05/09/2024

Jovens Apurinã do polo Tumiã, em Lábrea (AM), participam de Oficina de Comunicação Indígena

A defesa da vida e do território foi o tema da oficina de comunicação voltada a juventude indígena; mais de 30 jovens Apurinã das aldeias Kanakury, Pataky, Raíz e Morada Nova da Terra Indígena Acimã participaram da atividade

Primeira Oficina de Formação para Jovens Indígenas Comunicadores do Polo Tumiã é realizada na aldeia Morada Nova, Terra Indígena Acimã, em Lábrea, sul do Amazonas. Foto Daniel Lima/ Cimi

Por Daniel Lima, Cimi Regional Norte I, Equipe Lábrea

Entre os dias 27 e 28 de agosto, foi realizada a primeira Oficina de Formação para Jovens Indígenas Comunicadores do Polo Tumiã. A oficina, promovida pela Equipe de Lábrea do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Norte 1, com apoio da Assessoria de Comunicação do Cimi Regional Norte I, ocorreu na aldeia Morada Nova, Terra Indígena Acimã, em Lábrea, sul do Amazonas. O evento marca um passo importante na capacitação de jovens para fortalecer a luta em defesa dos direitos e cultura indígenas, em meio às crescentes ameaças de invasão do território e de preconceito enfrentadas pelas comunidades.

O Polo Tumiã, composto por 12 aldeias do povo Apurinã e distribuídas por seis Terras Indígenas (TIs) – três das quais ainda estão em processo de demarcação – reuniu a juventude para compartilhar conhecimentos em comunicação. A experiência possibilitou a compreensão de que a “comunicação é mais do que a simples transmissão de informações, mas um processo de cooperação mental e emocional entre quem emite e quem recebe uma mensagem”, como explicou a assessora de comunicação do Cimi Regional Norte 1, Lígia Apel, durante a oficina.

“comunicação é mais do que simples transmissão de informações, mas um processo de cooperação mental e emocional entre quem emite e quem recebe uma mensagem”

A oficina também proporcionou aos jovens a oportunidade de aprimorar técnicas de fotografia e registro em vídeo. Essas ferramentas são vistas como fundamentais para melhorar a qualidade das denúncias e comunicações que poderão ser feitas em defesa dos territórios e da vida indígena.

Exercício de fotografia da Primeira Oficina de Jovens Comunicadores Indígenas Apurinã Foto: Lígia Apel/ Cimi

Fortalecimento da Juventude

Para Edson Cabral Apurinã, de 27 anos, líder da juventude da aldeia Morada Nova, a oficina representou um alerta para os jovens. “Não tínhamos tantas informações como as que foram passadas durante a formação. Diante de tudo o que está acontecendo no mundo, precisamos estar atentos às mudanças, da forma certa, para não sermos enganados”, disse preocupado com as notícias que chegam até a juventude.

O jovem Felipe da Silva, de 19 anos, membro da Organização da Juventude Indígena de Lábrea (OJIL), participou da Oficina como convidado representante dos jovens em contexto urbano pela OJIL, destacou a importância de estar ali junto na oficina: “Foi algo de grande importância, uma grande oportunidade dada pelo Cimi e que será repassada para outros jovens. Esta oficina serve para fortalecer tanto a luta dos jovens que moram nas aldeias quanto os que vivem na cidade, além de fortalecer a luta contra os preconceitos sofridos pelos jovens indígenas que vivem em contexto urbano”, constatou.

“Não tínhamos tantas informações como as que foram passadas durante a formação”

Exercício de fotografia da Primeira Oficina de Jovens Comunicadores Indígenas Apurinã Foto: Lígia Apel/ Cimi

Conexão com o Território

Natalina de Souza Brasil Apurinã, de 24 anos, ressaltou o aprimoramento das técnicas aprendidas durante a oficina daquelas que já eram do seu conhecimento: “As técnicas aprofundadas sobre os registros em fotos e vídeos fortalecem [a mensagem e, com ela, ] a luta em defesa do território, pois agora é possível fazer denúncias e reivindicar os direitos com mais qualificação”, afirmou.

Lígia Apel, que conduziu a formação, enfatizou que a oficina foi uma verdadeira interação de saberes. “Foi uma grata surpresa, tanto no sentido do conhecimento trocado com e entre os jovens como no interesse de toda a comunidade Morada Nova e das outras que vieram participar”, disse manifestando admiração pelos Apurinã.

“Foi uma grata surpresa, tanto no sentido do conhecimento trocado com e entre os jovens como no interesse de toda a comunidade Morada Nova e das outras que vieram participar”

“Essas lideranças que vieram de longe não mediram esforços para estar junto, para apoiar sua juventude. Diria até que para protegê-las. Uma demonstração forte que os mais velhos têm no cuidado com as novas gerações, com seus filhos e netos”, observou.

Além de técnicas de comunicação, a oficina também abordou temas urgentes, como o marco temporal e a Lei 14.701/2023, atuais ameaças aos direitos territoriais, culturais e sagrados dos povos indígenas, conquistados na Constituição Federal. Para Lígia, “o registro fotográfico dos cenários e da vida na aldeia demonstrou a boa habilidade e o olhar expressivo da juventude sobre o espaço onde vive. As fotografias e depoimentos nas entrevistas trouxeram a profundidade da conexão que estabelecem com o seu lugar. Foi lindo!”, concluiu.

