13/10/2021

Direito indígena no “balcão de negócios” mais uma vez

“Ministro Fachin resgatou o indigenato, os direitos originários e o respeito aos povos; Ministro Nunes Marques introduziu a tirania no indigenismo, validando o marco o temporal”

Foto: Marina Oliveira/Cimi

Por Assessoria de Comunicação do Cimi – MATÉRIA PUBLICADA ORIGINALMENTE NA EDIÇÃO 438 DO JORNAL PORANTIM

No dia 1º de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento sobre a questão do marco temporal das demarcações de Terras Indígenas (TIs), quando cerca de 1.200 lideranças indígenas, representando seus povos, permaneceram e resistiram na capital de forma permanente após o encerramento, no dia 28 de agosto, do acampamento “Luta pela Vida”, que contou com a presença de cerca de 6 mil indígenas, de mais de 170 povos.

O julgamento foi suspenso no dia 26 de agosto após a leitura do relatório inicial do ministro Edson Fachin. Naquele dia, a promessa do presidente da Corte, Luiz Fux, era que o caso seria retomado como primeiro item da pauta no dia 1º de setembro, por se tratar de um assunto “muito importante” e que a decisão se daria na semana de retomada ou nos “dias subsequentes”, o que não aconteceu devido ao pedido de vistas do ministro Alexandre de Morais, no dia 15 de setembro, após seis sessões do julgamento sem conclusão.

Antes do pedido de vistas, entretanto, veio o “voto da tirania… Se o ministro Fachin resgatou o indigenato, os direitos originários e o respeito aos povos, o Ministro Nunes Marques introduziu a tirania no indigenismo, validando o marco o temporal, as condicionantes de Raposa Serra do Sol e, pior, impedindo os indígenas de ocuparem suas terras antes da homologação pelo presidente da República. Ou seja, legítima a violência, o esbulho, a grilagem, a invasão e o genocídio. Mas a luta e a mobilização prosseguem. O julgamento foi interrompido pelo pedido de vistas do Ministro Alexandre de Moraes. Há ainda 09 votos a serem proferidos. A esperança reverbera”, frisa Roberto Liebgott, do Cimi Sul.

Um conjunto de mobilizações, marchas e atos vem acontecendo em Brasília, com repercussão nos territórios, desde junho desse ano, reunindo inúmeras lideranças indígenas em defesa de seus direitos constitucionais e contra propostas como o marco temporal e outras proposições, como Projeto de Lei (PL) 490, em tramitação na Câmara dos Deputados.

Em junho, aconteceu o “Levante Pela Terra”, mobilização indígena que reuniu mais de 850 indígenas de 45 povos; seguido pelo acampamento “Luta Pela Vida”, realizado em agosto, que foi considerado o maior da história, com mais de 6 mil pessoas de 173 povos; por fim a 2ª Marcha Nacional das Mulheres Indígenas, que reuniu cerca de 5 mil mulheres, de mais de 185 povos, vindas de todos os biomas do Brasil.

de norte a sul, foram realizados cantos, rituais e manifestações, com faixas e cartazes contra a tese do marco temporal

Foto: Povos Guarani e Kaiowá

Apesar de Brasília ser o centro das atenções, as manifestações tomaram conta também de outros lugares do Brasil: de norte a sul, foram realizados cantos, rituais e manifestações, com faixas e cartazes contra a tese do marco temporal, em estradas e até nas próprias aldeias. Registros foram feitos nas diferentes regiões do Brasil e mostram crianças, mulheres, homens e anciãos de ao menos 30 povos e de comunidades quilombolas participando das mobilizações ao redor do país nos últimos dias.

Cronologia do julgamento em setembro

Nos dias 1º e 2 de setembro, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ouviram a grande diversidade de vozes e argumentos dos 34 amici curiae – “amigos da Corte” –, 21 favoráveis aos povos indígenas, que utilizaram o espaço no plenário para apresentar argumentos em defesa dos direitos constitucionais indígenas e contra a tese do chamado marco temporal, e 13 representando entidades ruralistas.

Assim, as duas sessões foram ocupadas pelas sustentações orais das partes diretamente envolvidas no processo – organizações e instituições que auxiliam as partes e fornecem subsídios para que os ministros formem seus votos – e da Procuradoria-Geral da República (PGR), que se manifesta obrigatoriamente em processos envolvendo a temática indígena.

