Solidariedade e Luta: Pautas da Articulação das Pastorais do Campo analisam trajetória de luta em defesa da vida dos povos
O coletivo analisou a trajetória do ano de 2024 junto às pautas das pastorais irmãs e partilharam perspectivas de caminhos para o próximo ano
A luta contra a violência em defesa da vida nos territórios é plural e solidária. Nos dias 29 e 30 de outubro as representações de pastorais e organismos que compõem a Articulação das Pastorais do Campo (APC) e a coordenação da Campanha Contra a Violência no Campo (CCVC), estiveram reunidos no Centro de Formação Vicente Cañas em Luziânia (GO). O coletivo analisou a trajetória do ano de 2024 junto às pautas das pastorais irmãs e partilharam perspectivas de caminhos para o próximo ano. Embalados pelos cânticos da luta camponesa, os coordenadores avaliaram as atividades realizadas com destaque para o Seminário dos Povos contra a Violência realizado no mês de agosto em Brasília (DF).
Na avaliação, as coordenações ressaltaram pontos importantes do Seminário dos Povos, que reuniu lideranças de diversas regiões do país e realizaram incidência política. A violência no campo, com suas múltiplas faces, foi evidenciada no seminário. As narrativas marcadas pelas constantes ameaças de grileiros, criminosos, milícias e até o narcotráfico, revelam um cenário de insegurança em todo país e que afeta a saúde dos povos. A disputa por terras, exploração de recursos naturais, agrotóxicos, grandes empreendimentos e o agronegócio são algumas das faces dessa violência que não repercute com frequência na mídia “tradicional”.
“A violência no campo, com suas múltiplas faces, foi evidenciada no seminário”
“O processo de escuta dos povos durante o seminário foi muito importante para vermos as diversas faces dessa violência. Nos cabe tipificar esses tipos de violência e suas gravidades”, expressou o secretário executivo da Campanha, Jardel Lopes. Ele acrescentou em sua avaliação que as conclusões e ações do seminário dos povos, contribui para fortalecer o enraizamento da Campanha Contra a Violência no Campo nos territórios.
Uma das contribuições positivas do seminário foi a oportunidade que as lideranças tiveram de fazer encaminhamentos ao parlamento, uma vez que estavam em Brasília, possibilitando realizar demandas trazidas dos territórios. “Ficou claro o quanto essa atividade é importante para as comunidades. Ele serve não só para fortalecer a articulação nacional, mas também para atender necessidades imediatas, como a elaboração de documentos e o contato com o poder público”, afirmou o secretário executivo da APC Thiago Valentim.
“O processo de escuta dos povos durante o seminário foi muito importante para vermos as diversas faces dessa violência”
As coordenações da APC e da Campanha Contra a Violência no Campo, estão acompanhando o documento que os povos entregaram durante o momento de incidência para as representações do governo federal. O documento está sendo acompanhado pelas representações da Campanha e da APC que aguardam uma devolutiva. A próxima ação é reunir os povos para debater as devolutivas da incidência em encontro virtual programado para fevereiro de 2025.
Além do acompanhamento do processo de incidência realizado em agosto, as avalições do grupo indicaram outros encaminhamentos, como o tema de saúde e fortalecimento da Campanha nos territórios. A saúde emocional das lideranças, diante da violência nos territórios, foi um dos reflexos observado durante o seminário. A coordenação considera o tema prioritário para encaminhar medidas preventivas e garantir o acesso aos serviços de saúde para as comunidades afetadas. Quanto ao enraizamento à Campanha Contra a Violência no Campo, o coletivo discutirá como inserir nas atividades locais.
“Nós acertamos na construção coletiva do seminário dos povos, avançamos no fortalecimento da pauta da violência. A escuta dos povos revelou a necessidade de intensificar a campanha e as ações de incidência política. No entanto, no momento de diálogo com o governo se observou um descaso com as demandas dos povos, impondo limitações no tempo destinado à escuta. Isso é um desrespeito”, avaliou Carlos Lima, da coordenação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) que integra a APC.
“Nós acertamos na construção coletiva do seminário dos povos, avançamos no fortalecimento da pauta da violência”
Caminhos percorridos e perspectivas para o futuro
O segundo momento do encontro foi dedicado à reflexão sobre a trajetória da APC, que avaliou os avanços e definiu prioridades e agenda para 2025. Nos últimos três anos a Articulação das Pastorais do Campo atuou em defesa dos direitos dos povos, enfrentou um cenário adverso, com a pandemia da Covid-19 e a intensificação da perseguição do governo e a tentativa de criminalizar os movimentos sociais. Mesmo nesse contexto, a APC seguiu ao lado dos povos.
Entre 2022 e 2024, as pastorais e organismos que compõem a APC realizou momentos formativos virtual e presencial, esteve presente junto aos povos em ações e manifestações locais, fortaleceu os processos de incidências e o espaço de autonomia dos povos e comunidades tradicionais. “A Articulação é um espaço político que fortalece as nossas pautas em comum e permite a autonomia dos povos”, disse Ozania Silva da coordenação do Serviço Pastoral do Migrante (SPM).