“Essas lideranças que vieram de longe não mediram esforços para estar junto, para apoiar sua juventude”

Participantes da Primeira Oficina de Jovens Comunicadores Indígenas Apurinã. Foto: Felipe da Silva Apurinã

Uma nova fase de resistência

A Oficina de Comunicação Indígena marcou o início de um processo de debates e rodas de conversa que irão proporcionar à juventude Apurinã estratégias de defesa da sua vida e território. Ancorados no passado ancestral, a juventude segue aprendendo e se fortalecendo, e o aperfeiçoamento dos seus conhecimentos sobre a comunicação é apenas o começo de uma jornada de fortalecimento das novas gerações para enfrentar os desafios do presente e garantir um futuro seguro para suas comunidades.

É o que o cacique Arlindo Apurinã, de 53 anos, da Aldeia Kanakury, se referiu durante a oficina, quando trouxe a reflexão sobre como a comunicação acontece na cultura Apurinã. Acompanhando os jovens de sua aldeia, ele destacou que, embora seja crucial dominar as técnicas modernas de comunicação, é igualmente importante não perder de vista as formas tradicionais e ancestrais de interação. Entre essas formas, o cacique falou dos sonhos como uma prática originária de comunicação do povo Apurinã.

Embora seja crucial dominar as técnicas modernas de comunicação, é igualmente importante não perder de vista as formas tradicionais e ancestrais de interação

“Os sonhos têm um papel vital na vida da comunidade, é um meio que os Apurinã têm de receber mensagens sobre o que está chegando ou, até mesmo, sobre visitantes que estão a caminho da aldeia”, explicou o cacique enfatizando os sonhos como a comunicação dos ancestrais e a importância de sua preservação dada sua significação espiritual e cultural. “É uma riqueza única do povo Apurinã que precisa ser preservada e valorizada, e essas novas práticas e ferramentas têm que estar integradas com as práticas tradicionais de comunicação para fortalecer ainda mais a identidade e a resistência do povo Apurinã”, afirmou convicto.

Com a mesma linha de pensamento, o cacique Abel Otavio Apurinã afirmou que o conhecimento Apurinã sobre a floresta é o que permite que seu povo “se comunique” entre si e com os seres que vivem nela. A festa do Xingané (kyynyry na língua Apurinã) é uma das maiores manifestações dessa “comunicação”. Nela, são celebradas e expressas as alegrias, tristezas, lamentos e gratidão vividos pelo povo.

“Os sonhos têm um papel vital na vida da comunidade, é um meio que os Apurinã têm de receber mensagens sobre o que está chegando ou, até mesmo, sobre visitantes que estão a caminho da aldeia”

Primeira Oficina de Jovens Comunicadores Indígenas Apurinã. Foto: Lígia Apel/ Cimi

“O Xingané é nosso conhecimento, mais que isso, é nosso documento, nosso Rani [Registro Administrativo de Nascimento de Indígena], porque é nossa língua, nosso cultural. Isso é nossa comunicação”, afirmou Abel cantando uma das músicas do Xingané que retrata e comunica a dor e o lamento que sentem por não poderem utilizar uma área do entorno do território, que está em litígio com uma pessoa que se diz dono das terras.

Rani é o Registro Administrativo de Nascimento de Indígena, documento emitido pela Fundação Nacional do Índio (Funai) que serve para comprovar a origem indígena de uma pessoa.

“O Xingané é nosso conhecimento, mais que isso, é nosso documento, nosso Rani [Registro Administrativo de Nascimento de Indígena], porque é nossa língua, nosso cultural. Isso é nossa comunicação”

Essa nova fase de resistência que vivenciam os Apurinã do Polo Tumiã, em Lábrea, sul do Amazonas, é um marco frente à terrível situação que as populações da região vêm passando nos últimos meses. Os incêndios decorrentes de queimadas descontroladas nas fazendas de pecuária e monocultura, conforme divulgado pela imprensa nacional. Acre, Rondônia, sul do Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Pará estão sendo afetados, mas o sul do Amazonas “está encoberto por uma mancha de fogo de quase 500 quilômetros de extensão”, segundo dados do programa BD Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), publicado pelo site G1 Amazonas.

A esperança de mudança vem das mulheres Apurinã. Dona Adalzira Apurinã, pajé da aldeia Morada Nova, contou que para combater a tristeza gerada pela ganância dos não indígenas basta prestar atenção no passarinho Tupī.

“O Tupī é um passarinho pouco maior que um beija-flor que vive na floresta e que canta infinitamente. Enquanto ouvirmos o canto de Tupī na mata, podemos ter tranquilidade e alegria. Só poderemos ficar tristes quando não ouvirmos mais Tupī cantar”, disse esperançosa a pajé e satisfeita com o relato dos jovens que chegam da mata depois da caça e dizem terem escutado o canto do pássaro.

 

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