As primeiras sustentações orais, com 15 minutos cada, foram as do Instituto do Meio Ambiente do estado de Santa Catarina (IMA), que propôs a ação possessória contra os indígenas; dos advogados do povo Xokleng, alvo da ação original; e da Advocacia-Geral da União (AGU), representando a União.

o parecer da PGR rejeita o marco temporal de forma expressa, mas também flexibiliza e compromete os direitos dos povos, pois, há que se provar sempre a expulsão e o esbulho

Foto: Hellen Loures/Cimi

O povo Xokleng, admitido como parte no processo, foi representado pelos advogados Rafael Modesto dos Santos, assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), e Carlos Marés, professor.

 

Sustentação contraditória do PGR

Após as manifestações dos amici curiae, o Procurador-Geral da República Augusto Aras defendeu a manutenção da posse dos Xokleng na área – cujo território está no centro da disputa deste processo -, mesmo antes da conclusão da regularização da terra indígena, e a favor da validade da demarcação, sem a aplicação de nenhum marco temporal. “A demarcação é de índole declaratória, não constitutiva. Demarcar uma terra indígena consiste em atestar a ocupação dos índios como circunstância anterior à demarcação”, destacou Aras.

Para Roberto Liebgott, do Cimi Sul, entretanto, o parecer da PGR rejeita o marco temporal de forma expressa, mas também flexibiliza e compromete os direitos dos povos, pois, há que se provar sempre a expulsão e o esbulho. “No caso concreto das terras colonizadas há mais de 60 ou 80 anos, os indígenas perderiam o direito pela falta do usufruto tradicional e permanente. Deixa a impressão que, nestes casos, há que se buscar uma solução porque a ocupação se desfez ao longo do tempo e, com isso, os indígenas não teriam mais o direito sobre as terras reivindicadas atualmente, que só no caso do Rio Grande do Sul, por exemplo, são mais de 100”, avaliou

Liebgott diz ainda que a manifestação do Aras salvaguarda os povos da Amazônia, mas compromete os povos do Nordeste, Sul e Sudeste, pois há que se provar, em cada caso, o esbulho e a expulsão e isso descaracteriza o direito originário. “Provar como, se hoje subsistem tão somente os netos e bisnetos dos que foram expulsos e removidos? Os Mbya, Kaingang, Xokleng, contam com as narrativas orais, alguns documentos históricos, alguns escritos e com a memória para requerer o direito à terra. E a gente vai acreditar que a Funai, no atual contexto, se esforçara para provar o esbulho e a expulsão? Promoverão, certamente, o que já se tentou, a compra terras ou criação de pequenas reservas em áreas degradas. O cenário pode vir a ser exatamente esse se essa versão narrada pelo Aras prevalecer. Portanto, o Aras jogou pra nossa torcida e pro agro ao mesmo tempo”, avaliou o representante do Cimi Sul.

 

O terceiro dia do julgamento, dia 2 de setembro, foi encerrado após a fala do PGR e retomado no dia 8 de setembro, uma quarta-feira. Na ocasião, as participantes da II Marcha Nacional das Mulheres Indígenas reservaram parte da programação da mobilização para acompanhar a sessão do STF que, de maneira frustrante, foi encerrada mais uma vez sem iniciar os votos dos ministros sobre o mérito do processo. Desde que o julgamento foi incluído na pauta do plenário do STF, no dia 25 de agosto (data sem movimentação do processo), essa foi a quinta sessão encerrada sem que a votação fosse concluída.

voto considerado histórico do ministro Edson Fachin, relator do processo, rechaçou a tese do marco temporal e reafirmou o caráter originário dos direitos constitucionais indígenas

Foto: Hellen Loures/Cimi

O quinto dia efetivo de julgamento, dia 9 de setembro, veio com um voto considerado histórico do ministro Edson Fachin, relator do processo, que rechaçou a tese do marco temporal e reafirmou o caráter originário dos direitos constitucionais indígenas, que ele caracterizou como cláusulas pétreas. Em todo o país, os povos indígenas aguardavam com muita expectativa o voto do ministro, que já havia lido seu relatório inicial do processo no dia 26 de agosto e apresentado um preâmbulo de seu voto na sessão realizada no dia 8.

 

Voto de Fachin

O ministro Edson Fachin caracterizou, em seu voto, os direitos constitucionais indígenas como direitos fundamentais, de caráter coletivo e individual. Isso significa que eles são cláusulas pétreas, ou seja, esses direitos não podem sofrer retrocessos e nem ser modificados. A proteção assegurada pela Constituição Federal aos povos indígenas e seus territórios, segundo essa interpretação, não pode ser relativizada: ela deve ser garantida de forma contínua e integral.

