04/08/2024

Oitiva, feridos fora de perigo, retaliação ao MST e bastidores: as 24 horas depois do ataque às retomadas de Douradina

Três indígenas em estado mais grave seguem internados, mas sem risco de morte. Oitiva acontece e acampamento do MST é atacado. Ruralistas atacam de forma articulada

Bandeira nacional fincada na retomada Yvy Ajere, Terra Indígena Lagoa Panambi. Comunidade Guarani e Kaiowá segue sob ataque. Foto: Ascom/Cimi

Por Assessoria de Comunicação – Cimi

Os três indígenas Guarani e Kaiowá ainda internados no Hospital da Vida, em Dourados (MS), estão fora de perigo de morte. A informação foi passada na manhã deste domingo (4) pela equipe médica a representantes do Ministério Público Federal (MPF) e Ministério dos Povos Indígenas (MPI), que na sequência se encaminharam para oitivas nas retomadas de Douradina, Terra Indígena Lagoa Panambi, atacadas por jagunços na tarde deste sábado (3).

J.F.C, de 17 anos, levou um tiro no pescoço, E.A.G, de 20 anos, sofreu um disparo na cabeça e R.H.C, de 16 anos, foi atingido por disparos na cintura e nas nádegas. No total, dez indígenas ficaram feridos, incluindo uma idosa atingida por bala de borracha. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) mobilizou o pronto atendimento e precisou de apoio do Corpo de Bombeiros com ambulância para deslocar a Dourados os feridos com mais gravidade. A Força Nacional, depois de pressões, voltou para a área.

Conforme relatos coletados junto aos Guarani e Kaiowá presentes nas retomadas, os jovens feridos com mais gravidade estavam protegendo os barracos das retomadas Kurupa’yty e Pikyxyin. Neles estavam mais de 30 crianças e quatro bebês. Como são retomadas localizadas ao norte da Terra Indígena, mais afastadas da concentração de jagunços, que mantêm acampamento na retomada Yvy Ajere, os indígenas levaram as crianças para essas retomadas então mais protegidas.

Há um total de sete retomadas na Terra Indígena. As duas últimas, Guaaroka e Yvy Ajere, contíguas e feitas a partir do último dia 13 de julho, concentravam a atenção ruralista antagonista à presença dos Guarani e Kaiowá. De tal forma que a retomada Guaaroka está sob liminar de reintegração de posse e a Yvy Ajere convive diariamente com um acampamento de jagunços. Ambas sofreram uma sequência de ataques. A situação, porém, mudou. Os ataques se espraiaram para as demais retomadas.

 

 

Ruralistas mudam tática com jagunços e saída da Força Nacional 

Ocorre que desde quinta-feira (1) a estratégia ruralista mudou – ou abriu novo flanco.  Os sinais são perceptíveis, mas não chamaram a atenção das autoridades públicas. A Força Nacional prendeu um casal armado, que em uma camionete entrou nas retomadas Kurupa’yty e Pikyxyin. Na ocasião, um Guarani e Kaiowá foi ferido no calcanhar pelo o que pareceu ser um tiro de raspão. Foi atendido no hospital e liberado.

Na sexta-feira (2) à noite, camionetes invadiram as mesmas retomadas e jagunços promoveram um tiroteio, mas sem atingir os indígenas. Um massacre não ocorreu porque os Guarani e Kaiowá intuíram a investida e se esconderam. No sábado (3), porém, ocorre uma curiosa coincidência: a Força Nacional decide se retirar sem explicações, aconselha os indígenas a também saírem e logo após os jagunços atacam de forma massiva.

“Queremos saber a razão da Força Nacional ter saído daqui. Os agentes saíram e o ataque aconteceu. Parece que foi combinado. Queremos entender”, diz um indígena Guarani e Kaiowá por áudio no WhatsApp. A Defensoria Pública da União (DPU) anunciou que entrará com representação pedindo a destituição do comando da Força Nacional no Mato Grosso do Sul. Até o momento não há explicações sobre os motivos que levaram à saída da Força Nacional do local.

No sábado pela manhã, conforme apuração, a Força Nacional comunicou a Coordenação Regional da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) de que os Guarani e Kaiowá tinham avançado nas retomadas. Uma equipe do órgão indigenista foi enviada às retomadas para averiguar a informação da Força Nacional. Contudo, os servidores da Funai não confirmaram a informação e constataram que, ao contrário, os indígenas seguiam nos mesmos locais. A ‘fake news’ foi utilizada por ruralistas para gerar pânico e mobilizar pessoas na região.

 

Pela manhã, sem terras do acampamento Esperança contabilizam prejuízos com ataque incendiário de jagunços em retaliação ao apoio do grupo aos Guarani e Kaiowá. Foto: Acampamento Esperança/MST

Retaliação ao MST

Na madrugada deste domingo (4), o acampamento Esperança, onde vivem cerca de 300 famílias, em Dourados, a poucos quilômetros de Douradina, foi atacado e incendiado. Mantido pelo Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), integrantes do Esperança estiveram na Terra Indígena Lagoa Panambi na segunda-feira (29) para prestar solidariedade e levar mantimentos às retomadas Guarani e Kaiowá.

Quando se despediram das retomadas, à noite, os carros da comitiva de solidariedade, composto por movimentos sociais, dos quais o MST faz parte, foram parados e qualificados pelo Departamento de Operações de Fronteira (DOF). Documentos pessoais e as placas dos carros foram fotografadas. No entanto, apenas os integrantes do MST tiveram que sair dos veículos e foram informados de que seriam autuados por invasão de propriedade privada.

No ataque da madrugada, integrantes do Esperança contaram cerca de dez camionetes e duas motocicletas. “Fazendeiros não deixaram o corpo de bombeiros agir com rapidez, barrando o acesso imediato ao local dos incêndios. Alguns barracos (foram) perdidos pelo fogo, (mas) a infraestrutura se recupera depois”, diz nota do acampamento Esperança. O texto destaca ainda que a solidariedade do MST aos Guarani e Kaiowá não será abalada.

“As autoridades de segurança se ausentam deliberadamente. A inércia, imobilismo em ações concretas de reforma agrária e demarcação de terras indígenas acirram os conflitos agrários. Audiências e boas prosas são ineficientes”, conclui a nota do acampamento Esperança.

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