09/07/2021

Em defesa de seus direitos, povos indígenas no oeste da Bahia manifestam-se contra projetos anti-indígenas

Povos indígenas participaram de manifestações, de seminário para debater ameaças a seus direitos e territórios e da 44ª Romaria da Terra e das Águas do Bom Jesus da Lapa

Manifestação do Povo Kiriri em Barreiras, na Bahia. Foto: Marta Mamédio/Cimi Regional Leste

Manifestação do Povo Kiriri em Barreiras, na Bahia. Foto: Marta Mamédio/Cimi Regional Leste

Por Assessoria de Comunicação do Cimi, com informações do Cimi Regional Leste

Em semana de intensas mobilizações, os povos indígenas no oeste da Bahia reafirmam sua posição em defesa de seus direitos originários, em defesa da vida e por seus territórios. No dia 3 de julho, o #3J, os indígenas se somaram às manifestações realizadas em todo país, as quais tiveram entre suas principais pautas vacina e comida para todos, auxílio emergencial e, sobretudo, o impeachment de Jair Bolsonaro.

Os atos ocorrem em meio ao desgaste do presidente Jair Bolsonaro, ocasionado pelas revelações feitas pela CPI da Covid-19, denúncias de corrupção e propina na compra da vacina indiana Covaxin e pela lenta vacinação da população.

Ainda motivados pelo Levante pela Terra, acampamento que reuniu cerca de 1500 indígenas de mais de 50 povos de todo o país durante o mês de junho, além de desencadear uma série de manifestações nos territórios durante o mesmo período, os indígenas no oeste da Bahia foram as ruas no último fim de semana.

Com faixas e cartazes, indígenas do povo Kiriri de Barreiras, Bahia, exigiram o arquivamento do Projeto de Lei (PL) 490/2007, que fere gravemente o direito constitucional dos povos indígenas à demarcação e ao usufruto exclusivo de suas terras de ocupação tradicional. Também cobraram a imediata demarcação das terras indígenas e somaram-se ao grito de “fora Bolsonaro”.

Com o tema “Terra, Água, Teto e Trabalho, aliança por Justiça e Paz”, a 44ª Romaria da Terra e das Águas do Bom Jesus da Lapa teve programação virtual e presencial

Manifestação do Povo Kiriri em Barreiras, na Bahia. Foto: Marta Mamédio/Cimi Regional Leste

Manifestação do Povo Kiriri em Barreiras, na Bahia. Foto: Marta Mamédio/Cimi Regional Leste

44ª Romaria da Terra e das Águas

No mesmo fim de semana, nos dias 2 e 3 de julho, indígenas dos povos Kiriri, município do Muquém do São Francisco, Tapuia de Passagem e Pankarú da Serra do Ramalho participaram da 44ª Romaria da Terra e das Águas do Bom Jesus da Lapa, Oeste da Bahia . Com o tema “Terra, Água, Teto e Trabalho, aliança por Justiça e Paz” e o lema “Estabeleço minha Aliança com vocês, seus descendentes e todos os seres vivos” (Gn 9, 8-11), a Romaria teve programação virtual e presencial, seguindo as orientações sanitárias.

A Romaria da Terra e das Águas cumpre um papel importante na denúncia da retirada de direitos dos povos do campo e da cidade. Neste ano, trouxe os conflitos por terra, por água e por outros direitos básicos, bem como a irresponsabilidade do governo em todas as mortes provocadas pela covid-19 e na insegurança alimentar vivida pela população brasileira.

“Trouxemos o grito das juventudes por vacina, auxílio estudantil, comida no prato e liberdade para viver”

Foto: Marta Mamédio/Cimi Regional Leste

Foto: Marta Mamédio/Cimi Regional Leste

Lideranças indígenas presentes na Romaria denunciaram o aumento da violência e a invasão de seus territórios tradicionais, alertando que “já são 14 indígenas mortos na Bahia neste ano, na sua grande maioria jovens”. O alerta fez ecoar a gravidade de projetos anti-indígenas como PL 490, o marco temporal, a paralisação das demarcações das terras indígenas e as constantes tentativas de implementação de grandes projetos de infraestrutura, como construção da barragem no rio que passa nas terras indígenas do povo Xakriabá de Cocos, na Bahia.

Como fruto da reflexão compartilhada e continuada, os romeiros tornaram pública a Carta da Lapa. “Queremos renovar os nossos compromissos nessa grande Romaria que não termina aqui, mas continua no cotidiano de nossas comunidades”, afirma o documento.

