Após ocupação, povos e comunidades tradicionais cobram governo em reunião
Por Tiago Miotto e Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi
Fotos: Tiago Miotto
A ocupação realizada pela Articulação dos Povos e Comunidades Tradicionais no Palácio do Planalto na manhã desta terça-feira, 22, fez o governo federal se mexer. No final da tarde, representantes do Poder Executivo se reuniram com lideranças indígenas, quilombolas, pescadoras e quebradeiras de coco. A segurança do Palácio do Planalto impediu a entrada de água e comida aos manifestantes e, depois de quatro horas de ocupação, em negociação, os povos e comunidades tradicionais arrancaram do governo uma agenda pela parte da tarde.
Depois de serem "recebidas" pela Tropa de Choque da Polícia Militar, na rua oposta ao Palácio do Planalto, 30 lideranças participaram do encontro no anexo 1 do Planalto. Na reunião, estavam presentes o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, Alexandre de Moraes (da Justiça), o ministro da Saúde, Ricardo Barros, e representantes da Secretaria de Segurança Institucional e da Secretaria Nacional de Articulação Social.
Os indígenas manifestaram-se duramente contra a PEC 241-55/2016, a PEC da Morte, que pretende congelar os gastos primários do governo federal pelos próximos 20 anos. "Essa PEC, a gente chama de peste, porque ela vai trazer muita morte e muita destruição para os povos indígenas e para as populações que aqui estão", afirmou Kahú Pataxó. "Queremos uma posição mais efetiva do governo em relação à regularização das terras indígenas, quilombolas e os territórios pesqueiros, para reparar essa dívida que o Estado tem e garantir a proteção das espécies, dos povos e dos territórios", cobrou o indígena.
Frente aos questionamentos de indígenas e quilombolas acerca da falta de recursos para o funcionamento básico da Funai e do Incra, Padilha ressaltou que o orçamento é atribuição do Congresso Nacional, e não do Executivo. “No ano que vem não vai ter mais dinheiro do que está lá [no Projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2017, entre pelo governo à Câmara dos Deputados em agosto]. Agora, se vai botar mais para as estradas, se vai botar mais na demarcação, vai ser o Congresso que vai escolher as prioridades”, afirmou o ministro.
“Com o Congresso dominado pelos interesses privados de bancadas como a ruralista, nós sabemos quais serão as prioridades dos deputados e senadores”, afirma Kum’Tum Gamela, do Maranhão.
Recado dado
Nas últimas semanas, foi ventilada entre indígenas e indigenistas a informação de que o governo Temer estaria preparando uma portaria ou decreto para modificar o procedimento de demarcação das terras indígenas, com a possível incorporação das condicionantes impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento de Raposa Serra do Sol, como o marco temporal e a impossibilidade de revisar limites de terras indígenas.
Durante a discussão, Kum’Tum Gamela mandou um recado direto aos ministros: “O marco temporal, para a gente, é o fim de qualquer procedimento de demarcação, é uma violação da Constituição e a negação de toda a história de violência contra os povos indígenas. O esbulho das terras indígenas e quilombolas foi violento, a saída de comunidades e povos de seus territórios tradicionais não se deu por vontade de conhecer outros lugares, se deu por uma violência imposta pelo Estado”.
Os Gamela são um dos povos que seriam afetados por esta interpretação restritiva da Constituição Federal, que o próprio STF definiu como não-vinculante às demais terras indígenas: com sua identidade negada por décadas e declarados oficialmente “extintos”, os Gamela passaram a reafirmar publicamente sua identidade indígena a partir de 2014 e lutar pela recuperação de seu território tradicional.
A liderança indígena apontou que estas condicionantes são também formas de violência contra os povos e as comunidades tradicionais e não podem ser introduzidas em novos instrumentos demarcatórios, pois inviabilizariam o acesso aos direitos territoriais destas populações.
Em resposta, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, afirmou que antes do governo discutir qualquer outra medida, a Fundação Nacional do Índio (Funai), que é ligada à sua pasta, está realizando “um mapeamento de todos os procedimentos relacionados a terras indígenas” em andamento ou judicializados, o que deve ser concluído até 30 de novembro. Os representantes do governo não trataram de forma definitiva de nenhum ponto da pauta apresentada pela nota pública da ocupação ao Palácio do Planalto.
Justamente por conta de interpretações limitadas de direitos constitucionais, Elionice Sacramento, do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais da Bahia, ressaltou: “Esta é uma incidência com o Estado brasileiro, não se trata de um diálogo amistoso com este ou aquele governo”.
Para a pescadora, os Decretos 8424 e 8425 seguirão sendo combatidos: “Esses decretos atacam a nossa identidade. Algumas e alguns de nós dormimos pescadores e pescadoras e acordamos trabalhadores de apoio à pesca artesanal. Isso é uma afronta para nós, e esse decreto aconteceu sem processo de consulta”. O ministro Padilha afirmou que “acha justa” a participação dos pescadores e pescadoras numa revisão dos decretos junto do governo.
Indígenas também se manifestaram contra a militarização da Funai e exigiram que generais e coronéis não sejam nomeados para ocupar a Presidência tampouco as coordenações do órgão. Este pleito foi defendido pelos povos Tumbalalá, Krikati, Guajajara, Pataxó, Guarani, Kanela, Kreepyn, Krenyê, Gamela, Awá-Guajá, Kaingang, Gavião e Tenetehar/Guajajara.