“A ACP atuou em defesa dos direitos dos povos, enfrentou um cenário adverso, com a pandemia e a intensificação da perseguição do governo e criminalização dos movimentos sociais”
Entre os temas abordados, destaque para o curso de Direito Agrário, que está chegando ao fim de sua terceira edição em março de 2025. Com mais de 30 alunos concluindo o curso e apresentando seus trabalhos, a coordenação busca garantir a sustentabilidade do projeto. A iniciativa que desde a primeira turma já formou aproximadamente 100 agentes de pastoral, precisa de apoio para formar a quarta turma e continuar com a parceria entre as pastorais e a Universidade Federal de Goiás.
A comunicação da APC foi outro tema de avaliação. A comunicação teve destaque para as produções de conteúdos e articulações com parceiros. Nos últimos três anos, foram produzidas diversas reportagens, documentários e materiais para as redes sociais, que têm contribuído para fortalecer as pautas dos povos e comunidades tradicionais.
“A comunicação teve destaque para as produções de conteúdos e articulações com parceiros”
O coletivo de comunicadores é uma das centralidades da comunicação da APC que desempenha um papel essencial no processo, atuando em conjunto com as pastorais irmãs para ampliar as denúncias e fortalecer a luta por direitos, dando centralidade no protagonismo dos povos. “O coletivo dos comunicadores das pastorais do campo é muito importante e tem fortalecido a comunicação internamente para as pastorais, para dentro da igreja e fora da igreja também”, disse Carlos Lima.
A comunicação da APC apresentou um histórico das produções e atividades realizadas que ilustram a importância da comunicação.
“A comunicação tem nos ajudado em nossos processos de atualização. Além da assessoria e engajamento nas pautas, ela tem sido uma importante ferramenta de aprendizado para a coordenação. O coletivo de comunicadores é um patrimônio nosso, construído pelas pastorais do campo, manter essa comunicação é essencial para fortalecer nossas ações”, expressou Francisco Nonato, secretário executivo do Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP).
“O coletivo de comunicadores é um patrimônio nosso, construído pelas pastorais do campo, manter essa comunicação é essencial para fortalecer nossas ações”
Partilha da caminhada com a igreja
O último momento do encontro a Articulação contou com a presença de Alessandra Miranda, assessora da Cepast-CNBB. Ela apresentou através de um organograma a composição e linhas da Comissão Episcopal para a Ação Sociotransformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (Cepast-CNBB). A Comissão, que é espaço para diálogo, tem objetivo em construir metodologias e fluxos de comunicação para as pautas das pastorais.
Um dos pontos abordados por Alessandra foi o tema sobre salvaguarda, que se trata de um instrumento normativo que estabelece diretrizes e procedimentos de proteção. A assessora pontuou o tema sobre as sustentabilidades das pastorais e organismos e a temática socioambiental, que para além da força da palavra SOCIOAMBIENTAL está intrínseca nas pautas das pastorais sociais. “É impossível discutir questões sociopolíticas sem considerar os aspectos socioambientais. Inclusive, a própria linguagem que utilizamos nesse debate está em constante transformação e disputa”, afirmou Alessandra.
“A Comissão, que é espaço para diálogo, tem objetivo em construir metodologias e fluxos de comunicação para as pautas das pastorais”
Ela também reforçou a importância do documento “Projeto Popular o Brasil que Queremos: o Bem Viver dos Povos”. “Temos elementos nas áreas, teto, terra, trabalho, democracia, soberania e economia, que podem ser incorporados nas perspectivas do bem-viver dos povos”, disse Alessandra.
A coordenação aproveitou o momento para apresentar as estratégias, linhas de ação e agenda de 2025 da APC. Thiago Valentim, falou dos objetivos e perspectivas da Articulação.
“Nossa prioridade tem sido na defesa dos territórios e dos povos e comunidades tradicionais para garantir a identidade cultural, a autonomia e os direitos desses grupos sociais que são os povos. Nossa atuação que é conjunta, envolve incidir junto ao legislativo, executivo e judiciário e na 6ª Semana Social Brasileira, colocamos como foco o enfrentamento ao modelo que perpetua a violência no campo. Essa articulação, que permeia diferentes ações, inclui a formação de lideranças, articulações locais e denúncias de violações. Outra linha é o espaço de formação para as bases da juventude como prioridade e o Curso de Especialização em Direito Agrário que está em sua terceira turma”, apresentou o secretário executivo da APC.
“Nossa prioridade é a defesa dos territórios, dos povos e comunidades tradicionais para garantir a identidade cultural, a autonomia e os direitos desses grupos sociais que são os povos”
A Articulação das Pastorais do Campo integra a Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP), Serviço Pastoral do Migrante (SPM), Pastoral da Juventude Rural (PJR), Cáritas Brasileira e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Pastorais e organismo da igreja católica que mantém um vínculo estruturado e convivem com a mesma fé e compromisso, mantendo a luta junto aos povos para o cuidado com a casa comum.
O encontro foi encerrado com encaminhamentos da sistematização das pautas, reivindicações e perspectivas de cenários da Articulação das Pastorais do Campo a ser encaminhadas também para a Cepast-CNBB.
Sob um pé de pequi, de folhagem verde, carregado de frutos, ao canto de pássaros, cigarras e violão, o coletivo encerrou o encontro com uma mística. De mãos ungidas com óleo de essências e corações transbordando de esperança, os coordenadores da APC seguem na caminhada em defesa da vida e da mãe terra.