08/08/2024

Aty Guasu denuncia ‘agromilícia’ e pede ao MJ que determine desmobilização de acampamento ruralista em Terra Indígena

Milícia rural tem atuado na região de Douradina (MS) para atacar as retomadas Guarani e Kaiowá da Terra Indígena Panambi Lagoa Rica. Mobilização de milicianos envolve fake news e extrema direita

Anciãs Guarani Kaiowá rezam na direção dos capangas armados que ameaçam a comunidade nas retomadas da região de Douradina. Foto: Comunicação da Aty Guasu

Por Assessoria de Comunicação – Cimi

A Aty Guasu, a Grande Assembleia Guarani e Kaiowá, principal organização política do povo, solicitou ao ministro da Justiça e Segurança Pública Ricardo Lewandowski que determine a desmobilização de produtores rurais aglomerados em acampamentos na Terra Indígena Panambi Lagoa Rica, em Douradina (MS). Conforme a denúncia dos indígenas, protocolada nesta quinta-feira (8) na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, o local vem sendo usado como base para uma milícia rural atacar retomadas feitas em um território oficialmente reconhecido como tradicional pelo Estado, identificado e delimitado em 2011.

De acordo com representantes da Aty Guasu, as autoridades públicas devem identificar os integrantes da milícia, qualificá-los, revistá-los e que sejam efetuados os devidos flagrantes, além das medidas criminais cabíveis para dispersar e punir a organização paramilitar chamada de ‘agromilícia’.

“Milícias não se subordinam à normatividade jurídica do Estado; seguem paralelas a ela ou em contraposição ao poder estatal. Não é necessário haver uniforme, distintivo, continência ou sinais de respeito à hierarquia, símbolos ou protocolos de conduta visíveis ou explícitos. Importa, e muito, o emprego paramilitar dos associados para finalidade política nociva ou estranha à tutela do Estado Democrático de Direito”, diz trecho de documento com 16 páginas, contendo farto arsenal probatório, levado ao ministro Lewandowski pela Aty Guasu.

Desde o último dia 14 de julho, ocasião em que os indígenas estenderam a retomada de Guaaroka para uma área de 150 hectares sobreposta à Terra Indígena, conforme recapitulação dos episódios transcritos no documento, os Guarani e Kaiowá estão cercados por pessoas armadas, supostamente fazendeiros. Ocorre que nos municípios de Douradina e Dourados há forte mobilização anti-indígena, capitaneada, inclusive, por ao menos um pré-candidato bolsonarista às eleições municipais, incentivando pessoas a se juntarem ao bando hostil armado.

A Aty Guasu denuncia que este grupo heterogêneo e organizado, formado por produtores rurais, jagunços, populares exaltados por ideias anti-indígenas, armamentistas e postulantes a cargos públicos pela via da extrema-direita, portando armas de fogo e armamento não letal (balas de borracha, foguetes), vem promovendo tiroteios, terror psicológico, agressões físicas, derrubada de barracos montados pelos indígenas e violências variadas, como ameaças de agressões sexuais a meninas e mulheres indígenas.

Incêndio criminoso na região das retomadas de Douradina, Terra Indígena Panambi Lagoa Rica. Foto: Comunicação da Aty Guasu

Ataques massivos e coordenados

Essa milícia está em um acampamento distante cerca de 100 metros dos Guarani e Kaiowá. Logo nas primeiras horas do dia, os indígenas cansam de flagrar carros vindo buscar armamentos pesados deixados no local durante a noite. Há um esquema de revezamento entre os que permanecem no local e mesmo apesar dos feridos com gravidade após os ataques, comprovando que se trata de um bando armado, a Força Nacional ou as polícias estaduais não revistam os carros que trafegam 24 horas entre a base miliciana e as cidades do entorno.

“A situação se agravou no último sábado (03), após a Força Nacional, estranhamente, se retirar do ponto de intermediação entre os dois acampamentos, várias camionetes e tratores transportando pessoas armadas realizaram um forte ataque contra a comunidade indígenas da retomada Yvy Ajere, localizada na Fazenda de Cleto Spessatto”, diz trecho do documento. Ao menos 10 pessoas ficaram feridas neste primeiro ataque; entre elas, três em estado grave. Um dos feridos, E.A.G, de 20 anos, segue com um projétil alojado no crânio.

Conforme o documento, “várias pessoas não chegaram a procurar atendimento pois por sofrerem lesão leve, ou sem risco contra suas vidas, não foram até o centro urbano com receio de serem hostilizadas, fato este recorrente em momentos como esse em Mato Grosso do Sul”. Todo ataque segue o mesmo roteiro: camionetes cercando os indígenas, tratores espalhando incêndio e derrubando barracos, foguetório e em meio aos estampidos, tiros de arma de fogo e bala de borracha sobre os indígenas estão desproporcionalmente impossibilitados de defesa.

No domingo (04), mesmo com a presença da Força Nacional, do Ministério Público Federal (MPF), Ministério dos Povos Indígenas (PI), Defensorias Públicas, essa milícia armada, que se encontra acampada na propriedade de Cleto Spessatto, ao escurecer, realizou um novo ataque contra a comunidade indígena composta em sua grande maioria por crianças, adolescentes, mulheres e idosos, deixando mais uma pessoa ferida. A barbárie foi toda filmada porque os milicianos não se preocuparam com quem visitava as retomadas Guarani e Kaiowá.

Camionetes, tratores e armas foram usados para atacar a retomada Yvy Ajere na noite deste domingo (4). Foto: Reprodução/vídeo da comunidade Guarani e Kaiowá

Uso de fake news e manipulação

O Reino Unido vive, nas últimas semanas, uma série de manifestações de extrema direita mobilizadas por uma fake news: a de que um homem, que esfaqueou crianças em um ataque aleatório, no último dia 29 de julho na cidade de Southport, era muçulmano, árabe e imigrante. Se trata de mentira, o assassino é natural do País de Gales. Extremistas de direita foram às ruas para espancar imigrantes, promover vandalismo, atacar pessoas de esquerda, a imprensa e disseminar no país uma campanha anti-imigração e um ambiente hostil aos imigrantes.

Da mesma forma, os Guarani e Kaiowá vêm sendo atacados a partir de fake news mobilizadas pelas redes sociais. “Desde o cerco, o clima de guerra se instaurou através do uso das redes sociais de diversos atores, como por exemplo, @sargento_prates e @rodolfonogueirams, para propagação de mentiras e incitação ao ódio e violência contra os indígenas”, denuncia o documento. Em grupos de WhatsApp de moradores de Douradina e Dourados também é possível destacar incitação com base em notícias falsas, sensacionalismo, xingamentos e ofensas raciais.

Um dos pontos de argumentação da Aty Guasu envolve a tramitação de duas reintegrações de posse. “Não tem nenhuma explicação para que eles continuem ali “acampados” formando uma movimentação, fato este que demonstra intenção dos mesmos de retirarem a comunidade indígena com o emprego de violência, intimidação e uso de arma letal, substituindo o Estado na resolução da contenda”, diz trecho do documento.

A primeira ação de reintegração de posse tramitou na 1ª Vara Federal de Dourados, mas o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) suspendeu a liminar de despejo. Já a segunda ação foi protocolada na 2ª Vara Federal de Dourados, no último dia 29 de julho, e aguarda decisão de 1ª grau. De acordo com a Aty Guasu, a formação de uma milícia para expulsar os indígenas da Terra Indígena oficializada pelo Estado demonstra o total desprezo do grupo pelo ordenamento jurídico favorecendo a formação de um bando armado.

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