Seminário faz memória ao massacre do Rio Abacaxis, que completa um ano sem justiça para indígenas e ribeirinhos
As atividades ocorrem nos dias 3 e 4 de agosto, com mesas de diálogo virtuais, celebração ecumênica e coletiva de imprensa
Diante da impunidade, a força das ações conjuntas move a luta por justiça. Imbuídas dessa resistência, lideranças indígenas e ribeirinhos da região do rio Abacaxis, no Amazonas, e organizações da sociedade civil realizam nos dias 3 e 4 de agosto, de modo virtual, o Seminário “Um ano do massacre do Abacaxis: Haverá justiça?”.
No dia 3 de agosto, serão realizadas duas mesas de diálogo com transmissão ao vivo pelas redes sociais. A primeira delas, na parte da manhã, reunirá lideranças indígenas e de comunidades ribeirinhas da região, e a segunda, pela tarde, terá a participação de autoridades responsáveis pelo acompanhamento e pela apuração do caso. No dia 4 de agosto, serão realizadas uma celebração ecumênica em memória das vítimas do massacre e uma coletiva de imprensa sobre o tema, em formato semipresencial.
O evento é decorrente da ausência de respostas aos processos judiciais instaurados e às investigações do massacre ocorrido em agosto do ano passado, nas comunidades ribeirinhas e indígenas das Terras Indígenas (TIs) Maraguá e Coatá-Laranjal e da região dos rios Abacaxis e Marimari, nos municípios de Borba e Nova Olinda do Norte (AM). O conflito, com envolvimento da Polícia Militar, resultou na morte de dois indígenas Munduruku e três ribeirinhos e no desaparecimento de dois adolescentes, além de diversos relatos de tortura e perseguição.
O objetivo do Seminário é dar visibilidade à luta das comunidades por justiça no caso, para que a impunidade não impere em mais esse crime contra as populações tradicionais e indígenas. Ouvir os representantes indígenas e ribeirinhos que foram afetados pelo massacre e ouvir os órgãos públicos, assim como seus esclarecimentos sobre o andamento das investigações e dos processos judiciais, são prerrogativas importantes para a elucidação dos fatos e a punição dos criminosos.
Na terça-feira (3) pela manhã, a primeira mesa de diálogo ocorre das 9h às 11h, no horário de Manaus, com os relatos de quem viveu a tragédia e o contexto sociopolítico no Amazonas. A atividade terá a participação do bispo da Arquidiocese de Manaus, Dom Leonardo Steiner, e de lideranças indígenas e ribeirinhas da região.
À tarde, no mesmo dia, a atividade ocorre entre as 14h e as 17h, com a participação do Bispo da Prelazia de Borba, Dom Zenildo Luiz Pereira da Silva, e de representantes dos órgãos competentes, que trarão informações sobre os procedimentos jurídicos instaurados para garantir a segurança das comunidades afetadas pelo massacre no Rio Abacaxis e a responsabilização dos criminosos.
O Seminário também contará com a palavra do frade dominicano, escritor e ativista Frei Betto, que deu apoio especial às comunidades da região do rio Abacaxis em sua campanha de quaresma deste ano.
No dia 04, quarta-feira, às 09h30, será realizada presencialmente e com observação de todos os protocolos sanitários, uma Celebração Ecumênica em homenagem às vítimas do massacre, conclamando a todos para a continuidade da mobilização como importante ferramenta contra a impunidade.
Na sequência, às 10h30, a imprensa está convidada para Entrevista Coletiva a fim de informar a sociedade sobre os fatos.
O evento é organizado pela Arquidiocese de Manaus, Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Nacional das Populações Extrativistas, Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação (SARES) e Articulação das Pastorais do Campo.
