09/11/2018

Thuë thëpë patamuwi thëã oni – Mulheres Yanomami realizam seu 11º Encontro em Watoriki/Demini

Mulheres Yanomami discutiram temas como educação tradicional e escolar, saúde indígena e práticas tradicionais de cura e debateram sobre a defesa do território

Tarisa Yanomami, da equipe de comunicação do encontro. Foto: Adriana Huber Azevedo/Cimi Norte 1

Tarisa Yanomami, da equipe de comunicação do encontro. Foto: Adriana Huber Azevedo/Cimi Norte 1

Por Mary Agnes Mwangi, da equipe Missão Catrimani, e Adriana Huber Azevedo, da coordenação do Cimi regional Norte I

Entre os dias 26 a 30 de setembro ocorreu, na maloca Watoriki, o 11º Encontro de Mulheres Yanomami. Participaram aproximadamente 40 mulheres provenientes das comunidades das regiões Demini e Toototopi, 17 mulheres das comunidades da região Missão Catrimani e também numerosos homens, entre eles professores, pajés xapiri, agentes de saúde, lideranças, pesquisadores e jovens que estão se formando como comunicadores. O encontro teve apoio e assessoria da Hutukara Associação Yanomami (HAY), que se fez presente através da sua diretoria (Davi Kopenawa e Maurício Yekwana), do Conselho Indígena de Roraima (CIR), do Instituto Socioambiental (ISA), da equipe da Missão Catrimani e da coordenação regional do Conselho Indigenista Missionário – Cimi regional Norte 1.

Os encontros de mulheres Yanomami vêm sendo realizados anualmente desde 2008. Naquele ano, cinco lideranças femininas da região Catrimani decidiram se organizar internamente com o intuito de promover seu próprio primeiro encontro na maloca de Mauuxiu, a partir da experiência feita no leste de Roraima. No período de 2002 a 2006, elas haviam participado dos encontros das mulheres Makuxi, Wapixana e Taurepang organizados através da Organização das Mulheres Indígenas de Roraima (OMIR). A partir do ano de 2014, a HAY e o ISA passaram a apoiar a realização dos encontros das mulheres da região Missão Catrimani, até então assumidos pela equipe missionária da Diocese de Roraima/Cimi Norte I, e esta colaboração possibilitou a participação das mulheres de outras regiões, tais como as do Demini e Toototopi.

Ehuana Yaira Yanomami, da comunidade Watoriki, coordenadora do encontro. Foto: Adriana Huber Azevedo/Cimi Norte 1

O 11º encontro das mulheres Yanomami teve uma etapa prévia realizada em Watoriki nos dias 6 a 11 de abril, com a participação apenas das mulheres da maloca escolhida como maloca anfitriã. Este encontro preparatório tratou de temas como o conceito da igualdade de gênero e os direitos universais das mulheres garantidas pela legislação brasileira; constituiu um espaço de reflexão sobre os papéis desempenhados tradicionalmente pelas mulheres Yanomami dentro da sua sociedade e resultou na organização de pesquisas inter-regionais levadas a cabo por mulheres jovens da comunidade, tendo por objeto personagens míticas femininas com papel proeminente na conformação do universo Yanomami. O resultado das pesquisas foi socializado na segunda etapa do encontro, que envolveu as mulheres de outras regiões da Terra Indígena Yanomami, e de outros povos indígenas do estado de Roraima.

Ritual de boas vindas. Foto: Adriana Huber Azevedo/Cimi Norte 1

Ritual de boas vindas. Foto: Adriana Huber Azevedo/Cimi Norte 1

Durante a segunda etapa do encontro foram discutidos diversos temas, entre os quais:

Mulheres e educação tradicional

A educação tradicional Yanomami foi abordada a partir do resgate do mito de Mamurina, mulher-dona do cipó titica (masi kiki) que ensinou as Yanomami a tecer e usar cestos de carga (wii) e cestos de pesca/ para servir alimentos (xotehe). Padrões de beleza e força feminina foram debatidos fazendo a memória das mulheres míticas Yoinari e Thuëyoma. E com o objetivo de ampliar a reflexão sobre protagonismo feminino em processos de luta e transformação social, foi apresentada a história de vida da patayoma (“grande mulher”; “mulher-liderança”) Cláudia Andujar, mulher napë (estrangeira) que conviveu com os Yanomami durante décadas, e doou sua vida à luta pela demarcação da Terra Indígena Yanomami.

