Mais uma vez em Brasília, povos indígenas da Bahia denunciam violência e morosidade na demarcação de suas terras
Lideranças indígenas exigem atuação do governo federal na proteção de seus territórios, no envio da Força Nacional e na demarcação de suas terras
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Fazia um sol escaldante quando as mais de 40 lideranças indígenas do sul e extremo sul da Bahia, presentes em Brasília em meados do mês de maio, decidiram fechar o trecho do Eixo Monumental, localizado em frente ao Palácio do Planalto.
Os representantes dos povos Pataxó, Pataxó Hã-Hã-Hãe, Tupinambá – dos municípios de Itapebi e Eunápolis(BA) – e Imboré, queriam ouvir do presidente Lula ou ao menos do ministro da Casa Civil e ex-governador do estado da Bahia, Rui Costa, explicações sobre os entraves no andamento da demarcação de suas terras e as providências tomadas para a proteção de seus territórios.
Eles permaneceram por horas em frente ao Palácio do Planalto. Sem resposta, os indígenas bloquearam por quase duas horas o trecho da via que fica à sua frente, em um ato de resistência ao sol e à forma ostensiva como o Estado se fez presente por meio de uma barreira formada por dezenas de policiais.
A desproporcionalidade diante de um ato pacífico impeliu os indígenas a aumentar ainda mais o canto do Awê que era o que parecia dar força e ânimo à mobilização dos indígenas. “Vamos dançar, balançar o cachimbó, trazer o Rui Costa amarrado no cipó”, cantavam com revolta a atuação do ministro, que junto com o governador do estado da Bahia, Jerônimo Rodrigues, têm barrado a intervenção da Força Nacional.
Para os indígenas, o envio da Força Nacional à região seria uma das formas de conter a onda de violência empreendida por milícias, financiadas por fazendeiros da Bahia. Em janeiro deste ano, o movimento que se autointitula, Invasão Zero, convocou um ataque armado à retomada do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe no território tradicional Caramuru-Catarina Paraguassu, município de Potiraguá, no Sudoeste da Bahia.
A investida resultou na morte de Maria Fátima Muniz de Andrade Pataxó Hã-Hã-Hãe, conhecida como Nega, e nos disparos que alvejaram seu irmão, o cacique Nailton Pataxó Hã-Hã-Hãe. Os indígenas atribuem aos fazendeiros e à Polícia Militar (PM) da Bahia a autoria dos tiros que assassinaram Nega Pataxó.
O ataque se soma a outros três que levaram à morte de três jovens Pataxó: Gustavo Silva da Conceição, de 14 anos, assassinado em 2022, em um ataque policial ocorrido também em uma retomada da Terra Indígena (TI) Comexatibá e Nauí Brito de Jesus, de 16 anos, e Samuel Cristiano do Amor Divino, de 25 anos, mortos a tiros dentro dos limites da TI Barra Velha, em 2023.
Nos três casos, as investigações indicam o envolvimento da PM, que por coincidência ou não, é a mesma polícia que se colocava naquele ato, frente a frente, aos indígenas. Era contra a mesma corporação militar que gritavam por justiça, demarcação e proteção às suas comunidades.
O pedido de um posicionamento do ministro Rui Costa advém desse contexto de violência, que “se não se resolve com a Força Nacional, o que é então? O que resolve?”, questionou Kahu Pataxó, presidente da Federação Indígena dos Povos Pataxó e Tupinambá no Sul e Extremo Sul da Bahia (Finpat), em reunião realizada de forma conjunta com membros da Casa Civil, Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Na ocasião, ele denunciou a violência no território e o envolvimento de policiais militares no assassinato dos jovens Pataxó, situação que atribui à demora que trava a demarcação de suas terras.
“A gente precisa dialogar com ele [Rui Costa], porque nos preocupa muito que muitas situações do processo [de demarcação] dependam do ministro e ele tem se mostrado apático com relação às demarcações das terras indígenas”, considerou Kahu.
Incidência em Brasília
O ato mobilizado pela delegação indígena integrava uma série de ações realizadas pelas lideranças em Brasília. Durante uma semana, os indígenas circularam por vários órgãos do Estado com intuito de reivindicar a efetivação de seus direitos territoriais e exigir a segurança das terras indígenas da Bahia.
Entre os dias 13 e 17 de maio, eles se reuniram com representantes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), da Casa Civil, do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Ministério da Justiça (MJ), Ministério do Meio Ambiente (MMA), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
“Mas essa não é a primeira vez que estamos aqui, nem que estamos pedindo isso”, ponderou Kahu Pataxó, presidente da Federação Indígena dos Povos Pataxó e Tupinambá no Sul e Extremo Sul da Bahia (Finpat), que junto com demais membros da Federação e inúmeras lideranças indígenas, tem se deslocado à capital federal com alguma frequência para cobrar o avanço nos processos demarcatórios. Para eles, a letargia dos órgãos do Estado é a causa principal da onda de conflitos que acomete a região.
“A gente precisa avançar com esse plano de segurança principalmente em Comexatibá e Barra Velha porque a situação de conflito na nossa região é justamente porque não se assina a carta declaratória”, cobrou Kahu em reunião com a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara.
Ambas as terras se encontram na mesma etapa de regularização, aguardando a assinatura da portaria declaratória, uma das últimas fases do procedimento administrativo que realiza a demarcação das terras indígenas. A assinatura é dada pelo ministro da Justiça, atualmente sobre o encargo de Ricardo Lewandowski. O órgão também é um dos responsáveis por garantir a segurança e a proteção das terras indígenas, bem como pela desintrusão de invasores de terras indígenas, como é demandado pelo povo Pataxó.
Para Marlene Braz Pataxó, presente em Brasília na reunião com a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, as ameaças sobre as lideranças têm causado medo e insegurança nos territórios.
“Nossas lideranças estão sendo ameaçadas. Nós precisamos de segurança. Eles [os fazendeiros] mandam recado dizendo que estão caçando índio pra matar. Nós temos pressa para ter paz nos nossos territórios”, explicou Marlene. Uma paz que, a seu ver, só será estabelecida com a demarcação de suas terras.
As TIs Barra Velha, Tupinambá de Olivença aguardam há anos a emissão da portaria declaratória. Outros processos também aguardam providência, é o caso da TI Tupinambá de Belmonte em fase de contestação; as TIs Ponta Grande, Mata Medonha e Cachimbo aguardam a publicação do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID); e as TIs Tupinambá Itapebi e Tupinambá de Eunápolis que exigem a criação dos Grupos de Trabalho (GTs) de identificação e delimitação.