a condição de turista”, diz uma nota divulgada pela PF de Roraima.

    Cruzando a floresta amazônica

    Para chegar a Manaus, os índios Warao partem de Boa Vista de ônibus e percorrem os 781 quilômetros da viagem pela rodovia BR 174 – que liga os estados do Amazonas e Roraima – a região mais preservada da floresta amazônica.

    Na rodoviária onde está abrigado em uma barraca de lona, o indígena Warao Elias Perez, 28 anos, disse em entrevista à Amazônia Real que viajou acompanhado da esposa grávida de cinco meses, Domidia, 25 anos. Ele contou que enfrentou três dias de viagem a bordo do ônibus. O objetivo da migração, segundo ele, foi a busca por comida.

    “Na Venezuela não temos emprego, não temos comida, não temos remédios, não temos esperanças de nada. A nossa única saída foi vir para o Brasil para conseguir alimentos, roupas, dinheiro e o mais que pudesse, para voltar e ajudar nossos irmãos. O governo [venezuelano] não nos ajuda em nada”, desabafa.

    Perez conta que na Venezuela trabalhava fazendo pequenos serviços, mas em virtude da crise que tomou conta do país não conseguiu nem mesmo quintais para capinar e, assim, sustentar a família. A expectativa dele é partir de Manaus para casa, no Delta do Orinoco, no próximo mês de abril. Para isso, eles pretendem arrecadar dinheiro para comprar as passagens de ônibus.

    As empresas que fazem o transporte interestadual entre Manaus e Boa Vista cobram pela passagem de ônibus de R$ 100 a R$ 164,00. As crianças com até 6 anos de idade não pagam. Os idosos com documentação do benefício da previdência social poder receber descontos e até a gratuidade da passagem, mas essa opção não inclui aos imigrantes.



    Crédito da foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real

    Manauaras compram artesanatos

    Uma das formas que os índios Warao conseguem dinheiro para comprar as passagens de ônibus é vendendo artesanato, arte que predomina nas aldeias desse povo, também conhecido como ‘pessoas da canoa’, pois são exímios pescadores.

    A adolescente Siomara Moranera tem 17 anos. Ela, a mãe, Zulema Moranera, 35 anos, a avó, Cornotera Moranera, 65 anos, e dois irmãos, de cinco e sete anos de idade, estão abrigados na rodoviária de Manaus. Todas as mulheres são artesãs.

    “Faço colares, pulseiras, brincos e a minha mãe com a minha avó saem para vender diariamente no Centro de Manaus. As peças variam de R$ 2 a R$ 5. É a única forma que temos para levantar algum dinheiro para comprar nossas passagens de volta para casa”, destaca a jovem indígena Warao.

    Assim como Elias, Siomara reclamou da falta de oportunidades na Venezuela. “É grande o desemprego e o desespero entre os venezuelanos. Muitas pessoas estão passando fome por não conseguir uma ocupação remunerada”, diz.

    Apesar da ajuda que vem recebendo da população de Manaus, com doação de roupas, gêneros alimentícios, entre outros materiais, tanto Siomara quanto Elias não souberam dizer quando irão voltar para a casa. Eles dizem que não há perspectivas de uma vida melhor em seu país.

    Ajuda humanitária

    Na primeira quinzena de fevereiro deste ano, um grupo de 40 alunos da Escola Adventista realizou uma ação solidária na rodoviária de Manaus. Eles distribuíram alimentos não perecíveis, brinquedos e roupas aos indígenas Warao. Um levantamento preliminar, de acordo com a diretora-geral das Escolas Adventistas do Amazonas e Roraima, Edeíse Printes, identificou as necessidades do grupo.

    “Ao longo dos anos trabalhamos vários projetos de ação social e sempre envolvemos os jovens das nossas escolas. No levantamento feito aqui [Manaus], identificamos 30 pessoas e o que de mais urgente elas precisavam, como roupas e alimentos não perecíveis″, informa Printes. Segundo ela, uma ação semelhante também foi realizada pela igreja em Boa Vista.

    A chegada dos índios Warao a Manaus chamou a atenção da Pastoral do Migrante, ligada à Arquidiocese de Manaus. A coordenadora da instituição, Valdiza Carvalho, diz que é preocupante no grupo a falta de documentação de identificação e a vulnerabilidade de mulheres e crianças. Por isso, segundo ela, as ações humanitárias junto aos indígenas precisam ser feitas quando chegam na cidade.

