08/05/2017

Repam denuncia violações de direitos indígenas em agenda internacional


Equipe da REPAM integra  Grupo de Trabalho sobre Mineração Foto: Fernanda Moreira/Cimi

Por Fernanda Moreira, Cimi Regional Norte II, de Nova York (EUA)

Entre os dias 22 de abril a 5 de maio, membros da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), com apoio de outras organizações eclesiais, estiveram em Nova York (EUA) para o Fórum permanente da Organização das Nações Unidas (ONU) para questões indígenas. Além do encontro oficial, o grupo organizou uma série de atividades paralelas com autoridades internacionais, organizações não governamentais, universidades e lideranças indígenas da América do Norte.

A comissão composta por lideranças dos povos Munduruku, Yanomami, Kanamary (Brasil) e Kukama (Peru) apresentou as perspectivas e desafios do bioma Amazônico, com o objetivo de “amazonizar” os debates internacionais. O evento encerrou na sexta-feira (5) e celebrou os dez anos da Declaração da ONU para os direitos dos povos indígenas. A Fian Brasil e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) integram as organizações de apoio na delegação da Repam. 

Na terça-feira (25), juntamente com povos dos Estados Unidos, as lideranças indígenas do Brasil e Peru discutiram as violações dos direitos indígenas e as ameaças aos seus territórios e sítios sagrados. Além da delegação da Repam, estavam presentes Roberto Mukaro Borrero, do Conselho Internacional Indígena e das Confederações Unidas do povo Taíno, Chefe Sachem Perry, da Nação Ramaphoug Lenape e Chefe Sachem Hawk Storm, da Schaghticoke First Nations.

Contaminação das terras indígenas pela Mineração

No encontro organizado pelo Grupo de Trabalho sobre Mineração de Organizações Não-Governamentais, a comitiva denunciou as explorações minerais ilegais em territórios indígenas e a consequente destruição física e cultural de seus povos. Veronica Shivuya, do povo Kukama (Peru), relatou a contaminação por empresas petroleiras das águas onde vivem os ancestrais de seu povo.

Armindo Goes, do povo Yanomami, alertou que seus parentes sentem os impactos da exploração mineral não apenas na natureza, mas também em seus corpos.A liderança recordou as altas taxas de mercúrio identificadas nas águas, apontadas em pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA).

Em consonância com as denúncias trazidas pelo cacique Juarez Saw Munduruku, sobre a contaminação e o desmatamento no Tapajós provocados por garimpeiros e mineradoras, Armindo observa que os mais de três mil garimpeiros que invadem as terras Yanomami “são apenas operadores, na medida em que o próprio Governo Federal está interessado em explorar as terras indígenas reconhecidas”.  Armindo cita o Senador Romero Jucá como um dos principais articuladores das legislações que regulamentariam a atividade em seus territórios.

Diante denúncias sobre a situação das terras indígenas e a presença de mineradoras e garimpeiros, Lyla June Johnson, do povo Dine, expressou, emocionada, sua conexão com as histórias trazidas pelos povos e convidou os presentes a refletirem sobre o impacto de seu consumo nos territórios e na vida dos povos e comunidades.  “Quando eu escuto a história de vocês, a luta de vocês, vejo que elas refletem a mesma luta dos Dine. E não posso deixar de notar que o que está por trás desse sofrimento é o consumismo”, comentou a educadora indígena. “Penso nos parentes mortos, retirados de sua terra, para que tudo que consumimos exista. Temos que pensar de onde vem nossas coisas, como podemos reduzir nosso consumo, porque são vidas que estão em jogo”.

Na tarde da quinta-feira (26) a delegação da REPAM esteve presente no encontro “Não deixe ninguém atrás”, promovido pela Organização para o Desenvolvimento do 4º Mundo, do qual participou a liderança indígena e diretor Geral do Parlamento Sami, Rune Fjellheim. Na ocasião, Armindo Goes denunciou o aumento de grandes projetos e exploração ilegal de recursos em terras indígenas da Amazônia. “Há riquezas na Amazônia não somente em recursos naturais, mas em conhecimento, cultura, línguas que nós possuímos. Somos a referência para a arte em todo o mundo”, lembrou a liderança Yanomami. “Por isso chamaram o Brasil de multilinguístico, multiétnico, país plural. Mas somos impactados pela exploração de ouro, de petróleo, outros minerais, agronegócio. Avançam mais ainda projetos de hidrelétrica e hidrovias. Mudar a direção de um rio é acabar com a vida de um povo. E nada disso [desses projetos] vai trazer vida digna para os povos indígenas”.

Fjellheim lembrou da luta de resistência do povo Sami contra o projeto hidrelétrico no rio Alta, nos anos 70 e 80, cuja construção foi efetivada após arrefecimento de intensas manifestações de indígenas e ativistas, que incluíram greve de fome, ocupação da obra, rompimento do povo indígena com o Governo Norueguês e a entrega de uma petição ao Papa. O caso trouxe um alerta às lideranças Munduruku, que lutam há anos contra a construção de hidrelétricas no Rio Tapajós.

