11/03/2024

Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental divulga carta de “alerta aos povos do Brasil e seu governo”

Documento foi produzido durante seminário nacional do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental, realizado entre 4 e 6 de março

Seminário Nacional do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental, realizado entre 4 e 6 de março de 2024. Foto: FMCJS

Seminário Nacional do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental, realizado entre 4 e 6 de março de 2024. Foto: FMCJS

Durante os dias 4 a 6 de março de 2024, o Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS) realizou a etapa presencial do seu Seminário Nacional. Um processo participativo, de construção coletiva, que teve início em fevereiro com dois encontros virtuais, e que contou com a participação de representes dos núcleos e articulações de todos os biomas brasileiros. No seminário, os participantes definiram as prioridades e ações do FMCJS para 2024, compartilharam experiências e desafios.

Acolham esta Carta – “Alerta aos Povos do Brasil e seu Governo” – como um dos frutos do Seminário do FMCJS.

É um documento que indica nossa alegria por sermos parte das muitas pessoas e povos que estão empenhados em multiplicar iniciativas que promovem a convivência amorosa com a Mãe Terra.

Mas ela expressa também nossa tristeza e indignação pelas práticas que continuam provocando e agravando as mudanças climáticas, responsáveis pelas injustiças socioambientais e ameaças a todas as formas de vida da Terra.

Expressa, por fim, nossa preocupação em relação às políticas públicas de enfrentamento das mudanças climáticas e suas consequências na vida da população empobrecida. Assumindo a COP 30, que será realizada no próximo ano em Belém, Pará, como uma oportunidade de nosso país convocar a humanidade a assumir e colocar em prática as mudanças pessoais e estruturais que a Mãe Terra exige com urgência, a Carta alerta que isso só acontecerá com políticas coerentes e de mobilização de todos os povos.

Acolham o convite dos/as participantes do Seminário Nacional do FMCJS: divulguem ao máximo esta nossa Carta, para que ela se torne voz de muitas pessoas e produza bons frutos.

Precisamos enfrentar os falsos discursos e iniciativas que tentam pintar de “verde” ou “azul” velhas e novas práticas agressivas ao meio ambiente e aos direitos da natureza e das pes­soas

Seminário Nacional do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental, realizado entre 4 e 6 de março de 2024. Foto: FMCJS

Seminário Nacional do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental, realizado entre 4 e 6 de março de 2024. Foto: FMCJS

Leia a carta abaixo ou clique aqui para acessá-la em pdf:

Alerta aos povos do Brasil e seu governo

Vivemos tempos desafiadores. Está cada dia mais feroz o confronto entre as pessoas que amam e defendem a vida e as que só querem dinheiro e poder, as quais não se importam com as conse­quências de seus atos. A humanidade corre sérios riscos de ser derrotada na defesa de si e da Mãe Terra pelos que sabem de sua responsabilidade e preferem se manter na rota que leva à morte. O ano de 2023 foi reconhecido por cientistas como o mais quente da história. O ano de 2024 pode ser ainda pior. Dramas terríveis foram e estão sendo vividos por comunidades humanas e outros seres vivos. São casos acompanhados ao vivo pela TV e pelas redes sociais como os incêndios no Brasil, no Chile, na Europa e em outras regiões, consequentemente, a multiplicação de ondas de calor, de secas – como as dos rios da Amazônia e do Pantanal – e de enchentes/inundações em todo o planeta. Esses episódios acabam servindo à espetacularização midiática, em especial, da mídia corporativa, não contribuindo para a urgente reflexão crítica a respeito das mudanças necessárias.

A prova mais irrefutável desse drama é apresentada pela ONU nas práticas que caracterizam as COPs sobre Mudanças Climáticas. Praticamente, em trinta anos não foram aprovados acordos, cuja implementação fosse obrigatória por todos os países. O Acordo de Paris, na COP 21, em 2015, tem sido anunciado, contudo, sem efetividade prática. Tudo indica que as empresas e países produtores das maiores fontes de emissão de gases de efeito estufa – petróleo, gás e carvão mineral – tomaram conta das últimas Conferências do Clima. Estes atores, por sua vez, usam o poder de patrocínio para impedir que seja estabelecida a data do fim da exploração e consumo de combustíveis fósseis. Assim, empurram-nos para mais próximo do abismo.

Diante disso, nós que militamos no Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental – FMCJS temos esperança de que uma ampla mobilização sociopolítica poderá dar outra direção à COP 30, que será realizada entre 10 e 21 de novembro de 2025, em Belém do Pará, no Brasil. Essa mobilização deverá alcançar o Governo Federal e as representações dos 198 países participantes, para que tenham clareza das opções indispensáveis e seja reduzido o aquecimento global.

