Justiça Federal concede nova liminar de reintegração de posse contra a Retomada Gãh Ré, no Morro Santana, em Porto Alegre
Decisão do dia 14 de março determina remoção da comunidade multiétnica Kaingang e Xokleng
A juíza federal Maria Isabel Pezzi Klein, da 9ª Vara Federal de Porto Alegre (RS), concedeu no dia 14 de março uma liminar de reintegração de posse em desfavor da comunidade multiétnica Kaingang e Xokleng retomada Gãh Ré, localizada no Morro Santana, na capital gaúcha.
Na decisão, a juíza Maria Isabel estabelece um prazo de cinco dias úteis, a partir da intimação, para que haja a desocupação voluntária da área, voltando atrás na decisão anterior que determinava, antes de qualquer medida de reintegração forçada, a criação de uma comissão de conciliação de conflitos. Pela decisão atual, caso não ocorra a desocupação voluntária pelos indígenas, há determinação do uso da força policial.
A juíza argumenta, na decisão, que os indígenas não têm o direito de ocuparem área que reivindicam antes desta ser demarcada. Ou seja, no entender dela, todo direito emana da vontade do poder público, o que contraria a Constituição Federal, artigo 231, pois lá fica evidente que os direitos indígenas antecedem o próprio Estado, por serem originários. A Constituição, portanto, reconhece um direito que precisa apenas ser declarado pelo poder público.
A decisão aponta para medidas dos tempos da Ditadura Militar, quando o Estado removia os indígenas de suas terras tradicionais, à força, e os depositava em áreas reservadas para outros povos, gerando um processo brutal de violência e morte
A juíza também reintegra a posse aos pseudo-proprietários do imóvel, mas não lhes garante o uso da área até que a Funai proceda aos estudos de identificação da terra. Para tanto, determina o prazo de um ano, pois, segundo a decisão, suspende-se o processo e congela o imóvel, que não poderá ser usado economicamente.
O que é mais grave e revoltante, contudo, é o fato de que a decisão determina que a comunidade Gãh Ré seja removida para a área indígena mais próxima, Cantagalo, que é de ocupação originária do povo Mbya Guarani.
Ou seja, a decisão aponta para medidas dos tempos da Ditadura Militar, quando desgraçadamente o Estado removia os indígenas de suas terras tradicionais, à força, e os depositava em áreas reservadas para outros povos, gerando um processo brutal de violência e morte. Ou seja, a juíza federal, neste ponto, desconhece a ciência da antropologia e a história, e adere à perspectiva integrcionista e genocida.
A decisão é racista, abusiva e demonstra total desconhecimento acerca das culturas, dos saberes e dos modos de ser e viver dos povos indígenas no Brasil
A decisão é racista, abusiva e demonstra total desconhecimento acerca das culturas, dos saberes e dos modos de ser e viver dos povos indígenas no Brasil. Na decisão, fica evidente que as diferenças étnicas, culturais e o seu necessário respeito e valorização são negligenciadas.
Diante desta nova decisão caberá, junto ao Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4), um agravo de instrumento, através do qual haverá a manifestação de inconformidade com a decisão, considerando que:
1 – é inaceitável a remoção de famílias Kaingang para uma área Guarani, pois essa decisão espelha as políticas integracionistas e genocidas da era da Ditadura Militar;
2 – o governo federal, através da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Advocacia-Geral da União (AGU), obrigatoriamente deve ser parte no processo – compondo o polo passivo da ação – até que se institua o Grupo de Trabalho para o procedimento administrativo de identificação e delimitação da terra e que, até lá, a comunidade seja mantida na posse da área;
3 – se cumpra a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto à criação, pelo TRF-4, da comissão de conciliação de conflitos envolvendo ações de reintegração de posse.
Há de se exigir agora, mais do que nunca, que a Funai realize uma manifestação no processo em defesa dos interesses indígenas e da União, já que uma terra indígena é patrimônio da União.
A comunidade indígena possui assistência judicial, através da assessoria jurídica do Conselho de Missão entre Povos Indígenas (Comin). Além disso, o Ministério Público Federal (MPF) atua firmemente na defesa da comunidade, também a Defensoria Pública da União (DPU) compõe o rol de interessados na defesa dos direitos indígenas.
Porto Alegre, 15 de março de 2023
Cimi Regional Sul – Equipe Porto Alegre
Comin – Equipe Sul