Sínodo: a urgência de uma ecologia integral e outras formas de relações com a Casa Comum
Casa Comum e Bem Viver e os novos caminhos para uma ecologia integral. A responsabilidade com o planeta e o convite para a superação da lógica que se firma na “globalização da indiferença”.
O Papa Francisco traz na encíclica Laudato Si (LS) a preocupação com a “Casa Comum”. Indígenas e comunidade tradicionais têm no centro de sua vida o “território” e “Bem Viver”. Com similar conotação, descrevem a responsabilidade com o planeta e convidam para a superação da lógica que se firma na “globalização da indiferença”, intensificada pelo livre mercado e resultante numa “falsa, vaga e ingénua inclusão social” (cf. EG 54).
O Sínodo da Amazônia “tornar prático” o documento papal a partir da vida dos povos, afirma a antropóloga Moema Miranda, secretária da rede Igreja e Mineração. O que pontua a leiga franciscana memora o passo dado pela Igreja com o Concílio Vaticano II, de uma fé que se compromete com a promoção humana. O Sínodo além da missão pastoral da Igreja, e tendo como base a Doutrina Social, faz presente o debate sobre ecologia, política, direitos humanos e da Terra. “Nem só a salvação da alma, mas uma Igreja defensora das possibilidades de vida no planeta”.
Em entrevista na Rádio Vaticano, a assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) aclarou a urgente necessidade de um câmbio de mentalidade para que “não se veja o Planeta como uma máquina, um relógio sem vida”. “Quando os homens foram para lua, um olhar de fora, nos fez perceber que somos todos um – humos e humanos sem separação. Se destruímos as possibilidades de vida no planeta, torna-se o impossível a existência humana”, comentou Moema. “O antagonismo em cuidar da natureza não está entre uma vida de qualidade ou a sustentabilidade da floresta. O antagonismo está entre a ilimitada acumulação e a vida do planeta”, chamou a atenção ao propor um modelo de vida que repense o consumo.
“Mahatma Gandhi dizia no século passado:
dá pra viver todo mundo bem.
O que não cabe é a ganancia”.
Em crítica ao realismo materialista, Moema Miranda recordou a relação etimológica entre economia e ecologia. “Não nos damos conta que economia não é antagônica a ecologia. É o logos e o eco – saber sobre a casa – que deveria orientar o nomos, que indica a administração da casa”, lembrou ao trazer presente a etimologia das palavras economia e ecologia e relacionar com princípios de sabedoria e cuidado.
“Quando papa Francisco esteve em Porto Maldonado afirmou que a Amazônia é uma terra disputada. Por um lado temos os povos indígenas que aprenderam a viver em comunidade com a floresta, enriquecendo e valorizando a floresta. Junto a eles temos outros povos que foram ganhando raiz na Amazônia – quilombolas, ribeirinhos, extrativistas”, pontua a antropóloga. “Do outro lado temos o que papa Francisco chamou de avidez do grande capital. E o papa nomeou: são as as pretoleiras, a mineração, as madeireiras, o agronegócio”, lembra Moema. “Papa Francisco chama de avidez essa coisa insaciável. Qual é o limite para o consumo?”, questiona.
“O capitalismo transformam tudo em mercadoria. Um exemplo é a mineração, que não parte da necessidade real da vida das pessoas. Ela está conectada com o ciclo financeiro que obriga a extrair mais do que precisa”, exemplifica.
Alternativas que surgem das periferias
Nos debates ocorrentes nos eventos simultâneos ao Sínodo, indígenas, ribeirinhos, seringueiros e comunidades tradicionais na Amazônia apresentam a sociedade global alternativas de desenvolvimento que leve em conta “a integralidade da Terra”, como lembra a indígena Anitalia Pijachi, do povo Okaina – Oitoto de Letícia, Colômbia. “Trazemos alternativas de desenvolver e cuidar da mãe terra, sem por abaixo as florestas. Temos muito a ensinar a sociedade. Isso por que nós da Amazônia sentirmos a dor, sobretudo nos, mulheres, sentimos porque nós damos a vida”, lembra a indígena.
“Hoje, o avô de muitos que nos violentam está mostrando que é possível outro tipo de relação com a terra e com os povos indígenas”, assegura Anitalia Pijachi ao lembrar de Papa Francisco e da Laudato Si, encíclica sobre o cuidado com a Casa Comum. “Francisco tem o coração doce, como quem tem mãe e avó, e que por isso sente a dor da Amazônica”.