    Desde o final de 201o o fluxo migratório de estrangeiros aumentou em Manaus. Os haitianos chegaram em massa após o terremoto que devastou Haiti. Entre 2011 e 2016 foram mais de 10 mil pedidos de refúgio solicitados pelos imigrantes na capital amazonense.

    Atualmente esse fluxo migratório de haitianos caiu, segundo a Pastoral. De dezembro de 2016 a fevereiro de 2017 chegaram apenas 154 haitianos.

    Conforme Valdiza Carvalho, um mapeamento realizado por instituições envolvidas com ações humanitárias identificou a imigração de 130 indígenas Warao desde o mês de janeiro de 2017. Desse número, porém, ao menos 15 Warao já retornaram para a Venezuela de ônibus, durante o período do Carnaval, restando na cidade 115 migrantes.

    No caso dos índios Warao, a coordenadora da Pastoral do Mirante constatou que eles não querem ir para um abrigo público. “Em virtude da questão cultural, os indígenas não quiseram ficar nos abrigos que conseguimos, por serem fechados. Eles preferirem locais abertos”, diz Valdiza Carvalho.

    Segundo ela, representantes da pastoral participaram de reuniões na Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc) do estado e na Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos (Semasdh) nas quais foram traçadas algumas estratégias para a ajuda humanitária aos índios Warao. As pessoas doentes foram encaminhadas a unidades de saúde, diz. “A nossa preocupação maior é com as crianças que se encontram nas ruas, correndo riscos”, afirma Valdiza Carvalho.

    Ela disse que os indígenas migrantes da Venezuela que permanecem na cidade são acompanhados pela Pastoral do Migrante e pelas secretarias do governo e da prefeitura. No próximo dia 20 de março haverá uma nova reunião para avaliar a situação deles. “Essa será a quarta reunião em que será avaliado o que as duas secretarias [Sejusc e Semmasdh] podem fazer pelos indígenas que ainda estão aqui em Manaus”, diz Valdiza Carvalho.



    Crédito da foto: Marcelo Mora/Amazônia Real

    Pastoral descarta deportação

    Indagada pela Amazônia Real sobre as deportações que a Polícia Federal fez de índios Warao em Roraima e contestadas pelo Ministério Púbico Federal, a coordenadora da Pastoral do Migrante descartou uma ação semelhante da PF em Manaus.

    “Ao contrário do que ocorreu em Boa Vista, em Manaus não há esse risco. A Polícia Federal não tem dinheiro para custear as passagens para deportar essas pessoas. Eles não estão fornecendo formulários para quem precisa emitir alguns documentos, imagina pagar a passagem de volta dessas pessoas, ainda que seja via deportação”, afirma Valdiza Carvalho.

    A Amazônia Real procurou a Superintendência da Polícia Federal no Amazonas para a Delegacia de Migração falar sobre os índios Warao. As perguntas foram enviadas por e-mail mas não foram respondidas até o momento, entre elas, sobre o número de imigrantes venezuelanos em Manaus, destacando o total de indígenas. A reportagem apurou que, por duas vezes, agentes federais estiveram no abrigo de índios na rodoviária da cidade, mas sem abordagem ostensiva.

    Em Boa Vista os Warao tem um abrigo

    Na capital de Roraima estão vivendo atualmente 209 índios Warao no abrigo administrado pelo Centro de Referência ao Imigrante (CRI), segundo a Coordenação do Gabinete Integrado de Gestão Migratória de Roraima (CAMs), ligado a Secretaria de Defesa Civil. A assessoria de imprensa do governo disse que não há uma estatística sobre o número de índios dessa etnia na cidade de Pacaraima.  

    Segundo a CAMs, 30 mil venezuelanos migraram para Roraima entre 2015 e 2016, sendo que mais de 900 eram índios Warao. A coordenação disse que a criação do Centro de Referência ao Imigrante (CRI) os migrantes indígenas passaram viver no abrigo, onde têm alimentação e atendimento médico. “Dessa forma reduziu-se a necessidade da mendicância. Além disso também houve uma campanha de conscientização da população no sentido de não estimular mais a mendicância. Assim muitos [ Warao] retornaram à Venezuela ou dirigiram-se para Manaus”, disse a assessoria

    Sobre o atual fluxo migratório de venezuelanos para Roraima, a assessoria da CAMs disse que está prosseguindo de forma constante. “Não há indicações de que essa situação irá se alterar”, informou a assessoria.

