Povo Kulina, em Carauari (AM), cria a Aipokru: Associação Indígena do Povo Kulina do Rio Ueré
A Associação surge de um processo de aprendizados do povo Kulina sobre associativismo, junto ao povo Kanamari, da mesma região, e parceiros. Diálogos e intercâmbios reuniram os povos e espelham as lutas

Assembleia Geral do povo Kulina do Rio Ueré realizada nos dias 26 a 28 de fevereiro, na aldeia Matatibem da TI Kulina do rio Ueré (AM). Foto: Geice Silva
“A associação trará mais fortalecimento, mais força pra nós povo Kulina do Rio Ueré”, assim definiu o presidente eleito da Associação Indígena do Povo Kulina do Rio Ueré (Aipokru), José Paulo Kulina, ao comentar sua criação durante a Assembleia Geral do povo realizada nos dias 26 a 28 de fevereiro, na aldeia Matatibem da Terra Indígena (TI) Kulina do Rio Ueré, município de Carauari (AM), região do médio rio Juruá.
Para o presidente eleito, esse foi o primeiro passo do seu povo para, organizados em uma associação, buscarem coletivamente as melhorias no território que tanto precisam.
“A associação trará mais fortalecimento, mais força pra nós povo Kulina do Rio Ueré”
“Em breve todos associados vão colaborar com seus compromissos para que, nós povo Kulina, chegue em uma meta bem avançada e possamos fazer projetos para a nossa associação Aipokru. O povo ficou muito animado, teve votação, eu fui escolhido presidente. Aceitei. Quero ajudar o pessoal, o povo a buscar a sabedoria”, disse o Kulina demonstrando satisfação e orgulho de seu povo que, por três dias, conversou, debateu e entendeu sobre associativismo.
A Aipokru nasce em tempos de muita resistência dos povos indígenas que enfrentam ameaças sem precedentes dos poderes político e econômico do país que almejam abrir as Terras Indígenas para explorações predatórias da natureza.
Tamanha resistência foi compartilhada pelas lideranças indígenas, por ocasião da 45ª Assembleia Regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Norte 1, em fevereiro, que contaram sobre suas realidades de violências que vivem em seus territórios, como invasões para saque dos recursos naturais, atividades ilegais de mineração e garimpo e avanço do agronegócio que chega nas aldeias com falsas promessas assediando e ludibriando com discursos de desenvolvimento econômico.
“Em breve todos associados vão colaborar com seus compromissos para que, nós povo Kulina, chegue em uma meta bem avançada”

Assembleia Geral do povo Kulina do Rio Ueré realizada nos dias 26 a 28 de fevereiro, na aldeia Matatibem da TI Kulina do rio Ueré (AM). Foto: Raimundo Francisco
O lema “A sabedoria dos povos indígenas como prática para o Bem Viver” da Assembleia Regional do Cimi vem ao encontro da proposta da Aipokru: “representar seu território e ser mais um mecanismo de fortalecimento do povo em suas causas”, diz Raimundo Francisco de Souza Silva, missionário do Cimi, Regional Norte 1, equipe Médio rio Juruá, que assessorou a Assembleia dos Kulina do Rio Ueré.
Raimundo relembra a trajetória de aprendizados em um evento de intercâmbio, no ano de 2024, com o povo Kanamari que, em processos semelhantes de formação em associativismo, decidiram pela criação da própria Associação.
“A Aipokru irá representar seu território e ser mais um mecanismo de fortalecimento do povo em suas causas”
“O povo Kulina do Rio Ueré participou de uma oficina sobre associativismo, em 2024, junto com o povo Kanamari. Na ocasião, os Kanamari criaram sua associação e eles [os Kulina] decidiram que iam começar a conversar sobre essa possibilidade em sua aldeia Matatibem. E assim aconteceu, depois de conhecerem o associativismo, como se organiza uma associação e as responsabilidades de cada associado e da diretoria, um ano depois, optaram por fundar a Aipokru”, explicou Raimundo.
Para o missionário, presenciar a construção de um espaço próprio, com autonomia e legitimidade do povo, foi um momento marcante. “Foi uma experiência muito gratificante e forte. A gente está acompanhando uma decisão do povo, para o povo, a partir do povo. Eles definem suas prioridades, entendem seus objetivos e trabalham para que se concretizem. Foram fortes e significativas as partilhas, a curiosidade, o entendimento que eles buscaram e conquistaram para chegar até esse momento”, comemora.
“Foi uma experiência muito gratificante e forte. A gente está acompanhando uma decisão do povo, para o povo, a partir do povo”

