18/07/2024

Homens armados atacam retomada do povo Anacé, no Ceará, destroem barracos e depredam cemitério

Conforme os indígenas, eram entre 20 e 30 agressores fortemente armados e encapuzados. Famílias foram expulsas, mas já regressaram à retomada

Indígenas Anacé começam a reconstruir barracos na retomada do Parnamirim, localizada no município de Caucaia (CE). Foto: Divulgação/Comunidade Anacé

Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação do Cimi Nordeste

Homens encapuzados e armados atacaram na madrugada desta quinta-feira (18) uma área retomada pelo povo Anacé localizada no município de Caucaia, a cerca de 15 quilômetros de Fortaleza (CE). Durante a ação criminosa, entre 20 e 30 agressores atiraram contra os indígenas, destruíram os barracos e os pertences das 46 famílias que vivem na área desde 30 de setembro de 2022. Ninguém ficou ferido e a Polícia Militar se dirigiu ao local.

Conforme a liderança Áurea Anacé, as famílias foram expulsas da retomada durante o ataque. Pela manhã, regressaram ao território. Registraram a destruição e encontraram com pessoas ligadas ao fazendeiro que se opõe à permanência deles na terra, alegando que a pertence. Os policiais militares tentaram intermediar um acordo, mas os indígenas se negam a sair da retomada e seguem aguardando providências da Fundação Nacional do Índio (Funai) – agentes do órgão indigenista estão na área.

“Nós voltamos, mas eles não saíram. Estão nos vigiando, rondando. O problema vai ser à noite. Precisamos de um apoio, de proteção. Querem destruir a nossa água, o nosso território. Lutamos contra essa gente que quer destruir e eles chegam encapuzados, aterrorizando o nosso povo. Mas isso não é de agora. As mulheres são as que mais sofrem. Mulheres que foram agredidas, mulheres que foram trancadas dentro de quartos com cobras”, denuncia Áurea Anacé.

Indígenas flagram homem encapuzado na área da retomada horas antes, de madrugada, por pessoas que também usavam balaclavas. Foto: Divulgação/comunidade Anacé

Os Anacé chamam a retomada de Parnamirim, onde projetam uma futura aldeia. As famílias vivem no local da agroecologia, da pesca na Lagoa Parnamirim e de outras atividades correlacionadas. A área faz parte da Terra Indígena reivindicada. “Começamos a reconstruir os barracos, juntamos o que restou, separamos o que ainda é possível usar, e vamos resistir. Não vamos sair da luta”, diz Elber Anacé. O indígena é uma jovem liderança do povo.

Ele explica que durante esta quarta-feira (17) carros circularam durante o dia pelas imediações da retomada e um helicóptero sobrevoou a comunidade. Entenderam a movimentação como suspeita, mas se sentem desprotegidos porque não confiam nas autoridades policiais locais. Os Anacé afirmam que um funcionário do proprietário da fazenda tem um filho delegado, fazendo com que a comunidade desconfie das autoridades policiais estaduais.

“O Parnamirim tem muita história na luta dos povos indígenas. Então chegamos hoje pela manhã, fizemos um toré e nos impusemos. Eles estavam armados, nos ameaçaram. Passaram com carro de arado, destruindo as plantações, a natureza e um cemitério que tem aqui. Derrubaram o que estava nascendo novamente de mata. Levaram coisas, levaram lonas. Tudo o que o povo tinha comprado, erguido, plantado”, diz o cacique Roberto Anacé.

 

Terra Indígena invadida e degradada

Desde 1996 os Anacé estão oficialmente reconhecidos pelo Estado. O território do povo está dividido entre uma área reservada, conforme procedimento previsto pela Constituição Federal, para onde se dirigiu uma parte do povo impactada pelo Complexo Industrial e Portuário do Pecém, cuja porção terra sofreu degradação considerada como irreversível pelos estudos da Funai – bairros, a instalação de indústrias e poluição severa são algumas das causas da degradação.

O Grupo de Trabalho da Funai elaborou um Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCDI) da Terra Indígena Anacé entre os anos de 2009 e 2010. Uma das condicionantes para a conclusão de obras do Complexo do Pecém, que inicialmente foi projetado para ocupar 12.500 hectares, mas com o passar dos anos chegou a 33 mil hectares, além de outros 1400 hectares para estradas e a construção de um parque eólico, era a demarcação da terra.

Famílias Anacé contabilizam os prejuízos causados pela destruição da retomada Parnamirim durante ataque de homens armados. Foto: Divulgação/Comunidade Anacé

A outra parte do povo segue lutando em retomadas pela demarcação da porção não degradada do território reivindicado. São diversas retomadas espalhadas em locais considerados estratégicos ambientalmente pelo povo, ou seja, se tratam de áreas com mata preservada, fontes de águas e possibilidade de subsistência. Como estão em uma região turística, com dunas, lagoas e acesso ao mar, a Terra Indígena Anacé atrai o interesse de empreendimentos imobiliários.

Além da retomada Parnamirim, existem ainda as retomadas Japuara e Santa Rosa. Conforme estudos históricos e antropológicos, os Anacé são da Serra da Japuara, no que há comprovação da presença do povo na região desde o século 17 de forma ininterrupta, mesmo que durante um longo tempo os indígenas não se identificassem como tal por temerem represálias dos sucessivos projetos colonizadores. Em silêncio, aguardaram o momento de declarar o que são.

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