01/02/2021

Povos pressionam e governo do Maranhão estende vacinação aos indígenas em contexto urbano

Após se erguerem contra a negligência do Estado, indígenas em contexto urbano começam a ser imunizados nesta terça (2)

Robson, liderança Tremembé do Engenho, fala da luta de seu povo por seu território tradicional no Maranhão. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Robson, liderança Tremembé do Engenho, fala da luta de seu povo por demarcação de território tradicional no Maranhão. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Por Nanda Barreto, da Assessoria de Comunicação do Cimi

Postagem atualizada com nota de esclarecimento da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular do Governo do Maranhão  (SEDIHPOP) em 05.02.2020

Semana passada, seis povos indígenas do Maranhão criticaram duramente os governos federal e estadual pela exclusão de parte significativa da população indígena do grupo prioritário para a vacinação contra a covid-19. Em carta aberta, os Tremembé, Akroá Gamella, Anapuru Muypurá, Kariri e Tupinambá ressaltam que “o plano deixou de fora os indígenas que vivem nos centros urbanos, os quais, segundo dados do Censo do IBGE de 2010, são cerca de 46% da população indígena no Brasil”.

A pressão fez o governo do Maranhão se mobilizar para atender a reivindicação. Também em manifestação pública, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular garantiu que irá cuidar da imunização de todos os povos que assinaram a carta. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) acompanha a situação de perto. “Esta é uma importante vitória dos povos contra a negligência do Estado”, sustenta Gilderlan Rodrigues, coordenador do Cimi Regional Maranhão.

“Para nós foi uma surpresa não ver o nome do nosso povo no plano de vacinação”

A vacinação dos Akroá Gamella está marcada para começar nesta terça-feira (2). O povo Tremembé é o segundo da fila. Na avaliação de Rosa Tremembé, a exclusão imposta pelo poder público reforça a necessidade de valorizar a identidade indígena. “Nós precisamos lembrar e relembrar o tempo inteiro que nós somos indígenas, independente do lugar que a gente esteja. Para nós foi uma surpresa não ver o nome do nosso povo no plano de vacinação”, salienta. 

“Outro ponto no qual precisamos avançar é a comunicação, não só sobre as etapas da vacinação, mas sobre a vacina em si. Muitos parentes não estão querendo se vacinar, pois estão com medo e, infelizmente, estamos vivendo este momento de fake news”

Pandemia da desinformação
Para Lidiane Kariri, embora positiva, a manifestação do governo estadual é lenta diante da gravidade da situação, especialmente no que diz respeito à informação de qualidade. “A imunização dos povos indígenas é urgente. Por isso, pretendemos continuar na luta, em diálogo com os responsáveis. Outro ponto no qual precisamos avançar é a comunicação, não só sobre as etapas da vacinação, mas sobre a vacina em si. Muitos parentes não estão querendo se vacinar, pois estão com medo e, infelizmente, estamos vivendo este momento de fake news”, alerta a estudante. 

Luta pelo território e combate ao racismo
De nome indígena Tüny Cwe, Rosa evoca a força dos antepassados para vencer a batalha contra o descaso. “Quando meus ancestrais pisaram neste chão, aqui era tudo mata e floresta. Os invasores destruíram nossos modos de vida, mas nós já estávamos aqui quando a cidade chegou. Muitos de nós estão espalhados porque nossos espaços foram tomados. Então, nós recebemos esta posição do governo do Maranhão de nos considerar na vacinação com a expectativa de que nos considerem em outras políticas públicas e direitos”, pontua. 