Unificar a luta dos povos indígenas

Lyla June Johnson, indígena da América do Norte, reforçou a necessidade de estarem unidos para enfrentarem todas as formas de opressão. “Vocês estarem aqui compartilhando a história dos povos de vocês também me dá esperança. Porque eu vejo que, como indígenas, nós todos estamos sofrendo as mesmas coisas. Vendo que todos nós temos as mesmas experiências me mostra quão fortes seremos quando nos unirmos”, ressaltou. “Se um dono de escravo tem 100 escravos, ele vai querer que todos estejam isolados. Ele não vai querer que eles vejam sua luta comum, vai querer dividi-los. Porque sabe que no momento em que esses 100 escravos se juntarem e gritarem em uma só voz, a escravidão acaba. Obviamente isso vai dar trabalho. Mas eu estou honrada de começar a viver essa unidade hoje”.  

Na sexta-feira (28) o grupo reuniu-se com Victoria Tauli-Corpuz, relatora especial da ONU para os direitos dos povos indígenas. Na ocasião reforçaram as denúncias apresentadas no documento entregue ao ministro Ricardo Monteiro, responsável pelos temas indígenas da Missão do Brasil na ONU.  Entre os assuntos abordados estava a demarcação da Terra Indígena Sawre Muybu, que aguarda a assinatura da Portaria Declaratória pelo Ministro da Justiça, Osmar Serraglio (PMDB-PR). A relatora se comprometeu a cobrar do Governo Brasileiro a conclusão das próximas etapas de reconhecimento da Terra Indígena.



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elegação com Victoria Tauli-Corpuz, relatora especial da ONU para os direitos dos povos indígenas Foto: Fernanda Moreira/Cimi


Kora Kanamary, cacique dos kanamary, falou sobre a situação dos povos em isolamento voluntário que circulam pelo Vale do Javari e pelos territórios sulamericanos e chamou atenção para a situação de vulnerabilidade em que vivem esses grupos, já que as explorações avançam sobre suas terras e o Estado não cumpre seu papel de fiscalização e proteção dessas áreas. Victoria Tauli-Corpuz garantiu que levará as informações ao encontro da ONU sobre povos em isolamento voluntário, que acontecerá em Lima, Peru, entre os dias 8 e 9 de junho.

“Eu quero pedir que vocês não esqueçam da gente”

O grupo também participou de encontros com estudantes e professores na Universidade St. John’s e na Universidade de Fordham, quando o cacique geral Arnaldo Kaba Munduruku lançou seu apelo: “vocês precisam ir ao Brasil ver o que está acontecendo lá na minha terra”. O indígena relatou como o garimpo ilegal está contaminando rios e igarapés e como a hidrelétrica de Teles Pires, já em funcionamento, impactou a vida dos Munduruku, destruindo um local sagrado de extrema importância para seu povo e provocando a diminuição de peixes até mesmo no Rio Tapajós. “Eu quero pedir que vocês não esqueçam da gente. Nós precisamos do apoio de todo o mundo, porque em 2017 o Governo piorou tudo”, completou.

Na universidade de Fordham, os membros da Comunidade Cristã pela Vida (Christian Life Community), que possuem status consultivo na ONU, conversaram com as lideranças Munduruku e outros convidados. Os presentes compartilharam momentos de espiritualidade e refletiram sobre os caminhos possíveis para proteger a Amazônia, maior floresta do mundo e de fundamental importância para toda a humanidade. Maurício Lopez, secretário executivo da REPAM e Caritas Equador, lembrou que, além de fornecer 20% do oxigênio do mundo, a Amazônia abriga milhões de indígenas, que constroem e mantém a biodiversidade da região, com seus modos de vida tradicionais. Contudo, lembrou que esses povos se encontram cada vez mais ameaçados pelos grandes projetos ditos “desenvolvimentistas”.    
    
Na segunda-feira (1º) assistiram à mesa de diálogo com a relatora Victoria Tauli-Corpuz, quando diversos povos denunciaram os ataques a indígenas e defensores dos direitos humanos e indígenas em seus países. No mesmo dia à tarde, em mesa de diálogo com Monsenhor Bernardito Auza, observador permanente da Santa Sé na ONU, Monsenhor Gustavo Rodriguez, presidente do departamento de Justiça e Paz da CELAM e Victoria Tauli-Corpuz, Mauricio Lopez (REPAM) reforçou as violências – assassinatos, perseguições e ameaças à vida – sofridas pelos povos indígenas e populações tradicionais nos oito países Amazônicos em que atuam, fazendo eco ao massacre do povo Gamela, que ocorreu um dia antes no Brasil.

Juarez Saw, em sintonia com o que se passava no Brasil, contou a todos que as ofensivas do governo anti-indígena que se estabeleceu no país fizeram com que o povo Munduruku ocupasse a transamazônica, bloqueando a rota da soja do Mato Grosso aos portos de transbordo, em Miritituba (PA). Monsenhor Bernardito enfatizou o papel da Igreja e a responsabilidade de todos em defender a Casa Comum, a partir da visão da ecologia integral, expressa na encíclica Laudato Si do Papa Francisco, e se mostrou preocupado com os grandes projetos feitos às custas do sofrimento dos povos indígenas e tradicionais. Victoria Tauli-Corpuz expressou seu apoio ao povo Munduruku e os encorajou a continuarem a lutar pelos seus direitos. Veja o vídeo abaixo:

 
 

Fonte: Assessorias de Comunicação Cimi
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