11/10/2019

Memória e testemunho de Vicente Cañas – Kiwxi – tece reflexões sobre presença da Igreja com povos indígenas

Evento simultâneo ao Sínodo da Amazônia trouxe a figura de Vicente Canãs Kiwxi como possibilidade de missão e respeito a cultura dos povos.

Celebração na tarde de hoje (11) lembrou os mártires do MT. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Por Guilherme Cavalli, da Assessoria de Comunicação Cimi

Na tarde de hoje (11), após celebração que fez memória dos mártires da caminhada, evento simultâneo ao Sínodo da Amazônia trouxe a figura de Vicente Canãs como possibilidade de missão e respeito a cultura dos povos. “Vicente Cañas e outros missionários interpelaram a repensar como é a presença missionária da Igreja”, lembrou Luis Ventura, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Norte I. “Vínhamos de uma presença marcada pela colonialidade e pessoas como Vicente Canãs questionaram e ajudaram a construir uma forma mais dialogada de estar com os povos”, lembra na abertura da atividade que acontece na Cidade do Vaticano. O documentário “Kwixi” iniciou a atividade e conduziu a linha da mesa.

O Sínodo da Amazônia propõe a Igreja o debate sobre os desafios da missão junto aos povos indígenas. “O que queremos da presença da Igreja é que seja uma presença de respeito da cultura”, lembrou Ernestina Makuxi, indígena de Roraima, uma das indígenas que compôs a mesa do evento. “Proteção das nossas histórias e da nossa cultura deve ser o primeiro sinal da Igreja junto aos povos. Precisamos um fortalecimento maior, de ter um dialogo maior sobre isso”, seguiu José Luis Kassupá, indígena de Rondônia.

“Se fizer o bem, a natureza irá compensar”.

Neto de Pajé, Luís trouxe por histórias vividas com seu avô a necessidade de respeitar a cultura e a organização dos povos como pilar da presença dos missionários no trabalho com povos indígenas. “O protagonismo dos povos é o que precisa ser o principal. Construirmos juntos. Orientar e ajudar na garantia dos nossos direitos, principalmente hoje com essa nova política de governo que vem apagar a cultura e criminalizar os povos”.

“O Concílio trouxe uma necessidade de pensarmos uma enculturação”. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Padre Aloir Pacini, missionário do Cimi e professor da Universidade Federal do Mato Grosso, fez uma leitura histórica da presença missionária com os povos. O antropólogo lembrou do Concilio Vaticano II como uma mudança na forma de trabalhar nas realidades. “O Concílio trouxe uma necessidade de pensarmos uma enculturação. E foi isso que fizeram Vicente Canãs, Simão Bororo, Rodolfo Lunkenbein e outros”, comentou. “Chama atenção é que muitos desses foram mortos no Mato Grosso. E isso não é por acaso: foi lá que nasceu a nova forma de ser junto aos povos, na garantia dos seus direitos”.

Concílio Vaticano II e o Sínodo da Amazônia

O magistério latino-americano pós Concílio Vaticano II, em 1961, assume a opção pela presença da Igreja nas periferias. Inaugurou nas comunidades eclesiais um novo modelo de missão. Hoje com Papa Francisco, os ventos conciliares de atualização – aggiornamento – sopram mais fortes e empurram a barca do Sínodo da Amazônia para que avance para águas mais profundas, como se cantou na celebração de abertura.

Contudo, muitos missionários e missionárias foram perseguidos e tiveram o sangue derramado nas mais longínquas periferias por assumirem outro jeito de ser Igreja, encarnados nas realidades concretas das testemunhas do reino. As janelas abertas pelo Concílio Vaticano II provocaram um outro jeito de atuação, inclusive com os povos indígenas; ventos sopraram nos interiores do estado do Mato Grosso, com Elizabeth Rondon Amarante, Vicente Cañas, Thomaz Lisboa, Bartolomeu Meliá, Tere, padre Adalberto e outros e outras missionários e missionárias.

“Enquanto estamos com os indígenas para os colonizar, todo mundo acha maravilhoso e até dava dinheiro. Quando mudamos a forma de trabalho, passamos a ser perseguidos”.

Pacini, em analise conjuntural, pondera que a nova forma de trabalho passou a incomodar aqueles que pretendiam colonizar os indígenas com interesse nas suas terras.  Na década de setenta, a ação missionária dava pequenos passos para abandonar as práticas catequizadoras e assumir o modelo debatido em ocasiões como a Conferência de Medellín, em 1968. Se orientava uma pastoral contra as injustiças e de opção preferencial pelos pobres. Ainda assim, aqueles que ousavam semear um Evangelho encarnado na vida das pessoas, foram considerados “gente que não tinha nada a ver com Igreja”.

 

Kiwxi: memória e presente Enawenê Nawê

Vicente Canãs, irmão jesuíta, nasceu em Albacete, Espanha, em 1939. Se nacionalizou brasileiro, inculturou-se e morreu como um Enawenê Nawê, povo que contatou em 1974. Foi batizado pelos Myky com o nome de Kiwxi. Este, porém, não foi o primeiro trabalho de Kiwxi envolvendo uma perspectiva que se diferenciava do indigenismo estatal: o contato não servia para retirar o povo do caminho do “progresso”, uma contradição de termo; era, todavia, para colaborar da melhor maneira possível com a resistência destes povos isolados com o intuito de que não saíssem de seus territórios cobiçados.

Vicente Cañas, o Kwxi, é lembrado pelos mais velhos e se tornou parte da cosmologia Enawenê para os mais jovens. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Caracterizado por aqueles que o conheciam como um temperamento resoluto, rebelde, renitente, Kiwxi assumiu a radicalidade da opção pela vida dos povos indígenas. “Ele foi plantado e germinou e por isso os povos Myky e Enawene vivem”, diz Fernando Lopes, jesuíta membro da equipe do Cimi que trabalha com indígenas isolados. Lembra de Vicente como um sujeito que percorre desde a aldeia até as “selvas de pedra”. “Cañas nos desafía a transitar. Ele andava entre povos indígenas, Cimi, Jesuítas, e outras instituições. Seu esforço era para juntar todos em defesa da vida dos povos indígenas”, lembra o missionário espanhol. “Hoje ele continua a nos desafiar para que possamos fazer florescer a vida em todas as selvas onde a morte ameaça sobretudo os mais vulneráveis e fracos”.

Como um dos primeiro trabalhos, em 1969, Vicente Cañas integrou a equipe em uma segunda tentativa de contato com o povo Tapayúna, conhecidos na época como Beiço de Pau. Antes, um contato mau executado pelo órgãos indigenistas do governo tinha condenado o povo ao extermínio: sobraram apenas 41 indígenas em poucos meses de contato. De outubro de 1969 até abril de 1970, Cañas dedicou-se a uma íntima convivência com estes resistentes Tapayúna. Na época, a política indigenista operava para deslocar o povo em vulnerabilidade para outra comunidade indígena. Os “beiço de pau” foram levados para conviver com o outros Tapayúna, no Xingu. Vicente e Thomaz foram pioneiros nas práticas de não retirar o povo do seu território. Assim, junto a outros missionários, buscavam uma nova forma de indigenismo e missão.

 

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