Assembleia Geral do povo Kulina do Rio Ueré realizada nos dias 26 a 28 de fevereiro, na aldeia Matatibem da TI Kulina do rio Ueré (AM). Foto: Geice Silva
As redes conquistam
Os povos indígenas têm buscado parceiros indigenistas defensores de suas causas, aliados de suas lutas para adquirir conhecimentos do mundo não indígena, porque entendem que a preservação das vidas no planeta, sejam elas em qualquer forma ou cultura, depende da união de esforços, do trabalho conjunto, em rede e com integração.
Por ocasião da Assembleia Regional do Cimi, as lideranças indígenas afirmaram que trabalhar em rede, indígenas e parceiros, na defesa dos direitos e territórios indígenas é o que impulsiona o caminhar, o esperançar e as conquistas.
“Os povos indígenas têm buscado parceiros indigenistas defensores de suas causas, aliados de suas lutas para adquirir conhecimentos do mundo não indígena”
Roberval Maraguá, da comunidade Terra Preta, da TI Maraguá Pajy, em Nova Olinda do Norte (AM), disse que a importância de “trabalhar em rede está em não estarmos sozinhos” na resistência em defesa da vida. “Contamos com a rede de proteção que construímos. Ela é a garantia de não desistir”, disse, afirmando que por mais que a luta se torne difícil é preciso seguir em frente.
Nessa perspectiva de apoio para a ação em rede, o povo Kulina do Rio Ueré procurou parceiros. Encontrou vários que deram as mãos e contribuíram com a troca de saberes e a construção da Aipokru.
“Contamos com a rede de proteção que construímos. Ela é a garantia de não desistir”

Assembleia Geral do povo Kulina do Rio Ueré realizada nos dias 26 a 28 de fevereiro, na aldeia Matatibem da TI Kulina do rio Ueré (AM). Foto: Raimundo Francisco
Milena Azevedo, representando o Fórum Território Médio Juruá, pela própria experiência do Fórum, que reúne várias organizações locais das populações tradicionais do médio rio Juruá, enalteceu que coletivamente os resultados são alcançados com mais efetividade e considerou que a Assembleia foi um ponto crucial para a formação de uma organização própria do povo Kulina na aldeia Matatibem, tendo em vista o fortalecimento da comunidade e a promoção de seus direitos.
“Ao se reunir e decidir coletivamente, a comunidade poderá traçar seus próprios caminhos, definindo prioridades e estratégias que atendam suas necessidades específicas. Irá permitir que o povo Kulina exerça sua autonomia e autodeterminação, fortaleça sua identidade cultural e promova seu desenvolvimento sustentável. Essa iniciativa não só beneficia a comunidade hoje, mas também assegura um futuro mais promissor para as próximas gerações”, destacou.
“Ao se reunir e decidir coletivamente, a comunidade poderá traçar seus próprios caminhos, definindo prioridades e estratégias que atendam suas necessidades”
Raimundo Francisco enalteceu os parceiros que se envolveram e disse que “as parcerias entre as organizações são de fundamental importância para concretizar ações efetivas para a melhoria na qualidade de vida do povo, além de passar uma mensagem de confiança e satisfação aos envolvidos”.
Além do Cimi, somaram na parceria as organizações da região do médio rio Juruá: Fórum Território Médio Juruá; Instituto Juruá; Fundo Médio Juruá; Operação Amazônia Nativa (Opan); Fundação Getúlio Vargas (FGV) por meio do projeto Paisagens Sustentáveis; Associação dos Produtores Agroextrativista da Comunidade Nova Esperança (AANE); SITAWI Finanças do Bem, Associação dos Moradores Agroextrativista da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Uacari (Amaru) e a prefeitura municipal de Carauari.
“As parcerias entre as organizações são de fundamental importância para concretizar ações efetivas para a melhoria na qualidade de vida do povo”

Assembleia Geral do povo Kulina do Rio Ueré realizada nos dias 26 a 28 de fevereiro, na aldeia Matatibem da TI Kulina do rio Ueré (AM). Foto: Raimundo Francisco
A criação da Aipokru vem, em mais uma demonstração da resistência indígena, permitir um olhar sobre os novos tempos: “tempos raríssimos, como dizia Santa Teresa, [mas] tempos belos, que devem ser, simultaneamente, tempos de muito compromisso e de muita esperança”, citou Dom Pedro Casaldáliga por ocasião da XIX Assembleia do Cimi, em 2011.