A Carta também destaca as denúncias relacionadas à defesa das populações tradicionais e seus territórios, mercantilização das águas e saneamento básico. “Trouxemos o grito das juventudes por vacina, auxílio estudantil, comida no prato e liberdade para viver. Trouxemos a esperança simbolizada nas crianças que, com seu sonho e beleza, nos apontam caminhos para um mundo melhor e nos convocam a cuidar do seu futuro, cuidando da Casa Comum”.

A carta na íntegra pode ser acessada aqui.

“Ressignificar a política é ter o povo no centro das ações, além de entender que todas as ações dos governos precisam estar voltadas ao povo, como um direito”

Gruta do Bom Jesus, em Bom Jesus da Lapa-BA. Foto: Marta Mamédio/Cimi Regional Leste

“Terra, Água e Poder Popular”

Com o objetivo de refletir sobre a atual conjuntura e construir possibilidades de incidências populares, lideranças indígenas se reuniram em um seminário formativo, também realizado no dia 3 de julho, em Bom Jesus da Lapa, Oeste da Bahia. Com o tema “Terra, Água e Poder Popular, no enfrentamento ao Matopiba”, o diálogo foi motivado pelo Cimi Regional Leste. Matopiba é como ficou conhecida a região de expansão do agronegócio e especulação de terras na região Norte/Nordeste do Brasil, em especial áreas dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

O debate contou com a contribuição de Samuel Britto, da Comissão Pastoral da Terra Regional Bahia (CPT-Bahia), que de forma didática abordou três grandes temáticas: os desafios de ressignificar a política; como construir, de fato, o poder popular; e quais as formas de ampliar a articulação no Oeste da Bahia com a participação dos povos indígenas.

Para Britto, “ressignificar a política é ter o povo como centro das ações, além do povo entender que todas as ações dos governos precisam estar voltadas ao povo, como um direito. Para construir o poder popular efetivo, no qual os povos originários e os quilombolas também sejam respeitados, há que se construir os caminhos de um novo governo”.

O seminário também sinalizou para o avanço do agronegócio e grandes empreendimentos na região do Matopiba e em territórios tradicionalmente ocupados

Seminário Terra, Água e Poder Popular, no enfrentamento ao Matopiba. Foto: Marta Mamédio/Cimi Regional Leste

Seminário Terra, Água e Poder Popular, no enfrentamento ao Matopiba. Foto: Marta Mamédio/Cimi Regional Leste

Na oportunidade as lideranças fizeram duras críticas ao governo de Bolsonaro e estadual, salientando que a política da Bahia não se diferencia tanto da política do governo federal. Na avaliação das lideranças indígenas, as ações populares precisam acontecer, assim como a ampliação do trabalho desenvolvido pelas Pastorais e pelo Cimi, refletindo a necessidade de fortalecer uma articulação cada vez mais popular.

O Seminário também sinalizou para o avanço do agronegócio e grandes empreendimentos na região do Matopiba e territórios tradicionalmente ocupados. “O objetivo desse avanço é alavancar a fronteira do agronegócio, colocando o Tocantins no centro das exportações”, destaca Britto, que ainda faz um alerta: “as grandes empresas do agronegócio não investem apenas em monoculturas de grãos, mas também de outros produtos, como por exemplo, a Cosan e Suzano”.

O Seminário também contou com a contribuição de Alda Maria e Domingos Andrade, ambos da coordenação do Regional Leste do Cimi, que tiveram por tarefa refletir sobre a caminhada coletiva da entidade até a chegada no Oeste da Bahia e sua importância na vida dos povos. Além de seus quase 50 anos de estrada e presença solidária junto aos povos indígenas desta região.

Seminário Terra, Água e Poder Popular, no enfrentamento ao Matopiba. Foto: Marta Mamédio/Cimi Regional Leste

Seminário Terra, Água e Poder Popular, no enfrentamento ao Matopiba. Foto: Marta Mamédio/Cimi Regional Leste

“Acreditamos que junto aos povos indígenas do Oeste temos conseguido trazer uma boa visibilidade para à causa indígena, com destaque para essas últimas atividades”, ressalta Alda Maria. A interação dos povos indígenas com outras Pastorais, camponeses, ribeirinhas, quilombolas e movimentos urbanos deu-se a partir da presença orgânica do Cimi na região, com o apoio da Caritas Alemã e da Diocese de Rotemburg, e na articulação com as Pastorais do Campo da região.

Tanto nas manifestações, a Romaria e o Seminário possibilitaram a articulação com outros atores da região tanto do campo rural como urbano, considerando os limites da pandemia, a visibilidade aos povos indígenas da Região Oeste, como também as diversas denúncias necessárias dos projetos de morte e de ataques aos seus direitos.

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