Ele também reafirmou outros aspectos garantidos pela Constituição Federal de 1988 aos povos indígenas, como a nulidade de todo e qualquer título incidente sobre terras indígenas e a garantia de que as terras indígenas, de propriedade da União, são destinadas ao usufruto exclusivo dos povos originários.

A Constituição impede a “concessão de qualquer forma de direito real ou pessoal” sobre as riquezas do solo, rios e lagos existentes nas terras indígenas, “ou mesmo a realização de atos negociais com os índios que lhes retire da condição de usufrutuários exclusivos da terra”, argumenta Fachin.

A respeito do “marco temporal” e sobre os indígenas que vivem em isolamento voluntário, o ministro questionou: “estando completamente alijadas do modo de vida ocidental, de que modo fariam prova essas comunidades de estarem nas áreas que ocupam em 05 de outubro de 1988?”

Fachin salientou também que o procedimento demarcatório realizado pelo Estado não cria as terras indígenas – ele apenas as reconhece, já que a demarcação é um ato meramente declaratório, e não constitutivo. “A posse permanente das terras de ocupação tradicional indígena independe da conclusão ou mesmo realização da demarcação administrativa dessas terras, pois é direito originário das comunidades indígenas”, enfatizou o ministro.

Outro argumento refutado pelo ministro Edson Fachin é o de que o STF já possuiria uma jurisprudência consolidada sobre a demarcação de terras indígenas, baseada no precedente do caso Raposa Serra do Sol. Fachin argumenta que o reconhecimento da repercussão geral do caso Xokleng reflete a necessidade de buscar uma solução para os conflitos fundiários que persistem no Brasil. “Dizer que Raposa Serra do Sol é um precedente para toda a questão indígena é inviabilizar as demais etnias indígenas. É dizer que a solução dada para os Macuxi é a mesma dada para os Guarani. Para os Xokleng seria a mesma dada para os Pataxó”, afirma o ministro. “Quem não vê a diferença não promove a igualdade”.

 

A posição expressa pelo relator em seu voto foi bastante comemorada pelas mais de 5 mil mulheres que participam da II Marcha Nacional das Mulheres Indígenas, em Brasília

Isabela Patté, anciã Xokleng de 84 anos, comemora o voto de Edson Fachin a favor dos povos indígenas. Foto: Hellen Loures/Cimi

A posição expressa pelo relator em seu voto foi bastante comemorada pelas mais de 5 mil mulheres que participam da II Marcha Nacional das Mulheres Indígenas, em Brasília. Elas acompanharam a sessão do julgamento por meio de um telão instalado na tenda principal do acampamento, localizado na Funarte.

Segundo a votar, o ministro Nunes Marques deu início à leitura de seu voto, mas antes de entrar no mérito da questão pediu para o presidente Luiz Fux que seu voto fosse concluído em outra sessão.

Logo, no sexto dia de julgamento, numa quarta-feira, dia 15 de setembro, repetindo argumentos dos setores mais retrógrados do agronegócio, o ministro Kássio Nunes Marques apresentou seu voto a favor da tese do marco temporal para as demarcações de terras indígenas. Em seguida, após o voto de Nunes Marques, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista e o julgamento foi suspenso, sem data prevista para retorno.

O voto do ministro Nunes Marques abriu uma divergência em relação ao voto do relator do processo, o ministro Edson Fachin, favorável aos direitos constitucionais indígenas e contrário à tese do marco temporal. A necessidade de analisar melhor as posições apresentadas foi a justificativa dada pelo ministro Alexandre de Moraes para pedir vista, interrompendo o julgamento empatado em um a um.

O julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.017.365 e o voto do retrocesso

O voto de Nunes Marques foi apresentado na continuação do julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, processo que envolve um pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Santa Catarina, contra a comunidade Xokleng da Terra Indígena (TI) Ibirama-Lã Klãnõ, também habitada por comunidades Guarani e Kaingang. O caso ganhou status de repercussão geral no Supremo e terá efeitos para as demarcações de terras indígenas de todo o país.

No caso específico dos Xokleng, Nunes Marques votou pelo desprovimento do recurso, ou seja, votou pela anulação da demarcação da terra indígena e a favor da reintegração de posse movida pelo órgão ambiental do estado de Santa Catarina. O argumento de Marques é de que as comunidades não ocupavam as áreas reivindicadas em 1988. Embora anteriormente em seu voto tenha reconhecido que os Xokleng tiveram suas terras esbulhadas, demonstrando ser contraditório seu argumento.

Em seu voto, Nunes Marques defendeu a aplicação do marco temporal como forma de conciliar interesses. A tese, no entanto, é defendida pelos setores mais retrógrados do agronegócio e rechaçada por comunidades indígenas e suas organizações em todo o país.

