22/02/2021

Artigo: A morte anda de mãos dadas com Bolsonaro

A morte e o negacionismo marcam as ações do presidente diante da pandemia e de outras dimensões do Estado que deveriam promover políticas de proteção da vida, escreve Roberto Liebgott

Ato de enfermeiros, enfermeiras, técnicos e técnicas de enfermagem em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília, em maio do ano passado, em luto pelos profissionais de saúde mortos pela covid-19. Foto: Scarlett Rocha/Mídia Ninja

Ato de enfermeiros, enfermeiras, técnicos e técnicas de enfermagem em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília, em maio do ano passado, em luto pelos profissionais de saúde mortos pela covid-19. Foto: Scarlett Rocha/Mídia Ninja

Por Roberto Liebgott, coordenador do Cimi Regional Sul

A pandemia do coronavírus, com suas mais variadas cepas, está matando cerca de mil pessoas por dia no Brasil. O governo, diante dessa dizimação, age da mesma forma que um ano atrás, quando morria uma pessoa por dia e não havia ainda nenhuma mutação, para pior, do vírus. Bolsonaro, neste um ano de pandemia, ironizou a doença, desdenhou dos mortos, debochou da ciência, ridicularizou e ignorou protocolos de controle da proliferação do vírus. Por meio de atos, discursos e medidas administrativas, Bolsonaro estimulou as pessoas a ignorarem as orientações sanitárias de proteção e prevenção contra a covid-19. E, ainda mais grave, enxertou no Ministério da Saúde dezenas de militares em lugar de especialistas – inclusive no comando da pasta.

No mundo inteiro, as pessoas se enchiam de esperança com a possibilidade de se ter uma vacina. Pesquisadores de diferentes países empenharam-se na tarefa de desenvolvê-la. Laboratórios criaram linhas de produção específicas para fornecer as vacinas disponíveis aos países, de modo a criar uma possibilidade conjunta de controle da pandemia por meio da imunização das populações.

Mas no Brasil, ao invés do governo planejar e executar ações que assegurassem a aquisição das vacinas e dos insumos necessários para a rápida imunização das pessoas, o presidente da República preferiu converter a vacina em uma questão política e ideológica, colocando em dúvida sua eficácia e induzindo as pessoas a não se vacinarem. Orientou os generais no ministério da Saúde para que, ao invés de vacinas, estimulassem o tratamento precoce com uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra o coronavírus, tal como a cloroquina – um medicamento usado comumente para tratamento de malária – aos pacientes adoecidos pelo vírus da morte.

O governo Bolsonaro não apenas demorou a negociar a aquisição da vacina, condenando o país ao final da fila no disputado comércio internacional de doses e insumos, como boicotou ofertas que chegaram à sua mesa nos primeiros meses da pandemia, sabotando, na prática, a possibilidade do Brasil posicionar-se de forma mais favorável na desigual corrida pela imunização.

No estado do Amazonas, foi solicitado ao ministro da Saúde atenção prioritária, porque ocorria na capital, Manaus, uma avassaladora onda de mortes em função da falta de oxigênio. Os hospitais ficaram superlotados e a única forma de assegurar a vida das pessoas era o fornecimento de oxigênio. No entanto, o governo ofertou, como alternativa, a cloroquina. No Amazonas, em 40 dias, morreram 5 mil pessoas, muitas delas asfixiadas, sem o oxigênio.

O que dizer diante desse contexto de dor, sofrimento, angústia e da morte de quase 250 mil pessoas pelo vírus, a não ser que temos, na governança do Brasil, um presidente e ministros que se comportam, através da ação, omissão e negligência, como genocidas.

Em geral, as medidas administrativas do governo implementam-se pela via do confronto, da violência, da intolerância e do ódio. A escolha de quem deve viver e quem deve morrer, no Brasil, virou rotina nas ações e estratégias do governo.

