Nota do Cimi Norte I sobre as ações enganosas do governo federal junto aos povos de Roraima no contexto da pandemia
Na contramão dos especialistas e sem medidas para retirar invasores dos territórios, ação governamental poderá ter consequências nefastas para os povos indígenas
Com profunda indignação, o Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Norte I (AM/RR) observa o tratamento dispensado pelo governo federal às populações indígenas e, em particular, aos povos indígenas do estado de Roraima. As ações do governo federal no combate à pandemia do covid -19 têm se mostrado flagrantemente insuficientes em vista do alto índice de contaminação e de mortes. Entre os povos indígenas do Brasil já são mais de sete mil infectados e quase 200 mortes.
No estado de Roraima temos visto um rápido crescimento dos casos de covid-19 nas aldeias indígenas. Em algumas localidades, conforme suspeita das lideranças indígenas, a doença chegou juntamente com servidores da saúde. Na terra dos Yanomami e Ye’kuana, os maiores vetores de contaminação são as dezenas de milhares de garimpeiros que invadiram o território, estimulados pelo alto preço do ouro e por pronunciamentos do próprio Presidente da República.
Na contramão das orientações de pesquisadores, especialistas em saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS), o governo federal desenvolveu mais uma ação junto aos indígenas que poderá ter consequências mais nefastas do que alentadoras.
Nos dias 30 de junho e 01 de julho foi deflagrada nas terras indígenas Yanomami e Raposa Serra do Sol uma missão interministerial de emergência em saúde pública de combate à pandemia da covid-19, com a presença do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e de representantes do Ministério da Saúde e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Na ocasião, foi levada para os indígenas uma quantidade significativa de comprimidos de cloroquina 150 MG – medicamento não recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e por respeitadas instituições do Brasil que pesquisam os efeitos desse medicamento.
Sem a proteção dos territórios, outras doenças e outros conflitos poderão ceifar a vida de outros milhares de Yanomami, a exemplo do que ocorreu na década de 1980, quando mais de um terço dos indígenas daquele povo foi massacrado por garimpeiros
Contrariando, ainda, as informações sobre o agravamento dos casos entre os indígenas, o Ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, declarou à imprensa que a pandemia estaria “sob controle” em terras indígenas. A afirmação não se justifica sob vários aspectos, especialmente pela ausência de um plano emergencial para atuação naquele território indígena e, sobretudo, pela falta de um plano para retirada de todos os garimpeiros ali instalados que, além de serem potenciais transmissores de doenças, são responsáveis pela destruição do meio ambiente e poluição das águas utilizadas pelas aldeias. Destaque-se que neste mês de junho, o TRF1 acolheu os argumentos do MPF de Roraima e determinou a imediata adoção de medidas para reativação das bases de proteção Etnoambiental na TI Yanomami, enfatizando a necessidade redobrada destas medidas para evitar a disseminação da pandemia.
O Cimi Norte I apoia todas as ações de iniciativa do Ministério Público Federal (MPF), que instaurou um procedimento para apurar denúncias de possíveis irregularidades na atuação interministerial da Fundação Nacional do Índio (Funai), da Secretaria de Saúde Indígena e do Ministério da Defesa (MD). A atitude dos representantes desses órgãos foi, no mínimo, desrespeitosa para com os povos indígenas, pois não considerou as medidas de proteção por estes adotadas, alimentando, com isso, o sentimento de preconceito para com as populações indígenas.
Manifestamos nossa solidariedade aos povos e organizações que perderam muito dos seus entes queridos ao longo das últimas semanas e nos colocamos ao lado de todos os que exigem do governo federal e dos órgãos de assistência aos povos indígenas que apresentem o plano emergencial para atendimento lastreado em estudos científicos e pela retirada imediata de todos os invasores das terras indígenas. Sem a proteção dos territórios, outras doenças poderão surgir e outros conflitos poderão ceifar a vida de outros milhares de Yanomami, a exemplo do que ocorreu na década de 1980, quando mais de um terço dos indígenas daquele povo foi massacrado também por garimpeiros.
02 de julho de 2020
Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Norte I