Memória, Missão e Resistência: Indígenas Xakriabá e Articulação Rosalino Gomes de Povos e Comunidades Tradicionais fazem memória aos mártires
Por Conselho Indigenista Missionário – Regional Cimi Leste
Foi na madrugada do dia 12 de fevereiro de 1987 que um grupo de grileiros liderados por Francisco de Assis Amaro invadiu a terra indígena Xakriabá, no município de São João das Missões, norte de Minas Gerais. Chegaram por volta das duas horas da madrugada, arrombaram a casa do vice-cacique Rosalino Gomes de Oliveira e iniciaram um tiroteio. Rosalino, de 42 anos, e mais dois indígenas, Manuel Fiúza da Silva e José Teixeira Santana, foram brutalmente assassinados.
A esposa de Rosalino, Anísia Nunes, que na época estava grávida de dois meses e segurava uma criança no colo, foi ferida com um tiro. Seu filho, José Nunes de Oliveira, atual prefeito municipal, na época com 10 anos de idade, foi obrigado, sob mira de arma de fogo, a arrastar o corpo do seu pai do quarto onde foi fuzilado para que os pistoleiros fizessem a confirmação da sua morte.
A chacina Xakriabá ganhou repercussão internacional e acirrou o conflito fundiário pela posse do território indígena. O crime, considerado genocídio, foi resultado de um processo sofrido deste povo para reaver suas terras, onde várias outras lideranças tombaram. Muitos desses crimes ficaram na impunidade.
Passados 30 anos deste triste episódio, o território Xakriabá continua ameaçado e invadido. As ações de ataque aos indígenas continuam sendo executadas pelos mesmos grupos políticos, os interesses e a intolerância juntamente com o desrespeito às diferenças insistem em negar o direito à efetivação dos projetos de vida do povo Xakriabá.
Atualmente, os Xakriabá estão em processo de luta para garantir a demarcação de mais uma parte de seu território, com área identificada de 43.000 hectares e relatório publicado em 06 de outubro de 2014. Os conflitos permanecem e os constantes ataques realizados por posseiros e políticos levaram oito lideranças Xakriabá a serem inclusas no programa de proteção de defensores de direitos humanos do Estado de Minas Gerais.
É dentro deste contexto que os indígenas, povos e comunidades tradicionais fizeram memória aos 30 anos dos mártires do território indígena Xakriabá, buscando a força dos encantados, encorajando os jovens, animando o povo e reafirmando o compromisso com os guerreiros que tombaram e deixaram uma grande herança, a necessidade de manter viva a memória destes mártires, através da continuidade da luta e mobilização em defesa dos seus territórios,da democracia e da liberdade.
Desta forma, nos dias 10 a 12 de fevereiro de 2017 o povo Indígena Xakriabá, juntamente com a Articulação Rosalino Gomes de Povos e Comunidades tradicionais do Norte de Minas Gerais, fez memória aos “30 anos dos Mártires da Terra Indígena Xakriabá”. Durante os três dias do evento que aconteceu na aldeia Itapicuru, dentro do Território Indígena Xakriabá, os sete povos e comunidades tradicionais que compõem este importante espaço de resistência refletiram sobre sua trajetória de luta.
No contexto da atual conjuntura de ataques e negação de direitos e sob a luz dos mártires, lideranças e comunidades indígenas e povos e comunidades tradicionais fortaleceram a unificação de suas lutas e com o tema “Articulação Rosalino Gomes de povos e Comunidades Tradicionais: Unificação, Articulação e Resistência em defesa de direitos”, renovaram o compromisso para continuar juntos e fortalecidos.
Os povos e comunidades tradicionais de geraizeiros, quilombolas, catingueiros, apanhadores de flores, veredeiros, vazanteiros juntamente com o povo indígena Xakriabá e organizações aliadas promoveram importantes momentos de reflexão, de fortalecimento da luta, fazendo memória dos indígenas e outros mártires que doaram vidas em defesa de seus povos.
A juventude deu o seu recado, denunciando os ataques aos direitos constituídos e reafirmando o compromisso com a luta dos seus antepassados. Ao som dos maracás e do batuque, os encantados se fizeram presentes e a espiritualidade conduziu o tom das denúncias e violações de direitos desses povos, a exemplo do Matopiba, da Reforma da Previdência, da reforma do Ensino Médio, da CPI da Funai e do Incra, da criminalização de lideranças e entidades parceiras, da PEC 215 e PEC 68, bem como as estratégias do Governo Golpista e ilegítimo e seus aliados.
Estes guardiões dos biomas do território Brasileiro assumiram como principal objetivo a missão de continuar a luta em defesa da demarcação dos seus territórios: “A luta dos nossos antepassados é a nossa maior herança”, garantem na carta elaborada ao final do encontro. “Nesse momento em que cultuamos a memória de nossos mártires, reafirmamos como nosso compromisso e missão com a luta pela libertação dos nossos territórios e pelo nosso projeto do bem viver”.
Conselho Indigenista Missionário – Regional Cimi Leste