    Leia mais sobre a crise na Venezuela aqui: As migrantes mulheres

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  • 09/03/2017

    Justiça do MT decide: perdão do Código Florestal é inconstitucional


    Crédito: Gilberto Vieira/Cimi


    O Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), por meio da Terceira Câmara Cível, chegou a uma decisão inédita que pode reverter a anistia aos desmatadores: o artigo 67 da  lei 12.651/12 (Código Florestal) é inconstitucional. O artigo trouxe uma espécie de perdão aos fazendeiros que tenham desmatado até 2008.

    Ao condenar um fazendeiro a pagar dano moral coletivo e recuperar a reserva desmatada ilegalmente, na floresta nativa do bioma amazônico, no município de Vera, a 458 km de Cuiabá, a desembargadora relatora do processo, Maria Erotides Kneipe, alegou que a norma descrita no artigo 67 do Código Florestal “não se encontra em harmonia com a Constituição, especialmente com o princípio da isonomia e da dignidade humana”.

    O réu é proprietário de uma fazenda de 50,4 hectares, dos quais desmatou 40 hectares, deixando uma reserva legal de apenas 10 hectares, numa região da Amazônia Legal em que a determinação de preservação é de 80% da propriedade.

    O processo é fruto da insistência do Ministério Público do Estado. O MPE recorreu da sentença de primeira instância que determinou que o réu apenas se abstivesse de desmatar ou de utilizar a reserva sob pena de multa de R$ 1 mil. A decisão não concedia o pedido de dano moral coletivo.

    Ao julgar o recurso, a Terceira Câmara Cível reformulou a sentença e fixou danos morais coletivos no valor de R$ 10 mil, além da obrigação do proprietário de reparar o dano ambiental causado pelo desmatamento, fixando uma multa de mais R$ 10 mil em caso de descumprimento.

    Veja aqui a sentença na íntegra.


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  • 09/03/2017

    Madeireiros invadem floresta no Maranhão e intimidam indígenas Gavião


    Caminhão madeireiro interceptado pelos Gavião. Crédito: Guarda Florestal Gavião



    Por Felipe Milanez e Maykon Melo, Carta Capital

    O povo Gavião Pyhcop catiji (Pykobjê), no Maranhão, grita por socorro. Suas terras, assim como dos Kaapor , dos Guajajara, dos Áwa Guajá e de populações quilombolas e camponesas, estão sendo invadidas e saqueadas.

    Nesta segunda-feira 6, um casal, José Caneta Gavião (Cu Carut, entre seu povo) e Sônia Vicente Cacau Gavião (Cry Capric), foi atropelado e morto por um caminhão madeireiro. O crime aconteceu na cidade de Amarante do Maranhão, a mais próxima da Terra Indígena Governador, e indígenas do povo Gavião reconheceram tanto o caminhão, quanto o motorista, pelas práticas ilegais de extração de madeira dentro do território.

    Essa é a terceira morte por atropelamento no último ano que os indígenas atribuem a represálias por suas ações contra madeireiros.

    Recentemente, a Comissão Pastoral da Terra divulgou que o Maranhão foi o segundo estado mais violento em conflitos no campo no ano passado, com pelo menos 12 assassinatos (em Rondônia, primeiro lugar, foram 17), ultrapassando o violento Pará em número de mortes.

    Foram 56 assassinatos em 2016. Um dos casos mais emblemáticos foi o assassinato da liderança quilombola Zé Sapo, em 31 de março, além de uma onda de assassinatos de indígenas Guajajara com seis mortes na sequência.

    Se uma ação de combate a madeireiros ilegais do Kaapor ganhou as mídias internacionais em 2015, graças a uma série de fotografias do combativo fotógrafo Lunaé Parracho, há muitas outras batalhas que estão acontecendo de forma anônima na Amazônia maranhense.

    Abaixo, o relato do antropólogo Maycon Melo, que trabalha há quatro anos com os Gavião no Maranhão e tem testemunhado a garra dos indígenas na defesa da floresta e a ação dos "Guardiões do território Pyhcop catiji".

