Em carta, Juventude Deni e Kanamari aponta problemas e indica soluções para o seu bem viver
Durante o I Encontro da Juventude Indígena Deni e Kanamari, realizada entre os dias 29 de setembro e 1º de outubro, foram apresentadas as perspectivas dos jovens diante do contexto e da conjuntura social e política que o Brasil vive
“Aprender, conhecer e entender a realidade do Brasil, o que está acontecendo, nos capacitando e desenvolvendo nossa cultura, tradição, espiritualidade, nossa realidade, defender nossos direitos e nossa terra indígena, para fortalecer cada vez mais nossa organização. Isso é muito importante para nossos jovens”. Assim descreve Umada Kuniva Deni, professor e Conselheiro Distrital de Saúde Indígena, da aldeia Boiador, Terra Indígena Deni do rio Xeruã, em Itamarati (AM), sobre a importância do I Encontro da Juventude Indígena Deni e Kanamari, que foi realizado entre os dias 29 setembro e 1º de outubro, em sua aldeia.
Com o tema “Juventude Indígena: Protagonizando suas lutas e fortalecendo sua Organização”, mais de 80 jovens indígenas, representando as aldeias Terra Nova, Nova Morada, Morada Nova, Itaúaba, do Povo Deni e as aldeias Santa Luzia, Flexal e São João do Povo Kanamari, participaram do encontro que resgatou a memória das lutas e conquistas dos Povos Deni e Kanamari, especialmente a história da organização dos seus jovens. Além disso, foram levados para a discussão os sonhos e perspectivas da juventude indígena diante do contexto e da conjuntura social e política que o Brasil vive e também as estratégias de intervenção, articulação e mobilização que possam contribuir com suas lutas e a defesa das aldeias e territórios.
Dentre os assuntos debatidos estavam a análise de conjuntura da política indigenista no país, a luta pelo território, a organização social dos povos Deni e Kanamari, as políticas públicas para a juventude indígena, o alcoolismo e drogas no contexto indígena, os direitos das crianças e adolescentes, a cultura e conhecimentos tradicionais e intercâmbio de realidades com jovens indígenas de outras regiões do país. Trabalhadas com metodologias participativas e sensibilizadoras, essas temáticas despertaram a resistência e a “vitalidade de uma juventude que vem tecendo um tupé de história e, hoje, os jovens ocupam efetivamente espaços de discussões e debates que antes não eram expressivos para eles”, constatam os organizadores.
“Vitalidade de uma juventude que vem tecendo um tupé de história e, hoje, os jovens ocupam efetivamente espaços de discussões e debates que antes não eram expressivos para eles”
A expressiva participação na grande diversidade de assuntos debatidos pelos jovens mostra que a juventude está envolvida e quer estar presente nas instâncias de decisão sobre as políticas que afetam suas vidas, afirma a liderança indígena Amavi Minu Deni, um dos primeiros jovens a participar da organização da juventude em sua aldeia Morada Nova. Atualmente, Amavi Deni é vereador em Itamarati. “Sempre lutamos para ter direitos, para que nossas aldeias sejam cada dia melhores. Somos parte dessas conquistas e precisamos dar continuidade, precisamos de mais parentes para nos representar na cidade, na Câmara de Vereadores, e isso depende também da organização da juventude”, diz.
O I Encontro da Juventude Deni e Kanamari da região do médio rio Solimões foi promovido pelo CIMI regional Norte 1, organizado pela equipe do médio rio Juruá, da Prelazia de Tefé, recebeu apoio institucional da ASPA – Prefeitura de Málaga, Espanha e a parceria da Associação do Povo Deni do Rio Xeruã (ASPODEX) e Associação do Povo Tâkuna do Rio Xeruã (ASPOTAX).
“Sempre lutamos para ter direitos, para que nossas aldeias sejam cada dia melhores. Somos parte dessas conquistas e precisamos dar continuidade”
Uma Carta para promover diálogo
Baba Deni, tuxaua da aldeia Boiador, manifestou alegria em receber o primeiro encontro da juventude indígena em sua aldeia. “Cada aldeia deve organizar os jovens para eles serem aqueles que vão dar continuidade à vida e costumes do povo”, afirmou Baba Deni.
