01/11/2024

Mulheres Pataxó da aldeia Tibá impedem desmatamento e são ameaçadas por homens armados em loteamento ilegal na TI Comexatibá

O conflito se acirrou após envolvimento do vereador Brênio Pires (Solidariedade), recentemente reeleito em Prado (BA) com a promessa de dar andamento a um loteamento privado sobre a terra indígena

Mulheres Pataxó da aldeia Tibá impedem desmatamento e são ameaçadas por homens armados em loteamento ilegal na TI Comexatibá. Foto: comunidade aldeia Tibá

Por Assessoria de Comunicação do Cimi

Na última segunda-feira (28), a comunidade da aldeia Tibá, localizada na Terra Indígena (TI) Comexatibá, no município de Prado, extremo sul da Bahia, foi surpreendida por homens armados e encapuzados que invadiram o território e ameaçaram atirar contra um grupo Pataxó.

A investida, que resultou na prisão de dois homens e mantém os indígenas preocupados com novas agressões, ocorreu uma semana após um conflito envolvendo políticos locais e ruralistas apoiados pelo movimento conhecido como “Invasão Zero”.

O conflito teve início no dia 21 de outubro, quando um grupo de mulheres impediu que o operador de uma máquina derrubasse cajueiros antigos de suas terras. A derrubada da árvore causou enorme revolta e indignação entre elas. Não era a primeira vez que seu território era violado.

“A mulherada não aguentou a pressão e partiu para a luta”

“A mulherada não aguentou a pressão e partiu para a luta. Prenderam a máquina e em sequência veio a corja todinha deles. Foi quando veio o vereador junto com os fazendeiros”, explicou uma das lideranças da aldeia que, assim como as demais que serão citadas nesta matéria, não será identificada em razão dos riscos e ameaças às quais vêm sendo expostas.

O referido vereador é Brênio Pires (Solidariedade), recentemente reeleito em Prado sob a promessa de dar andamento a um loteamento privado que busca se instalar sobre a terra indígena. Já os “fazendeiros” mencionados pelos indígenas são Genivaldo e André Gama. Assim como o vereador, ambos são possuidores de lotes no Projeto de Assentamento (PA) Fazenda Cumuruxatiba, sobreposto quase em sua totalidade à TI Comexatibá. Mais de 90% de sua extensão cobre o território Pataxó, identificado e delimitado como terra indígena desde 2015.

André é presidente da Associação de Produtores Rurais de Cumuruxatiba e, segundo a denúncia das lideranças, também o contratante da máquina que estava sendo utilizada para abrir a estrada que daria acesso a um dos lotes do PA. 

“Ele tinha vendido a parte da frente e precisava dar acesso à parte de trás para continuar com o seu loteamento”

Um grupo de mulheres Pataxó impediu que o operador de uma máquina derrubasse cajueiros antigos de suas terras. A derrubada da árvore causou enorme revolta e indignação entre elas. Foto: comunidade aldeia Tibá

A TI Comexatibá, localizada no litoral baiano, é alvo de intensa especulação – especialmente ligada aos setores imobiliário e hoteleiro, que tem interesse na construção de pousadas e resorts nas belas praias do território Pataxó.

“Ele alegou que estava abrindo passagem para uma parente nossa que mora atrás. Mas, na verdade, ele tinha vendido a parte da frente e precisava dar acesso à parte de trás para continuar com o seu loteamento”, considerou uma liderança da aldeia Tibá. 

Nesse dia, os irmãos Gama e o vereador foram detidos pelas mulheres Pataxó, que fizeram uma barreira física com galhos e pedaços de pau enquanto aguardavam a chegada da Força-Tarefa de segurança ao local, por elas solicitada. Segundo os Pataxó, homens armados foram avistados no local, mas não passaram por revista policial.

“O primeiro que apareceu foi o vereador Brênio Pires”

Máquina é detida por mulheres Pataxó que buscavam impedir derrubada de árvores. Foto: comunidade aldeia Tibá

“Eles chegaram com todos os desaforos do mundo para cima da gente. Ele [André] ligou na nossa frente para os comparsas dele, chamando o povo e dizendo que ele estava sendo impedido de entrar na propriedade dele. O primeiro que apareceu foi o vereador Brênio Pires. E nós tivemos uma discussão acirrada sobre o território e ele ficou só rindo, no maior deboche, mas a gente conseguiu segurá-los até a chegada da polícia”, relatou uma das mulheres presentes no momento da investida dos loteadores. 