“É perverso se utilizar de um só critério para definir quem tem direito e quem não tem, principalmente se este critério for a terra demarcada, pois nós, povos indígenas, fomos saqueados, violentados e expulsos das nossas terras desde a invasão do Brasil”

Lidiane afirma que diferenciar indígenas aldeados e não aldeados é uma postura “racista e genocida”. “A nossa identidade não está acorrentada em nenhuma aldeia e muito menos ao reconhecimento do governo. Não é o Estado que define quem é indígena e quem não é, porque nossa identidade está ligada à memória, à nossa ancestralidade, ao parentesco, à luta política e também aos territórios. É perverso se utilizar de um só critério para definir quem tem direito e quem não tem, principalmente se este critério for a terra demarcada, pois nós, povos indígenas, fomos saqueados, violentados e expulsos das nossas terras desde a invasão do Brasil”. 

Vulnerabilidade 
Um estudo realizado pela Universidade Federal de Pelotas (Ufpel) revelou que a prevalência do coronavírus Sars-Cov-2 entre a população indígena urbana (5,4%) é cinco vezes à encontrada na população não indígena (1,1%). 

Na visão do Cimi, a limitação gerada pelo Ministério da Saúde à imunização contra a covid-19, prioritária somente para índios “aldeados”, é um absurdo político e humanitário. (Leia mais aqui). 

De acordo com o levantamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), já são mais de 47,5 mil indígenas infectados pela covid-19, sendo que 900 perderam a batalha contra o vírus.

 

Leia a Nota de Esclarecimento da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular – SEDIHPOP: 

NOTA DE ESCLARECIMENTO

Sobre a notícia publicada pelo CIMI, no último dia 3, intitulada “Povos pressionam e governo do Maranhão estende vacinação aos indígenas em contexto urbano – Após se erguerem contra a negligência do Estado, indígenas em contexto urbano começam a ser imunizados nesta terça (2)”, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular – SEDIHPOP esclarece:

  1. Como é de conhecimento do CIMI, embora a matéria levianamente ignore, o Plano Nacional de Imunização (PNI), que contempla os povos indígenas do país e se estende aos estados, é de responsabilidade do Governo Federal e não do Governo Estadual. O Governo do Maranhão tem atuado para assegurar a vacinação.

  2. Desde que tomou conhecimento do PNI, o Governo do Estado, por meio da SEDIHPOP, e a COEPI têm defendido e articulado a ampliação da cobertura vacinal para todos os povos, seja em território demarcado ou não, aldeado ou não. Essas posições são públicas.

  3. Bastasse a assessoria do CIMI apurar as informações para informar corretamente que o povo Gamela já estava incluso no PNI. Não se improvisa vacinação de cerca de mil pessoas de um dia para o outro. Isso exige planejamento, o que tem sido feito no Maranhão.

  4. Pelas mesmas razões que os Gamela foram incluídos no PNI, o Governo do Estado, por meio da SEDIHPOP, e a COEPI defenderam a inclusão dos Tremembé, dos municípios de Raposa e São José de Ribamar, que também já iniciaram a vacinação neste dia 4.

  5. Sobre os povos Kariri, Anapuru Muypurá e Tumbinambá, a SEDIHPOIP solicitou ao CIMI o contato das lideranças e a localização dessas comunidades indígenas e não obteve retorno. Igualmente, a SEDIHPOP divulgou uma carta-convite a esses povos e já iniciou o contato com alguns deles ontem (3).

  6. Desde o início da pandemia, o Governo do Estado, por meio da SEDIHPOP e SES, e a COEPI mantêm contato permanente com as prefeituras e órgãos federais para garantir o atendimento de saúde, testagem e, agora, a vacinação de todos os povos indígenas.

  7. Para atuar com o DSEI e assegurar a vacinação da população indígena, o governador Flávio Dino determinou o deslocamento da Força Estadual de Saúde (FESMA) para os territórios indígenas. Onde o CIMI vê negligência, há ação concreta para garantir a vacinação indígena.

A SEDIHPOP, por fim, se coloca à inteira disposição para dialogar sobre o processo de vacinação da população indígena no estado com os povos Kariri, Anapuru Muypurá e Tumbinambá, movimentos sociais, representantes do CIMI e da CNBB e demais interessados.

ASCOM/SEDIHPOP

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