08/03/2019

Mulheres Indígenas da Tradição ganham perfis em livro divulgado no Dia Internacional da Mulher

O livro, escrito pelas mulheres indígenas, é uma parceira do Centro de Cultura Luiz Freire, Cimi Regional Nordeste e Movimento de Mulheres Indígenas de PE

Dona Emília Pankará: um dos perfis presentes no livro Mulheres da Tradição. Foto: Elizabeth Leal

Dona Emília Pankará: um dos perfis presentes no livro Mulheres da Tradição. Foto: Elizabeth Leal

Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

Com significativa participação na trajetória de resistência dos povos indígenas do Nordeste, as chamadas Mulheres da Tradição são pouco mencionadas pela historiografia, ocupada de forma majoritária por lideranças masculinas. Parte das biografias silenciadas, ou restritas às aldeias, agora podem ser acessadas pelo público.

Neste Dia Internacional da Mulher, chega o livro ‘Mulheres Indígenas da Tradição’. A obra, disponível na íntegra para download, conta com breves perfis destas mulheres escritos por pesquisadoras indígenas e abrange 11 povos localizados em Pernambuco. As Mulheres da Tradição são anciãs reconhecidas pelas conquistas territoriais, saberes tradicionais e espiritualidades.

O livro é uma parceira do Centro de Cultura Luiz Freire (CCFL), Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Nordeste e Movimento de Mulheres Indígenas de Pernambuco, sendo viabilizado a partir de um projeto apresentado ao Funcultura, organismo de fomento da Secretaria de Cultura do Governo Estadual de Pernambuco.

“O livro Mulheres da Tradição traz o rosto, o corpo, os sorrisos, a beleza e a história das grandes guerreiras dos nossos povos”

Conforme escrevem Rita de Cássia Pankararu e Ivanira Truká, na introdução, o livro “traz o rosto, o corpo, os sorrisos, a beleza e a história das grandes guerreiras dos nossos povos”. Elas explicam que o material partiu de pesquisa e metodologia baseadas na oralidade, no diálogo entre as anciãs e as novas gerações de mulheres.

No prefácio escrito por Elisa Pankararu e Francisca Kambiwá, o Movimento de Mulheres Indígenas de Pernambuco aparece como um sonho realizado e iniciado pelas Mulheres da Tradição – entre elas está Maninha Xukuru Kariri, fundadora da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme).

“Maninha Xukuru Kariri será sempre nossa líder, pois como aprendemos com as sábias anciãs: guerreiras não se enterram, se plantam e dessa planta surgem novas guerreiras”, escrevem as indígenas Pankararu e Kambiwá. O livro foi lançado durante o último encontro de mulheres indígenas, ocorrido na Terra Indígena Truká.

Dona Valdira Kambiwá: um dos perfis presentes no livro Mulheres da Tradição. Crédito da foto: Elizabeth Leal

Invisibilidade e silenciamento

Na apresentação do livro, as antropólogas Caroline Leal e Manuela Schillaci, coordenadoras do projeto, explicam que “a invisibilidade e o silenciamento da contribuição das mulheres nas lutas por liberdade, autonomia e direitos são consequências do patriarcado” como um dos efeitos “nefastos” do processo colonial.

Comum em encontros ou entrevistas as mulheres indígenas afirmarem, por exemplo, que as autoridades públicas apresentam um comportamento mais compenetrado quando se reúnem com lideranças masculinas e se portam de maneira inconveniente com lideranças mulheres. Nas aldeias, muitas vezes, não é diferente.

“Este trabalho esteve atento à reflexão sobre o papel da memória, sobre como é transmitida e como as mulheres têm sido fundamentais na salvaguarda dos saberes tradicionais”

Quando se trata de um estado com a quarta maior população indígena do Brasil, uma população de 53.284 indígenas (IBGE, 2010), divididos entre 12 povos que habitam 14 territórios, e as mulheres representam 50,4% do total de indivíduos, as antropólogas apontam que posturas machistas e misóginas afetam diretamente a vida destes povos.