Autodemarcação

No dia seguinte ao enfrentamento aos loteadores, no dia 22 de outubro, as mulheres Pataxó decidiram realizar a autodemarcação da área em conflito. “Mas, que fique claro, a nossa intenção não era fazer autodemarcação naquele momento. Nós fomos forçadas, de certa forma. A gente foi em prol do meio ambiente, porque no ano passado eles derrubaram toda uma lateral, toda uma área de mangabeiras e aroeira e agora estavam desmatando do outro lado. A gente não ia mais permitir”, explicou uma delas. 

Além do desmatamento e o loteamento privado na área indígena, elas também denunciaram a instalação de uma carvoaria e a produção e o descarte de lixo na localidade. “Uma destruição total”, definiu uma das mulheres do grupo.

Na última segunda-feira dia (28), uma semana após a derrubada do cajueiro, uma nova autodemarcação foi realizada no outro lado da área retomada pelas mulheres Pataxó. Elas, por sua vez, foram surpreendidas por homens armados e encapuzados que invadiram o território Pataxó. Elas relatam que oss homens as ameaçaram e fizeram, inclusive, menção de atirar contra o grupo. 

“Nós não vamos abrir mão do nosso território”

No dia anterior (27), indígenas da aldeia Tibá haviam informado a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e a Força Tarefa sobre a presença de homens armados nas proximidades da aldeia. Apesar da atuação da Força Tarefa na região, que chegou a prender os dois homens, os indígenas tem reclamado a presença, dentro de suas atribuições, da Polícia Federal.

“Nós não vamos abrir mão do nosso território, porque território não se negocia, é como corpo, é sagrado. Nós vamos nos manter firmes na luta”, considerou uma liderança.

Há pelo menos dois anos, o povo Pataxó cobra mais segurança para suas comunidades, alvo de violência sistemática e atuação de milícias rurais. Foi neste contexto que o governo estadual da Bahia criou uma Força-Tarefa para atuar na região, reunindo várias forças de segurança do estado, como as Polícias Militar e Civil. A relação dos Pataxó com estas corporações, contudo, é crítica. Em 2022 e 2023, policiais militares foram presos por envolvimento, como milicianos, no assassinato de Gustavo Pataxó, 14 anos, na TI Comexatibá, e de Nauí e Samuel Pataxó, de 16 e 21 anos, na TI Barra Velha.

Agromilícia

A omissão do Estado e a morosidade no processo de demarcação da TI Comexatibá, que apesar de identificada e delimitada aguarda há anos a resposta da Funai às contestações à terra indígena, têm gerado inúmeros conflitos na região. O interesse econômico e político de vereadores locais, como Brênio Pires, e de movimentos agromicilianos, como Invasão Zero, no entanto, têm acirrado ainda mais a violência contra os Pataxó. 

Em janeiro deste ano, Maria Fátima Muniz de Andrade Pataxó Hã-Hã-Hãe, conhecida como Nega Pataxó, foi assassinada com um tiro no abdômen por um fazendeiro do movimento Invasão Zero. O crime decorreu de uma reintegração de posse ilegal, liderada por agromilicianos que atacaram com armas de fogo a retomada do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe no território tradicional Caramuru-Catarina Paraguassu, município de Potiraguá, no sudoeste da Bahia.

O movimento, por sua vez, tem incitado a organização de outros grupos que de igual modo buscam impedir a ocupação tradicional dos povos indígenas da região. Em um áudio disparado por André Gama em um grupo de WhatsApp da Associação por ele presidida, ele convoca membros do grupo para expulsar os indígenas da área retomada e conter a autodemarcação.

“Nós estamos precisando de todo mundo aqui porque os indígenas tomaram a estrada. É a nossa chance de ficar livre desse povo”

“Nós estamos precisando de todo mundo aqui porque os indígenas tomaram a estrada. É a nossa chance de ficar livre desse povo”, incitava André Gama em áudio. 

Em janeiro de 2022, o vereador Brênio Pires, junto aos irmãos Gama e outros supostos proprietários de lotes na área indígena, chegaram a solicitar judicialmente um interdito proibitório contra lideranças da aldeia Tibá. A medida buscava impedir novas retomadas, que naquele ano haviam se intensificado na região, dada a inércia do Estado no andamento das demarcações. O processo foi extinto, em agosto do mesmo ano, por desistência dos autores.

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