Menina cuidando da irmãzinha enquanto sua mãe participa do encontro. Foto: Adriana Huber Azevedo/Cimi Norte 1

Menina cuidando da irmãzinha enquanto sua mãe participa do encontro. Foto: Adriana Huber Azevedo/Cimi Norte 1

Mulheres e a luta por uma educação escolar de qualidade

As mulheres reunidas em Watoriki passaram horas avaliando a implementação de processos de educação escolar em suas comunidades, recordando a história de sua implantação nas aldeias (fase inicial/inoficial protagonizada por organizações não governamentais como a CCPY e a Diocese de Roraima, que produziu uma primeira geração de jovens e adultos alfabetizados em sua língua materna; fase posterior de estadualização/burocratização das escolas), e lamentando as condições precárias atuais do ensino que envolvem desde a ausência de professores indígenas qualificados/comprometidos até a falta de material escolar básico, como cadernos, lápis, quadros, etc. As indígenas afirmaram estar esperançosas com a possibilidade de melhorias, dada a partir da formação, em setembro de 2018, de um grupo dos jovens Yanomami no magistério Yarapiari (aptos, a partir da obtenção dos seus diplomas, não apenas para dar aula para as crianças, mas também para ser contratados como professores do EJA).

Chegada das visitantes da região Catrimani ao local da assembleia. Foto: Adriana Huber Azevedo/Cimi Norte 1

Chegada das visitantes da região Catrimani ao local da assembleia. Foto: Adriana Huber Azevedo/Cimi Norte 1

Mulheres, subsistema de saúde indígena e práticas tradicionais de cura

Foram tema de discussão do encontro os diversos problemas e desafios postos pela precarização da estrutura de atendimento à saúde do povo (gerida pela Sesai), que vão desde a morte desnecessária de pessoas vitimadas por endemias e acidentes ofídicos, a exposição dos pacientes removidos para a Casai em Boa Vista a drogas diversas e doenças sexualmente transmissíveis, até a necessidade de resgate dos conhecimentos tradicionais Yanomami sobre plantas medicinais, as hwërimamotima thë pë. Esses saberes, cada vez mais desvalorizadas com a introdução de remédios alopáticos, foram objeto de uma recente publicação bilíngue de autoria coletiva.

Participantes do encontro em frente à maloca Watoriki, sede do encontro. Foto: Adriana Huber Azevedo/Cimi Norte 1

Participantes do encontro em frente à maloca Watoriki, sede do encontro. Foto: Adriana Huber Azevedo/Cimi Norte 1

Mulheres e a defesa do território

Quanto ao tema da terra-floresta urihi, as mulheres frisaram a importância de educar seus filhos para serem pessoas cuidadosas com as árvores frutíferas na floresta, observando que atualmente muitos jovens, em vez de subir nas árvores para apanhar as frutas, preferem simplesmente derrubá-las. Destacaram que o garimpo atualmente constitui a principal preocupação do povo Yanomami, porque além de configurar uma invasão da terra demarcada e homologada alicia alguns jovens. Debateram a importância de conscientizar seus filhos no sentido de fazê-los olhar para além dos benefícios imediatos que conseguem ao prestar serviços para os garimpeiros (tais como gasolina, comida, motores velhos etc).

“O garimpo não é vida, mas sim sinal da morte”, afirmou de forma categórica o presidente da HAY, apoiado por todas as participantes.

Mulheres e economia monetária

As mulheres reunidas em Watoriki também debateram a comercialização, acompanhada pelo ISA, das produções artesanais Yanomami – principalmente cestos, redes e tipoias, assim como a venda de alguns outros produtos como a castanha (hawari koko) e cogumelos (ara amuku). Uma das suas preocupações relacionadas com este tema é de como conseguir fazer as pessoas usarem a renda obtida em benefício da comunidade.

O encontro foi encerrado com a escolha de cinco mulheres que participarão num próximo encontro de intercâmbio com as mulheres indígenas da área leste de Roraima (promovido pelo CIR em parceria com a RCA), e na última oficina de elaboração do PGTA (Plano de Gestão Territorial e Ambiental) da Terra Yanomami, a ser realizada em novembro, no Lago Caracaranã, e cujo tema será o protocolo de consulta. Em 2019 as mulheres se reunirão novamente na Maloca Xuarinapi, na região Missão Catrimani.

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