Esse espírito de esperança manifestado pelo tuxaua conduziu todo o Encontro: das dinâmicas aos trabalhos de grupo, das explicações sobre leis e políticas públicas indigenistas e ataques aos direitos já garantidos pela Constituição Federal aos intercâmbios virtuais com jovens de outros territórios e etnias através dos vídeos exibidos. Todos os assuntos trouxeram clareza da realidade indígena de Itamarati e, também, indicativos de solução para os problemas identificados.
Um dos primeiros problemas identificados é a falta de comunicação com a juventude. Não há dialogo com os jovens para conhecer seus anseios, problemas e necessidades. Falta estrutura comunitária, escolas e professores indígenas, não há projetos de formação e capacitação específica e há ausência de Coordenação Municipal de Assuntos Indígenas, do Conselho Municipal de Juventude formalizado, de uma Casa de Apoio ao Estudante Indígena, da Coordenação Técnica Local (CTL) e da Casa de Saúde Indígena (Casai), em Itamarati.
“Esse espírito de esperança manifestado pelo tuxaua conduziu todo o Encontro”
Por essas ausências, não há políticas públicas de esporte, cultura, lazer, meio ambiente, entre outras, para a juventude no município. As políticas conquistadas, como saúde e educação, são precarizadas. Não há trabalhos de sensibilização, prevenção e conscientização sobre álcool e drogas. Também não existe, nos espaços públicos, tradução para tornar a participação indígena possível. Outra necessidade reivindicada pelos jovens é o apoio às ações de proteção territorial da Terra Indígena Deni Kanamari e, também, para estrutura e ações de manejo do pirarucu, pois, em ambos, os jovens são atuantes.
Problemas identificados e soluções viáveis indicadas, os jovens sistematizaram suas denúncias e demandas em uma carta que será entregue ao poder público de Itamarati. As secretarias de Saúde, de Educação, de Esportes, de Cultura e de Assistência Social, a Prefeitura e a Câmara de Vereadores de Itamarati receberão nos próximos dias a síntese do I Encontro da Juventude Deni e Kanamaria, etnias que compõem a identidade cultural do município.
“Os jovens sistematizaram suas denúncias e demandas em uma carta que será entregue ao poder público de Itamarati”
A juventude Deni e Kanamari declara sua resistência em defesa da vida e dos seus direitos e conclama sua ancestralidade para o Bem Viver, exigindo respeito, seriedade e efetividade, conforme descrito em um trecho da Carta:
“Reafirmamos o compromisso com nossa ancestralidade, respeitando nossos pajés, parteiras, anciãos, caciques e demais lideranças que, para nós, são formadores de opiniões, que nos ajudam a ser cada vez mais fortes e a lutar por nossos direitos, para defender nossas vidas, nossas florestas, nossa terra indígena Deni e Kanamari”, e “exigimos apoio na defesa de nossos direitos, que esses sejam tratados com seriedade e efetividade, considerando nossas peculiaridades, culturas e costumes, para que nossas vidas sejam cada vez mais valorizadas e nosso bem viver não se torne apenas sonho, mas sim, realidade”, conforme descrito no documento.
Confira a íntegra da Carta:
Documento Final do I Encontro da Juventude Indígena Deni e Kanamari
Nós, juventude indígena das aldeias Terra Nova, Nova Morada, Morada Nova, Boiador e Itaúba do povo Deni; das aldeias Santa Luzia, Flexal e São João do Povo Kanamari, reunidos nos dias 29, 30 de Setembro e 01 de outubro de 2021, na aldeia Boiador, Terra Indígena Deni, Rio Xeruã, Município de Itamarati, no 1º Encontro de Juventude Indígena Deni e Kanamari do Rio Xeruã, com o Tema: “Juventude Indígena: Protagonizando suas lutas e fortalecendo sua Organização”, e os objetivos de fazer memória das lutas e das conquistas dos Povos Deni e Kanamari; Discutir os sonhos e perspectivas da Juventude Indígena diante do contexto e da conjuntura social e politico; Fazer memoria da organização das juventudes indígenas Deni e Kanamari do Rio Xeruã e Discutir estratégias de intervenção, articulação e mobilização que venham a contribuir com as lutas e na defesa das aldeias. O encontro foi idealizado pelo Conselho Indigenista Missionário/CIMI Regional Norte 1 (AM/RR), Equipe Médio Juruá, da Prelazia de Tefé, com o apoio institucional da ASPA (Prefeitura de Malaga da Espanha).