    A agonia da etnia Gavião

    Por Maycon Melo*

    Nesta segunda-feira 06, na cidade de Amarante do Maranhão , um homem, José Caneta Gavião (com nome de Cu Carut entre seu povo) e sua esposa, Sônia Vicente Cacau Gavião (com nome de Cry Capric), indígenas da etnia Gavião Pyhcop catiji (Pykobjê), foram atropelados por um caminhão madeireiro e morreram no local.

    Carregado de toras extraídas ilegalmente da terra indígena Governador, o motorista fugiu sem prestar socorro e ainda não foi identificado pelas autoridades – mas foi reconhecido por indígenas que testemunharam o crime. O duplo homicídio é mais um crime que vem a agravar a trágica situação enfrentada pelos povos indígenas no estado frente ao avanço da madeira ilegal e do desmatamento

    Em dez anos, a Amazônia maranhense perdeu 60% de sua cobertura vegetal. Este brutal desmatamento devasta o que resta das florestas em reservas, APP’s e terras indígenas. As maiores vítimas desse saque estão sendo os indígenas e camponeses que estão sendo assassinados por tentarem impedir esses crimes ambientais.

    O povo Gavião Pyhcop catiji (Pykobjê) que vive na TI Governador é um dos afetados pelas máfias de madeira. Cansados de ver sua terra invadida e da apatia dos órgãos responsáveis pela fiscalização, formaram um grupo para monitorar e proteger seu território: "Guardiões do território Pyhcop catiji".

    Seguem o mesmo caminho dos Urubu Kaapor, no mesmo estado – que ganharam notoriedade internacional ao ter uma de suas operações de combate a madeira ilegal retratados pelo fotógrafo da Reuters Lunaé Parracho. E os Tenetehara-Guajajara, que tiveram seis vítimas assassinadas ano passado por madeireiros (leia aqui sobre a onda de assassinatos).

    Essa resistência dos Gavião e a omissão dos aparelhos repressivos do Estado para combater as ilegalidades têm aumentado o risco de conflito armado dentro da mata e já resultou em ao menos três mortes.

    No início deste ano, a equipe indígena de monitoramento, chamada "Guardiões do território Pyhcop catiji", localizou um ramal na floresta feito pelos madeireiros onde ocorria grande retirada de madeira. Os Guardiões , um grupo criado pelos próprios indígenas em 2015 para combater a madeira ilegal,cercaram a área, expulsaram os madeireiros e apreenderam caminhões, motos, equipamentos e muita madeira pronta a ser transportada. Em seguida, os Gavião protocolaram no dia 17 de janeiro uma denúncia junto ao Ministério Público Federal – até hoje sem qualquer resposta.

    Nas fiscalizações, os indígenas localizaram quatro pontos de desmatamento no interior da TI Governador: Jurema, Santa Quitéria, Jatobá e Feijão.

    Em fevereiro, visitei um destes acampamentos, no Feijão. São quase 20 quilômetros de "arrastão", que percorrem estradas largas abertas pelos madeireiros dentro da floresta- Estas vias sobem e descem aclives, contornam brejos e, e ainda utilizam madeira ilegal para pontes, garantindo permanente fluxo de caminhões carregados mesmo no período das chuvas. As madeiras procuradas são Aroeira, Sucupira, Ipê, Jatobá e Capitão do Mato, essa última usada na produção de carvão que é consumido pelas siderúrgicas de ferro gusa.

    Marcelo Gavião, um dos Guardiões indígenas, diz que há muito tempo os madeireiros estão nesse ramal do Feijão. Primeiro, eles localizam as árvores usando motos; em seguida, constroem, estradas , derrubam as árvores e preparam o carregamento. O trabalho dos madeireiros começa no fim do dia e se estende noite adentro; o transporte da madeira é feito de madrugada.

    Apenas no ramal do Feijão os Guardiões conseguiram resgatar "três carradas" de madeira, o equivalente à carga de três caminhões de porte médio, mas contam que uma quantidade muito maior de madeira foi transportada pelos madeireiros antes dessa ação.

    Na ponta oposta da TI Governador, no local chamado Santa Quitéria, os Guardiões localizaram uma carvoaria dentro dos limites de seu território, queimando madeira derrubada daquele mesmo local. Na localidade Jatobá, um fazendeiro roçou quase três quilômetros dentro da TI e plantou milho, arroz e mandioca.