Segundo a interpretação, os direitos territoriais dos povos indígenas estariam restritos àquelas áreas que estivessem em sua posse ou disputadas judicialmente até 5 de outubro de 1988, ignorando, e ao mesmo tempo legitimando, o histórico de expulsões e violências sofridas pelos povos indígenas antes da data.

Nunes Marques reconheceu que a tese significaria anistiar esbulhos ocorridos antes da data de promulgação da Constituição Federal.

“A teoria do fato indígena, que embasa o posicionamento do STF no caso já referido [caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol], é a que melhor concilia os interesses em jogo na questão indígena. Por um lado, admite-se que os índios remanescentes em 1988 e suas gerações posteriores têm direito à posse de suas terras tradicionais, para que possam desenvolver livremente seu modo de vida. Por outro, procura-se anistiar oficialmente esbulhos ancestrais, ocorridos em épocas distantes, e já acomodados pelo tempo e pela própria dinâmica histórica”, declarou.

Seguindo o mesmo roteiro de setores ruralistas e do agronegócio, o voto de Nunes Marques repetiu as condicionantes utilizadas na votação do caso da Terra Indígenas Raposa Serra do Sol. A decisão do STF de uma década atrás estabeleceu 19 condicionantes, mas sem efeitos para as demarcações de outras Terras Indígenas.

“Os argumentos do Nunes Marques não inovaram em nada, foi um voto que não nos surpreendeu. Ele trouxe basicamente os argumentos que os ruralistas defendem. Ele desconsidera o indigenato, traz o indigenato como um instituto defasado, que traz insegurança jurídica, e defende a tese do marco temporal”, avalia a advogada Samara Pataxó, da assessoria jurídica da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Além do marco temporal, Nunes Marques votou por vedar a ampliação de terras indígenas, o que restringe os direitos territoriais das comunidades que tiveram suas terras demarcadas fora dos parâmetros estabelecidos pela Constituição de 1988.

No sentido contrário do que apontam todos os estudos sobre a preservação das florestas nos territórios indígenas, o ministro considerou ainda a incompatibilidade das demarcações de terras sobrepostas com áreas de preservação, considerando que deve prevalecer a administração dos parques e unidades de conservação sobre as terras indígenas.

“Ouvindo o voto do ministro Nunes Marques, não vi nada de novo. Vi apenas um ministro repetindo os velhos argumentos dos ruralistas. Pareceu-me um copia e cola, das petições dos fazendeiros. Nunes Marques conhece que o direito indígena é imprescritível, mas aplica o marco temporal, anistiando os crimes perpetrados contra os povos indígenas. Voto Teratológico!”, comenta o coordenador jurídico da Apib, Eloy Terena.

 

No centro da disputa, duas teses:

A tese do chamado marco temporal, uma tese ruralista que restringe os direitos indígenas. Segundo esta interpretação, considerada inconstitucional, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Essa tese é defendida por empresas e setores econômicos que têm interesse em explorar e se apropriar das terras indígenas.

Oposta ao marco temporal está a teoria do indigenato, consagrada pela Constituição Federal de 1988. De acordo com ela, o direito indígena à terra é “originário”, ou seja, é anterior à formação do próprio Estado brasileiro, independe de uma data específica de comprovação da posse da terra (marco temporal) e mesmo do próprio procedimento administrativo de demarcação territorial. Esta tese é defendida pelos povos e organizações indígenas, indigenistas, ambientalistas e de direitos humanos.

 

Diversidade em defesa dos direitos indígenas

As 21 organizações “amigas da Corte” que fizeram sustentação oral favorável aos povos indígenas apresentaram diversos argumentos técnicos e jurídicos contra a tese do marco temporal, que busca restringir o direito dos povos indígenas à demarcação de suas terras, e em defesa da teoria do indigenato.

Também foram apresentados elementos que reforçam a importância das terras indígenas para a preservação das florestas e do meio ambiente e que desmontam o argumento ruralista de que há “terra demais” para os povos indígenas – o que, supostamente, inviabilizaria a produção de alimentos no país.

“É notório que o marco temporal figura-se como um dos principais trunfos para sobrepor interesses individuais, políticos e econômicos sobre direitos fundamentais, coletivos e constitucionais dos povos indígenas e da própria União. Ou seja, o marco temporal não goza de natureza jurídico-constitucional, pois vai de encontro a pilares que são caros ao Estado Democrático de Direito”, destacou Samara, que, além de coordenadora jurídica da Apib, representou o Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba) no processo.

