Povos mobilizados na Funai de São Luís (MA) repudiam postura da coordenadora-substituta regional do órgão
A sede da Fundação Nacional do Índio (Funai) de São Luís, capital do Maranhão, está ocupada por nós, povos Krenyê, Tremembé e Akroá-Gamella. O movimento entrou em sua terceira semana, depois de iniciado no último dia 06 de novembro. Exigimos do governo brasileiro o cumprimento de suas obrigações constitucionais referentes aos nossos territórios e modos de viver. São garantias, direitos conquistados.
Sentimos na pele o peso do racismo e preconceito de instituições e pessoas que têm o dever de executar as políticas públicas. Contra isso decidimos não nos deixar abater! Causou-nos profunda indignação a postura da coordenadora-substituta Regional da Funai/MA, Eliane Araújo, que, após a segunda e última reunião, declarou esgotado o diálogo entre nós e a presidência da Funai, conforme ela mesmo publicou em redes sociais, demonstrando sua completa incapacidade para conduzir um órgão público que tem a missão de garantir a efetivação de direitos dos povos indígenas – e de, sobretudo, cultivar o diálogo e a mediação ponderada.
Como se não bastasse essa postura autoritária, de quem pretende continuar o regime de tutela dos povos indígenas, inclusive ao falar conosco em tom impaciente diante de nossas dúvidas, a coordenadora posicionou-se abertamente favorável ao pedido de reintegração de posse do espaço da Funai, onde ocorre nossa justa manifestação por direitos. Os espaços da Funai sempre foram usados por nós quando precisamos permanecer nas cidades onde estão localizados escritórios do órgão. Na ocasião do despejo determinado pela Justiça Federal ao prédio do Incra, a coordenadora nada fez para elucidar os fatos e evitar o que poderia ter sido uma ação catastrófica. Ao contrário, reafirmou que as negociações estavam encerradas.
Por outro lado, causa-nos indignação a postura da coordenadora ao dizer que só irá avançar com a burocracia destinadas aos direitos previdenciários de nossos povos (auxílio doença, licença maternidade, aposentadoria) mediante a confirmação de laudo antropológico, negando desse modo nossa condição de sujeitos de direitos numa clara afronta à Constituição Federal e à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Repudiamos essa postura porque reforça a tese dos grileiros e ladrões de terras quando falam em “supostos índios”.
Conforme o presidente da Funai, a coordenadora-substituta teria, após “consulta verbal”, recebido “determinação verbal” de procuradores da Advocacia-Geral da União (AGU) para se abster de assinar qualquer documento aos indígenas antes da conclusão dos trabalhos do Grupo Técnico constituído para identificação e demarcação da terra tradicional do povo Akroá-Gamella. O direito à terra não suprime os direitos de quem ainda não a tem garantida pelo Estado. No entanto, como uma coordenadora, com três décadas de indigenismo, ao menos não orientou os procuradores a mostrar judicialmente ao INSS que pela lei a Funai não pode declarar quem é índio e quem não é por conta do direito de autodeclaração?
Vejamos um caso concreto desconsiderado pela coordenadora-substituta. No próximo dia 23 de novembro, Aldeli Ribeiro Akroá-Gamella fará perícia médica no INSS para requerer benefício previdenciário na condição de segurado especial. O INSS exige a Declaração de Atividade Rural assinada pela Funai. No dia 09 de novembro, a coordenadora-substituta Eliane Araújo disse que em 24 horas entregaria a Declaração assinada por ela. No dia seguinte, entretanto, mandou avisar que não assinaria a Declaração por “determinação verbal” de procuradores da AGU.
Sabem quem é Aldeli Akroá-Gamella: um de nossos parentes que teve a mão esquerda decepada por pistoleiros e fazendeiros no ataque que sofrido pelo povo dia 30 de abril, onde outros 21 indígenas ficaram feridos. Desde então está em tratamento na Casa de Saúde Indígena (Casai). Não pode plantar sua roça, pescar o peixe, conseguir uma caça. Sofreu um brutal ataque por lutar pela terra e por não tê-la a Funai, porque se trata de uma postura institucional, o abandona. A NEGATIVA da coordenadora-substituta não foi documentada para que não pudéssemos exercer o direito do contraditório, ir à Justiça Federal para garantir nossos direitos. Isso é inconstitucional.
Tais desmandos, ingerências, autoritarismos e posturas dignas do antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que possui um perfil biográfico reunido pelo Relatório Figueiredo, demonstram quem coordena a Funai no Maranhão. Estamos convictos de nossa mobilização e delas não abriremos mão até que o governo brasileiro tome as providências necessárias para garantir nossos direitos aos documentos demandados pelo próprio Estado – enquanto seguimos lutando para radicalizar nossa autodeterminação, que é o direito de SERMOS o que somos sem depender da assinatura de nenhum burocrata incompetente.
Repudiamos ainda a forma como a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) vem tratando os parentes Krepym Katejê e Krenyê que ocupam desde o dia 9 de novembro a Unidade Regional de Educação (URE) de Barra do Corda. Se trata de uma postura inaceitável, desrespeitosa e também autoritária. Desde 2012 a pauta é praticamente a mesma sem uma resolução definitiva e como garante a Educação Escolar Indígena Diferenciada. Como diz o lema do movimento de educação escolar indígena dos parentes de Pernambuco: “A educação é um direito, mas tem que ser do nosso jeito!”.
São Luís, dia 21 de novembro de 2017
Povos Krenyê, Tremembé e Akroá-Gamella