    Segundo alguns dos "Guardiões" mais velhos que estiveram no local, o próprio marco que delimita as terras dos Gavião foi deslocado para dentro dos limites da terra indígena, aumentando ainda mais a área plantada do fazendeiro.

    Ninguém tem certeza sobre quem são os envolvidos, mas os indígenas possuem pistas da finalidade da madeira ilegal que sai da TI Governador. E não se trata de madeira para exportação, mas para o mercado local e informal. Roberto Gavião conta que  essas árvores da Amazônia maranhense são retiradas para servir de estaca em cercas, currais e na construção civil, justamente por sua durabilidade.

    A maioria delas não chegam a marcenaria alguma, são vendidas diretamente nas propriedades ou em pequenos comércios de cidades e povoados ao redor de Amarante do Maranhão em um percurso de 150 quilômetros até a cidade de Imperatriz.

    Acuados dentro de sua própria terra os Gavião sentem medo de se deslocar pela mata nas proximidades dos ramais madeireiros. O medo de frequentar as extremidades da TI se estende nos deslocamentos ao município de Amarante, onde são afrontados por políticos, comerciantes e, claro, fazendeiros e madeireiros envolvidos na extração ilegal de madeira.

    Quase todas as 11 aldeias na TI Governador estão próximas de ramais madeireiros. O arrastão no Feijão fica a menos de 20 km da Aldeia Governador, e no fim do dia é possível ouvir o barulho de motosserras e caminhões.

    Em 14 de fevereiro, o Conselho Missionário Indigenista (CIMI) publicou reportagem na qual as lideranças do povo denunciam que a extração ilegal de madeira é realizada em uma forma de acordo entre fazendeiros, madeireiros e donos de carvoarias (leia aqui) .

    Nos últimos anos, a violência tem aumentado cada vez mais. Em 2013 se organizaram e apreenderam dois caminhões, um trator, motos, motosserras e madeira retirada ilegalmente em suas terras.  Sem  ação da Polícia Federal, foi criado um cenário de terror nas aldeias. Na cidade, não eram atendidos em certos estabelecimentos comerciais e nem pelos serviços públicos, como em saúde e educação.

    O estopim das ameaças aconteceu em uma noite quando cortaram os fios de eletricidade que vai para a TI Governador, deixando todas as aldeias sem luz, sem água e com medo de uma invasão. Segundo Roberto Gavião, foi preciso um contingente de 30 carros da Polícia Federal para recolher os veículos, equipamentos e madeira apreendidos na Aldeia Governador, já que os fazendeiros e madeireiros bloqueavam a estrada e impediam a passagem.

    Ao menos três indígenas foram mortos em razão de se oporem à atividade madeireira ilegal . Ano passado, o cacique da Aldeia Riachinho, Joel Gavião, foi encontrado morto ao lado de sua moto depois de uma colisão na rodovia MA 122 –  o motorista do outro veículo fugiu sem prestar socorro.

    Nenhuma pericia foi realizada, e como o cacique era contrário aos desmatamentos, indígenas acreditam que sua morte está diretamente relacionada as ameaças que ele recebia. Da mesma forma creditam aos madeireiros a responsabilidade pela morte do casal atropelado em março de 2017.

    Segundo Marcelo Gavião e outros indígenas com quem tenho convivido nos últimos quatro anos, a única solução para por fim aos conflitos deve ser não só a fiscalização da área já demarcada, como a demarcação de partes do território que, por erros e corrupção do passado, ficaram de fora. Entre as áreas tradicionais não demarcadas estão justamente antigas áreas de caça e pesca fundamentais para sobrevivência do povo.

    Essa revisão de um erro histórico já possui um relatório de identificação e delimitação, ainda não publicados pela Funai . Indígenas atribuem as invasões e os conflitos também à morosidade da revisão da demarcação.

    Os Gavião estão gritando por socorro, pedindo ajuda para proteger a floresta. Mas, também estão dispostos a ação direta, mesmo sabendo que além da floresta, suas vidas também podem ser tombadas por mãos brancas.

    *Antropólogo e doutorando em Ciências Sociais na Universidade Federal do Maranhão


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  • 08/03/2017

    Lançamento do documentário ‘Enchente: o outro lado da Barragem Norte’, sobre a grande obra que impactou a vida do povo Xokleng Laklãnõ

    Na década de 1970, no auge da ditadura militar, sem qualquer consulta, informação ou respeito ao povo Xokleng Laklãnõ, o governo construiu uma Barragem na porta da terra Indígena “Ibirama Laklãnõ”, no alto vale do Itajaí – Santa Catarina, chamada Barragem Norte.