Além de organizações indígenas, indigenistas, socioambientais e de direitos humanos, foi histórica a participação de advogados indígenas no processo. Samara Pataxó, Eloy Terena, Ivo Macuxi e Cristiane Soares Baré fizeram sustentações orais contra a tese do marco temporal e em defesa do direito constitucionais indígenas.

“O momento é oportuno para esta Suprema Corte reafirmar o direito dos povos originários do Estado brasileiro, notadamente num contexto político tão adverso, onde cumprir as disposições constitucionais é medida que se impõe. É preciso reafirmar que a proteção constitucional dispensada às terras indígenas é um compromisso de Estado e não pode estar submetido à discricionariedade política. Sendo assim, demarcar terra indígena é imperativo constitucional”, destaca Luiz Eloy Terena, coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), durante sustentação oral.

No lado favorável aos direitos indígenas, a maioria das sustentações orais foi feita por mulheres. Além disso, a diversidade também foi marcada pela presença de três advogados formados por meio do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), voltado a promover educação para trabalhadores e trabalhadoras do campo.

“Quero iniciar dizendo a vossas excelências que sou advogada popular, sou indigenista e sou formada em uma turma para beneficiários da reforma agrária, e é com muito orgulho que hoje defendo o direito dos povos originários desse país”, afirmou Alessandra Farias Pereira, que fez a sustentação oral em nome do Greenpeace Brasil.

Além de Alessandra, Anderson Santos, que representou a Aty Guasu – grande assembleia Guarani e Kaiowá, e Rafael Modesto dos Santos, um dos advogados do povo Xokleng, também são egressos do programa. Ambos são assessores jurídicos do Cimi.

O lado ruralista

Foram 13 manifestações de “amigos da Corte” contrários aos direitos dos povos indígenas, quase todas de organizações ruralistas, sindicatos rurais patronais. Também defenderam esta posição o estado e dois municípios de Santa Catarina.

A posição ruralista também foi apoiada pela AGU, que defendeu a aplicação do marco temporal como critério para demarcação de terras indígenas. A posição da AGU entrou em contradição com a manifestação inicial da Funai, que originalmente havia recorrido da ação possessória contra os Xokleng e era uma aliada dos indígenas no processo. Já sob o governo Bolsonaro, o órgão indigenista abriu mão de se posicionar no julgamento – e, na prática, favoreceu os ruralistas.

Próximos passos

A data de retorno do julgamento é incerta. Depois de devolvido por Alexandre de Moraes, o processo precisa ser recolocado na pauta pelo presidente da Corte, Luiz Fux. O regimento interno do STF estabelece um prazo de 30 dias para a devolução do processo sob vista, prorrogável por mais 30. A Corte, contudo, não prevê sanções em caso de descumprimento do prazo, e é comum que ele seja estendido para além desse período.

Quando for reiniciado, o julgamento deve retornar com o voto de Moraes, que será seguido pelos outros oito ministros e ministras, do mais novo na Corte ao decano, Gilmar Mendes. O último a votar é o presidente do STF, Luiz Fux.

“É um processo doloroso, cansativo, mas assim como a gente acredita em Topé, Nhanderu, temos que continuar acreditando que dali do Supremo saiam os votos necessários para garantir nossos direitos”, afirma Kretã Kaingang, que integra a coordenação da Apib.

Os povos pedem ao ministro que devolva o voto vista com brevidade e se posicione contra a tese ruralista do marco temporal

Foto: Adi Spezia/Cimi

No dia 16 de setembro, lideranças indígenas protocolaram no Supremo Tribunal Federal (STF) uma carta destinada ao ministro Alexandre de Moraes, autor do pedido de vista que suspendeu o julgamento sobre demarcações de terras indígenas. Os povos pedem ao ministro que devolva o voto vista com brevidade e se posicione contra a tese ruralista do marco temporal. A carta é assinada pelos povos Xokleng, Kaingang, Guarani, Tuxá, Xavante, Xukuru, Tupi Guarani, Pataxó, Guajajara, Terena e Krikati. Cerca de 150 indígenas, que permaneceram em Brasília, foram até o STF para fazer o protocolo da carta.

O Estado brasileiro sempre fala que precisa reparar os erros que cometeu contra os povos indígenas, e o principal deles é esse, a terra

Foto: Hellen Loures/Cimi

“O Estado brasileiro sempre fala que precisa reparar os erros que cometeu contra os povos indígenas, e o principal deles é esse, a terra. Por isso, é muito importante que coloquem em pauta o mais rápido possível”, reivindica Kretã Kaingang, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e uma das lideranças que fizeram o protocolo do documento.

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