Vivemos uma conjuntura política que tem como prática, os ataques de forma sistemática aos nossos direitos constitucionais, elaborando e aprovando projetos de leis e outros instrumentos jurídicos que ameaçam nossa integridade física, moral, psicológica, espiritual, nossa cultura e costumes, nossas florestas, animais, rios, terra onde nós vivemos, orquestradas por grupos políticos que financiam este governo que retira direitos, persegue e motiva violências contra lideranças e o movimentos indígenas.
Nas plenárias, partilhas e discussões nos grupos de trabalhos, apresentemos nossos anseios, dificuldades, sonhos e mecanismos que são necessários para que possamos ter melhor qualidade de vida e dignidade humana. Destacamos no aspecto dos desafios:
A falta de comunicação para com os jovens indígenas;
Falta de estrutura nas aldeias que possibilite uma melhor animação para encontros e aprendizados dos Jovens;
Nossos jovens necessitam de capacitação (curso de formação e profissionalização nas mais diversas áreas);
Falta Escola de Ensino Médio em nossas aldeias para nossa formação;
Apoio na formação dos professores indígenas com o projeto Pirayawara;
Garantir a efetivação da coordenação municipal de assuntos indígenas;
Politicas Públicas de Esporte, Lazer, cultura, meio ambiente;
Garantir a representatividade da nossa juventude nos espaços de decisões de politicas publicas;
Ter um Conselho Municipal de Juventude para discutir Politicas Públicas de Juventude;
Casa de apoio para Estudante indígena; Trabalho de sensibilização, prevenção e conscientização sobre o uso abusivo de álcool e drogas;
Precisamos ser entendidos nos espaços públicos, que seja possibilitado um tradutor indígena nesses espaços;
Precisamos de uma CTL em Itamarati; Casa de apoio para os povos indígenas que estão doentes na cidade (CASAI);
Apoio nas ações de proteção territorial dos povos indígenas, com estruturas para ações que já existem e que sejam necessárias (estruturas para a despesca do pirarucu, Flutuante, casa no local da pesca).
Nossos sonhos é uma por organização social mais fortalecida, nossas associações Deni (ASPODEX) e Kanamari (ASPOTAX) cada vez mais empoderada e autônoma. Nossas escolas com ensino médio em nossas aldeias, com ginásios de esporte padrão, com nossos jovens se formando na faculdade. Queremos médicos, enfermeiros, engenheiros, professores, formados para fortalecer nossos povos. Queremos que nossa cultura seja cada vez mais valorizada, com fortalecimentos de nossos costumes e tradições, nossos cantos no terreiro ecoem cada vez mais forte e inspire os mais novos a viver com intensidade nosso jeito de ser Deni e Kanamari. Queremos mais ainda participar da vida politica, dos espaços de discussões e decisões que seja em beneficio de nossos povos.
Reafirmamos o compromisso com nossa ancestralidade, respeitando nossos pajés, parteiras, anciãos, caciques e demais lideranças que para nós são formadores de opiniões, que nos ajudam a sermos cada vez mais fortes e a lutar por nossos direitos, para defender nossas vidas, nossas florestas, nossa terra indígena Deni e Kanamari.
As autoridades, políticos, representantes dos governos, aos aliados e parceiros da causa indígena, a sociedade envolvente, exigimos apoio na defesa de nossos direitos, que esses sejam tratados com seriedade e efetividade, considerando nossas peculiaridades, culturas e costumes, para que nossa vida sejam cada vez mais valorizada e nosso bem viver não se torne apenas sonho, mais sim, realidade.
1º de outubro, de 2021
Juventude Indígena: Na luta e na resistência em defesa da vida e de nossos direitos