08/04/2022

Julgamento de acusados da morte de Paulino Guajajara fortalece luta de Guardiões da Floresta da TI Araribóia por seus direitos

Juiz da 1ª Vara Criminal Federal do Maranhão determinou que acusados do assassinato de Paulino Guajajara, ocorrido em novembro de 2019, sejam levados a júri popular

O Guardião da Floresta Paulino Guajajara, assassinato por madeireiros em novembro na Terra Indígena Arariboia. Crédito da foto: Patrick Raynaud/Mídia índia

O Guardião da Floresta Paulino Guajajara, assassinato por madeireiros em novembro na Terra Indígena Arariboia. Crédito da foto: Patrick Raynaud/Mídia índia

Por Jesica Carvalho, da assessoria de comunicação do Cimi Regional Maranhão

Autonomia e justiça estão entre as principais reivindicações do povo Guajajara (ou Tenetehar, como se autodenominam) da Terra Indígena (TI) Arariboia, localizada no município de Amarante do Maranhão. A luta histórica dos indígenas Guajajara foi fortalecida com a decisão, em 29 de março de 2022, do juiz substituto da 1ª Vara Criminal Federal do Maranhão, Luiz Régis Bomfim Filho, de levar a júri popular os acusados do assassinato de Paulino Guajajara, ocorrido em 1º de novembro de 2019.

“Essa é uma conquista nossa, nesse sentido de levar estes acusados a júri popular, pois ao longo desses anos nunca aconteceu isso com nenhum dos assassinatos de outros indígenas que ocorreram em nosso território”, destaca Olímpio Guajajara.

Será um fato histórico, após dezenas de assassinatos sofridos, como o de Tomé Guajajara, liderança de 60 anos, morto em 2007; Em 2016, Aponuyre Guajajara, 16 anos; Genésio Guajajara; Isaias Guajajara, Assis Guajajara, Zezico Rodrigues Guajajara, em 2020. Em todos os casos há aspectos semelhantes: o requinte de crueldade e o silêncio das autoridades públicas.

Portanto, este será o primeiro caso em que se busca romper com a corrente de impunidade dos criminosos. Quanto a este episódio, Olímpio Guajajara evidencia que “os assassinos de cacique Tomé foram triplamente qualificados, mas nunca foram presos. Então, esse é o momento de nós reforçarmos a batalha que a gente trava, pois estamos fazendo o papel do Estado em relação ao território e aos direitos já garantidos no papel”.

“É a primeira vez que pessoas acusadas de assassinar indígenas Guajajara sentam no banco dos réus.  Apesar de mais de vinte indígenas assassinados”, complementa Michael Nolan, assessora jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

O Ministério Público Federal (MPF) apresentou denúncia contra Antonio Wesly Nascimento Coelho e Raimundo Nonato Ferreira de Sousa imputando-lhes, em conjunto, homicídio qualificado pela eventual emboscada do guardião Paulo Paulino Guajajara, assim como do não indígena Márcio Gleik Moreira Pereira (morto também na ocasião, mas considerado como erro na execução), tentativa de homicídio do indígena Laércio Sousa Silva e porte ilegal de arma de fogo de uso permitido. A denúncia foi recebida pelo juiz no dia 23 de março de 2020.

“É um fato importantíssimo, considerando décadas em que os territórios e corpos Guajajara/Tenetehar são constantemente violados em seus direitos e discriminados em suas formas de vida. Especificamente, no caso da TI Arariboia, representa o cessar de um ciclo de impunidade, considerando ainda a forma constante com que os Guardiões são criminalizados em suas práticas de proteção e gestão territorial”, evidencia Lucimar Carvalho, da assessoria jurídica do Cimi Regional Maranhão.

Os Guardiões da Floresta

Fazendo memória dos guerreiros ancestrais Tenetehar e após pedido dos mais velhos, feito em assembleia, pela proteção de seu território e cansados da continuidade da violência, extração ilegal de madeira, aliada à omissão do Estado no seu dever de proteção constitucional, a criação dos Guardiões do Território Araribóia foi a maneira que o povo encontrou para se defender e defender seu território.

Os Guardiões da Floresta representam uma forma autônoma de gestão do território, com suas formas próprias de organização, em que normas e regras devem ser observadas por seus ocupantes e por aqueles que vivem em suas extremidades e que porventura adentrem em sua terra. A Constituição Federal de 1988 é clara a respeito das formas próprias de organização dos povos originários. O objetivo dos Guardiões também é claro: proteção ao território e a aqueles que ali vivem.

Desde quando foi criado, em 2007, o grupo de guardiões, 32 ramais madeireiros foram fechados. Com isso, nota-se que a natureza floresce e os animais aparecem. Em quinze anos de ações desenvolvidas, o grupo vem enfrentando invasões constantes de madeireiros e caçadores, desmatamento de forma indiscriminada e incêndios, nos 413 mil hectares que contemplam o território.

Destaca-se que estas condutas ambientais ilícitas praticadas dentro do território deveriam estar sendo fiscalizadas e punidas pelo Estado, por meio dos órgãos competentes como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Polícia Federal; porém, a realidade atual é de omissão, conforme se observa em várias realidades dos territórios indígenas espalhados pelo Brasil.

Ameaças

Mesmo com o avanço nas ações contra os ataques à TI Araribóia, as ameaças em relação aos guardiões seguem, como os fatos que aconteceram recentemente, com Olímpio e Nilson Guajajara, que foram perseguidos, e Peo Guajajara, que foi ameaçado. Apesar de pessoas do grupo serem colocadas sob proteção do programa de defensores de direitos humanos, é constante a perseguição dos exploradores para inibir a ação dos indígenas.

“No dia 27 [de março], fui seguido por quatro pessoas desconhecidas, que foram me procurar na aldeia, na casa do Nilson e no hospital de Amarante. Continuam as ameaças desses invasores em nosso território. Neste contexto, sou o principal alvo e esperamos que a justiça faça alguma coisa para não acontecer o pior como vem acontecendo com outras lideranças”, enfatiza Olímpio Guajajara.

Assim, como as ameaças contra os guardiões, segue, também, a clara criminalização de suas ações protetivas, o que retrata uma sociedade estruturada em preconceitos racistas e colonizadores, que usurpa por séculos os bens comuns dos territórios dos povos originários.

Em contraponto ao acima exposto, segue a luta pela justiça e pelo território, o povo Guajajara/Tenetehar segue com suas práticas ancestrais de defesa e de resistência, agregando algumas perdas nesse longo caminho da busca por respeito ao seu espaço de vida, com suas formas próprias de convivência com o território e com os parentes Awá Guajá, que ali também buscam viver em liberdade.

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