Somam-se a essa tragédia humana outras ações que propagam a morte pelo país:

– a adoção de medidas administrativas que fragilizam a legislação ambiental, promovendo e autorizando, de modo acelerado, a devastação da natureza;

– o investimento descomunal em defensivos agrícolas, venenos e na transgenia, cujo uso contamina o solo, as águas, o ar e envenena nossos alimentos e corpos;

– a concessão de terras públicas – em geral as de ocupação originária dos povos e comunidades indígenas, de quilombolas, caiçaras, pescadores, ribeirinhos – para fazendeiros, madeireiros e empresas de mineração que, de forma indiscriminada, consumirão os bens da terra, deixando para trás a devastação e a morte;

– a promoção e o incentivo à garimpagem nas terras indígenas gerando violência, destruição e morte;

– a liberalização indiscriminada de armas de fogo, que a curto e médio prazos criará diferentes espécies de milícias para atuarem contra pobres, indígenas, quilombolas, sem terras, posseiros de boa fé e pescadores.

Pelo que se nota, a morte parece andar de mãos dadas com Bolsonaro e marca as ações do presidente diante da pandemia e de outras dimensões e instâncias do Estado que deveriam planejar e promover políticas de proteção da vida. Em geral, as medidas administrativas do governo implementam-se pela via do confronto, da violência, da intolerância e do ódio. A escolha de quem deve viver e quem deve morrer, no Brasil, virou rotina nas ações e estratégias do governo.

Há, portanto, uma conjunção de fatores políticos e econômicos que se somam às ações do governo e que operam, conjuntamente, o desmonte dos direitos sociais, individuais, coletivos da população. As eleições para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal evidenciaram a junção dos setores oligárquicos e do parlamento, associado a Bolsonaro – inclusive para protegê-lo dos pedidos de impeachment – em torno de pautas que anunciam a ampliação da exclusão social, da miséria, das injustiças e da destruição.

Nas últimas semanas, depois do Carnaval, em função do agravamento da pandemia, da falta de vacinas, da liberalização das armas, dos ataques do deputado bolsonarista Daniel Silveira aos ministros do STF, culminando com sua prisão, e da intervenção do governo federal na Petrobrás – com o objetivo de agradar aos caminhoneiros e seus eleitores descontentes com os aumentos nos preços dos combustíveis –, houve duas sinalizações importantes que podem redirecionar o jogo de poder no país.

Primeiro, que o Centrão só adere às pautas do Bolsonaro se este mantiver fidelidade aos interesses do Centrão; ou seja, não há adesão entre eles, há disputas e busca de execução de pautas políticas e econômicas. Segundo, que o mercado financeiro e todas as suas ramificações e corporações econômicas relevam as atrocidades de Bolsonaro, porque, no cálculo dos ganhos, não importam as mortes pelo vírus, não interessam as vidas ceifadas e os corpos sem vacina, não preocupa o armamento das milícias e nem causa aflição a devastação ambiental. Entretanto, quando o governo mexe com a “galinha dos ovos de ouro”, como é o caso da Petrobras, há uma verdadeira rebelião contra o governo que se traduz em queda do valor das ações e desvalorização da empresa. E, somente nesse caso – apesar de todos os indícios de crimes praticados pelo Bolsonaro em dois anos de mandato e os consequentes e pedidos de impeachment, mais de 60 – as elites econômicas podem colocar em risco o mandato do presidente da República.

Há que se aguardar os próximos passos nesse jogo do/pelo poder. Mas, caso Bolsonaro resolva intervir nos preços dos combustíveis e impor certos limites aos empresários do petróleo e do mercado de ações para agradar caminhoneiros (já que os tais aumentos estavam desmoralizando o governo), poderá haver uma saída por linhas tortas no Brasil, ou seja, ao conter os preços e relativizar os acordos estabelecidos, todos aqueles que até agora eram os maiores favorecidos pelo caos no país podem também se rebelar e reforçar o coro de vozes que clamam pelo afastamento deste presidente que flerta com a morte.

Do lado de cá, entre os pobres desta pátria maltratada, mesmo diante deste contexto de morte, os de baixo seguem em luta para vencer a morte, afastá-la do horizonte, remontar a vida apesar dos escombros, mantendo o sonho num outro mundo possível, da Terra Sem Mal, do Bem Viver.

Porto Alegre, 22 de fevereiro de 2021

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