    Assista ao teaser do documentário aqui.

    Destruiriam a vida de um povo milenar para proteger a população de Ibirama, Indaial e Blumenau que com mais outras duas barragem protegeria toda a população que se assentou às margens do rio Itajaí nos séculos XIX e XX.


    Ocorre que a Barragem Norte, a maior das três, destruiu a vida do povo Xokleng Laklãnõ, alagou as terras de várzea, cobriu a aldeias e lavouras existentes, destruiu a fonte da vida que provinha das águas límpidas e piscosas do rio Itajaí do Norte.  Foi um desastre geral. Para o povo Xokleng Laklãnõ restou um lago lamacento e podre, que oscila em decorrência das chuvas. Estradas são interrompidas, casas são alagadas, a escola é fechada, famílias ilhadas e nos últimos anos começou desmoronamentos de terra em virtude da oscilação da água.

    Esse contexto, com depoimento dos próprios indígenas, é retratado no documentário – ENCHENTE: O OUTRO LADO DA BARRAGEM NORTE, realizado pela Café Cuxá Filmes e produzido pelo Conselho Indigenista Missionário – Regional Sul, Conselho de Missão entre Povos Indígenas da IECLB, Fundação de Ensino Regional de Blumenau  e Universidade Federal da Integração latino Americana, com o Apoio da CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço, Instituto das Irmãs de Santa Cruz e da Brot Für Die Welt.

    O pré-lançamento está agendado para o dia 09 de março, quinta-feira, às 18h30min no auditório do CFH da UFSC, bairro Trindade, Florianópolis – SC.

    O documentário quer ser um espaço de diálogo com a população regional que desconhece o problema vivido pelos povos indígenas. Também deseja ser um espaço de denúncia das violações promovidas pelas autoridades brasileiras. Acima de tudo é um grito de socorro do povo Xokleng Laklãnõ.

    Contatos: Osmarina de Oliveira (045) 9 9910 2240 – [email protected] | Clovis Brighenti (045) 998076716 – [email protected]

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  • 07/03/2017

    Nota da Apib de Repúdio contra o ministro da Justiça anti-indígena Osmar Serraglio

    A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) repudia a nomeação do ruralista Osmar Serraglio como Ministro da Justiça a qual caracteriza mais um golpe contra os direitos dos povos indígenas, uma manifestação explícita da vontade do governo ilegítimo de Michel Temer e de sua base aliada de consumar o processo de regressão e supressão dos direitos humanos fundamentais, direitos originários e permanentes desses povos consagrados pela Constituição Federal de 1988.

    Osmar Serraglio foi um dos mais atuantes da bancada ruralista e da turma de deputados declaradamente racistas da região sul do país, postuladores e ferrenhos defensores da PEC 215/00, contra a qual os povos indígenas se mobilizaram bravamente nos últimos 05 anos. Presidiu em  2016 a Comissão de Constituição e Justiça quando aconteceu a cassação do mandato de Eduardo Cunha, porém sempre foi membro da tropa de choque deste ex-parlamentar, defendeu abertamente o desembarque do PMDB do anterior governo e votou a favor da abertura do impeachment que culminou com o golpe parlamentar, midiático e empresarial que hoje arremete rotineiramente contra os direitos indígenas.

    Escolhido como parte da demanda da bancada do PMDB, Serraglio é dos que querem a mudança nos procedimentos de demarcação das terras indígenas, a revisão das demarcações concluídas e a consolidação da tese do marco temporal, em suma, dos que defendem o fim da demarcação das terras indígenas. E ainda, dos que usam os pequenos agricultores para camuflar os interesses do agronegócio e incitar práticas de ódio, racismo e violência contra os povos indígenas nos territórios.

    Sabendo que é reconhecido publicamente como um dos principais inimigos dos povos indígenas, Serraglio teve ainda o descaro de enviar convites para a sua posse a várias lideranças indígenas, afrontando mais uma vez especialmente aquelas que mais tem combativo o seu mandato e atuação.

    Com um ministro da Justiça desse tipo, aos povos indígenas só resta continuar lutando inclusive à custa da própria vida na defesa de seus direitos constitucionais, principalmente territoriais.

