O Guarani Sepé Tiaraju, herói da Pátria!
No dia 07 de fevereiro de 1756 foi assassinado, em uma emboscada, o líder Guarani Sepé Tiaraju. Antes dele, milhares de guerreiros tiveram o mesmo destino e depois de seu assassinato, houve uma chacina indescritível. Hoje, passados 262 anos, os Guarani continuam a sua trajetória de via-crúcis, perseguidos, massacrados e dispersados.
No dia 07 de fevereiro de 1756 foi assassinado, em uma emboscada, o líder Guarani Sepé Tiaraju. Antes dele, milhares de guerreiros tiveram o mesmo destino e depois de seu assassinato, houve uma chacina indescritível. O povo Guarani foi quase exterminado. Restaram grupos de famílias que passaram a percorrer seu sagrado território escondendo-se dos algozes soldados portugueses e espanhóis. As reduções jesuíticas foram destruídas e se completou com isso, o intento dos que pretendiam tomar as terras e nelas fincar os marcos e estabelecer as divisas, a posse e o domínio.
No lugar da paz, que perdurou por séculos, foi plantada a espada, a cruz e o martírio. Os campos floridos e as águas límpidas dos rios, riachos e nascentes foram tingidos pelo sangue do povo Guarani, que não pretendia a guerra, a luta armada. Ao contrário, negociaram enquanto foi possível, a convivência com os invasores e até propuseram a partilha das terras. Mas a ganância, o ódio e a sede pelo poder estavam na gênese dos invasores.
O etnocídio foi o resultado do embate entre as forças armadas dos europeus e a singeleza dos habitantes do território que acabou sendo denominado de Brasil, Argentina e Paraguai. E depois das “conquistas”, o território e as terras não comportariam mais os seus legítimos donos.
Hoje, passados 262 anos, os Guarani continuam a sua trajetória de via-crúcis, perseguidos, massacrados e dispersados. Mas a força da resistência prevaleceu e este povo, apesar das adversidades, se posiciona frente ao Estado brasileiro, e, seus homens, mulheres e crianças bradam, assim como Sepé Tiaraju e os milhares de guerreiros que tombaram na luta bradaram: “Alto lá! Esta terra tem dono”!
A agonia dos Guarani-Kaiowá, Mbya, Nhandewa, Xiripá é uma cruel realidade dentro do território brasileiro, um país que, pela definição de sua Constituição Federal, é democrático e como tal, nele deveriam ser respeitados os direitos de todos os povos e culturas. Mas não é o que predomina. Ao contrário, enquanto o poder público decreta Sepé Tiaraju como um dos heróis da Pátria, ao mesmo tempo nega-se ao povo Guarani o direto a vida, o direito a terra. Os objetivos da resistência e luta de Sepé Tiaraju, aqueles pelos quais foi assassinado, hoje são causa de perseguição, espancamentos, ameaças e assassinatos de líderes Kaiowá em Mato Grosso do Sul, bem como em outros estados da federação.
O poder público, o mesmo que enaltece as lutas do passado, reprime, condena e mata no presente. A contradição é dolorosa. Por que negar aos Guarani-Kaiowá o direito de viverem com dignidade sobre as terras que são suas por direito? E eles não desejam todo o território. Assim como no passado propuseram a partilha das terras a desejam também hoje. Eles sonham com a vida, mas para isso não bastam as esmolas que o Estado lhes oferece.
Sepé Tiaraju simboliza uma história de resistência do passado, mas fundamentalmente brada, através dos Guarani-Kaiowá, Mbya, Nhandewa, Xiripá, que a opressão acontece hoje com grave intensidade e diante dos olhos do mundo. A contemporaneidade se difere de 262 anos atrás, porque no passado os relatos ficavam restritos a memória e alguns escritos que possibilitaram narrar e comunicar os lastimáveis acontecimentos.
As atuais e inovadoras tecnologias midiáticas mostram online as atrocidades que são cometidas contra os legítimos donos da terra. No entanto, aqueles que comandam os poderes públicos se mostram insensíveis, tapam os ouvidos e vedam os olhos para justificar que nada sabem, nada escutam e nada vêem. E assim transformam os direitos – assegurados na Constituição Federal no seu artigo 231 – em litígio, em disputa, em ações judiciais, em conflitos sem soluções. Como agravante, transformam as vítimas em réus, criminalizam aos que reclamam direitos e absolvem quem invadiu, grilou e/ou se apropriou inadequadamente de terras e bens que não eram seus. Omite-se diante de agressões, espancamentos e assassinatos. Permitem que sejam queimados os barracos de lona na beira das estradas, deixam que se armem, criem milícias de pistoleiros e que disparem tiros contra pessoas, casas e barracos. Em síntese, permitem que sejam cometidos os mais absurdos crimes sem que se faça qualquer objeção.
Sepé Tiaraju foi assassinado e muitos de seus parentes contemporâneos, depois de quase três séculos, têm o mesmo destino. Ele virou o primeiro herói indígena do Rio Grande do Sul e agora do Brasil. Enquanto isso, os Guarani são tratados como invasores, bugres, criminosos. Hoje restam apenas, para estes filhos da mãe-terra, os barracos de beira de estrada. E não se sabe até quando…
* Texto publicado originalmente em 27 de setembro de 2009.