14/10/2024

Comunidade Avá-Guarani sofre ataque a tiros em Guaíra (PR) e teme novas agressões

No domingo (13), a aldeia Y’Hovy, na Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá, no oeste do Paraná, foi atacada pela terceira vez neste ano com disparos de arma de fogo. Indígenas pedem proteção

Indígenas se abaixam e buscam se proteger dos disparos realizados neste domingo (13) contra comunidade da aldeia Y'Hovy, na TI Tekoha Guasu Guavirá, no oeste do Paraná. Foto: reprodução/vídeo do povo Avá-Guarani

Indígenas se abaixam e buscam se proteger dos disparos realizados neste domingo (13) contra comunidade da aldeia Y’Hovy, na TI Tekoha Guasu Guavirá, no oeste do Paraná. Foto: reprodução/vídeo do povo Avá-Guarani

Por Assessoria de Comunicação do Cimi

No final da tarde deste domingo (13), a comunidade Avá-Guarani da aldeia Y’Hovy, no município de Guaíra, no oeste do Paraná, viveu momentos de terror. Disparos de arma de fogo foram efetuados sobre um campo onde jovens e crianças jogavam futebol, na direção da casa de uma das lideranças da comunidade, mas não deixaram ninguém ferido. No início da noite, mais disparos e fogos de artifício também foram ouvidos e deixaram os indígenas em alerta.

Os indígenas relatam que os primeiros disparos ocorreram por volta das 18h. Eles afirmam que foram vários disparos em poucos segundos, com uma arma que parecia de grosso calibre, como “um fuzil ou uma metralhadora”.

Os disparos, segundo uma carta da comunidade denunciando o ataque, chegaram a atingir um poste próximo ao campo de futebol – que, por sua vez, fica próximo à casa de uma liderança do tekoha. Quando perceberam que estavam sendo alvo de um ataque, alguns jovens, crianças e adultos Avá-Guarani que estavam no campo correram e outros se deitaram no chão, buscando proteção.

“Todos entraram em pânico, correndo para lá e para cá. Quando eles ainda estavam no campo, jogando bola, começaram os primeiros disparos. Foi em questão de segundos, disparos de arma pesada, não é espingarda ou pistola. Foi tiro de fuzil, metralhadora. Então, não deu tempo de pegar o celular para gravar”, relata uma liderança da aldeia Y’Hovy, que por segurança não será identificada.

“Foi bem em cima do pessoal. Alguns se jogaram no chão, outros correram. Tinha muitas crianças, porque nos finais de semana todos se reúnem ali”, conta.

A liderança relata que, no meio da tarde, um carro havia passado pela comunidade, em baixa velocidade, filmando sua casa com um celular. Por isso, sentindo-se vulnerável, a liderança decidiu sair do local com seus familiares.

“Só deu tempo de andar uns dez ou vinte metros de casa, e os disparos começaram. Foi na nossa direção, muito em cima da minha casa. A gente ouve [os tiros] e percebe que não é uma arma qualquer, é uma arma que faz estrago. Que mata. Foi um momento muito aterrorizante para todos, ver a bala passando por cima da gente”, relata.

Depois que os tiros cessaram, os Avá-Guarani viram homens armados em dois carros numa fazenda próxima à retomada. Mais tarde, ocorreram explosões de fogos de artifício e mais disparos de armas de fogo, registrados em vídeo pelos indígenas (veja abaixo). O ataque foi denunciado às autoridades, e à noite a Força Nacional realizou algumas rondas nas proximidades da aldeia.

“Queremos ter o direito de viver e criar nossas crianças sem correr o risco de sermos vítimas de bala perdida. É urgente a proteção da nossa aldeia, pois só assim talvez essas perseguições cessem”

O tekoha Y’Hovy é uma das comunidades que compõem a Terra Indígena (TI) Tekoha Guasu Guavirá, que engloba áreas dos municípios paranaenses de Guaíra e Terra Roxa e por cuja demarcação o povo Avá-Guarani luta há décadas.

A partir de julho, as comunidades da TI Tekoha Guasu Guavirá sofreram uma série de ataques armados, que deixaram barracos destruídos, pelo menos dois indígenas feridos por atropelamentos propositais e sete por disparos de arma de fogo, quatro com mais gravidade. A violência contra as comunidades motivou a manutenção a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) na região, além de idas de autoridades do governo federal e de uma Missão de Direitos Humanos ao território.

