Para evitar danos aos indígenas, Justiça condena União, Funai e Estado do RS a entregar cestas básicas e insumos sanitários
O Cimi, só nesta semana, entregou mais de 150 cestas básicas no Rio Grande do Sul para comunidades que não recebem do governo
Para evitar danos graves e de difícil reparação em meio à pandemia do novo coronavírus, a 9ª Vara da Justiça Federal determinou que a União, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Estado do Rio Grande do Sul providenciem e entreguem 7.169 cestas básicas, insumos sanitários e assistência médica a pelo menos 6 mil famílias indígenas.
Também determinou a inserção das famílias indígenas no Cadastro Único, em um prazo de 30 dias, para que elas acessem os programas de assistência social e redistribuição de renda, caso do Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada e o auxílio emergencial.
A ação foi impetrada pela Defensoria Pública da União (DPU) em Ação Civil Pública (No 5023708-84.2020.4.04.7100/RS) contando com informações e subsídios do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e parecer do Ministério Público Federal (MPF). Caso as medidas não sejam tomadas, União, Funai e Estado podem ser multadas em até R$ 50 mil por dia descumprido.
Na inicial, a DPU, com base em denúncias apresentadas pelos indígenas e o Cimi, argumentou “que apesar das tentativas de solução extrajudicial do caso, nenhum dos réus sinalizou medidas no sentido de garantir a subsistência dos povos indígenas durante a pandemia”. União, Funai e Estado negaram a acusação.
Mesmo com todas as provas presentes na ação, a União se posicionou pelo indeferimento do pedido “sob o fundamento do princípio constitucional da separação dos poderes, aduzindo que eventual deferimento do pedido da autora acabaria por desestruturar e inviabilizar a política pública pensada pela União”.
O missionário Roberto Liebgott, da equipe local do Cimi, afirma que centenas de cestas básicas foram distribuídas pelo organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com o apoio de entidades aliadas, desde o início do confinamento social. Apenas nesta semana, foram mais de 150. Situação que, na verdade, apenas se agravou.
“São comunidades que sobrevivem do artesanato porque em sua maioria não possuem as terras demarcadas para plantar, tirar o sustento. Com a necessidade do confinamento social, essa renda deixou de existir. Se antes eles já precisavam de ajuda com cestas básicas, agora essa necessidade ganha proporções ainda maiores”, explica.
Rede de Soberania Alimentar, Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Teto (MTST) e Amigos da Terra, entre a semana passada e esta, estiveram com o Cimi na entrega de cestas básicas nas comunidades de Morro do Osso, Cantagalo, Passo Grande, Ñhu Poty, Guapoy, Yvy Poty, Capivari, Lami, Terra de Areia e Itapuã.
No estado, as críticas recaem especificamente ao Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do Estado do Rio Grande do Sul. Na petição inicial da DPU, o conselho foi apontado como omisso no atendimento às comunidades indígenas.
Situação agravada por falta de demarcações
Em sua decisão, a juíza Clarides Rahmeier explica que conforme alegado na petição inicial, “a situação das comunidades também é agravada pelo não reconhecimento da posse das suas terras nativas pelo Estado Brasileiro, impossibilitando-as de cultivar alimentos para prover sua própria subsistência”.
Segue a juíza: “as recomendações para prevenção ao COVID-19 incluem, além do distanciamento e isolamento sociais, higiene frequente das mãos com água e sabão ou álcool gel e a utilização de máscaras. Ocorre que, segundo a inicial, não há como implantar essas medidas de prevenção nas comunidades porque não possuem os recursos materiais necessários”.
Diante destas privações, a juíza determinou o envio de máscaras, luvas, álcool em gel, sabão, entre outros insumos, para que as comunidades possam ter condições de se prevenir. Ela fez questão de enfatizar a situação de precariedade vivida pelos indígenas agravada com a pandemia, tratando a situação como emergencial e que requer medidas adequadas.
“Em que pesem as alegações dos réus de que estão desempenhando suas funções institucionais, que não estão omissos no enfrentamento da pandemia, bem como das limitações impostas aos gestores públicos quando se trata da alocação dos já escassos recursos públicos, certo é que as ações noticiadas são poucas ante o tamanho das dificuldades enfrentadas por essas comunidades, não podendo o Poder Judiciário aceitar o desamparo de princípios constitucionais, entre os quais o direito à saúde, a medidas sanitárias e à segurança alimentar”, escreveu.