“Mostramos caminhos porque quando atropelam a água, sentimos no ventre materno. Quando envenenam a terra, sentimos na pele. A Terra é o rosto da mulher amazônica”. Pijachi faz parte da delegação colombiana que conta com 21 membros na assembleia Sinodal. “Como mulher amazônica, como mãe, como filha e neta, eu falo em meio de mais de 180 avôs que estão nesse Sínodo. Contudo, eu venho pelos meus avôs e avós, porque sei de onde venho. Nosso conhecimento não é vazio, tem história e com os ancestrais apontamos caminhos”.
A indígena lembra que a “ecologia integral” se sustenta em entender o território como vida que dá indicativos para a existência. “Nosso governo é próprio e se sustenta em como viver com nossos territórios, como me relacionar com o ar e vento, com a terra, com as sementes, com os animais. E sabemos o que não tocar. É relação de respeito”.
A metodologia do Sínodo parte da realidade. Cerca de 84 mil pessoas , entre indígenas indígenas, quilombolas, ribeirinhas, pescadoras e demais comunidades amazônicas, foram consultadas para a que Igreja refletisse quais caminhos seguir. Por meio de assembleias locais ocorridas na fase preparatória do Sínodo, o processo sinodal trabalhou para ouvir os clamores, as lutas e resistências dos Povos da Amazônia. “Hoje somos ouvidos e trazemos alternativas ao mundo. Nosso modo de relacionar não torna a terra como um objeto de negocio, mas como uma mãe que da a sustentabilidade”, lembra Ernestina Makuxi, de Roraima.
“Nosso modo de vida é um convite para o amor com a terra. Não podemos nos dobrar pelo dinheiro” – Ernestina Makuxi
Monocultura: novo colonialismo
“A visão colonialista impede ver a Amazônia de outra maneira. Plantar soja e cana de açúcar é uma visão colonialista”, assegura o procurador regional da República, Felício Pontes. “É visão totalitária que transforma a floresta com maior sociobidiversidade do planeta em uma monocultura”.
“Os povos indígenas ensinam um modelo mais antigo que não vê a floresta como obstáculo ou como um lugar para ser destruído e desvendado”
Pontes foi uma das vozes mais ativas na defesa de ribeirinhos e indígenas quando o assunto era a construção da Hidrelétrica Belo Monte, em Altamira, no Pará. Em Roma, o paraense afirma serem as “empresa madeireira, pecuarista, monocultura, de energia e mineração “os novos colonizadores da Amazônia. “A visão colonialista impede ver a Amazônia de outra maneira. Plantar soja e cana de açúcar é uma visão colonialista”, assegura. “É visão totalitária que transforma a floresta com maior sociobidiversidade do planeta em uma monocultura”.
“Os povos indígenas ensinam um modelo mais antigo que não vê a floresta como obstáculo ou como um lugar para ser destruído e desvendado”
Como alternativa, propõe a reflexão que se paute no valor econômico da floresta em pé. “O açaí e as castanhas são produtos que só existem na Amazônia. Podem ser trocados e mais lucrativos que commodities como soja e cana de açúcar. É possível respeitar a floresta e fazer dela uma fonte de renda”, garante Felício. O procurador lembrou ainda que, segundo estudos realizados em Belém (PA), são descobertas 15 novas espécies por dia na floresta amazônica. “Essa região do mundo é o maior banco genético e ali poderia estar a cura para doenças hoje incuráveis. Os povos da floresta são guardiões desse banco genético”.
“Nos processos judiciais que trabalho fica claro que há uma disputa na Amazônia por dois modelos de desenvolvimento: um modelo predatório e outro socioambiental. No predatório, sempre há uma empresa madeireira, pecuarista, monocultura, ou de energia e mineração”, lembrou o procurador. “Do outro lado, podemos notar um modelo de desenvolvimento da Amazônia concebido pelos povos da floresta”.
“Sínodo poderá ajudar na passagem de uma sociedade colonialista para uma sociedade plural, que respeita a todos”
Para o paraense, o Sínodo poderá ajudar a uma mudança de pensamento que permita “passar de uma sociedade colonialista a pluralista, que respeite o modo de vida de todos daqueles que vivem na floresta e distancie a doutrina integracionista das vidas dos povos originários”.