Este denso público de mulheres se enquadra numa faixa etária entre 05 e 34 anos. “É necessário considerar que suas reivindicações são de ordem comunitária e oriundas de demandas individuais e específicas”, escrevem as antropólogas Caroline e Manuela. O livro ganha outra importância: um referencial de lutas para as novas gerações.

Ainda na apresentação do livro, as antropólogas frisam que um outro desejo para a obra é a circulação nas escolas indígenas como parte do currículo. “Assim este trabalho esteve atento à reflexão sobre o papel da memória, sobre como é transmitida e como as mulheres têm sido fundamentais na salvaguarda dos saberes tradicionais”.

Dona Lourdinha Tuxá: um dos perfis presentes no livro Mulheres da Tradição. Crédito da foto: Elizabeth Leal

“Relembrar das coisas do passado”

Dona Hilda Entre-Serras Pankararu abriu com o próprio facão a picada que levou seu povo ao território tradicional, hoje demarcado. Tudo o que esteve ligado a este território, Dona Hilda assumiu; desde a organização social do povo às ameaças de morte e atentados, que apenas uma, duas ou três vezes. Nada diferente é o percurso de Dona Lourdinha Tuxá e Dona Judite Xukuru, também biografadas.

Histórias como a de Dona Hilda são contadas no livro. Ou como a da parteira Dona Marinha Pankararu, que enfrentou a luta pela terra sem arredar o pé da aldeia Jitó, onde nasceu, em 1933, e reside até hoje. A elas se somam Dona Lindalva Pipipã e Dona Emília Pankará, que passaram anos de suas vidas sem poder assumir a tradição até a insurgência étnica de seus povos.

O livro conta como Dona Valdira Kambiwá se põe ao lado dos Encantados no momento da confecção das roupas rituais. Hoje é Mãe de Praiá, posição de grande importância no ritual do povo. Mulheres que lideraram seus povos nos momentos de mais violência, mas de secas que provocavam mortes e diásporas.

Dona Judite Xukuru, perfilada no livro Mulheres Indígenas da Tradição. Foto: Elizabeth Leal

Dona Judite Xukuru, perfilada no livro Mulheres Indígenas da Tradição. Foto: Elizabeth Leal

Dona Ana Atikum é uma destas lideranças. Cega de um olho, enfrentou a fome e os jagunços. No entanto, só assumiu o cacicado aos 50 anos. Durante o seu período à frente do povo, os Atikum conquistaram a homologação de 16.290 hectares na Serra Umã, em 1996. Se destacou também como liderança da Apoinme ao lado de Maninha.

“Relembrar as coisas do passado”, por mais essencial que seja para a formação da teia coletiva das aldeias, é também um exercício doloroso. Dona Helena Kapinawá enfrentou secas devastadoras, onde a caça era escassa e a água distante, cercada pelo arame farpado do latifúndio. Mesmo assim alimentou os filhos e a luta de seu povo.

Já Dona Maria Pankaiwká nasceu em uma aldeia Geripancó, de Alagoas, mas a diáspora de parte de seu povo, fugitivo da seca, levou sua família para a Volta do Moxotó, em Pernambuco, no município de Jatobá. Os Pankaiwká e os Geripancó são, como chamam os indígenas, pontas de rama do povo Pankararu.

Nas proximidades da Volta do Moxotó havia um local chamado Alto do Zé Onça, perto de Brejo dos Padres, TI Pankararu, onde os indígenas se reuniam para rituais e confabulações da luta territorial. Perto dos 40 anos, à época, liderou seu povo em uma retomada que, mais para frente, garantiria a Terra Indígena.

Luta que gerou perdas na vida de Dona Marina Truká, e ganhos. Ela é considerada pelo povo uma das grandes conhecedoras da ciência Truká, com importante presença nos rituais e danças de Toré do povo. Conhecimento, aliás, que ela afirma ter recebido das mulheres mais velhas, as Mulheres da Tradição de seu tempo de jovem.

Clique aqui para acessar o livro em formato pdf

Fonte: Assessoria de Comunicação - Cimi
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