São necessárias e urgentes as seguintes medidas: fim da exploração e do uso dos combustíveis fósseis; fim de soluções apresentadas pela falsa economia verde e azul (megaempreendimentos de energias renováveis e mineração); fim da lógica mercantil sobre a terra e territórios; fim do desmatamento e a consequente destruição dos biomas (Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa, Pantanal e Zona Costeira); a necessária mudança em relação ao uso do solo implementadas desde a conquista/colonização, reduzindo a pecuária industrial e superando as tecnologias agressivas e contaminadoras dos agronegócios; fim da mercantilização e abuso das águas.

As emergências climáticas têm acentuado as desigualdades socioeconômicas de gênero e de raça/etnia, a criminalização da pobreza, o racismo ambiental. Precisamos ter um olhar mais responsável para os eventos climáticos extremos que afetam principalmente comunidades tradicionais e territórios em situação de vulnerabilidade. Com as alterações no regime das chuvas e as con­sequentes secas, proliferam-se os incêndios florestais, os deslizamentos de terras, as enchentes. Dessa forma, é necessário que as três instâncias governamentais adotem políticas públicas com destinação de recursos nos orçamentos para implementação de medidas preventivas, adaptativas e mitigatórias da emergência climática. Ressaltamos a importância de se ter uma política reparató­ria estatal para as vítimas que vivem nesses territórios vulnerabilizados pelos crimes socioambien­tais e pelas falsas soluções autoritariamente implementadas. Destacamos a necessidade de que os governos coíbam a militarização dos territórios após as tragédias climáticas.

Anfitrião e presidente da COP 30, a primeira meta assumida pelo governo brasileiro deverá ser um acordo mundial e com empenho proporcional às responsabilidades históricas em relação às emergências climáticas. Essa meta deve ser a mesma para o encontro do G20, em novembro deste ano, na cidade do Rio de Janeiro, que, infelizmente, é mais um espaço que serve para promover e fortalecer as falsas soluções como o mercado de carbono e serviços ambientais. O próprio governo brasileiro deverá: evitar novas explorações de combustíveis fósseis, como a da foz do Rio Amazonas e da Margem Equatorial; rechaçar a entrada na Organização dos Países Exportadores de Pe­tróleo (OPEP); dar passos efetivos nos demais setores responsáveis pelos crimes socioambientais. Só assim, para além dos discursos de marketing, o Brasil terá força moral e política para liderar a entrada da humanidade no caminho da recuperação do planeta com todas as suas formas de vida.

Por outro lado, precisamos enfrentar os falsos discursos e iniciativas que tentam pintar de “verde” ou “azul” velhas e novas práticas agressivas ao meio ambiente e aos direitos da natureza e das pes­soas. Na Caatinga, Pampa e em áreas costeiras do Nordeste e do Sul já acontecem megaprojetos, como das energias solar fotovoltaica e eólica, que não são limpos nem sustentáveis. Estes empre­endimentos colaboram para a desertificação (ou arenização) crescente, o desmonte de pequenas propriedades em comunidades e o agravamento do processo de aquecimento global. Esses mega­empreendimentos nocivos se espraiam para outros biomas e territórios.

A grande diversidade de ini­ciativas populares, de povos e comunidades tradicionais e de organizações sociais, que buscam resgatar o pertencimento à Comunidade da Vida, em todos os biomas, são a esperança frente à emergência climática

Este é um grande desafio, pois a transição energética é urgente. Substituir o uso da energia fóssil pela energia renovável não pode violar direitos e impactar a sócio-agro-biodiversidade, sob risco de agravar, ao invés de contribuir para solucionar a crise ecológica. Lutas de resistência a esses empreendimentos e iniciativas promovidas por comunidades e organizações populares sinalizam para uma transição energética popular, justa e, verdadeiramente, sustentável.

Por tudo isso, nossas palavras e ações querem ser um alerta e um apelo aos povos e ao governo do Brasil para que se avance no caminho urgentemente necessário de mudanças pessoais, coletivas e estruturais com coerência entre o que se anuncia e o que se faz. Sejamos apaixonados pela verdade revelada em nossas vidas e lutas coerentes. E, ainda mais veementes, na crítica às falas e práticas mentirosas de políticas governamentais e artimanhas empresariais. A grande diversidade de ini­ciativas populares, de povos e comunidades tradicionais e de organizações sociais, que buscam resgatar o pertencimento à Comunidade da Vida, em todos os biomas, são a esperança frente à emergência climática.

E nosso convite é este: ajudem-nos a realizar com firmeza e coragem a nossa missão como FMCJS. De preferência, juntem-se a nós, reforçando nossa vontade de avançar em práticas de convivência harmoniosa com a Terra. Multipliquem nossa capacidade de incidir sobre a definição e concreti­zação das políticas públicas, em particular, socioambientais. Para isso, cuidemos com carinho da participação popular nas eleições municipais deste ano e juntemos ideias e forças para chegarmos à COP 30 em condições de convencer e convocar o mundo a trilhar um caminho coletivo de convi­vência com a Mãe Terra.

Brasília, 06 de março de 2024

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