    Pelo direito de viver!

    Brasília – DF, 07 de março de 2017.

    Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

    Mobilização Nacional Indígena

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  • 07/03/2017

    Transposição das águas do São Francisco, a hora da verdade



    Por Roberto Malvezzi, o Gogó* – CPT

    Há uma certa euforia a respeito da reta final da Transposição de águas do São Francisco para o chamado Nordeste Setentrional. Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, disse que a “Transposição de Lula é um sucesso”. É compreensível também a euforia da população receptora. Nós aqui, que somos obrigados a olhar a floresta e não só a árvore, mantemos nosso olhar crítico sobre essa obra.

    Em primeiro, a água ainda não transpôs o divisor e não chegou aos estados do Setentrional, mas permanece nas barragens do Pernambuco. Houve vazamento na barragem de Sertânia e o município foi obrigado a remover 60 famílias atingidas pelo vazamento. Houve morte de pequenos animais e destruição de bens familiares.

    Segundo, permanecem as encruzilhadas da obra que sempre chamamos a atenção: essa água transposta será para o povo necessitado dos estados receptores ou para o agro-hidronegócio e indústria? Dilma já disse que para real posto nos grandes canais, serão necessários dois reais para fazer as adutoras que, de fato, levarão a água aos municípios.

    Essa é a primeira diferença entre o projeto de várias adutoras – que defendíamos – e a mega obra da Transposição. Se a opção fosse pelas primeiras, a água já teria ido direto – por tubulação simples – para os serviços municipais de água e estariam dispensados os grandes canais. A opção foi pela grande obra. Talvez hoje, depois da Lava-Jato, fique mais claro o porquê.

    Acontece que o cenário político mudou. Se Lula-Dilma tinham interesse em fazer as adutoras a partir dos grandes canais, o atual governo pretende criar o maior mercado de águas do mundo, privatizar as águas da Transposição – que significa também privatizar a água de chuva já acumulada nos reservatórios do Setentrional – e não demonstra interesse algum em fazer sua distribuição.

    Por último, a revitalização do São Francisco. Lula-Dilma diziam que iriam fazer a revitalização do São Francisco simultaneamente à grande obra da Transposição. O único investimento que deu resultado foi o saneamento, embora ainda inconcluso e desperdiçando obras iniciadas como as estações de tratamento de Pilão Arcado e as adutoras em Remanso. Aqui em Juazeiro o saneamento avançou.

    Essa iniciativa é positiva, mas insuficiente. Sem atacar as causas de destruição do São Francisco, que abrange toda sua bacia, mas principalmente a devastação do Cerrado, não haverá São Francisco em breve tempo.

    Hoje, o São Francisco está com uma vazão de 750 m3/s, quando nos garantiam que a partir de Sobradinho sempre seria de 1800 m3/s.. Portanto, hoje o volume de água é 1/3 do que os técnicos previam para garantir a água da Transposição.

    Sobradinho – a caixa d’água que garante o fluxo abaixo – está com 11% de sua capacidade. O período chuvoso está terminando e todos os usos na bacia, a não ser por um milagre da natureza, estarão comprometidos.

    Hoje o mar avança de 30 a 50 km São Francisco adentro, salgando as águas que abastecem a população ribeirinha de Sergipe e Alagoas. Se continuar nesse ritmo, em breve comprometerá a adutora que abastece Aracaju. O rio perdeu força, o mar avança.

    O que tem salvado a população nordestina nesses 6 anos de seca foi a malha de pequenas obras hídricas, como as cisternas. Com essas tecnologias e outras políticas sociais vencemos a fome, a sede, a miséria, a migração, os saques e a mortalidade infantil. O IDH subiu em toda a região e o crescimento foi visível em relação a outras regiões do Brasil. Logo, não foi a grande obra. O paradigma da convivência com o Semiárido mostrou-se eficaz, enquanto o paradigma do combate à seca só encheu as burras dos coronéis.

    Portanto, olhando a árvore o sucesso da Transposição está garantido, olhando a floresta os problemas continuam e se acumulam.

    OBS: A intenção de Temer e Alckmin de tirar uma lasquinha na inauguração da Transposição excede todo ridículo.

    * Atua na Comissão Pastoral da Terra (CPT) e no Conselho Pastoral dos Pescadores na região do São Francisco. Articulista do Portal EcoDebate, e possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais.


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