Dia 03 de agosto – terça-feira
09-11h (horário de Manaus) – primeira parte:
Participantes:
– Dom Leonardo Steiner – bispo da Arquidiocese de Manaus
– Jair Seixas Reis – tuxaua geral do povo Maguará
– Alessandra Macedo Rodrigues – tuxaua Munduruku da aldeia Laguinho
– Antônio Pereira Vidal – presidente da Associação Comunitária de Monte Horebe
– Handyer Borba – apresentação musical
Mediação:
– Luiza Machado – Cimi Regional Norte 1
– Maika Schwade – CPT
14-17h (horário de Manaus) – segunda parte:
Participantes:
– Dom Zenildo Luiz Pereira da Silva – Bispo da Prelazia de Borba
– Felício de Araújo Pontes Junior – procurador regional da República – Ministério Público Federal (MPF)
– Fernando Merloto Soave – procurador da República no Amazonas (MPF/AM)
– Rodolfo Pinheiro Bernardo Lobo – defensor público do Estado do Amazonas
– Yuri Michael Pereira Costa – Presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH)
– Carlos Veras – deputado federal (PT/PE) e presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara
– Joenia Wapichana – deputada federal (Rede/RR)
– José Ricardo Wendling – deputado federal (PT/AM)
– Polícia Federal (não confirmado)
– Funai (não confirmado)
– Ministério da Justiça (não confirmado)
– Mediação:
– Carla Cetina – assessoria jurídica do Cimi Regional Norte 1
– Marcia Silva Dias – Frente Amazônica de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas – FAMDDI
Dia 04 de agosto – quarta-feira
Local: Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental – SARES
Rua Leonardo Malcher 339, Aparecida, Manaus, AM
09h30: Celebração ecumênica em homenagem às vítimas do massacre
10h30: Coletiva de imprensa
Memória dos fatos
Já há anos existem conflitos entre invasores e as comunidades locais do rio Abacaxis, mas o mês de julho de 2020 foi um marco nesse conflito, quando moradores das comunidades ribeirinhas da região denunciaram um grupo de turistas que, em plena pandemia e sem o devido licenciamento dos órgãos ambientais, tentava realizar pesca esportiva na região. O então secretário-executivo do Fundo de Promoção Social do Governo do Amazonas, Saulo Moysés Rezende Costa, estava entre os turistas e, no conflito, afirma que sofreu um tiro no ombro. Os turistas saíram da região sob protestos e Saulo ameaçou retornar em retaliação.
No dia 3 de agosto, uma movimentação perigosa se instaurou nas comunidades. Policiais Militares do Comando de Operações Especiais (COE) chegaram armados e sem identificação. A presença deles gerou tensão e deflagrou o conflito, resultando na morte de policiais e com outros dois feridos. No dia seguinte, aproximadamente, 50 policiais militares foram enviados ao rio Abacaxis pela Secretaria de Estado de Segurança Pública.
Nos dias que seguiram, o MPF recebeu várias denúncias por parte dos indígenas e ribeirinhos da região, que afirmavam que a Polícia Militar estaria cometendo abusos nessa operação. Relataram invasões nas casas, apreensão de telefones, uso de armas de fogo intimidando os moradores, crianças e idosos, e a proibição de circulação pelo rio, numa clara indicação do uso indevido de forças policiais para serviços particulares, tortura, cerceamento de liberdades individuais e coletivas, destruição do patrimônio público e execuções por arma de fogo de moradores locais.
Foram confirmadas as mortes de dois indígenas Munduruku e de quatro ribeirinhos, além de outros dois desaparecidos, assim como a morte de dois policiais militares e, ainda, seis pessoas gravemente feridas.
Ainda em agosto de 2020, uma comitiva formada por representantes do MPF, CNDH, Cimi e CPT realizou visita às comunidades do rio Abacaxis e obteve informações sobre as ocorrências das violações cometidas pela PM, bem como a insegurança sentida pelos moradores.
Em setembro, cerca de 50 instituições e organizações da sociedade civil pediram o afastamento da cúpula da Segurança Pública do Amazonas, devido à omissão na investigação e esclarecimento do caso.
A pedido da Defensoria Pública da União (DPU) e do MPF, a Justiça Federal determinou liminarmente que a União, por meio da Polícia Federal e da Força Nacional, adotasse as medidas cabíveis para a proteção dos indígenas e populações tradicionais dos municípios de Nova Olinda do Norte e Borba, sem a presença da Polícia Militar do estado do Amazonas.
Cerca de dois meses depois da determinação, entretanto, a Polícia Federal e a Força Nacional deixaram a região, e os territórios de indígenas e ribeirinhos voltaram a ser invadidos por garimpeiros, madeireiros e por ações de turismo ilegal, ameaçadas também pelo risco de retorno da Polícia Militar e do reinício dos conflitos.
Com o descumprimento da decisão, o MPF solicitou, já em 2021, o cumprimento da decisão que determinava a presença das forças federais de segurança na região e a criação de uma base móvel da Polícia Federal para manter o monitoramento do território.
Em junho de 2021, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) atendeu ao pedido do MPF e determinou o cumprimento imediato da decisão, sob pena de multa diária de R$ 100 mil por dia de atraso.
Apesar disso, a determinação judicial segue sendo descumprida, e indígenas e ribeirinhos sofrem com a insegurança em seus territórios e o medo de represálias após as denúncias e os conflitos ocorridos.
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