Os Avá-Guarani cobram, na carta, que seja renovada a portaria que determina a atuação da Força Nacional na região, que vence em novembro. Por determinação do Ministério da Justiça, há um destacamento da força especializada nos municípios de Guaíra e Terra Roxa desde janeiro de 2024.

“Queremos ter o direito de viver e criar nossas crianças sem correr o risco de sermos vítimas de bala perdida. É urgente a proteção da nossa aldeia, pois só assim talvez essas perseguições cessem”, afirma a carta da comunidade. “Queremos e sonhamos em poder fazer nossas rezas em paz e em segurança”.

Mais ataques contra indígenas

Na última semana, pelo menos outras duas situações envolvendo ataques e intimidações contra comunidades Guarani Mbya foram registradas no Rio Grande do Sul. Na quarta-feira (9), integrantes da comunidade da Ponta do Arado, em Porto Alegre, foram intimidados por seguranças e funcionários de um empreendimento imobiliário.

Na madrugada de sábado (12), disparos de arma de fogo foram efetuados na entrada do Tekoa Yy Ryapu, em Palmares do Sul (RS). Os tiros atingiram uma placa com o nome da comunidade.

Leia abaixo a íntegra da carta da comunidade do tekoha Y’Hovy:

 

Nota de repúdio da aldeia Y’Hovy

Nós, Avá-Guarani da aldeia acima citada, viemos através deste repudiar um ato intimidador e muito perigoso que ocorreu no dia 13 de outubro de 2024 às 18h20 da tarde, na ampliação de Almirante (Y’Hovy), Eletrosul, Guaíra (PR).

No dia de ontem (domingo), como de costume, havia muitos Guarani jogando bola no campo de futebol do Almirante: tinha muitas crianças, mulheres, jovens no local, quando de repente houve disparo de arma de fogo (fuzil, metralhadora) vindo da direção de uma fazenda muito próxima da ampliação da aldeia Y’Hovy, no primeiro instante (segundos) os parentes não ligaram, pois não perceberam que os tiros vinham em direção a eles, quando perceberam que tiro acertava no poste de energia elétrica que fica na beira do campo. Esses disparos por pouco não atingiram crianças, tanto do Almirante quanto na segunda ampliação da Y’Hovy (em direção à Vila Eletrosul).

Pouco antes dos disparos, havia passado um carro, e com o celular filmando a casa e pessoas da nossa liderança que recentemente esteve na Europa, denunciando as violências já cometidas contra o nosso povo Avá-Guarani.

Desta vez, nenhum de nós foi alvejado, mas repudiamos esses tipos de tentativas de intimidar-nos. Pois o abalo emocional (psicológico) principalmente das pessoas que foram baleadas nos ataques anteriores foi muito revoltante em ver as crianças se apavorando e chorando muito.

Já havíamos repassado para as autoridades que a aldeia Y’Hovy corre grande risco de extermínio total ou parcial da aldeia, isso não deve ser considerado um exagero, pois até hoje os invasores não indígenas ainda não desocuparam a ocupação dentro da área da nossa autodemarcação, mesmo tendo reintegração de posse contra esses invasores, os policiais também não cumpriram a ordem do juiz. Enfim, estão todos do mesmo.

E pedimos mais uma vez que as autoridades competentes encontre o quanto antes uma forma legal para retirarem esses brancos da nossa retomada, pois caso contrário nós Guarani seremos obrigados a tirar os não indígenas do nosso território, pois tudo isso está desorganizando nossa aldeia internamente (pois os brancos estão entrando para morar na Y’Hovy, desrespeitando o cacique local totalmente).

Repudiamos a atitude de aproveitamento covarde que os brancos têm tido em se achar que também têm direito de morar no mesmo espaço que nós tivemos a iniciativa de ocupar. Entendemos que os não indígenas quiserem se organizar enquanto movimento eles têm direito a isso. Mas que procurem uma outra área, longe do nosso povo e é preciso uma investigação para punir o responsável que está por trás dessa organização criminosa que em menos de 10 meses já derramou sangue de oito de nós, mas que deixou também sequelas psicológicas que jamais serão cicatrizadas, pois feriram o nosso altar sagrado que é a nossa própria alma.

Queremos ter o direito de viver e criar nossas crianças sem correr o risco de sermos vítimas de bala perdida. É urgente a proteção da nossa aldeia, pois só assim talvez essas perseguições cessem.

E aqui mais uma vez aproveitamos para exigir a renovação da portaria para a permanência do efetivo da Força Nacional, especificamente na aldeia Y’Hovy.

Queremos e sonhamos em poder fazer nossas rezas em paz e em segurança.

14 de outubro de 2024.

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